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Reflexões sobre a importância do foro por prerrogativa de função

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Agenda 08/07/2022 às 11:00

Notas Complementares:

1. O Mito da Maior Celeridade dos Julgamentos em Primeira Instância

A afirmação segundo a qual os julgamentos procedidos pela Primeira Instância são necessariamente mais céleres do que os que tramitam nos Tribunais Superiores é simplesmente fantasiosa e não corresponde às estatísticas disponibilizadas dentre os vários órgãos do Poder Judiciário e também pelo CNJ.

Segundo o Ministro GILMAR MENDES (O Globo, 16/12/17, p. 5) o Brasil tem um índice quase negativo de persecução criminal (pela Primeira Instância). Apenas 8% dos homicídios são revelados. É uma Justiça que funciona mal; uma das piores Justiças e, agora, vai receber os políticos. É um tipo de populismo e uma coisa que não vai funcionar.

Por outro lado, recentemente o Ministro LUIZ ROBERTO BARROSO conduziu em apenas três meses (90 dias) o julgamento, com o recebimento da denúncia, contra o Senador JOSÉ AGRIPINO (DEM), demonstrando, claramente, a celeridade do Superior Tribunal Federal (STF) em muitos casos (O Globo, 16/12/17 p. 16).

2. A Confusão Dolosa e Intencional entre Privilégio e Prerrogativa de Função

É importante consignar que uma discussão provida de necessária seriedade em relação ao foro por prerrogativa de função passa necessariamente pelo encerramento quanto à questão dos eventuais privilégios que se supõem existir em função deste instituto.

Privilégios são os mais diversos atos e procedimentos, independentemente da existência do referido instituto, e que são realizados, notadamente, através de corrupção e de outros métodos imorais e ilícitos, o que, a toda evidência, não são encontrados quando da simples e correta aplicação do instituto epigrafado.

Não se trata de um privilégio, o que seria odioso, mas de uma garantia, de elementar cautela, para amparar, a um só tempo, o responsável e a Justiça, evitando, por exemplo, a subversão da hierarquia, e para cercar o seu processo e julgamento de especiais garantias, protegendo-os contra eventuais pressões que os supostos responsáveis pudessem exercer sobre os órgãos jurisdicionais inferiores. (...) Tal foro não é concedido à pessoa, mas lhe é dispensado em atenção à importância ou relevância do cargo ou função que exerça (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO; Código de Processo Penal Comentado, 14ª. ed., Saraiva, São Paulo, 2012, p. 363-5).

Vale mencionar ainda, a jurisprudência pacifica do Supremo Tribunal Federal, para quem o foro por prerrogativa de função é concedido pela Constituição em função do exercício de um cargo, condição sem a qual degrada-se em privilégio inaceitável:

A prerrogativa de foro é outorgada, constitucionalmente, ratione muneris, a significar, portanto, que é deferida em razão de cargo ou de mandato ainda titularizado por aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado, sob pena de tal prerrogativa - descaracterizando-se em sua essência mesma - degradar-se à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal. (STF, Inq 1376 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 16/03/2007, p. 21).

Por essa razão, segundo a Suprema Corte brasileira, depois de cessado o exercício da função, não deve manter-se o foro por prerrogativa de função, porque cessada a investidura a que essa prerrogativa é inerente, deve esta cessar por não tê-la estendido mais além da própria Constituição. (STF, Inq 656 Questão de Ordem, Relator Ministro MOREIRA ALVES, DJ 31-10-2001, p. 6).

É necessário, portanto, acabar com esta pseudo-sinonímia entre "prerrogativa de função" e "privilégio", encerrando esta relativa hipocrisia que apenas desinforma o público (em geral), em nada colaborando com o debate sério, correto e salutar sobre o assunto.

É importante esclarecer, em tom sublime, que o foro por prerrogativa de função protege o cargo que representa a nação e não, própria e equivocadamente, as pessoas que eventualmente o ocupam. (REIS FRIEDE; Fragmento da Palestra "O Poder Judiciário do Século XXI e o Preceito Ético da Magistratura", proferida na Escola de Guerra Naval - EGN em 19/07/2017).

