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Greve no Judiciário. Expedição de certidão negativa. Inabilitação em licitação

Agenda 21/03/2012 às 07:11

A ausência de certidão negativa de falência e concordata provocada por greve do Poder Judiciário não deve impedir a habilitação de interessados na licitação.

GREVE NO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA. AUSENCIA DE DOCUMENTAÇÃO EM HABILITAÇÃO EM LICITAÇÃO. Na situação excepcional de greve do Poder Judiciário, a previsão de exigência, na fase da habilitação, de certidão negativa de falência e concordata enseja solução de modo a não restringir a participação de interessados, na esteira de decisão, em caso semelhante, da Corte de Contas Paulista. Importância da jurisprudência na introdução de inovações para a solução de problemas práticos. Incabível exigência de registro de balanço patrimonial e demonstrações contábeis perante a Junta Comercial. Eventual inabilitação implicará convocação do classificado subsequente, objetivando a sequência do procedimento licitatório e final contratação conforme sua proposta.


CONSULTA

Consulta-nos Prefeitura Municipal acerca de questões relacionadas à habilitação de licitante, em processo de Pregão.

Cuida-se de recurso interposto contra a habilitação do primeiro classificado, sob o fundamento de que este não apresentou certidão negativa de falência, balanço patrimonial com registro na Junta Comercial e demonstrações contábeis, nos termos do edital. Em contrarrazões, foi alegada a existência de greve do Judiciário emissor da certidão exigida, inviabilizando sua obtenção, e a ausência de previsão editalícia do registro do balanço na Junta Comercial.

Questiona-se quanto a caber a inabilitação do primeiro classificado, assim como das condições de negociação de preços com o habilitado subsequente, no caso de exclusão daquele.


PARECER

O pregão, como modalidade de licitação, foi instituído pela Lei federal nº 10.520/02, que estabelece as regras de sua aplicabilidade à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, quando se tratar de aquisição de bens e serviços comuns, cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser definidos no edital, por meio de especificações usuais no mercado, aplicando-se supletivamente a Lei nº 8.666/93.

Interessa, em especial, para o presente estudo, o fato de que o pregão possui características próprias, diferenciadas das demais modalidades de licitação e decorrentes de sua peculiar estrutura procedimental, merecendo destaque aquela introduzida pela inversão na tradicional ordem de fases, ou seja, a aferição do atendimento, pelos licitantes, dos requisitos da habilitação somente ocorre em relação àquele que apresentar a melhor proposta, o que trouxe, ao lado de pontos positivos, também alguns problemas práticos, conforme ensina Marçal Justen Filho:

“A divulgação do conteúdo da proposta incentiva a Administração a ser mais tolerante com a infração aos requisitos de habilitação. Em muitos casos, torna politicamente inviável a inabilitação do licitante, eis que a opinião pública não compreende a rejeição de propostas com números aparentemente vantajosos. Negar a procedência desse enfoque equivale a desconhecer a realidade dos fatos.

A inversão das fases, tal como se passa no pregão, é uma solução correta nos casos em que o objeto é suficientemente simples para ser executado por qualquer sujeito que se encontre no mercado. Mais que isso, o pregão não comporta pesquisas mais aprofundadas sobre requisitos de habilitação técnica. (...) Uma vez esgotada a fase competitiva, passa-se à verificação da idoneidade do licitante melhor classificado. São examinados exclusivamente os documentos pertinentes à habilitação desse sujeito. Por uma praxe difundida, também há exame da aceitabilidade do objeto ofertado por ele. Caso estejam preenchidos os requisitos exigidos, o sujeito é declarado vencedor. Em caso negativo, passa-se ao exame da documentação e da oferta do segundo melhor classificado e assim sucessivamente, até se identificar um sujeito que satisfaça às exigências legais e editalícias. Se e quando tal ocorrer, haverá a proclamação de um vencedor. O conjunto dessas atividades administrativas pode propiciar diversas controvérsias.”[1] (Grifamos).

