As variações do golpe do empréstimo consignado e da falsa portabilidade.
O presente artigo tem a intenção de desmistificar como deve ser realizado o procedimento de portabilidade de empréstimo consignado e demonstrar algumas variantes do golpe do empréstimo consignado que já foi tema de uma matéria publicada no presente meio de comunicação.
Com a publicação do citado artigo centenas de pretensas vítimas evitaram seus prejuízos através da consultoria especializada prestada antes de aceitar as propostas realizadas por empresas que entram em contato por WhatsApp ou ligação, se passando por correspondentes bancários e deixando diversas vítimas com prejuízos que muitas vezes superam a vultuosa quantia de meio milhão de reais, razão pela qual, se há qualquer dúvida sobre a dinâmica de como acontece o referido golpe, se você leitor julgou estranha a proposta ofertada, leia a matéria anterior com bastante atenção e retire todas suas dúvidas sobre o procedimento de portabilidade e as variantes do golpe do empréstimo consignado que serão tratadas na presente matéria.
A forma como o golpe do empréstimo consignado acontece está ficando ultrapassada em razão da divulgação de suas características em vários mecanismos de imprensa, razão pela qual os criminosos responsáveis pela aplicação da referida fraude estão criando variantes mais agressivas com a finalidade de obter êxito no engodo de servidores públicos das mais diversas forma possíveis, sendo absurda a grande quantidade de vítimas feitas por empresas golpistas e surpreendente toda a estrutura e especialidade dos criminosos para que logrem êxito em enganar servidores públicos, militares e pensionistas.
Assim, para que não haja qualquer chance de que após ler essa matéria você seja uma das vítimas de empresas criadas com o único propósito de aplicação de golpes é necessário esclarecer como deve ser feito o procedimento de portabilidade regulamentado pelo Banco Central e quais são as variantes do golpe do empréstimo consignado.
1. DO PROCEDIMENTO DE PORTABILIDADE OFICIAL.
A portabilidade é a transferência de operação de crédito de instituição credora original para instituição proponente, por solicitação do devedor, sendo um procedimento presente na vida de servidores públicos para que haja competitividade de taxas de juros de empréstimos entre instituições financeiras.
A Resolução Nº 4.292, de 20 de dezembro de 2013, do Banco Central regulamenta todo o procedimento de portabilidade e em seu artigo 2º e assevera que A transferência de operação de crédito entre instituições financeiras, a pedido do devedor, deve ser realizada na forma prevista nesta Resolução, sendo vedada a utilização de procedimentos alternativos com vistas à obtenção de resultado semelhante ao da portabilidade..
Ou seja, segundo o Banco Central a portabilidade acontece entre instituições financeiras, o cliente deve comunicar sua intenção de realizar a portabilidade a nova instituição (instituição proponente) e esta fica responsável de entrar em contato com a instituição credora original, e solicitar o saldo devedor da dívida.
Realizado o referido procedimento, a instituição credora original pode apresentar uma proposta para manter o cliente em condições iguais às oferecidas ou até mais favoráveis.
Desta forma, é possível concluir que o procedimento de portabilidade da forma que é previsto pelo Banco Central, nunca necessita de uma participação ativa do consumidor para levantar o valor do saldo devedor ou para receber valores em sua conta bancária e transferi-los para terceiros.
As referidas ponderações e conceitos sobre o procedimento de portabilidade são bastante pertinentes, tendo em vista que empresas fraudarias tentam convencer as vítimas de que existe um procedimento de portabilidade que é realizado de forma manual onde a instituição financeira transfere dinheiro para o consumidor para que este deva transferir para empresas que se apresentam como financeiras, Correspondentes bancários ou representantes dos bancos, sobre a justificativa de que esta irá quitar o empréstimo anterior e que o dinheiro depositado seria referente ao procedimento de portabilidade.
Porém, o dinheiro que é depositado na conta da vítima é decorrente da contratação de um novo empréstimo que muitas vezes é realizada de forma fraudulenta (assinaturas falsas, induzimentos a assinatura digital) com a participação de correspondente bancários e em total desconhecimento das vítimas, que só percebem a situação quando notam que ao invés de um empréstimo averbado no contracheque passam a ter dois, visto que o procedimento de portabilidade jamais é concluído.
É importante destacar que a maioria das vítimas desconhecem o procedimento regulado pelo BACEN para a portabilidade e que tal regulamentação visa apenas dar segurança aos clientes de instituições bancárias quanto ao procedimento que deve ser adotado.
Assim, ainda que desobedecido o procedimento previsto para portabilidade, a instituição financeira pode ser responsabilizada pela fraude por permitir que empresas fraudarias tenham acesso às informações pessoais dos clientes, intermediem e aprovem empréstimos consignados mediante assinaturas falsas ou com vício de vontade ao induzir a vítima a erro e dolo sobre a natureza jurídica do negócio jurídico praticado, visto que em muitos casos prometem a portabilidade e realizam a contratação de um empréstimo consignado, em total desconformidade com as propostas realizadas previamente.