3. A Evolução Histórica do Instituto do Foro por Prerrogativa de Função no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Posteriormente a sua introdução em 1824, o Instituto do Foro por Prerrogativa de Função foi mais uma vez recepcionado na Constituição de 1891, a primeira sob a égide da República proclamada em 1889. Constando no artigo 57, parágrafo 2º, instituiu o foro por prerrogativa de função, dando competência ao Senado para julgar os membros do Supremo Tribunal Federal e o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. Também se encontra presente no artigo 59, inciso II, dando competência ao Supremo Tribunal Federal para julgar os Juízes Federais inferiores e o Presidente da República nos crimes comuns e os Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade. Os Ministros de Estado em crimes conexos ao do Presidente seriam julgados pela autoridade competente ao julgamento do Presidente. Incumbiu-se à Câmara dos Deputados a definição de procedência ou improcedência da acusação em todos os casos citados acima. Cabe ressaltar que competia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente e privativamente os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e de responsabilidade.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891

Art. 29 - Compete à Câmara a iniciativa do adiamento da sessão legislativa e de todas as leis de impostos, das leis de fixação das forças de terra e mar, da discussão dos projetos oferecidos pelo Poder Executivo e a declaração da procedência, ou improcedência da acusação contra o Presidente da República, nos termos do art. 53, e contra os Ministros de Estado nos crimes conexos com os do Presidente da República.

Art. 52, § 2° - Os Ministros de Estado não serão responsáveis perante o Congresso, ou perante os Tribunais, pelos conselhos dados ao Presidente da República. § 2º - Nos crimes, comuns e de responsabilidade serão processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pela autoridade competente para o julgamento deste.

Art. 53 - O Presidente dos Estados Unidos do Brasil será submetido a processo e a julgamento, depois que a Câmara declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado.

Parágrafo único - Decretada a procedência da acusação, ficará o Presidente suspenso de suas funções.

Art. 54 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra:

1º) a existência política da União;

2º) a Constituição e a forma do Governo federal;

3º) o livre exercício dos Poderes políticos;

4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais;

5º) a segurança interna do Pais;

6º) a probidade da administração;

7º) a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos;

8º) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso.

§ 1º - Esses delitos serão definidos em lei especial.

§ 2º - Outra lei regulará a acusação, o processo e o julgamento.

§ 3º - Ambas essas leis serão feitas na primeira sessão do Primeiro Congresso.

Art. 59, I, b, - Ao Supremo Tribunal Federal compete:

I - processar e julgar originária e privativamente:

b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade. (BRASIL, 1891)

A seguir, com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 instituiu-se que o Presidente da República seria julgado por um Tribunal Especial nos crimes de responsabilidade. Cabia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar o Presidente da República, Ministros do STF nos crimes comuns. Os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, Juízes dos Tribunais Federais e das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, Ministros do Tribunal de Contas, Embaixadores e Ministros Diplomáticos eram processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal independentemente se o crime era comum ou de responsabilidade.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1934

Art. 58 - O Presidente da República será processado e julgado nos crimes comuns, pela Corte Suprema, e nos de responsabilidade, por um Tribunal Especial, que terá como presidente o da referida Corte e se comporá de nove Juízes, sendo três Ministros da Corte Suprema, três membros do Senado Federal e três membros da Câmara dos Deputados. O Presidente terá apenas voto de qualidade.

Art. 61 - São crimes de responsabilidade, além do previsto no art. 37, in fine, os atos definidos em lei, nos termos do art. 57, que os Ministros praticarem ou ordenarem; entendendo-se que, no tocante às leis orçamentárias, cada Ministro responderá pelas despesas do seu Ministério e o da Fazenda, além disso, pela arrecadação da receita. 

        § 1º - Nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os Ministros serão processados e julgados pela Corte Suprema, e, nos crimes conexos com os do Presidente da República, pelo Tribunal Especial. 

        § 2º - Os Ministros são responsáveis pelos atos que subscreverem, ainda, que conjuntamente com o Presidente da República, ou praticarem por ordem deste. 