O doutrinador aponta aspectos relevantes para o melhor entendimento do procedimento, cabendo destacar o que segue:

“Antes de ir adiante, é indispensável assinalar que o pregão apresenta grandes vantagens em relação às modalidades tradicionais. No entanto, isso não significa ausência de deficiências e inadequações. Essa advertência é indispensável porque o afã de submeter todas as contratações ao regime de pregão acaba por desencadear sérios problemas para a Administração Pública. Mais ainda, existem algumas interpretações descabidas a propósito do pregão, que conduzem a práticas administrativas antijurídicas e reprováveis.

5.1.) As vantagens do pregão

O pregão apresenta três vantagens marcantes em relação às modalidades tradicionais de licitações previstas na Lei nº 8.666. Trata-se de a) potencial incremento das vantagens econômicas em favor da Administração, b) ampliação do universo de licitantes e c) simplificação do procedimento licitatório.

5.1.1.) A potencial ampliação das vantagens econômicas

O pregão contempla uma fase de lances posterior à apresentação das propostas. Desse modo, os licitantes podem elevar a vantajosidade de sua proposta. A mutabilidade do valor oferecido insere-se num processo de ampliação da competitividade, o que não existe no modelo tradicional da Lei nº 8.666. Como resultado, a Administração obtém contratações por valor econômico mais reduzido.

5.1.2) A ampliação do universo de licitantes

Especificamente no tocante ao pregão eletrônico, verifica-se a desnecessidade de comparecimento no local em que se processa o certame. A possibilidade de competir por meio de propostas e lances apresentados pela Internet abre oportunidades para que os licitantes dos mais diversos locais do Brasil participem de todos os pregões instaurados. Isso reduz o risco de acordos reprováveis entre os licitantes e amplia a possibilidade de obtenção de propostas mais vantajosas.

5.1.3) A simplificação do procedimento licitatório

A inversão das fases torna desnecessário o exame da documentação de habilitação de todos os licitantes. A isso se soma o cabimento de recurso somente contra a última decisão adotada pela Administração. Como decorrência, o procedimento licitatório torna-se muito mais rápido, consumindo menos esforço dos agentes administrativos.

Desse modo, um pregão pode iniciar-se e encerrar-se em horas, senão em minutos – hipóteses impensável no âmbito das licitações tradicionais da Lei nº 8.666.”[2] (Grifamos).

As lições de Marçal, como veremos adiante, indicam que a solução para a primeira das questões alegadas em grau recursal caminha no sentido do desacolhimento deste aspecto da impugnação, desde que se reconheça estarem presentes determinadas condições.

Para aclaramento de seu entendimento, é essencial iniciarmos pela sua visão quanto à questão da discricionariedade do condutor do pregão, em especial quanto ao julgamento objetivo e à vinculação ao ato convocatório, por sua relevância:

“é fundamental assinalar a explícita alusão à ausência de discricionariedade da autoridade administrativa na condução e encaminhamento da licitação processada sob a modalidade de pregão. Reitera-se, a propósito do pregão, um princípio consagrado na Lei nº 8.666, acerca da ausência de autonomia da autoridade julgadora. Essa regra assume especial relevância em vista da tendência a atribuir ao pregoeiro poderes discricionários incompatíveis com os princípios aludidos. O próprio regulamento federal acaba por induzir o intérprete a supor o cabimento de o pregoeiro valer-se de um certo bom senso como critério decisório. Essa alternativa é incompatível com a Lei nº 10.520 e com o próprio regulamento federal. O próprio art. 4º do regulamento federal enuncia a vedação à possibilidade de seleção de propostas ou imposição de soluções derivadas de ‘prudente arbítrio’ do pregoeiro.

Destaque-se, ademais, que nem seria cabível consagrar alternativa através da via regulamentar. Se a Lei não consagrou solução tutelando escolhas subjetivas do pregoeiro, seria inviável um simples decreto optar por inovação normativa dessa ordem. Portanto, o regulamento federal, no art. 4º, reitera pura e simplesmente a alternativa legislativa consagrada – como não poderia deixar de o ser.”[3] (Grifamos).

