24 – REJEIÇÃO LIMINAR DOS EMBARGOS MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIOS
Os atos protelatórios vêm sendo combatidos de modificação em modificação legislativa do CPC, hoje trazendo conseqüências nas situações em que a parte abusa de seu direito para retardar o regular andamento e desenvolvimento do processo. Por isso, nos casos de recurso de embargos de declaração, quando de caráter protelatório, a lei autoriza o juiz ou tribunal a aplicar a multa de cunho processual em desfavor do embargante (art. 538, parágrafo único). Outra espécie de "pena" é a autorização para que o juiz conceda a antecipação de tutela quando a contestação ou defesa for protelatória (art. 273, II), independente da prova e da existência do perigo em razão da demora.
Com a nova redação do artigo 739 do CPC, a tentativa de utilizar os embargos como meio de protelar a satisfação do credor resultará em conseqüência grave: a sua rejeição liminar. Assim, a protelação indesejada com a apresentação de embargos agora terá um de seus remédios mais amargos: exatamente a inversão dos efeitos pretendidos, ou seja, ao invés de proporcionar um prazo para o devedor, será liminarmente desconsiderada, como se não existisse.
A alteração é, sem dúvida, pertinente no sentido de acelerar o processamento da execução, mas, em nossa opinião, o que ainda não está claro são os critérios para que o subjetivismo do juiz (que pode oscilar do prudente arbítrio para o abuso) venha a considerar um ato protelatório. Em outras palavras, não há critério legal para determinar um ato protelatório objetivo. Na falta de critérios melhores é razoável aceitar-se os definidos como ato litigância de má-fé; a alegação de fundamento jurídico claramente descabido; ausência de qualquer demonstração objetiva de que a alegação se funda em jurisprudência atual, vigente e dominante, legislação ou doutrina (ver art. 17).
Além de rejeitados liminarmente os embargos manifestamente protelatórios, o devedor estará sujeito, ainda, à multa no modelo da litigância de má-fé, ou seja, de até 20% do valor da causa e determinados em favor do executado (artigo 740 parágrafo único).
Ficou claro, agora, que o crédito resultante de qualquer condenação por litigância de má-fé poderá ser requerido na execução e será processado em autos em apenso, podendo ser compensado - se a condenação for em favor do executado ou embargante - ou poderá prosseguir como execução - se em favor do exeqüente (ver art. 739-B).
25 – INVERSÃO DA REGRA GERAL: OS EMBARGOS NÃO SERÃO RECEBIDOS NO EFEITO SUSPENSIVO
A regra geral, antes das modificações, era que os embargos do executado sempre seriam recebidos com efeito suspensivo. A não atribuição do efeito suspensivo segue a linha do que já foi acrescido ao CPC pela lei 11.232, no artigo 475-M.
Com a inclusão do artigo 739-A, a regra inverteu-se: agora eles sempre serão recebidos sem efeito suspensivo. O efeito suspensivo agora é a exceção, desde que concomitantemente: (a) seja requerido pelo embargante; (b) seja garantido por penhora, depósito ou caução (b.1) suficientes e (c) sejam relevantes os seus fundamentos e (d) o prosseguimento da execução manifestamente causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (ver §1º do artigo 739-A).
Essa inversão também caminha para indicar que os embargos hoje se confundem com a aplicação dada aos incidentes de pré-executividade, visto que (i) não possui de regra, efeito suspensivo, (ii) não necessitam de garantia do juízo e (iii) não têm prazo certo e previsto na lei para sua apresentação em juízo (neste ponto diferente dos embargos, pois estes têm prazo certo e previsto em lei)
Observa-se também que não basta a simples oferta de garantia do juízo e o pedido expresso para que seja atribuído efeito suspensivo aos embargos, pois os requisitos são cumulativos. Assim, também será necessário que haja a alegação e a demonstração - ainda que sumária - de que o prosseguimento da execução possa causar grave dano de difícil ou incerta reparação e que os seus fundamentos são relevantes.
