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Receita de alienação de imóveis públicos não pode ser usada para pagamento de precatórios

Agenda 05/03/2012 às 18:26

A receita de capital obtida com a alienação ou a dação de imóveis municipais não pode ser usada para renegociação ou pagamento de precatórios, que é despesa corrente, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal.

PRECATÓRIO. PAGAMENTO. RECEITA RESULTANTE DE VENDA OU DAÇÃO EM PAGAMENTO DE IMÓVEIS INTEGRANTES DO PATRIMÕNIO MUNICIPAL. Receitas correntes destinam-se ao atendimento de despesas correntes, enquanto receitas de capital devem cobrir despesas de capital, conforme expressa disposição da Lei federal 4.320/64 (art. 11). A aplicação de receita de capital proveniente de alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesa corrente é expressamente vedada pela Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal (art. 44), sob pena de caracterizar-se improbidade administrativa, nos termos do art. 10, da Lei 8.429/92. Ilegalidade.


CONSULTA

Encaminha-nos Prefeitura Municipal, por intermédio do seu Procurador Jurídico, consulta nos seguintes termos:

Tendo em vista o disposto na Lei nº 4320/64 e na Lei de Responsabilidade Fiscal, permite-se o pagamento de precatórios por meio de receita obtida com a alienação de imóveis municipais, na forma da Lei Municipal anexa.

A consulente encaminhou cópia da lei indicada como embasadora da buscada medida administrativa, merecendo destaque o disposto em seu:

“ARTIGO 1.º - Fica o Executivo Municipal autorizado a alienar o imóvel desafetado pela Lei n.º ..., , objeto da matrícula n.º ..., ficha ..., livro ..., do Cartório de Registro de Imóveis, para fins de renegociação e pagamento de precatórios, tendo em vista que no imóvel foi implantado o Loteamento “...” que se encontra aprovado pelo GRAPOHAB e cujos lotes deverão ser avaliados pelo valor do metro quadrado vigente a época da alienação, ficando sob a responsabilidade do Executivo Municipal o planejamento, execução e venda dos lotes.” (negritamos).


PARECER

A singela consulta não esclarece que a lei expressamente invocada está revogada, conforme se verifica na legislação local posterior, que dispõe[1]:

“ARTIGO 4.º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, em especial a Lei n.º ..., de ... de dezembro de 2004.” (negritamos).

Entretanto, esta mesma norma, ora vigente, prevê ainda que:

“ARTIGO 1.º - Fica o Executivo Municipal autorizado a:

I – proceder ao loteamento do imóvel desafetado pela Lei n.º ..., de ... de ... de 2003, objeto da matrícula n.º ..., do Registro de Imóveis de ..., Estado de São Paulo, o qual denominar-se-á ..., cujo projeto já encontra-se aprovado pelo GRAPOHAB, bem como implantar no referido empreendimento todas as suas obras e equipamentos para sua infra-estrutura (terraplenagem, guias, sarjetas, energia elétrica, iluminação pública, rede de água e esgoto e pavimentação asfáltica);

II – alienar os lotes do empreendimento denominado ..., através de venda a terceiros ou dação dos referidos lotes para fins de renegociação e pagamento de precatórios, cujos lotes serão avaliados por metro quadrado vigente na época da alienação, ficando sob a responsabilidade do Executivo Municipal o planejamento, execução e alienação dos lotes.

Parágrafo 1.º - A alienação, seja parcial ou total, obedecerá aos parâmetros legais vigentes, em especial a Lei Federal n.º 8666/93 e a Lei Municipal n.º ..., de ... de ... de 2000, e ainda, as Leis Municipais de n.º ...., de ... de ... de 2003; n.º ..., de ... de .... de 2004; n.º ...., de ... de ... de 2004; n.º ..., de ... de ... de 2004; n.º ..., de ... de ... de 2004; n.º ..., de ... de ... de 2004; n.º ..., de ... de ... de 2004; n.º ..., de ... de ... de 2004; n.º ..., de ... de ... de 2004, e n.º ..., de ... de ... de 2004.  

Parágrafo 2.º - No caso de venda dos lotes os valores auferidos serão depositados em conta específica da Municipalidade destinado ao pagamento de precatórios.”(negritamos).

Portanto, qualquer pretensão da consulente em valer-se da base legal indicada para lastrear um procedimento como o apontado na consulta, caso fosse possível, não poderia jamais prosperar, pois se cuida de norma excluída, pelo legislador, do ordenamento jurídico. A lei vigente, cujo conteúdo é diverso daquele constante do texto legal invocado na consulta, é a acima transcrita.

