Intervalo intrajornada é a pausa realizada pelo trabalhador dentro do horário de expediente. Ele serve para que o colaborador possa descansar e alimentar-se adequadamente.
O seu tempo de duração pode variar a depender das jornadas exercidas por cada empregado, podendo ser de 15 minutos, para os empregados com jornada diária máxima, de 6 (seis) horas e até 2 (duas) horas, para os empregados que exercem jornada de trabalho de até 8 (oito) horas.
Tem previsão específica no artigo 71, da CLT, vejamos:
art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.
Como bem mencionado no artigo, esses prazos podem ser dilatados se pactuados em instrumentos coletivos, ratificados pelos sindicatos representantes das categorias dos obreiros.
Ocorre que leis especiais, no intuito de salvaguardar interesses de categorias especificas, por desenvolverem atividades especiais, estipularam intervalos intrajornada com tempo de duração diverso.
Como exemplo desse caso, temos a lei 3.999/61, que dentre outros assuntos regula a carreira do médico, com indicação de intervalo intrajornada incompatível com o já estipulado pela CLT.
Art. 8° A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira de modo algum o disposto no artigo 12, será:
a) para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas diárias;
b) para os auxiliares será de quatro horas diárias.
§ 1° Para cada noventa minutos de trabalho gozará o médico de um repouso de dez minutos.
Conforme expresso no referido dispositivo, a própria lei excetua a sua aplicação quando existir acordo escrito em sentido diverso.
Nesse sentido, existindo Acordo Coletivo de Trabalho com previsão de intervalo, com o mesmo fim, mas com duração de tempo diverso, deve prevalecer o pactuado sobre o legislado.
Ademais, válido destacar, ainda, o que prevê o art. 611-A, da CLT:
Art. 611-A, da CLT. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017)
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017) II - banco de horas anual; (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017), III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas.
É o que a doutrina chama de prevalência do negociado sobre o legislado.
Tal previsão normativa tem suas bases fundamentais no reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, insculpida no art. 7°, inciso XVII da Constituição Federal, previsto como direito social dos trabalhadores urbanos e rurais.
Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 590.415, a justificativa do referido dispositivo constitucional se deve ao fato de que o ''reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.''
Válido, sobre essa questão, trazer as lições da doutrina de Maurício Godinho Delgado (2008, p.160):
Há limites objetivos à adequação setorial negociada; limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista.
Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falece poderes de renúncia sobre direito de terceiros, (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas.
Também não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a diretos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por uma negociação sindical coletiva. Tais parcelas são imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar mínimo civilizatório que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e valorização mínima deferível ao trabalho (art.1°, III e art. 170, caput, CF/88). Expressam, ilustrativamente, essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação na CTPS, o pagamento de salário mínimo, as normas de medicina e segurança do trabalho.
Ocorre que, na visão do legislador reformista, o posicionamento do TST gera um ambiente de incerteza jurídica quanto aquilo que foi ou o que pode ser negociado, fato que impede ou dificulta o desenvolvimento das atividades econômicas, além de gerar um passivo perante os Tribunais Trabalhistas a respeito da interpretação de cláusulas existentes em acordos coletivos ou convenções coletivas de trabalho.
Por tais razões, com a reforma trabalhista, buscou-se enfrentar a insegurança jurídica gerada pela ausência de normatização sobre as matérias que podem ser objeto de flexibilização pela negociação coletiva, prevendo-se expressamente, no já citado, art. 611-A, assim como no art. 611-B.
Desse modo, tem-se a previsão legal quanto à prevalência do intervalo intrajornada pactuado sobre o legislado, não restando dúvidas acerca da improcedência do pedido formulado na presente ação.
Ora, havendo negociação coletiva em sentido diverso, não há que se falar em aplicação da Lei n° 3.666/91, carecendo de respaldo o pedido para determinação de sua aplicação ressalvando-se o previsto em ACT ou CCT, posto que um instituto exclui o outro, sendo juridicamente impossível a concessão de provimento judicial que abarque ambos os institutos, até mesmo por não haver causa de pedir que ampare o pedido, dada a não comprovação de que a EBSERH descumpre a lei (pois já claramente informado que a empresa ampara-se na exceção prevista na mesma).
Na interpretação das normas não é viável valer-se apenas do método literal, sendo cogente que se analise também a sua finalidade, o ambiente de sua aplicação dentre outros.
Explicando, para melhor entender a motivação do legislador os intérpretes do direito devem buscar o contexto histórico da norma, a Lei n° 3999/61 foi criada para regular o salário e a jornada dos médicos no Brasil no ano de 1961, vejamos:
LEI Nº 3.999, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1961
Publicada no DOU de 21/12/1961
Altera o salário-mínimo dos médicos e cirurgiões dentistas.