2. DA PORTABILIDADE MANUAL DE EMPRÉSTIMO.
O referido golpe se diferencia dos demais em razão de ser menos agressivo. Empresas que se apresentam como correspondentes bancários entram em contato com as vítimas e prometem reduzir a parcela do empréstimo consignado anterior.
Ao aceitar a proposta, orientada por representantes de empresas criminosas, a vítima acaba enviando documentos pessoais (RG e CPF) e a autorização para a averbação de um novo empréstimo.
Em seguida a empresa fraudaria se encarrega de realizar toda a contratação de um novo empréstimo bancário, muitas vezes fraudando a assinatura da vítima ou a induzindo a assinar sem ter conhecimento dos termos do contrato por meio de assinatura digital.
Após, o valor referente a um novo empréstimo consignado é depositado na conta bancária do servidor público sob o pretexto de que seria a quantia necessária para quitação do empréstimo anterior que havia sido depositada pelo Banco para o qual seria feita a portabilidade.
Assim, sem levantar suspeitas os fraudários pedem para que a vítima solicite o boleto de quitação antecipada do empréstimo anterior e realize o pagamento deste com valor e alguns casos solicitam a transferência do valor sobressalente para a conta da empresa fraudaria ou de representantes desta.
Neste caso, diferentemente do que ocorre nos demais golpes, o empréstimo anterior realmente é quitado pela própria vítima com dinheiro recebido.
Porém, no mês seguinte o servidor público percebe que a portabilidade da dívida não foi realizada e que o novo desconto lançado em seu contracheque está em total desconformidade com o acordado. Ou seja, muitas vezes o empréstimo anterior já estava sendo finalizado e então surge um novo empréstimo com prazo de 96 (noventa) parcelas, com juros mais altos e com parcelas maiores.
Ao agir dessa forma, a empresa que intermedia a transação além de fraudar a contratações de um empréstimo age em nome da instituição financeira lhe representando (Súmula nº479 do STJ), razão pela qual é possível obrigar que o banco responsável pela transação cumpra com a proposta ofertada, sendo imprescindível a anulação da empreitada, não restando uma alternativa a não ser a de buscar o judiciário para reparar os danos sofridos.
3. DA CÉDULA DE CRÉDITO DE COMPRA DE DÍVIDA/PORTABILIDADE FALSA
No presente caso, a vítima, que como sempre é servidor público, após a realização de um empréstimo consignado passa a receber constantes ligações de empresas que se apresentam como correspondentes bancários de instituições financeiras renomadas oferecendo a renegociação deste empréstimo.
Em um primeiro momento, a representante diz ser funcionária de uma instituição financeira e informa a vítima de que essa tem a possibilidade de redução de seu contrato, com descontos atrativos nos valores das parcelas.
A todo tempo informa que está sendo feita uma compra de dívida (ou portabilidade) e que não haveria aumento no número de parcelas, permanecendo apenas as restantes do contrato original com a instituição financeira anterior.
Desta forma, acreditando na veracidade da proposta realizada, a vítima se interessa na compra de dívida, diante das atrativas condições oferecidas.
Assim, a representante do Banco, solicita o envio de algumas documentações preliminares, como o extrato de consignações e o último contracheque, e muitas vezes informa que enviará tais documentos para a esteira bancária.
Após alguns dias, a representante do banco retoma o contato e informa ter sido aprovada a compra de dívida, e na maioria das vezes que os detalhes da transação só poderiam ser repassados por ligação.
Após, são solicitados diversos documentos pessoais (RG, CPF e Contracheque) bem como códigos gerados pelo sistema de pagamento (SIGEPE, eConsig entre outros) sobre a argumentação de que se trata do procedimento solicitado pela instituição financeira.
Desta forma, por meio de contato telefônico a representante da empresa informa que a operação foi pré-aprovada e que para a confirmar a vítima receberá uma ligação onde deve confirmar a transação conforme orientações repassadas pela representante do banco.
Ou seja, o representante do Banco intermedia a negociação a todo momento, solicita documentos, os repassa para o banco e até informa quando o banco entra em contato.
Assim, a representante do banco informa que a liquidação do empréstimo com o Banco anterior poderia ocorrer de duas formas, ser manual ou automática, e caso seja manual seria dado de garantia ao consumidor um boleto de quitação.
Na presente fraude, a vítima assina um contrato intitulado Cédula de Crédito de Compra de Dívida ou Cédula de Crédito de Portabilidade, que descreve toda a compra de dívida e faz menção ao empréstimo anterior que seria quitado.
Assim, após receber a ligação do Banco a vítima recebe em sua conta determinado montante e em seguida é informada pela representante da disponibilidade do valor e que deve fazer a quitação do empréstimo anterior de forma manual através de transferências bancárias para o correspondente bancário.
Na presente etapa a vítima acaba realizando o depósito por acreditar na legitimidade do correspondente bancário que além até então tem credibilidade por permitir o depósito de vultoso valor na conta bancária da vítima.
