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Sentença de condenação por ato de improbidade administrativa.

Ação civil pública - suplente de conselheira tutelar - uso de documento falso

Agenda 14/06/2014 às 17:17

Condenação por ato de improbidade pelo uso de documento falso para inscrição ao cargo de Conselheiro Tutelar de Belém.

Processo n.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Autor : Ministério Público do Estado do Pará

Requeridas : Maria e Joana

SENTENÇA COM MÉRITO

Versam os presentes autos sobre AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, com destituição definitiva da suplência de Conselheiro Tutelar de Icoaraci e anulação do registro de candidatura e do ato de posse, com pedido de antecipação de tutela, requerida pelo Ministério Público do Estado do Pará em face de MARIA, suplente de Conselheira Tutelar de Icoaraci e candidata eleita, e JOANA, eleita suplente da primeira requerida, com fundamento na Lei n. 7347/85; Lei n. 8069/90; artigos 9,10,11 e 12, da Lei n. 8429/92 e artigos 127 e 129, II e III, da Constituição Federal.

Aduziu o nobre representante do MPE, em síntese, que instaurou PP n. 037/2011 – 3ª e 4ª PJCDCCI, em razão de denúncia recebida através do Ofício n. 126/2011 – CT II – Icoaraci, dando conta de que a requerida Maria teria se utilizado de comprovante de escolaridade fraudulento, quando solicitou e foi deferido seu pedido de inscrição à eleição de Conselheiro Tutelar de Belém II – DAICO.

Refere o “Parquet” que, após instrução do PP n. 037/2011, acostado à inicial, constatou que Maria, efetivamente, apresentou ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Belém – COMDAC, um diploma de habilitação para o magistério de 1ª a 4ª série, concluído em 1998 e que teria sido emitido pela Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Avertano Rocha”, datado de 28.03.1991, não constando livro, folhas e nem número de registro no verso ou anverso do documento.

Ouvida pelo nobre Promotor de Justiça, a Sra. , Diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Avertano Rocha”, após análise dos arquivos escolares onde se encontram todos os assentamentos de alunos e ex-alunos, disse que Maria jamais se matriculou naquela instituição.

Anotou, ainda, que, o uso de documento material ou ideologicamente falso e mediante falsa declaração no documento inscrição, por ação deliberada, induziu a erro a COMISSÃO ELEITORAL DO COMDAC, que conduziu o processo eleitoral, viciando, por fraude, o deferimento da inscrição da CHAPA N° 01 para eleição, abrangendo tanto a titular, Maria, quanto a suplente, Joana.

Prosseguindo, disse que “a utilização de subterfúgios fraudulentos para concorrer à função implica em flagrante paradoxo com a dignidade legal e material exigida para o exercício de Conselheiro Tutelar da Criança e do Adolescente, de relevante interesse público e reconhecida repercussão social”.

Assim, concluiu que a conduta fraudulenta da requerida Maria ofende profundamente a moralidade administrativa e aos princípios constitucionais cogentes da Administração Pública, de observância inescusável por todo agente ou servidor público, em todos os segmentos do Estado brasileiro.

Desta forma, a requerida Maria não apresentou comprovante de escolaridade de conclusão do ensino médio em qualquer instituição de ensino regular, prestando, dolosamente, falsa informação ao COMDAC, nos mandatos de 2008/2011 e 2011/2014, possivelmente ensejando o recebimento de valores indevidos sob a rubrica de “adicional de escolaridade”, sendo necessária a intervenção judicial para impedir a fruição da função de Conselheira Tutelar da requerida Maria, na qualidade de suplente do mandato 2008/2011 ou de titular no mandato 2011/2014.

Como prova de suas alegações, acostou: a) cópia de diploma de habilitação para o magistério de 1ª a 4ª série da requerida Maria; b) termo de declarações de ...; c) cópia do relatório final de aproveitamento dos concluintes do curso de magistério no ano de 1988.

Requereu o recebimento da presente ação; citação das requeridas para apresentação de defesa; e em sede de liminar, o afastamento da suplência da função, suspensão do registro da Chapa n. 01, convocação da chapa que obteve colocação seguinte; e, quanto ao mérito, pugnou pela procedência e condenação da requerida Maria por ato de improbidade administrativa, sendo submetida às sanções do artigo 12, II e III da Lei n. 8249/1992; anulação do registro da chapa n. 01 e do ato de posse do conselheiro tutelar das requeridas por falta de idoneidade para o exercício do cargo; citação para integrarem a lide na qualidade de litisconsorte ativo ou passivo o COMDAC, FUNPAPA e o Município de Belém.