A questão da vinculação do julgamento ao ato convocatório, ou seja, a indispensabilidade de pleno atendimento a todas as exigências editalícias, à primeira vista, leva à conclusão de que o desatendimento aos requisitos estabelecidos no instrumento convocatório implica, sem qualquer margem de dúvidas, a inabilitação. Entretanto, convém aprofundarmos a análise, colhendo outros elementos.

É indispensável ressaltar a inexistência na consulta de informações quanto à vigência atual de regramento infra-legal local (o que impõe considerar aplicável somente a lei federal aludida, assim como acentuar a inaplicabilidade ao caso presente, posto que não vinculante para as demais esferas da federação, do Regulamento federal estabelecido pelo Decreto 3.555, de 8 de agosto de 2000). Entretanto, Marçal Justen Filho desenvolve a exposição citando-o frequentemente, motivo pelo qual merece ser aqui considerado, com esta ressalva.

Prosseguindo, ao detalhar os requisitos a serem estabelecidos para a habilitação no procedimento, em especial quanto à qualificação econômico-financeira, utiliza-se de exemplo que interessa diretamente à consulta:

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“Os requisitos dos incs. I e II do art. 31 poderão ser exigidos a depender das circunstâncias. Lembre-se que, como regra, a certidão negativa de falênciarecuperação judicial ou insolvência civil sempre deverá ser exigida. Aliás, o texto da Lei nº 10.520 é explícito quanto a essa obrigatoriedade (art. 4º, inc. XIII).”[4] (Grifamos).

Em outro ponto, cuida especificamente da questão relativa à não apresentação de certidão negativa de falência:

“14.4.1) Abrangência da regra: os defeitos supríveis

Iniciando pela temática da extensão objetiva, o texto regulamentar parece induzir que a faculdade se refere exclusivamente a dados cadastrais obsoletos. Ou seja, não se autorizou a correção de todo e qualquer defeito existente na documentação de habilitação. Assim, não seria possível invocar o art. 11, inc. XIII, do regulamento federal para apresentar documento exigido no ato convocatório e que, por lapso, o sujeito olvidara de inserir no envelope próprio.(...)

O problema que surge relaciona-se com a identificação de limites para o suprimento de defeitosTodo e qualquer defeito poderia ser suprido ou somente alguns comportariam saneamento ? Em princípio, não há como estabelecer um critério distinto entre impedimentos à participação no certame.

Também aqui se poderiam distinguir os defeitos meramente formais dos vícios materiais. Os primeiros corresponderiam a insuficiências ou obstáculos relacionados com o instrumento documental exigido pela Lei ou pelo ato convocatório como requisito de participação. O documento consiste em uma via de evidenciar a existência ou inexistência de certos fatos. O defeito é apenas formal quando não envolver disputa acerca do fato documentado, mas com o instrumento de sua documentação. Em tais hipóteses, a controvérsia não se relaciona com o efetivo preenchimento por parte do sujeito das exigências impostas à participação. O problema se restringe à exibição tempestiva e oportuna do documento probatório. É o caso, por exemplo, da ausência de certidão negativa de falência. Até pode ser certo e inquestionável que o sujeito não está falido. Isso é fato notório. Mas não basta a notoriedade do fato, eis que o interessado tem de apresentar o documento próprio e adequado. Imagine-se que o documento deixe de ser exibido. Esse é um exemplo de defeito formal da documentação.

Outra é a situação em que a ausência ou insuficiência do documento retrata precisamente a situação documentada. O documento é retrato fiel e perfeito da situação do licitante. O problema reside em que a situação é incompatível com a participação no certame. Assim e utilizando a situação acima considerada, imagine-se um sujeito falido que pretendesse participar de licitação. A discussão não envolveria a existência ou ausência de certidão negativa. Inexistiria certidão negativa, mas não por algum lapso do interessado. A ausência da certidão negativa entre os documentos exibidos decorreria de o sujeito estar efetivamente falido. Aí se tem exemplo de defeito material da documentação.