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Art. 76, I, a e b- A Corte Suprema compete:

1) processar e julgar originariamente:

a) o Presidente da República e os Ministros da Corte Suprema, nos crimes comuns;

b) os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais federais e bem assim os das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos nos crimes comuns e nos de responsabilidade, salvo, quanto aos Ministros de Estado, o disposto no final do 1º do art. 61. (BRASIL, 1934)

Com a promulgação da Constituição de 1937 um Conselho Federal composto por representantes dos Estados e por dez membros nomeados pelo Presidente da República tinha a competência originária para o processamento e julgamento do Presidente da República e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade. Cabia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os seus Ministros nos crimes comuns e os Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade, sendo os conexos com os do Presidente da República, perante a autoridade competente para o julgamento deste. O Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade eram processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Por fim, os Tribunais de Apelação nos Estados e no Distrito Federal e Territórios possuíam competência privativa para processar e julgar os juízes inferiores, nos crimes comuns e de responsabilidade.

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1937

Art. 50 - O Conselho Federal compõe-se de representantes dos Estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República. A duração do mandato é de seis anos.

Art. 86 - O Presidente da República será submetido a processo e julgamento perante o Conselho Federal, depois de declarada por dois terços de votos da Câmara dos Deputados a procedência da acusação.

Art. 100 - Nos crimes de responsabilidade, os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão processados e julgados pelo Conselho Federal.

Art. 89, § 2°- Os Ministros de Estado não são responsáveis perante o Parlamento, ou perante os Tribunais, pelos conselhos dados ao Presidente da República.

§ 2º - Nos crimes comuns e de responsabilidade, serão processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pela autoridade competente para o julgamento deste.

Art. 100 - Nos crimes de responsabilidade, os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão processados e julgados pelo Conselho Federal.

Art. 101, I - Ao Supremo Tribunal Federal compete:

I - processar e julgar originariamente:

a) os Ministros do Supremo Tribunal;

b) os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, salvo quanto aos Ministros de Estado e aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o disposto no final do § 2º do art. 89 e no art. 100.

Art. 103 - Compete aos Estados legislar sobre a sua divisão e organização judiciária e prover os respectivos cargos, observados os preceitos dos arts. 91 e 92 e mais os seguintes princípios:

e) competência privativa do Tribunal de Apelação para o processo e julgamento dos Juízes inferiores, nos crimes comuns e de responsabilidade. (BRASIL, 1937)

Com a Constituição de 1946 fixou-se competência privativa do Senado Federal para julgar crime de responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado se conexos com o do Presidente. Ademais cabia ao mesmo órgão processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, também nos crimes de responsabilidade. O Supremo Tribunal Federal processaria e julgaria os Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade (quando não conexos com o do Presidente, como referido acima), o Presidente da República, os seus Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes comuns. Assim como os Ministros de Estado, os Juízes dos Tribunais Superiores Federais, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Chefes de Missão Diplomática em caráter permanente, nos crimes comuns e nos de responsabilidade e os mandados de segurança contra ato do Presidente da República, da Mesa da Câmara ou do Senado e do Presidente do próprio Supremo Tribunal Federal. Competia privativamente ao Tribunal de Justiça processar e julgar os Juízes de inferior instância, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, quando se tratasse de crimes eleitorais.

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1946

Art. 62, - Compete privativamente ao Senado Federal:

I - julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com os daquele;

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, nos crimes de responsabilidade.

Art. 88 - O Presidente da República, depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusação, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal nos de responsabilidade.

Parágrafo único - Declarada a procedência da acusação, ficará o Presidente da República suspenso das suas funções.

Art. 89 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente, contra:

        I - a existência da União;

        II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados;

        III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

        IV - a segurança interna do País;

        V - a probidade na administração;

        VI - a lei orçamentária;

        VII - a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;

        VIII - o cumprimento das decisões judiciárias.

        Parágrafo único - Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Art. 92 - Os Ministros de Estado serão, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pelos órgãos competentes para o processo e julgamento deste.

Art. 100 - Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão, nos crimes de responsabilidade, processados e julgados pelo Senado Federal.

Art. 101, I, a, depois da declaração de procedência da acusação pela Câmara, sustentada junto aos artigos 59, I e 88, ambos da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946.

Art. 101, I, b - Ao Supremo Tribunal Federal compete:

I - processar e julgar originariamente:

b) os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes comuns.