Por fim, solicitou, desde logo, a remessa de relatório detalhado de todos os valores percebidos pela requerida Maria sob a rubrica de “gratificação de escolaridade”, durante o mandato de 2008 a 2011 ou no exercício de qualquer outra função, de qualquer natureza, remunerada pelos cofres públicos municipais e estaduais, pela Secretaria Municipal de Administração – SEMAD e Secretaria Executiva de Estado de Administração – SEAD, respectivamente.

Acostou documentos de fls. 30/113.

Pela decisão interlocutória de fls. 115/137, concedi a antecipação parcial dos efeitos da tutela pretendida, determinando o afastamento da suplência da função de Conselheira Tutelar da requerida Maria, evitando qualquer remuneração ou convocação da suplente até o encerramento do mandato 2008/2011; suspendi o registro da Chapa n.01, determinando a convocação e posse pelo COMDAC da chapa que obteve colocação seguinte; recebi a inicial e determinei a citação das requeridas para apresentação de defesa no prazo de 15 (quinze) dias; determinei a citação do COMDAC, FUNPAPA e Município de Belém para, querendo, ingressassem como litisconsorte ativo e/ou passivo; deferi o requerimento de envio de relatórios detalhados pela SEMAD e SEAD.

As requeridas foram citadas pessoalmente (fls. 141), em 28.07.2011.

Os demais interessados (COMDAC, FUNPAPA e Município de Belém) foram cientificados em 28.07.2011 (fls. 148).

Através de advogado particular, as requeridas apresentaram contestação em 10.08.2011 (fls. 149/158), não arguindo preliminares e acostando documentos de fls. 159/165. Disse que, ao tempo em que fora suplente e exerceu seu mandato, possuía apenas o ensino fundamental; que as regras da eleição somente exigiam comprovação de escolaridade; que está cursando o nível superior; que desconhece os documentos juntados pela Promotoria e tidos como fraudulentos, ressaltando que a assinatura não é sua, não sabendo informar de sua procedência; que não procede o enriquecimento ilício, pois atuou em prol da sociedade e que possui idoneidade moral, sendo Presidente de um Centro Comunitário. Ao final, pediram a revogação da antecipação de tutela e a improcedência do pedido.

A Secretaria Municipal de Administração – SEMAD, apresentou as fichas financeiras da requerida Maria referente aos anos de 2009, 2010 e 2011 (fls. 160/169) e a Secretaria de Estado de Administração – SEAD, apresentou as fichas que demonstram pagamento de vantagens a ela, no período de 02/1994 a 12/1998 (fls. 170/186).

O Município de Belém, em 27.09.2011, requereu a sua habilitação como litisconsorte ativo na presente ação, acostando documentos de fls. 190/194.

Às fls. 195, consta certidão informando o decurso do prazo, sem manifestação, por parte do COMDAC e FUNPAPA.

Instado a se manifestar acerca da contestação apresentada pelas requeridas, o representante do Ministério Público pugnou pela produção de prova testemunhal, com oitiva das requeridas.

Às fls. 215, a requerida Maria comunicou a habilitação de seu novo procurador.

As requeridas informaram que pretendiam a produção de prova testemunhal.

Designada para o dia 30.11.2012, realizei audiência de instrução e julgamento, onde foram ouvidas a requerida MARIA e a testemunha (...) (fls. 232/234) sendo, ao final, dispensadas as declarações das demais testemunhas arroladas pelo MP e vista dos autos às partes para alegações finais. A requerida JOANA não compareceu.

O MPE apresentou alegações finais, posteriormente ratificados pelo Município de Belém (fls. 255), pugnando pela procedência do pedido, tornando definitivos os efeitos da antecipação de tutela, bem como determinando o ressarcimento integral da verba recebida fraudulentamente, com devida atualização do valor e suspensão dos direitos políticos de Maria por cinco (5) anos.