A disciplina adotada no regulamento federal não diferencia defeitos formais e de conteúdo. Não determina que o suprimento poderia fazer-se apenas quanto àqueles e não quanto a esses. Aliás, nem poderia fazê-lo, eis que a legislação geral não diferencia as duas espécies de víciosPara fins de habilitação (e de inabilitação), sempre se reputou indiferente se o defeito na documentação é formal ou material.(...)

A única distinção possível reside em que alguns defeitos podem ser supridos com certeza, segurança e rapidezJá outros não comportam solução dessa ordem. Pode imaginar-se que os defeitos puramente formais comportam suprimento em termos muito mais simples que os materiais. De regra, assim o será, mas nem sempre.

Assim, imagine-se que o edital contemple certos índices mínimos, extraíveis das informações contábeis. Se um licitante não preencher os índices, existirá defeito material. A superação do defeito exigirá inúmeras atividades, cuja efetivação demandará tempo razoável. Já os defeitos formais, pertinentes exclusivamente à documentação, comportam usualmente superação através da substituição do documento. Portanto, se o sujeito exibir documento novo, tanto bastaria para ultrapassar a barreira até então encontrada.

Mas não se exclui a possibilidade de defeitos formais de difícil solução tanto quanto a situação oposta relativamente a defeitos materiais.

O critério hermenêutico aplicável não pode, então, fundar-se na natureza do defeito (formal ou material), mas deve tomar em vista a viabilidade de sua eliminação de modo imediato, sem margem a dúvidas ou controvérsias. A inovação trazida no âmbito do pregão consistiria na possibilidade de suprimento dos defeitos da documentação, desde que tal pudesse fazer-se através de exibição de novos documentos, aptos a comprovar de modo inquestionável o preenchimento dos requisitos exigidos. Ademais disso, exige-se que o sujeito produza o saneamento do defeito na solenidade de abertura e julgamento dos documentos. Não se admite que ele pleiteie a concessão de prazos outros para tanto.

O princípio que norteia essa matéria é o mesmo apontado em outras oportunidades: não se admite a suspensão do procedimento do pregão. Abertos os envelopes de propostas, o procedimento deve prosseguir até o exame dos documentos de habilitação e a identificação do licitante vencedor. Até se pode admitir a necessidade de exames mais aprofundados acerca de documentos ou (inclusive) apresentação de novos documentos. Não é cabível, no entanto, o desenvolvimento de atividades fiscalizatórias que exijam a paralisação do processo.[5] (destacamos)

Pelo exposto, pode-se concluir pela possibilidade de suprimento de defeito na habilitação, observados os parâmetros expostos, desde que respeitado o pressuposto de que, para tanto, não se exija a suspensão do procedimento licitatório, visto que isto contraria a essência desta modalidade. Entretanto, no caso presente, estaríamos frente a obstáculo intransponível para o suprimento da ausência da certidão negativa de falência, a exigir o término da greve do Judiciário (único competente para a sua emissão), o que, além de fugir ao controle do licitante, também escapa ao controle do próprio terceiro emissor do documento.

Entretanto, mais à frente veremos que, havendo interposição de recursos, abre-se a possibilidade, no entender do referido doutrinador, do suprimento de correção de pequenos defeitos.

Outro elemento merece ser trazido para subsidiar a formação de nossa convicção. E este decorre de posicionamento da Egrégia Corte de Contas do Estado de São Paulo, em situação análoga, em que pese tratar de fase diversa do procedimento do pregão desenvolvido por Municipalidade, ou seja, em Representação em Exame Prévio de Edital.

No caso, o Conselheiro Antonio Roque Citadini defendeu a retificação do instrumento convocatório, dentre outras, em relação à certidão negativa de falência, em face de greve do Judiciário Paulista:

“Senhor Presidente, Senhores Conselheiros,

Relato a Vossas Excelências, em sede de exame prévio de edital, nove representações formuladas contra os editais das Concorrências de nºs ... a ... da Prefeitura Municipal de ..., destinadas a registro de preços para aquisição de alimentos diversos, como explicitei no cabeçalho.