Art. 101, I, c - os Ministros de Estado, os Juízes dos Tribunais Superiores Federais, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Chefes de Missão Diplomática em caráter permanente, assim nos crimes comuns como nos de responsabilidade, ressalvado, quanto aos Ministros de Estado, o disposto no final do art. 92.

Art. 101, I, i - os Mandados de segurança contra ato do Presidente da República, da Mesa da Câmara ou do Senado e do Presidente do próprio Supremo Tribunal Federal.

Art. 124 - Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts. 95 a 97 e também dos seguintes princípios:

IX - Compete privativamente ao Tribunal de Justiça processar e julgar os Juízes de inferior instância, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, quando se tratar de crimes eleitorais.  (BRASIL, 1946)

O elencado na Constituição de 1946 foi mantido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e na Constituição de 1969 (ainda que seu entendimento como, Constituição de facto, seja controvertido, como cito em meu livro Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª. ed, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006, ps. 447 e 448.). Com a Constituição de 1969, o Vice-Presidente, Deputados e Senadores passaram a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns. A Câmara dos Deputados competia o Juízo de procedência da acusação contra o Presidente da República e aos Ministros de Estado. Ampliou-se a competência originária do Tribunal Federal de Recursos, sendo cabível processar e julgar os Juízes federais e Juízes do Trabalho, além dos Membros dos Tribunais Regionais do Trabalho, bem como dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, e os do Ministério Público, nos crimes comuns e nos de responsabilidade. Também era competência do órgão julgar os mandados de segurança contra ato de Ministro de Estado, do Presidente do próprio Tribunal ou das suas câmaras, turmas, grupos ou seções; do diretor-geral da Polícia Federal ou de Juiz Federal, os habeas corpus, quando a autoridade coatora for Ministro de Estado ou a responsável pela direção-geral da polícia federal ou Juiz Federal. Ao Tribunal de Justiça cabia processar e julgar os membros do Tribunal de Alçada, assim como os Juízes de Inferior Instância nos crimes comuns e nos de responsabilidade.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1969 (EC1/69)

Art. 32, §4°, com a Emenda Constitucional de 1969 - Os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo no caso de crime contra a honra.

§ 4º - Os deputados e senadores serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Art. 40, I - Os Ministros de Estado são obrigados a comparecer perante a Câmara dos Deputados e o Senado Federal ou qualquer de suas Comissões, quando uma ou outra Câmara os convocar para, pessoalmente, prestar informações acerca de assunto previamente determinado.

§ 1º - A falta de comparecimento, sem justificação, importa em crime de responsabilidade.

Art. 119, I, a - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

I - processar e julgar originariamente;

a) nos crimes comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Deputados e Senadores, os Ministros de Estado e o Procurador-Geral da República.

Art. 122, I, b - Compete ao Tribunal Federal de Recursos:

I - processar e julgar originariamente: 

b) os Juízes federais, os Juízes do trabalho e os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho, bem como dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal e os do Ministério Público da União, nos crimes comuns e nos de responsabilidade.

Art. 122, I, c - Compete ao Tribunal Federal de Recursos:

I - processar e julgar originariamente: 

c) os mandados de segurança contra ato de Ministro de Estado, do Presidente do próprio Tribunal ou de suas câmaras, turmas, grupos ou seções; do diretor-geral da polícia federal ou de Juiz federal.

Art. 122, I, d - Compete ao Tribunal Federal de Recursos:

I - processar e julgar originariamente: 

d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for Ministro de Estado ou a responsável pela direção geral da polícia federal ou Juiz federal.

Art. 144, §3° - Os Estados organizarão a sua justiça, observados os artigos 113 a 117 desta Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional e os dispositivos seguintes:

§ 3º Compete privativamente ao Tribunal de Justiça processar e julgar os membros do Tribunal de Alçada e os Juízes de inferior instância, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. (BRASIL, 1969)

4. Pseudo-Celeridade da Primeira Instância

O argumento de que as instâncias inferiores, notadamente a Primeira Instância, é mais célere do que os órgãos superiores colegiados é simplório e reducionista da realidade, bem como absolutamente falso, posto que a definitividade de suas decisões necessariamente prescinde de uma infinidade de recursos que, na previsão legislativo-processual brasileira, chega a passar por três diferentes (e posteriores) instâncias, além da originária, em um total de quatro, desafiando o próprio princípio constitucional do "duplo grau de jurisdição".