A defesa de Maria, por seu turno, requereu a aplicação de sanções em seu grau mínimo e o indeferimento de devolução dos valores recebidos, considerando a confissão espontânea da ré; a efetiva conclusão do ensino médio e o ingresso no ensino superior e os relevantes serviços prestados à comunidade.

Embora devidamente intimada, através de seu advogado, mediante publicação no Diário da Justiça, a requerida JOANA não apresentou memoriais finais.

É o relatório. Decido.

Tratam os autos de ação civil pública proposta pelo MPE em face de Maria e Joana, tendo como fundamento a prática ato de improbidade administrativa praticado pela primeira, consubstanciado no uso/emprego de documento fraudulento no momento da inscrição da Chapa n. 01, para concorrer ao cargo de Conselheiro Tutelar deste Distrito, no pleito de abril de 2011, onde alcançou a terceira posição entre os mais votados.

1. Da Ação ?Civil Pública

Regulada pela Lei n. 7.347/85, a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos materiais e morais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, dentre outros.

Objetivando a condenação em dinheiro ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, a ação civil pública tem como um dos legitimados para sua propositura o Ministério Público, na forma do art. 5°, inciso I.

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Ainda quanto à legitimidade ativa do Ministério Público, tal competência encontra-se prevista na Constituição Federal de 1988, que delegou ao Parquet a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, zelando pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, aos direitos constitucionalmente assegurados (arts. 127 e 129, incisos I e II, CF).

A lei especial prevê, ainda, a possibilidade do Ministério Público instaurar, preliminarmente, inquérito civil para apuração de informações sobre os fatos que constituam o objeto da ação, o que ocorreu in casu, posto que a inicial foi devidamente instruída com o procedimento n. 037/2011 – MP/IC, após provocação dos Conselheiros Tutelares do Distrito de Icoaraci, através de Ofício n. 126/2011 CT II.

O citado inquérito civil iniciou-se com a expedição da Portaria n. 037/2011 – 3ª e 4ª PJCDCCI-PPIC, com a finalidade de averiguar indícios de fraude ao processo eleitoral de Conselheiro Tutelar em relação à inscrição da candidatura de Maria.

Após o cumprimento de diligências, como oitiva de testemunhas e requisição de documentos, o relatório conclusivo (fls. 105/113) informa a propositura da ação civil pública, determinando a ciência aos interessados, envolvidos, ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belém – COMDAC e à Fundação Papa João XXIII – FUNPAPA.

2. Da Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/1992)

Em simples palavras, improbidade administrativa é o ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração, cometido por agente público, durante o exercício de função pública ou decorrente desta. É aquele ato impregnado de desonestidade e deslealdade.

Agente público é o todo aquele que exerce, por eleição, nomeação, designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo ou função na Administração Direta ou Indireta.

Sucintamente, se caracteriza pela violação dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência (artigo 37, CF) e pelo enriquecimento ilícito.

As penalidades também estão previstas constitucionalmente: suspensão dos direitos políticos; a perda da função pública (atual ou diversa daquela em que se deu o ato); a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma da lei, sem prejuízo da ação penal cabível (§ 4º, art. 37, CF).

Sancionada em 02.06.1992, a Lei n. 8.429 dispõe acerca das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

A definição de improbidade administrativa se encontra descrita no artigo 1°:

Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na fora desta lei”.

O seu artigo 2° define o sujeito ativo (agente público) nos atos de improbidade administrativa como sendo “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.

Assim, a utilização de um termo abrangente como agente público visa alcançar inúmeras pessoas que, de qualquer forma, exercem um múnus público. Todavia, as disposições contidas na Lei n. 8429/92 não se restringem ao conceito de agente público, mas são igualmente aplicáveis aqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, induzem ou concorrem à pratica da conduta ímproba ou dela se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta (art. 3°).

Com o advento da citada lei, os agentes passaram a ser responsabilizados na esfera civil pelos atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9, 10 e 11, ficando sujeitos às penas do artigo 12 do mesmo diploma legal.

Martins Júnior (2001, p.181), comenta:

A lei federal n°. 8.492/92 protege a probidade administrativa por meio da representação jurisdicional civil a três espécies de atos de improbidade, são elas: enriquecimento ilícito de agentes públicos (art. 9°), prejuízo ao patrimônio público (art. 10) e ofensas aos princípios da Administração Pública (art. 11). Para que se caracterize o ato de improbidade administrativa,é mister a existência de ilicitude do ato, abrangendo tanto a sua imoralidade quanto a sua ilegalidade.