A Representante ... é única em todos os nove expedientes e juntou cópia dos editais com as razões do seu inconformismo, as quais, numa singela análise se mostram basicamente as mesmas, quais sejam:

a) certidão negativa de falência ou concordata em data não anterior a 90 dias;

b) (...)

A certidão negativa está prevista no artigo 31 da Lei de Licitações como um dos documentos possíveis de se conhecer a saúde financeira das empresas.

Na maioria dos Estados é comum constar em tal certidão o prazo 90 dias para sua validade. Observa que o edital não está fixando prazo para a certidão, mas sim, criando uma regra para todos atenderem: não estando consignado expressamente o prazo de validade, as licitantes devem apresentar Certidão expedida até 90 dias.

A ATJ[6] pondera que o edital não contraria a Lei, mas, dada a situação excepcional do momento de greve do Poder Judiciário e do INSS seria importante que o edital contemplasse tal situação de modo a não restringir a participação de interessados, cuja certidão tenha vencido ou por vencer antes da data de abertura dos envelopes.

Traz a informação de que o INSS editou norma (Resolução nº 69, de 10/10/2001) que prorroga o prazo das certidões vencidas a partir de 8/8/2001 e que, no âmbito deste Tribunal, o fato foi contornado com a exigência de declaração do próprio licitante, postergando-se para momento futuro a entrega dos documentos apropriados.

Já a SDG,[7] mais enfaticamente opina por se determinar a retificação do item `ao menos até o término da greve do Judiciário’. (...)

Em relação ao prazo de validade das certidões negativas, ainda que não seja ilegal a exigência editalícia, a situação especial da greve que atinge o Poder Judiciário e a Previdência Social eleva-a, neste momento, à condição de exigência restritiva, razão pela qual, deve a prefeitura encontrar uma maneira que elimine tal restritividade que decorre de fato conhecido e para o qual não contribuíram eventuais interessados na licitação.

Estes, Senhores Conselheiros, o voto que submeto ao E. Plenário.”[8] (Grifamos).

O voto foi acolhido por unanimidade pelo Pleno daquele Tribunal de Contas, determinando-se, no Acórdão prolatado:

“Irregular exigência de amostras de produtos perecíveis previamente à licitação e sem critérios objetivos de avaliação. Correta previsão de análise periódica com amostras de cada lote. Recomendável previsão de aceitabilidade de certidões negativas em face de greve do Judiciário e do INSS. V.U.

Vistos, relatados e discutidos os autos do Exame Prévio de - TC 28460/026/200 – das concorrências números 115 a 123/2001, da Prefeitura Municipal de ..., em que é representante: ...

ACORDAM, em sessão do Egrégio Plenário do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, realizada no dia 31 de outubro do ano de dois mil e um, por votação unânime, julgar parcialmente procedente a representação para determina a retificação do Edital, na conformidade do relatório, notas taquigráficas e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente. Participaram do julgamento os Conselheiros Edgard Camargo Rodrigues (Presidente, sem voto), Antonio Roque Citadini (Relator), Fúlvio Julião Biazzi, Cláudio Ferraz de Alvarenga, Renato Martins Costa, Robson Marinho e o Substituto de Conselheiro Wallace de Oliveira Guirelli.”[9] (Grifamos).

Constata-se que a Corte de Contas, após tornar assente que a regra prevista no instrumento convocatório caracteriza-se como inaceitável restrição à participação de licitantes, deliberou por dar efetividade à mais ampla possibilidade de acorrerem interessados ao certame. Ao tratar do assunto, Marçal Justen Filho preleciona:

“2.8.4) A mitigação do formalismo pela jurisprudência

A temática do formalismo nas licitações somente pode ser examinada à luz da jurisprudência (judicial e dos tribunais de contas), que introduziu importantes inovações para a solução de problemas práticos.(...)