Também chama a atenção o fato de que a garantia do juízo, seja por penhora, depósito ou caução, deve ser suficiente. Isto implica em não se aceitar as garantias que não cubram totalmente o crédito em execução ou, como em muitas vezes ocorria, admitir-se a penhora de todos os bens encontrados como situação apta a conceder o direito de conhecer dos embargos - mesmo insuficientes para todo o crédito executado. Hoje os embargos serão conhecidos mesmo sem garantia, mas o efeito suspensivo só poderá ser atribuído após o preenchimento de todos os requisitos indicados. Assim, este importante ponto de estrangulamento das execuções também foi contemplado.
O efeito suspensivo, além de excepcional, comporta a manutenção das restrições anteriores, como a que se vê no §§ 3º e 4º do artigo 739-A, ou seja, (i) quando atribuído se estenderá somente no limite dos embargos. Se estes forem parciais, i. e., não se referir à totalidade do crédito exeqüendo, o remanescente da execução prosseguirá sem qualquer efeito suspensivo e de forma imediata. Além disso, (ii) o efeito suspensivo atribuído ao argumento que só aproveita a um dos executados não será estendido aos demais executados, tenham eles apresentado embargos ou não.
25.1 Contrariedade à decisão sobre o efeito suspensivo aplicado aos embargos
O § 2º do artigo 739-A indica que a decisão do juiz que atribui ou não o efeito suspensivo aos embargos é daquelas que não podem ser revistas pelo próprio juiz de ofício, tratando-se de uma espécie de preclusão pro iudicato, já que somente com a provocação de uma das partes, exeqüente ou executado, é que os efeitos poderão ser revistos. Pensamos que se houver erro manifesto do juiz ele pode e deve modificar sua decisão. A provocação das partes poderá se dar por simples manifestação, isolada ou juntamente com outras manifestações ou peças processuais expressamente previstas. Assim, poderá ser feita sob o nome de pedido de reconsideração, ou ainda, em sede de recurso que enseja o exercício do juízo de retratação, como é o caso do agravo retido e de instrumento. Neste particular, caso se trate de situação relevante e urgente que possa tornar de difícil ou incerta reparação para o executado, parece claro que somente o agravo de instrumento é que seria cabível (como o legislador já fez notar no artigo 475-M, § 3º).
Para o caso da rejeição liminar dos embargos o remédio parece ser o recurso de apelação com a disciplina do artigo 296, ou seja, a mesma aplicável aos casos de indeferimento da liminar.
25.2 Prosseguimento da execução mesmo com a atribuição de efeito suspensivo aos embargos
Parece-nos que o exeqüente poderá, excepcionalmente e ainda que não previsto, mesmo nos casos em que os embargos tenham sido recebidos com o efeito suspensivo, requerer o prosseguimento da execução, desde que venha a oferecer caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos, seguindo a aplicação do regramento equivalente para a execução de título judicial, tal qual previsto no art. 475-M, §1º e próximo das precauções previstas no art. 475-O, III, inclusive §1º, §2º e seus incisos I e II.
25.3 Regras gerais de interpretação e co-implicação entre o regime do cumprimento de sentença e do processo de execução
O legislador deixou evidente a co-implicação entre os procedimentos adotados para o cumprimento de sentença (no processo de conhecimento) e o regramento aplicável à execução de título executivo extrajudicial, tal qual mutuamente se referem, de forma subsidiária, os artigos 475-R e 598 do CPC.
26 – PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO DOS EMBARGOS E A DETERMINAÇÃO DE AUDIÊNCIA
Assim como ocorre na contestação do processo de conhecimento, a manifestação do executado deverá ser apresentada em 15 dias após o recebimento dos embargos. Aqui o legislador disse menos do que deveria, pois o prazo de 15 dias não se conta exatamente do ato de recebimento dos embargos, mas da ciência do exeqüente de que os embargos foram recebidos pelo juiz, conforme a regra geral de contagem dos prazos. Isso se dá por intimação ao advogado do exeqüente que, a partir deste momento será denominado embargado.