Pertinente ressaltar, ainda, que a Lei n. 8.492/92, além de tornar maior a proteção ao patrimônio público e da Administração Pública como um todo, acaba por coibir, não somente o enriquecimento ilícito e danos patrimoniais ao erário, como também determinando o cumprimento dos princípios administrativos positivados na Constituição Federal de 1988, especialmente pelo artigo 37.

Importante pontuar a legitimidade do Ministério Público para propositura da ação, na forma do artigo 17 da referida lei.

Anoto, ademais, que a ação foi proposta acompanhada dos documentos necessários para a verificação de indícios suficientes da existência do ato de improbidade (§ 6°).

3. Da possibilidade de aplicação da Lei nº. 8.429/1992 aos atos praticados por Conselheiros Tutelares

Em razão da natureza de sua atuação, os conselheiros tutelares prestam serviços que constituem um múnus público. Porém, não se enquadram no conceito de agente político, vez que, apesar de “eleitos” pela comunidade para mandato certo, suas funções não compõem o esquema fundamental do poder público. Igualmente, os conselheiros tutelares não podem ser tido como servidores públicos comuns, pois não se submetem a concurso público e, portanto, não gozam de estabilidade. Sua relação com o Estado não é permanente, mas sim temporária, Todavia, não é eventual, e sua remuneração é realizada a partir dos recursos públicos municipais, podendo ser considerados servidores públicos em sentido amplo.

Sendo assim, a lei em comento é perfeitamente aplicável ao presente caso, tendo em vista que membro do conselho tutelar exerce uma função pública, de natureza relevante, que é o desempenho das atribuições típicas da atividade do órgão público a que pertence (art. 135, ECA). Tal consideração é derivada de sua condição de responsável pela solidificação do princípio constitucional da proteção integral a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, com processo de escolha e investidura determinados por normas especiais, diversas daqueles atinentes aos servidores públicos em geral.

A jurisprudência também é nesse sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DESTITUIÇÃO DE CONSELHEIRA TUTELAR Alegação de inidoneidade moral para o exercício do cargo de conselheira tutelar - Artigos 148, inciso IV, 208, inciso VII, e 209, da Lei 8069/90, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)- Competência recursal da Colenda Câmara Especial - Inteligência do artigo 33, inciso IV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Posicionamento adotado pelo Órgão Especial no julgamento do Conflito de Competência n. 0068321-10.2011.8.26.0000 - Competência declinada - Recurso não conhecido, com determinação de remessa dos autos à Colenda Câmara Especializada da Infância e Juventude desta E. Corte. (APL 56690320108260481 SP 0005669-03.2010.8.26.0481. Relator(a): Rebouças de Carvalho. Julgamento: 03/10/2012. Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público. Publicação: 04/10/2012).

4. Da competência da vara da Infância e da Juventude

No caso em tela, a ação versa sobre ato de improbidade administrativa atribuída a conselheiro tutelar que, na forma do artigo 131 do ECA, é encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Assim, na forma do artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Justiça da Infância e Juventude é competente para, entre outras coisas, conhecer de ações civis públicas fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos, afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no artigo 209 (competência originária da Justiça Federal ou dos Tribunais Superiores).

Nesse mesmo sentido, o seguinte aresto:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERDA DE MANDATO. CONSELHEIRO TUTELAR. COMPETÊNCIA. JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. O Juizado da Infância e Juventude é competente para processar as causas relativas a perda de mandato de conselheiro tutelar, conforme se depreende do art. 148, IV, c/c o art. 209, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Decisão liminar que determinou o afastamento de conselheiro tutelar. Pressupostos gerais satisfeitos.” (Agravo n. 16615-7/180, TJGO, D.J. n. 13140, de 22.09.1999, p. 9. Acórdão de 31.08.1999, Des. Gercino Carlos Alves da Costa.)

5. Quanto aos atos de improbidade atribuídos às requeridas

O representante do Ministério Público, em seus pedidos, pugna pela condenação da requerida MARIA por ato de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito (art. 9°, caput), prejuízo ao erário (art. 10, I) e por atentar contra os Princípios da Administração Pública (art. 11, inciso I), requerendo, por fim, a aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II e III.