Em alguns casos a vítima recebe da empresa intermediadora um instrumento particular, onde, esta se responsabiliza por qualquer eventualidade ou erro que ocorra no contrato.
Assim, o golpe é percebido apenas alguns meses quando a vítima perceber que é averbado um novo desconto em seu contracheque, com taxas e valores completamente diferentes da proposta de compra de dívida apresentada e que o empréstimo anterior jamais foi quitado, ou seja, dois descontos são mantidos.
Desta forma, a vítima então procura a instituição financeira responsável pelo novo desconto e então percebe que o banco possui uma Cédula de Crédito de novo empréstimo de total desconhecimento da vítima que jamais anuiu ou assinou o citado documento.
Ainda que a vítima busque o cancelamento da compra de dívida poucos dias após a negociação, não é dada essa possibilidade pela correspondente bancária, pois muitas vezes essas empresas condicionam o cancelamento à assinatura de um contrato particular que na verdade legitima um falso vínculo da vítima com a empresa fraudária, dando a entender que o servidor público anui à contratação de um novo empréstimo e que a empresa fraudária seria responsável por pagar o valor das parcelas, fato que ocorre apenas nos primeiros meses.
O consumidor se vê então em uma situação extremamente delicada, pois percebe que o cancelamento e a conclusão da portabilidade manual nunca ocorreram, visto que o correspondente bancário, usando de informações privilegiadas e de seu contato com o banco, apresentou proposta manchada por diversas fraudes.
Com a cédula de crédito enviada pelo Banco, que descreve a contratação de um empréstimo na modalidade crédito novo, o consumidor percebe que foi enganado e levado a assinar cédula fraudada, com informações que não condizem com a realidade.
4. BOLETO E COMPROVANTE DE QUITAÇÃO FALSOS
A evolução do golpe do empréstimo consignado, além das inúmeras variantes também tem sido realizada com a dissimulação de boletos e comprovantes de quitação falsos.
A abordagem é bem parecida com o que ocorre no golpe do empréstimo consignado, com as falsas promessas vantajosas de portabilidade e redução de juros.
Acontece que ao ser depositado uma determinada quantia na conta das vítimas, e provenientes da contratação de um novo empréstimo, muitas vezes realizada de forma fraudulenta, os golpistas enviam um boleto para quitação do empréstimo.
Acontece que ao pagar o referido boleto os criminosos se apossam do dinheiro da vítima e em seguida enviam comprovante de quitação falso.
Esta fraude é descoberta pela vítima quando os criminosos cortam todos os contatos ou quando em contato com a instituição financeira a fraude é desmascarada, descobrindo que o boleto possuía dados falsos e distintos, mas bem parecido com o confeccionado pela instituição financeira, muitas vezes contendo até mesmo a logomarca do Banco.
5. DA RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
De início, deve-se destacar que a relação entre o cliente e a instituição financeira é regida pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC, conforme entendimento dominante da jurisprudência e já disciplinado na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça - STJ que assevera que O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.".
Assim, não há dúvidas de que se trata de uma relação consumerista e in casu a vítima de fraude bancária é vista como o elo mais fraco da relação jurídica.
Para delimitarmos então a responsabilidade da instituição financeira mais uma vez nos socorremos ao entendimento sumulado do STJ que sobre a fraude bancária realizada por terceiro já formou o seguinte entendimento, in verbis:
Súmula 479 do STJ - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Desta forma, diante deste entendimento precisamos destrinchar conceitos básicos tratados no referido enunciado de súmula.
É possível verificar que o Douto Tribunal reafirma que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados reafirmando o que já era disciplinado no art. 14 do CDC, que trata da responsabilidade objetiva do prestador de serviço, e como visto, a relação bancária trata-se de relação consumerista, ou seja, não havendo novidade neste ponto.
A inovação do conceito vem na segunda parte do enunciado que disciplina danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Desta forma o referido conceito visa determinar a responsabilidade da instituição financeira de forma objetiva, reconhecendo que as fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias é um fortuito interno, ou seja, um dano decorrente da própria atividade desenvolvida que traz prejuízos inesperados para o consumidor.
Portanto, no caso de dano decorrente de fortuito interno, não pode a instituição financeira alegar culpa exclusiva de terceiro ou da vítima (art.14, §3º do CDC) para se eximir da responsabilidade, até porque este é considerado um risco do empreendimento.
Caso a fraude bancária realizada por terceiro não fosse considerada um fortuito interno, a atividade bancária não teria riscos como todo o empreendimento, ou seja, o empresário estaria desonerado dos riscos de seu próprio empreendimento, imputando este ao consumidor, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico.
Desta forma, a culpa exclusiva de terceiros apta a eliminar a responsabilidade objetiva da instituição financeira é apenas a decorrente de fortuito externo (fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor).
Ora, as fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, configura fortuito interno, pois fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso, não livram o banco do dever de indenizar.