A importância do julgado decorre da orientação consagrada pelo Poder Judiciário. Tratou-se de assegurar a necessidade de interpretar as exigências da lei e do ato convocatório como instrumentais em relação à satisfação dos interesses supraindividuais. Mesmo vícios formais – de existência irrefutável – podem ser superados quando não importar prejuízo ao interesse coletivo ou ao dos demais licitantes. Não se configura lesão ao interesse de outro licitante restrito apenas à questão de ser derrotado. É imprescindível evidenciar que os defeitos ou vícios da proposta ou documentação traduzem frustração ao espírito competitivo, à lisura da disputa ou à razão que conduziu à adoção de certa exigência. Esse tratamento deve ser reservado a todos os licitantes, em igualdade de condições.”[10] (Grifamos)

Ou seja, reconhecendo situação fática semelhante à da consulta, a qual “decorre de fato conhecido e para o qual não contribuíram eventuais interessados na licitação”, os Conselheiros optaram por respaldar o interesse coletivo, mantendo a primordial ampliação da competitividade.

A intervenção do Tribunal de Contas ocorreu em diverso estágio do procedimento licitatório, entretanto, o fato concreto ensejador, em ambas as situações, é idêntico e, indiscutivelmente, não contou com a contribuição de quaisquer dos interessados para sua ocorrência. Cabe, assim, questionar a aceitabilidade de ser imposta a lesão ao seu interesse, no presente caso, em princípio a somente um dos competidores, em afronta ao princípio da isonomia, já que a greve do Judiciário, como é cediço, atingiu algumas comarcas (dentre as quais, noticia a consulta, a da sede do primeiro classificado), enquanto outras não, o que permitiu, em tese (o que só poderá ser aferido com a eventual abertura dos envelopes dos demais, nas hipóteses legalmente fixadas), possibilitar a apresentação do documento por outros participantes.

Na hipótese do desacolhimento do recurso, não poderá, em nenhuma hipótese, a contratante firmar o ajuste sem a prévia apresentação da certidão faltante, que demonstre não pesar contra o vendedor do certame as vedações fixadas no artigo 4º, inciso XIII, da Lei 10.520. Chegando a este estágio, e em consonância com essa alternativa, caberia lembrar, conforme anteriormente mencionado, que:

“16.9.1) Defeitos supríveis e pequenas irregularidades

Questões de somenos importância poderão ser apuradas por ocasião da interposição do recurso. Serão hipóteses de irregularidades que não provocam a invalidade de atos administrativos ou privados. Nesses casos, a Administração poderá, ainda quando reconhecida a existência do defeito, considerar suprido o vício. Tal será admissível mesmo se para tanto for necessária alguma providência ou diligência externa, em face dos licitantes ou de terceiros. Enfim, a interposição do recurso pode ser a oportunidade para a correção desses defeitos. A dificuldade acerca da identificação das hipóteses de defeitos supríveis não é maior do que se passa em qualquer espécie de licitação.”[11] (Grifamos).

Com relação à segunda questão da consulta, relativa à inexistência de registro do balanço na Junta Comercial, Marçal Justen Filho é claro:

“o fundamental reside na apresentação de documentos sérios, confiáveis e úteis. É imperioso ter em vista que o balanço é um instrumento para avaliação de preenchimento dos requisitos de habilitação. O documento, em si mesmo, nada prova. O balanço é exibido para verificar se o licitante preenche os índices adequados. O relevante é o conteúdo do balanço, o qual tem de merecer inquestionável confiabilidade.

Quando o art. 31, inc. I, refere-se à apresentação na forma da Lei, isso significa que a contabilização não pode ser produzida de acordo com cogitações subjetivas variáveis. Mas não significa que somente possam ser admitidas algumas alternativas específicas, determinadas, imutáveis. Nem, muito menos, seria possível exigir que o sujeito comprove o regular registro do Livro contábil na Junta Comercial ou outro órgão.

O licitante tem de apresentar o balanço e as demonstrações contábeis, elaboradas de acordo com as regras próprias. Poderá exibir uma cópia autenticada ou uma via original ou a publicação realizada na imprensa. Não há motivo razoável para negar-se a validade da exibição de um extrato dos documentos contábeis, contendo o balanço e demais informações, devidamente assinado pelo representante legal da empresa e de seu contador. Mas não se pode exigir o ‘selo do contador’ no balanço como requisito de comprovação da situação de regularidade do profissional perante o respectivo órgão.”[12] (Grifamos).