Dispõem os artigos citados:

Art. 9°. Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1° desta Lei, e notadamente:(...)

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbatamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1° desta Lei, e notadamente:

I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta Lei. (...)

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;(...)

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I – omissis;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.(grifei)

 

Desde logo, convém deixar claro que, no entender deste magistrado, a conduta da ré MARIA, ao contrário do entendimento do Parquet, somente pode ser enquadrada no inciso I do artigo 9º. da Lei nº. 8.429/92, pois praticou ato de improbidade administrativa que importou em enriquecimento ilícito, ao receber, para si, dinheiro e/ou vantagem econômica, direta, a título de GRATIFICAÇÃO de escolaridade, mediante a presentação de certificado de conclusão de curso que não realizou, ou seja, fraudulento, que se configura como um enriquecimento ilícito, entendo que os valores percebidos pela requerida citada, em razão do exercício do cargo de conselheira tutelar, por ocasião do afastamento da titular, isto porque, quando a mesma foi eleita suplente no mandato de 2008/2011 ela se utilizou de tal documento, efetivar sua inscrição, voltando novamente a faze-lo no leito de 2011.

A Lei Municipal n. 8.155/2002, que dispõe sobre a Política Municipal de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente, também disciplina a eleição de Conselheiro Tutelar:

Art. 21. São elegíveis para a função pública de Conselheiro Tutelar, inclusive quando suplentes, quaisquer cidadãos cujo registro tenha sido deferido pelo COMDAC, mediante a comprovação dos seguintes requisitos:

I - reconhecida idoneidade moral, comprovada mediante atestado passado por dois juízes ou membros do Ministério Público;

II - idade superior a vinte e um anos;

III - residência e domicílio eleitoral no Município;

IV - experiência mínima de dois anos no trato com crianças ou adolescentes, comprovada através de documento fornecido por instituição pública ou privada registrada no COMDAC;

V - certidão negativa de processos criminais fornecida pela Justiça do Estado e Federal;

VI - inscrição em chapa apresentada por instituição ou grupo de instituições vinculadas ao trabalho com crianças e adolescentes, devidamente registrada no COMDAC.

Por outro lado, as Resoluções n. 001/2008 (publicada no Diário Oficial do Município em 17.04.2008) e n. 02/11 (publicada no Diário Oficial do Município em 02.03.2011) somente indicam a necessidade de apresentar, para o registro da chapa, a apresentação de comprovante de escolaridade, original e cópia, na forma do artigo 28, inciso XIII e artigo 28, inciso VI, respectivamente.

Assim, da leitura dos dispositivos acima citados, verifico que não se impõe escolaridade mínima para o exercício da função de conselheiro tutelar, necessitando apenas que o mesmo seja alfabetizado, tendo em vista o trabalho desenvolvido, com elaboração de requisições e informações aos órgãos competentes atinentes aos casos de violação ou ameaça de violação aos direitos da criança e do adolescente (art. 136, ECA).

Logo, a requerida MARIA poderia concorrer ao pleito eleitoral para o cargo de suplente de conselheira tutelar sem ter concluído o ensino médio, mas, ao contrário disto, optou por se utilizar de um documento fraudulento objetivando o recebimento de gratificações de escolaridade indevidas.

Analisando as fichas financeiras encaminhadas pela SEMAD, fls. 167/169, percebo, primeiramente, que exercendo o cargo de conselheira tutelar, nos anos de 2009 a 2011, a requerida recebeu o valor de R$ 376,21 (julho/2009), R$ 376,21 (fevereiro/2010), R$ 376,21 (julho/2010) e R$ 404,39 (janeiro/2011) a título de gratificação de escolaridade, a que não teria direito, tendo em vista que a mesma apresentou diploma de conclusão de ensino médio falso.

Percebe-se, pois, que a requerida, deliberadamente, causou prejuízo aos cofres do Município de Belém, em proveito próprio, com evidente dolo.

Assim agindo, a requerida MARIA praticou ato de improbidade administrativa, que atenta contra o princípio da moralidade que deve ser observado por todos os agentes públicos, pois, na condição de candidata a conselheira tutelar no Distrito de Icoaraci, no pleito de 2011, fez uso, novamente, de documento fraudulento para perceber gratificação indevida por adicional de escolaridade, embora já tivesse concluído o ensino médio em março de 2010 (fls. 160).