À época a classe médica não detinha tanta valorização como atualmente, de forma que o legislador interviu a fim de garantir que estes auferissem 03 (três) vezes o salário-mínimo vigente na região que exercesse a profissão, uma espécie de salário-mínimo regional. É o que se depreende do principal artigo finalístico da lei que deixou claro sua criação no caput alhures:
Art 5° - Fica fixado o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vezes e o dos auxiliares a duas vezes mais o salário-mínimo comum das regiões ou sub-regiões em que exercerem a profissão.
Contudo, de acordo com a Teoria do Conglobamento, as Negociações Coletivas não podem ser analisadas cláusula por cláusula, mas sim, em sua totalidade.
Com relação à referida teoria, Longhi (2009, p. 93), assim conceitua:
A teoria do conglobamento pode ser conceituada como um método de interpretação utilizado na existência de conflitos entre normas a serem aplicadas ao contrato individual do trabalho, na qual o princípio da norma mais favorável que é o que solucionará a questão, é aplicado no conjunto, não permitindo o fracionamento ().
Diante dessa teoria, as condições previstas nas leis, CLT ou Lei n° 3999/61, devem ser prestigiadas em respeito à Teoria do Conglobamento, vez que não se pode destacar uma cláusula de um salário da CLT e a jornada intervalada de 90 minutos. Há de ser escolhida, dentre as duas a que se mostre mais favorável de forma isolada.
Acerca do tema, o Tribunal Superior do Trabalho entende que:
PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL. PREVALÊNCIA DO ACORDO COLETIVO. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. No âmbito desta Corte Trabalhista tem prevalecido o entendimento de que, na apuração da norma mais vantajosa, deve ser considerado todo o conteúdo dos instrumentos coletivos cotejados, mesmo porque o acordo coletivo pressupõe, na sua essência, que as partes acordantes se compuseram em razão de seus interesses prementes, sendo natural que tenham aberto mão de vantagens para albergar outras exclusivamente visualizadas por elas. (Precedente da SBDI-1). Recurso de embargos conhecido e desprovido. (TST, 3° Turma, RR-1021/2002- 074-15-00.7 Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJU 07/12/06). (Destaque nosso)
REAJUSTES E ABONO ESTABELECIDOS EM CONVENÇÃO COLETIVA E NÃO RATIFICADOS EM ACORDO COLETIVO. OBSERVÂNCIA DO ART. 620 DA CLT E APLICAÇÃO DA TEORIA DO CONGLOBAMENTO. I O acordo coletivo, em razão de sua especificidade em relação aos empregados da empresa, deve ser preservado, pois é celebrado dentro de um contexto de concessões mútuas, no pleno exercício de autonomia negocial coletiva pelos sindicatos profissionais, que não pode ser desconsiderada, sob pena de frustração da atuação sindical na tentativa de autocomposição dos interesses coletivos de trabalho. II Na interpretação dos ajustes coletivos prevalece o princípio do conglobamento, segundo o qual as normas coletivas devem ser observadas em sua totalidade e não isoladamente, pois, na negociação coletiva, os empregados obtêm benefícios mediante concessões recíprocas, sendo vedado aplicar, entre as disposições acordadas, apenas o que for mais benéfico aos trabalhadores. 3. É inviável a aplicação em parte da Convenção Coletiva, conjugando-se com o acordo coletivo firmado pela categoria, como feito pelo acórdão recorrido. O art. 620 da CLT não autoriza tal procedimento, devendo ser interpretado como determinante da aplicação da norma mais favorável em seu conjunto, e não de forma parcelada. Esse tem sido o entendimento do TST, conforme os precedentes citados. Recurso conhecido e desprovido. (TST, 4° Turma RR-638/2003-066-15-00.1 Rel. Barros Levenhagem, DJU 07/12/2006). (Destaque nosso)
Assim, de acordo com a jurisprudência trabalhista, conclui-se que é defeso ao trabalhador pinçar normas menos benéficas de um determinado Acordo Coletivo, refutando sua aplicabilidade, quando se beneficiou de diversas normas mais benéficas constantes na referida negociação.
Não restam dúvidas, assim, quanto à inaplicabilidade do intervalo previsto na Lei n° 3.666/91, quando houver norma coletiva, com cláusula expressa prevendo intervalo, para o mesmo fim, mas com tempo de duração diverso, ante a prevalência do negociado sobre o legislado e da violação à teoria do conglobamento no direito do trabalho.