A nova redação do artigo 740 do CPC indica a clara percepção pelo legislador de que os embargos formam incidente assemelhado a um processo de conhecimento, tanto por indicar que o juiz poderá julgar imediatamente o pedido (como indicado no art. 330 do CPC) ou, se houver necessidade de provas, deverá designar audiência de conciliação, instrução e julgamento.
Cabe observar que a audiência de conciliação (artigo 331) também será prática a ser incorporada na execução, já que atende a ditames constitucionais e é própria dos feitos no processo de conhecimento. Isto porque na audiência prévia de conciliação o processo poderá se resolver em transação e, caso contrário, o juiz terá a oportunidade de saneá-lo. Desta forma, não é possível entender que se for o caso de julgamento imediato do pedido (artigo 330) o juiz não deva proceder a conciliação, como oportunidade para a solução conciliada, i.e., construída pelas partes. A conciliação parece ser indicada, pela aplicação da regra geral do 331, para os casos em que há embargos, porém, mesmo sem embargos, a audiência prévia poderá se mostrar útil na própria execução não embargada. O juiz deve atentar para a celeridade dada pelo legislador e, portanto, se a audiência de conciliação tornar incompatível com a peculiaridade do caso, é preferível não fazê-la, nas execuções não embargadas.
A transação obtida nas conciliações, em juízo ou fora dele, diga-se, não é igual àquela que se consegue no processo de conhecimento em que as partes acertam a obrigação, mas diferente, pois as partes não discutem a existência da obrigação mas transacionam a forma e condições de sua satisfação e do perdão de parte do crédito (remissão pelo exeqüente em favor do executado).
O artigo 740 indica que o rito a ser adotado é o mais breve e expedito possível, pois menciona que o juiz deve julgar imediatamente o pedido após o recebimento da manifestação do embargado e que, se houver instrução, deverá proferir sentença no prazo de 10 dias. É claro que esta redação atende mais aos anseios de celeridade do que a qualquer possibilidade prática, visto que são prazos conhecidos como impróprios e que, dirigidos ao juiz, não acarretam sanções de ordem processual, quando muito, de ordem disciplinar. Os prazos impróprios tratam-se de recomendação que, excepcionalmente, se acarretarem prejuízos às partes, sujeitará o Estado à reparação civil.
27 – DAS ALEGAÇÕES NOS EMBARGOS
A manutenção na redação do artigo 745 de que ''nos embargos o executado poderá alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento'', mantém a defesa do executado bastante ampliada, tornando meramente exemplificativos e até desnecessários os demais incisos e exemplos indicados no mesmo artigo.
Além das nulidades processuais e aquelas que afetam o negócio jurídico, é possível ao executado alegar a nulidade de execução baseada no argumento de que o título apresentado não seja título executivo (art. 745, inc. I).
Quanto à penhora, o embargante poderá alegar que ela se deu de forma incorreta, ou por desrespeitar as regras procedimentais para sua a sua consumação ou porque atingiu bem impenhorável ou garantido de alguma forma (v.g., no caso em que a constrição atinja além do limite protegido das cadernetas de poupança). Além disso, como a avaliação acabou ganhando regras procedimentais próprias, outro argumento de defesa é que a avaliação apresentou valores incorretos (inferior ou superior). O excesso de penhora também está compreendido no inciso I do art. 745.
Aqui cabe a observação de que o legislador equivocou-se seriamente ao indicar que os defeitos da penhora só devam ser alegados nos embargos. Isto fazia sentido na redação anterior. Primeiro porque o recebimento dos embargos independe da penhora, sendo que em muitos casos os embargos já teriam sido apresentados quando viesse a ocorrer a penhora. Segundo porque no caso da penhora vier a ser oferecida pelo próprio executado, nos casos em que ele requerer o efeito suspensivo aos seus embargos, ele próprio cuidaria para que a penhora fossa a mais correta possível, anulando ou minimizando a produção de defeito por ele mesmo. Aliás é vedado, em nosso sistema, a possibilidade de alegação de nulidade por quem a causou, como regra geral (art. 243 do CPC). O legislador ainda confirmou a falha na possibilidade de alegação de defeitos da penhora, ao dar outra oportunidade de manifestação em embargos (do artigo 746) para os defeitos que tenha ocorrido "após a penhora". Desta forma, se os defeitos da penhora só pudessem ser alegados em embargos, a lei levaria a inconstitucionalidade da ausência de oportunidade para que o executado pudesse se manifestar a este respeito, contrariando a bilateralidade do processo e os princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5, inc. LV). Enquanto não se corrige este defeito procedimental, a solução seria aceitar que os defeitos da penhora pudessem ser alegados em mera manifestação, após sua ocorrência, sem prazo definido e desde que antes da adjudicação, alienação e arrematação, tal qual se faria num incidente de pré-executividade. Excepcionalmente, se houvesse possibilidade pela ocorrência da penhora dentro do prazo de embargos, o executado também poderia apontá-los em embargos, porém não só neles.