Questiona-se: se a demandada concluiu o ensino médio em 2010, porque apresentou, por ocasião de sua inscrição para o pleito eleitoral de abril de 2011, o mesmo diploma falso apresentado em 2008? Da análise dos documentos constantes nos autos e das declarações das testemunhas, entendo que a mesma agiu assim para que seu ato praticado anteriormente não fosse descoberto.

Ora, se a idoneidade moral do membro do Conselho Tutelar é exigida, pelo art. 131, inciso I, do ECA, como requisito para sua candidatura, não se pode admitir que a postura ética do Conselheiro se restrinja ao momento de sua escolha, mas sim a todo o período em que exercer o cargo a que se propôs. Portanto, a conduta indecorosa do Conselheiro Tutelar é motivo suficiente para a perda da função pública.

A inobservância dos princípios da administração pública faz gerar na sociedade prejuízo incalculável, criando a presunção de que qualquer cidadão poderá se dispor a praticar atos ilegais e imorais para apropriar-se de bens comuns indevidamente.

Desta forma, configurada a prática de ato de improbidade administrativa deve o juiz, por ocasião da aplicação das sanções cabíveis, levar em consideração a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Na presente demanda, entendo que o prejuízo causado pela requerida, ao receber os valores a título de adicional de escolaridade, mostrou-se de natureza grave.

Com respeito a prova dos autos, tenho-a como robusta e autorizadora da procedência dos pedidos, haja vista que a ré MARIA confessou perante este magistrado, em audiência, a utilização do documento fraudulento e o recebimento de vantagem ilícita.

Conduto, com relação a ré JOANA, forçoso reconhecer que ela não teve nenhuma participação na fraude praticada pela outra, e, portanto, não deve receber nenhuma sanção prevista na lei de regência, devendo, porém, receber as consequências advindas da declaração de nulidade da eleição da Chapa nº 01.

6. CONCLUSÃO

Como dito alhures, pretende o MPE a condenação da ré MARIA por improbidade administrativa, atribuindo a ela a prática das condutas descritas nos artigos 9°, Caput, 10, Caput e inciso I, e 11, Caput e inciso I, da Lei n. 8.429/1992.

Notadamente, a improbidade administrativa deve ser evitada e combatida em todos os segmentos da sociedade, necessitando de um controle social eficaz e rígido para que os atos de má administração não desvirtuem os preceitos basilares de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios expressos na CF/88.

Para o enquadramento da conduta na lei de improbidade administrativa, há de se verificar a presença dos elementos necessários, quais sejam, sujeito ativo (arts. 1° e 3°), sujeito passivo (art. 1°) e a ocorrência de ato danoso descrito em lei.

Diversos doutrinadores, como Di Pietro[1], defendem a necessidade de elemento subjetivo para acarretar a incidência das penalidades previstas na lei de improbidade administrativa. Acerca do tema, ensina:

O enquadramento na lei de improbidade administrativa exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. (…) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa de intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige a observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios e fins.

Na ação da ré MARIA, constato que todos os elementos, inclusive o volitivo, estão presentes. Em relação aos sujeitos ativo e passivo, bem como a ocorrência do ato danoso, já demonstrado anteriormente.

Quanto ao elemento subjetivo, entendo que o mesmo foi percebido durante a instrução processual e através da análise dos documentos trazidos aos autos, dando conta de que a requerida Maria, de forma livre e consciente, apresentou documento que sabia ser falso, para que fosse deferida a sua inscrição, através da Chapa n. 1, no processo de eleição para conselheiro tutelar do Distrito de Icoaraci.