Em relação à viabilidade da Administração Pública utilizar-se de receita de capital (no caso presente, a proveniente da alienação mediante a venda de imóveis que integram o patrimônio público, ou mesmo de “dação dos referidos lotes para fins de renegociação e pagamento de precatórios”) para o financiamento de despesas correntes (como se caracteriza o pagamento de salários ou mesmo de precatórios), inexiste qualquer controvérsia, doutrinária ou jurisprudencial. É cediço que receitas correntes destinam-se ao atendimento de despesas correntes, enquanto receitas de capital devem cobrir despesas de capital, em decorrência de expressa disposição legal. Exceções à regra, somente se expressamente consignadas em lei.

Nem mesmo a utilização da alternativa de “dação dos referidos lotes para fins de renegociação e pagamento de precatórios”, prevista na nova redação dada à norma legal em análise, é admissível ou apta a contornar o impeditivo legal, pois nesta hipótese, mesmo não se configurando propriamente uma “alienação”, o imóvel possui valoração econômica e este estaria sendo utilizado para a quitação de débitos correntes. Como claramente prevê o dispositivo vigente, os “... lotes serão avaliados por metro quadrado vigente na época ...”, o que evidencia sua incontestável valoração, com a conseqüente existência de uma “receita de capital”, a qual não poderia a Administração Pública, mesmo mediante subterfúgios ou meios transversos, utilizar para ”pagamento de precatórios”, conforme a consulta menciona.

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A legislação federal que fixa as “Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal” dispõe expressamente que:

“Art. 11 - A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receitas de Capital.

§ 1º - São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes.

§ 2º - São Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; da conversão, em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital e, ainda, o superávit do Orçamento Corrente.”[2] (negritamos);

Por outro lado, ainda sobre o tema, cabe apontar a existência de expressa disposição legal federal na qual é vedada claramente a adoção dos procedimentos objeto da autorização manifestada pelo legislador local na série de leis que resultaram na vigente Lei nº 3.191, de 5 de abril de 2005. É o teor cristalino do:

“Art. 44. É vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesa corrente, salvo se destinada por lei aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos.”[3] (negritamos).

Evidentemente, o produto da alienação de imóveis municipais não se destinará a suportar despesas relativas aos regimes de previdência geral e próprio dos servidores públicos municipais, exceção legalmente admitida para sua utilização em despesas correntes.

Merece ser apontado que os procedimentos previstos no inciso II, e parágrafo 2º, do artigo 1º, da Lei nº 3.191/05, se implementados, implicarão na incidência dos responsáveis em improbidade administrativa, conforme disposto no:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

(...)

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;”[4]

Ainda, o mesmo diploma legal fixa as penalidades para tal hipótese:

“Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

(...)

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

(...)

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” (negritamos).

Do exposto resulta inquestionável que o “pagamento de precatórios por meio de receita obtida com a alienação de imóveis municipais”, ou mesmo “a dação dos referidos lotes para fins de renegociação e pagamento de precatórios” com base no disposto na Lei municipal nº ..., de ... de ... de 2005, configuram-se como flagrantemente em desacordo com a normatização federal vigente. Devem, pois, o inciso II e os §§ 1º e 2º, da Lei local indicada neste estudo, ser revogados.

É o parecer.

fevereiro de 2012.


Notas

[1] Lei nº 3.191, de 05 de abril de 2005 (site http://www.camaraolimpia.sp.gov.br/camver/leimun/053191.html)

[2] Lei federal nº 4.320, de 17 de março de 1964

[3] Lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal)

[4] Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa)

Sobre o autor
Guilherme Luis da Silva Tambellini

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Chefe de Gabinete do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Integrou a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Gabinete Conselheiro Sidney Beraldo), foi Gerente Jurídico da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura e Rádio Cultura de São Paulo). Foi Dirigente da Controladoria Interna e integrou também o corpo Técnico-Jurídico da Coordenadoria de Assistência Jurídica, e Procurador Jurídico, todos da Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM. Foi Assessor Técnico dos Gabinetes dos Secretários da Fazenda e Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Chefe de Gabinete da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, além de Secretário Executivo e Membro do Conselho de Defesa dos Capitais do Estado-CODEC, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Foi também Membro dos Conselhos de Administração da CDHU/SP e da EMTU/SP e do Conselho Fiscal da COSESP/SP, assim como Dirigente da Consultoria Jurídica da Banespa - Serviços Técnicos e Administrativos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAMBELLINI, Guilherme Luis Silva. Receita de alienação de imóveis públicos não pode ser usada para pagamento de precatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3169, 5 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/21216. Acesso em: 22 nov. 2024.

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