Isso quer dizer, em outras palavras, que uma eventual condenação em Primeira Instância, de uma autoridade com foro de prerrogativa de função demoraria, na prática (ao reverso do que comumente se argumenta), muito mais tempo para se tornar definitiva, em comparação com a sua condenação ou absolvição em instância única (ou em menor número de instâncias), quando decidida por Tribunais Superiores.

"Não havendo privilégio de foro, os processos contra esses políticos correrão na Primeira Instância, seja nas Justiças Estaduais, seja na Justiça Federal. Se condenados, recorrerão aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Federais. Se os recursos forem negados, recorrerão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em outras palavras, se os processos nos tribunais superiores já demoram anos e anos para se concluírem, levá-los para a primeira instância fará aumentar ainda mais esse tempo. (AMANDA ALMEIDA, Defesa ao Foro Privilegiado. Correio Braziliense, 12/07/2013, Caderno Política, p. 3.)

Não se trata, portanto, de ferir o princípio da igualdade, até porque este é (absolutamente) inexistente em nossa Constituição e em todas as Constituições democráticas do mundo, considerando que não é possível haver igualdade em termos absolutos (ou ideais), e sim, apenas e tão somente, uma autêntica (e desejada) isonomia, que, de modo diverso, se traduz pelo tratamento desigual relativamente às situações diferentes e diversas.

É assente em doutrina e na jurisprudência dos tribunais brasileiros que o foro especial por prerrogativa de função não constitui um privilégio e, como tal, não viola o princípio da igualdade estabelecido pelo art. 5º, caput da Constituição Federal. Isso porque é a própria Constituição Federal que o estabelece, por decisão do Poder Constituinte originário, fazendo, portanto, uma exceção expressa ao princípio da (igualdade ou) isonomia (NEWTON TAVARES FILHO; Foro Privilegiado: Pontos Positivos e Negativos, Brasília: Câmara dos Deputados/Consultoria Legislativa, Julho, 2016, p.13).

Como é cediço concluir que uma autoridade, no legítimo exercício de suas funções (como já preconizava, com muita propriedade, o Ministro SYDNEY SANCHES, a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce, no Inquérito nº 687 Questão de Ordem do STF), encontra-se em uma situação diferente da de um cidadão comum (sendo certo que é a própria sociedade que clama para que este seja julgado com mais celeridade, de forma definitiva,- e até mesmo com maior rigor e rapidez-, seja no sentido da absolvição ou da condenação, para que ele possa continuar, no caso de absolvição, desenvolvendo normalmente as suas funções ou em caso de condenação, seja imediatamente substituído, tudo em prol da sociedade), não resta, minimamente razoável, que este venha a ser julgada de forma absolutamente idêntica a um cidadão comum (que pode vir até mesmo a ser, no futuro, a própria autoridade que no presente exerce a função pública), desprovido de cargo ou atribuição de grande relevância social.

ARISTÓTELES já advertia, nesse sentido, que "a paixão perverte os magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão; eis a (inteligência da) lei" (ARISTÓTELES, Política, Livro III, Capítulo XI).

Não é hora, portanto, para irrefletidas, apaixonadas e até mesmo maquiavélicas manipulações da opinião pública, com o propósito (doloso ou mesmo desprovido de intenções ocultas) de eliminar um importantíssimo instituto que, ao final das contas, é protetivo da própria sociedade, uma vez que os cargos (públicos) que ocupam as pessoas que nele se encontram, desde que legitimamente empossados, o foram por determinação, em última instância, da própria sociedade e em exclusivo benéfico de todos os seus integrantes.

5. Pela Necessária Preservação da Independência do Julgador

Não se trata portanto a questão de ser a favor ou contra o instituto do foro por prerrogativa de função, mas de provermos a necessária independência, imparcialidade, impessoalidade e autonomia ao Julgador para se livrar de pressões políticas (e de qualquer outra natureza) para desempenhar o seu mister com plena e total isenção e eficiência. Como já apregoava MONTESQUIEU, no século XVIII em diversos de seus escritos, mas de maneira sintetizada no famoso O Espírito das Leis.