Embora tenha negado a utilização de documento falso para inscrição no processo eleitoral, no momento de sua contestação, a demandada, em Juízo, repiso, confirmou as acusações feitas pelo Ministério Público, informando às fls. 232/233:

Que realmente confirma ter utilizado o diploma de fls. 40 dos autos para se inscrever para concorrer às eleições para o conselho tutelar II, no pleito de 2011, na qualidade de titular; Que ratifica não ter concluído seu curso de magistério em 1988; Que nunca cursou magistério; (…) Que chegou a atuar por 4 vezes naquela oportunidade (mandato anterior, quando atuou como suplente); Que recebeu vantagens financeiras, tipo gratificação, por ter apresentado conclusão de ensino médio muito embora não tivesse concluído ainda”. (grifei)

De outra banda, a Diretora da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental 'Avertano Rocha', Sra.(...), quando inquirida em Juízo, às fls. 233, ratificou as declarações feitas perante o Promotor de Justiça por ocasião da instrução do inquérito civil e confirmou que inexiste registro de matrícula em nome de Maria da Silva Sousa e que, em consequência, a requerida nunca estudou naquela instituição de ensino.

Verifico, como já dito, a ocorrência de ato de improbidade administrativa cometido pela Sra. Maria, sobejamente comprovado nos autos.

Ante ao exposto, considerando os documentos trazidos aos autos e a prova testemunhal, produzidas durante a instrução processual, diante ainda da confissão da demandada, levando em conta a gravidade do ato, considero demonstrada, de forma inequívoca, que a requerida MARIA praticou, dolosamente, ato de improbidade administrativa, previsto no artigo 9º, inciso I, da Lei nº 8.429/1992, devendo receber as sanções previstas no inciso I do artigo 12, do mesmo diploma legal, independente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados pelo Parquet, para, em consequência, confirmar os efeitos da antecipação da tutela, concedida pela decisão de fls. 115/137. Na forma do inciso I do artigo 12 da lei antes referida, CONDENO a ré MARIA, a) na perda de todo e quaisquer bens ou valores acrescidos ilicitamente com a prática do ato ao seu patrimônio, se houver, já que deles não se tem notícia nos autos; b) ressarcimento integral do dano causado aos Cofres Públicos; c) perda imediata da função pública, se estiver exercendo alguma a quando do trânsito em julgado desta sentença; d) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito (8) anos; d) pagamento de multa civil de três (3) vezes o valor do acréscimo patrimonial; e, e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de dez (10) anos.

Declaro, ainda, nulo o registro da Chapa n. 01 e o ato de posse, se houve, das rés, em função da reconhecida ausência de idoneidade moral para o exercício do cargo e descumprimento de requisito legal, confirmando a chapa seguinte mais votada, na condição de 5ª colocada.

Deixo de aplicar qualquer tipo de sanção a ré JOANA em razão de não ter participado de qualquer ato de improbidade administrativa, conforme fundamentação.

Oficie-se ao Poder Público, nas esferas Federal, Estadual e Municipal sobre a proibição contida na item “e”.

A multa civil deverá ser revestida em favor do Município de Belém, na forma do artigo 18 da Lei n. 8.429/92.

Considerando que constam nos autos, indícios de elementos que apontam para a prática, também, de ilícito penal, determino que sejam extraídas cópias de todas as peças dos autos e encaminhadas para o representante do Ministério Público com atuação criminal neste Distrito, independente do trânsito em julgado.

Com o trânsito em julgado, expeçam-se as comunicações de ordem, inclusive ao E. Tribunal Regional Eleitoral do Pará para fins de suspensão dos direitos políticos de MARIA.

Sem custas e honorários, em razão do artigo 141, § 2° do ECA.

Intimem-se as requeridas, através de seus advogados.

Cientifique-se o Ministério Público e a SEMAJ.

Oficie-se à FUNPAPA e COMDAC, enviando cópia desta decisão.

P.R.I.

Icoaraci, 29 de maio de 2013

Juiz ANTÔNIO CLÁUDIO VON LOHRMANN CRUZ

Titular da 3ª Vara Cível Distrital de Icoaraci/Infância e Juventude


[1]DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.813-823.

Sobre o autor
Antonio Claudio Von Lohrmann Cruz

Juiz de Direito da Comarca de Belém, Estado do Pará, com atuação na Vara da Infância e Juventude Distrital de Icoaraci. Juiz auxiliar da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPA e Diretor do Fórum do Distrito de Icoaraci. Secretário Executivo da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional. Pós-graduado latu sensu em Gestão de Unidade Judiciária (2021)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Antonio Claudio Von Lohrmann. Sentença de condenação por ato de improbidade administrativa.: Ação civil pública - suplente de conselheira tutelar - uso de documento falso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4000, 14 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/28286. Acesso em: 22 dez. 2024.

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