Outra questão refere-se aos defeitos da penhora realizada em cumprimento de carta precatória. Seus vícios deverão ser alegados (i) diretamente ao juízo deprecado que supervisiona e autoriza os atos praticados ou (ii) incluídos, quando possível, nos embargos à execução. Na primeira hipótese, entendemos que tais vícios poderão ser deduzidos em simples manifestação, pois se se aceitar que o sejam somente em embargos, teremos a hipótese da interposição dos embargos à penhora no juízo deprecado e embargos à execução no juízo deprecante.
Retomando os comentários ao artigo 745, também poderão ser alegados o excesso de execução e a cumulação indevida de execuções (art. 745, inc. III). Não se confunde o excesso de execução com o excesso de penhora, pois a lei é que dá o contorno ao que deva ser entendido como excesso de execução (ver artigo 743 do CPC e seu equivalente para a execução de título executivo extrajudicial no artigo 475-L, § 2º). A cumulação indevida de execuções tanto pode significar (i) a cumulação de execuções incorretamente contra um devedor quando um dos títulos se refere a outro ou (ii) a cumulação de execuções que se processem com ritos distintos, como se dá na cumulação de dívida civil com a de prestação alimentícia.
A nova redação do artigo 745 disciplina a questão da defesa do embargante quando alegar retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa, mencionados no artigo 621 do CPC. Assim, nos embargos por retenção de benfeitorias, o executado poderá requerer a compensação do que gastou com os valores devidos e exigidos pelo exeqüente. A apuração destes valores dependerá de laudo de perito, não bastando a simples alegação do executado (art. 745, § 1º). No entanto, parece claro que se executado e exeqüente concordarem com os valores atribuídos às benfeitorias, a avaliação do perito é desnecessária.
A mudança significativa trazida pela nova redução do artigo 745 é que o juiz poderá imitir o exeqüente na posse, a qualquer tempo, desde que preste caução ou deposite o valor devido pelo saldo das benfeitorias (caso estas excedam o débito) e, logicamente, já estejam determinadas. Novamente aqui se mostra a celeridade aplicada à satisfação do credor e o equilíbrio em relação ao devedor, para que ao entregar a coisa certa, não perceba prejuízo. Apesar da redação mencionar a qualquer tempo, parece-nos que o momento para esta decisão só se dará após a entrega do laudo do perito, pois este será o momento em que o valor das benfeitorias será determinado. A situação ainda pode apresentar alguma dificuldade caso o exeqüente queira dar em caução a própria coisa a ser entregue, situação que não está vetada e, na prática, implicaria na possibilidade de que o exeqüente, depois de ajuizada a execução, sempre pudesse ter em seu favor a liminar de imissão na posse a qualquer tempo.
Os argumentos listados no artigo 475-L do CPC, trazidos pela lei 11.232/06 também podem ser alegados nos embargos de título executivo extrajudicial, visto que os assuntos lá tratados são comuns a todos os tipos de processo (475-L, inc. I - falta ou nulidade de citação. ..; IV- ilegitimidade das partes e, em geral, VI - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação). Observa-se que toda a matéria de ordem pública, na seara processual (pressupostos processuais e condições da ação) e até mesmo na seara material (como a prescrição e a decadência) pode e deve ser alegada em sede de embargos.