O Poder Judiciário é uma instituição de tamanha (e universal) importância que precisa ser constantemente aperfeiçoado, inclusive (e, acima de tudo) em benefício do povo brasileiro, que é quem, em última análise, o financia e é, em última instância, o seu destinatário. Propostas irrefletidas, impostas ao sabor de conveniências (muitas vezes inconfessáveis), além de desmedidas e irresponsáveis, devem ser de imediato descartadas para que não venhamos a piorar um sistema que já funciona com grande deficiência.

6. O Instituto do Foro por Prerrogativa de Função ao Redor do Mundo

O instituto em questão, além de se manifestar no ordenamento jurídico brasileiro, francês e italiano, também encontra-se previsto em praticamente todos os países ocidentais e, igualmente, em outros países latinos, como Portugal, Espanha e Argentina.

Em Portugal, o foro por prerrogativa de função está definido de nos artigos 130 e 196 da Constituição. Mas esta previsão, todavia, não esgota a matéria, sendo necessário seu complemento pelo Código de Processo Penal (em seu artigo 11) e subsidiariamente, das Leis de

Organização Judiciária, que estabelecem a competência originária do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais das Relações. De modo que por, crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro Ministro respondem perante o Supremo Tribunal de Justiça, cabendo à Assembleia da República a iniciativa do processo. Os membros do Governo não podem ser detidos ou presos sem autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante de delito. Decorrendo o respectivo procedimento criminal contra membro do Governo e sendo este acusado definitivamente, a Assembleia da República decidirá se o membro deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo, sendo obrigatória a suspensão quando se trate de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante de delito. Por fim compete às seções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal, julgar processos por crimes cometidos por Juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações e Magistrados do Ministério Público que exerçam função junto destes Tribunais ou equiparados.

Na Espanha a Constituição define nos artigos 71 e 102 o foro por prerrogativa de função, atribuindo competência à Câmara Penal do Tribunal Supremo para a instrução e o julgamento das causas contra Deputados e Senadores, bem como para as causas envolvendo a responsabilidade criminal do Presidente e demais membros do Governo, mas sua delimitação é mínima, cabendo a lei orgânica do Poder Judiciário definir o tema. De modo que o artigo 57 da Lei Orgânica do Poder Judicial estabelece a competência da Câmara Penal do Tribunal Supremo para instruir e julgar as causas contra o Presidente do Governo, Presidentes do Congresso e do Senado, Presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Geral do Poder Judicial, Presidente do Tribunal Constitucional, membros do Governo, Deputados e Senadores, Vogais do Conselho Geral do Poder Judicial, magistrados do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, Presidente da Audiência Nacional e de qualquer de suas Salas e dos Tribunais Superiores de Justiça, Fiscal Geral do Estado, Fiscais de Câmara do Tribunal Supremo, Presidente e Conselheiros do Tribunal de Contas, Presidente e Conselheiros do Conselho de Estado e Defensor do Povo, bem como das causas que, em cada caso, determinem os Estatutos de Autonomia. É também competente a Câmara Penal do Tribunal Supremo para a instrução e o julgamento das causas contra os magistrados da Audiência Nacional e de um Tribunal Superior de Justiça. O Tribunal Supremo e os Tribunais Superiores de Justiça de cada comunidade autônoma tem competência sobre um grande rol de autoridades, de maneira similar ao que se observa no Brasil.

Por fim, na Argentina a Constituição de 1994, em seus artigos 53 e 59, adota o instituo de forma a prover à Câmara dos Deputados o direito de acusar, perante o Senado, o Presidente, Vice-Presidente, o Chefe de Gabinete de Ministros, os Ministros e os Membros da Corte Suprema, por desempenho deficiente de suas funções ou por crimes comuns e de responsabilidade. Sendo o Senado o órgão julgador. O artigo 100 da Constituição determina que o chefe de Gabinete Ministerial tem responsabilidade política perante o Congresso da Nação. Além disto, diversas Constituições Provinciais atribuem regime especial de responsabilização aos Governadores de Províncias. Na província de Buenos Aires cuja capital é La Plata, e que não se confunde com Buenos Aires Ciudad, que tem status especial , a abertura de processo criminal contra o Governador depende de solicitação do tribunal competente à Câmara dos Deputados, para que levante a imunidade (art. 74). No mesmo sentido, podemos citar: art. 137 da Constituição Provincial (CP) de Córdoba; art. 78 da CP de La Pampa; art. 114 da CP de Misiones; art. 205 da CP de Neuquén; e o art. 133 da CP de Jujuy.

Já nos principais países do sistema da Common Law Estados Unidos, Inglaterra e Canadá o instituo não se apresenta com a mesma competência finalística. Na Inglaterra, os Tribunais Superiores não exercitam nenhuma competência originária, ou seja, só possuem competência recursal. O que é fruto, principalmente, da irresponsabilidade penal do Soberano, comum em governos monárquicos. De igual forma, o Canadá encontra-se em situação equivalente a inglesa, uma vez que vincula sua legislação àquela que for definida pelo Reino Unido, conforme o Ato Constitucional de 1867, que em seu artigo 18, dispõem que os privilégios, imunidades e poderes a serem exercidos pelos membros do Senado e da Câmara dos Comuns, serão definidos por Ato do Parlamento do Canadá, sendo certo que esses privilégios, imunidades e poderes não poderão ser superiores aos estabelecidos no Reino Unido. De forma similar, a Suprema Corte dos Estados Unidos possui competência para julgar todas as questões relativas a embaixadores, outros ministros e cônsules, e naquelas em que se achar envolvido um Estado, a Suprema Corte exercerá jurisdição originária, observando as exceções e normas que o Congresso estabelecer, como dá a redação do artigo III, seção II em seu item 2. Ademais, em seu artigo I, seção II, itém 5 diz a constituição, que a Câmara dos Representantes elegerá o seu Presidente demais membros da Mesa e exercerá, com exclusividade, o poder de indiciar por crime de responsabilidade. Tendo a seção III, item 6 a seguinte redação, só o Senado poderá julgar os crimes de responsabilidade. Reunidos para esse fim, os Senadores prestarão juramento ou compromisso. O julgamento do Presidente dos Estados Unidos será presidido pelo Presidente da Suprema Corte: E nenhuma pessoa será condenada a não ser pelo voto de dois terços dos membros presentes. Já o item 7 da seção III do mesmo artigo, dispõem que a pena nos crimes de responsabilidade não excederá a destituição da função e a incapacidade para exercer qualquer função pública, honorífica ou remunerada, nos Estados Unidos. O condenado estará sujeito, no entanto, a ser processado e julgado, de acordo com a lei.

Nos principais países germânicos, a exemplo da Alemanha, Dinamarca, Suécia e Islândia, o instituo tem característica mista. Não é tão abrangente como nos países latinos, mas também não é portanto inexistente como naqueles da Common Law. Seguem o modelo segundo o qual a mais alta Corte do país é atribuída de competência de julgamento e da provocação pelo Parlamento. Com efeito, na Alemanha, o artigo 61 da Constituição de 1949 outorga à Corte Constitucional a competência para julgar o impedimento do Presidente Federal, em caso de deliberada violação da Lei Fundamental ou de qualquer outra lei federal alemã, mediante moção do Bundestag (Parlamento) e do Bundesrat (Conselho Federal).

A Constituição da Dinamarca de 1953, no artigo 16, concede competência à Alta Corte do Reino para julgar o impedimento dos Ministros de Estado por administração negligente, mediante provocação do Rei ou do Folketing (Parlamento). Segundo o artigo 60.1 o mesmo órgão tem competência para julgar ações ajuizadas pelo Rei ou pelo Parlamento contra os Ministros de Estado. E no artigo 60.2 julgará qualquer pessoa, nos casos de crimes considerados particularmente perigosos para o Estado, mediante provocação do Rei e consentimento do Parlamento.

Na Noruega, o artigo 86 da Constituição de 1814, nomeia a Corte de Impedimento competente para julgar, em única instância, ações ajuizadas pelo Storting (Parlamento) contra os membros do Conselho de Estado, da Corte Suprema ou do próprio Storting, por condutas criminosas ou ilegais, nos casos em que essas autoridades tenham violado suas obrigações constitucionais.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É autor do livro Teoria do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Reflexões sobre a importância do foro por prerrogativa de função. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6946, 8 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98779. Acesso em: 23 nov. 2024.

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