Esse entendimento é confirmado na jurisprudência da Corte de Contas Paulista, em Voto do Conselheiro Renato Martins Costa, acolhido por unanimidade conforme Acórdão da 2ª Câmara:[13]

“Igualmente desamparada pela norma a exigência de que o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis exigíveis viessem com os termos de abertura e encerramento registrados na JUCESP (item 6.1.4., alínea ‘a’), adendo que extravasa o sentido do art. 31, inciso I, do Estatuto.”[14] (Grifamos).

Ademais, as informações trazidas pelo consulente dão conta de que no instrumento convocatório constou somente:

“No edital se requisitaram ‘Certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica’ e ‘Balanço patrimonial e demonstrações contábeis do exercício social de 2008, já exigíveis e apresentados na forma da lei que comprove a boa situação financeira da empresa’

...

(reitere-se que, no edital consta ‘já exigíveis e apresentados na forma da lei que comprove a boa situação financeira da empresa’).”

Isto significa que o chamamento editalício, mesmo que o registro seja inadmissível segundo a doutrina e a jurisprudência citadas, também não exigiu o registro do balanço na Junta Comercial, tornando inquestionável a sua desnecessidade.

Finalmente, em optando o consulente pela inabilitação, cabe resposta à derradeira questão, ou seja, caso a “segunda colocada ‘indubitavelmente’ atenda aos requisitos de habilitação, a negociação deve alcançar as mesmas condições propostas pela primeira classificada?”.

Voltamos a citar Marçal Justen Filho, ao enfrentar a alternativa aplicável em caso de acolhimento do recurso interposto no presente caso:

“16.9.2) Defeitos insupríveis e aproveitamento de outras propostas

Outra hipótese verificável consiste no reconhecimento da existência de defeitos insuperáveis no certameenvolvendo eventualmente a desclassificação de determinada(s) proposta(s). Nesse caso, o provimento do recurso conduz à invalidação de atos, mas sem que tal produza o comprometimento do certame. Isso se passa especialmente quando a nulidade tiver ocorrido nas duas últimas etapas da disputa. A questão envolve ou a etapa de lances ou o julgamento da habilitação. Quando o defeito tiver ocorrido em uma dessas etapas, poder-se-á cogitar de renovação do procedimento ou, quando não, a possibilidade de aproveitar a(s) proposta(s) classificada em ordem sucessiva. O efeito do provimento do recurso consiste na alteração da ordem de classificação final, mas não a invalidação integral da licitação.”[15] (Grifamos).

Ao contrário da sistemática da licitação disciplinada pela Lei nº 8.666, no caso do Pregão (implícita na formulação da consulta) afigura-se aplicável a disposição contida no inciso XVI, do artigo 4º, da Lei nº 10.520:

“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(...)

XVI – se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor;”

Prossegue a lição de Marçal Justen Filho no sentido de que:

Verificando que os documentos são insuficientes ou defeituosos, o pregoeiro declarará o licitante inabilitado, indicando explicitamente os defeitos encontrados. Independentemente de outros efeitos (tal como o eventual sancionamento previsto no art. 7º), a decorrência imediata será a exclusão do licitante do certameCaberá ao pregoeiro, então promover a abertura do envelope do segundo classificado (nos termos constantes da segunda classificação provisória). Renovar-se-ão todas as formalidades acima referidas (tais como o exame pelos presentes do envelope, sua abertura etc.). Terá continuidade o procedimento até o pregoeiro localizar um licitante cuja documentação preencha integralmente os requisitos de habilitação, respeitando-se sempre a ordem contida na segunda classificação provisória.”[16] (Grifamos).

Inabilitado o antecedente, o novo primeiro classificado terá a sua proposta como vencedora, cabendo-lhe cumprir esta e não a proposta do inabilitado.

Em face do exposto, entende-se, com base na doutrina e no posicionamento do Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que a primeira colocada não deve ser inabilitada tendo em vista a impossibilidade de apresentação tempestiva de certidão negativa de falência e concordata, consequente de fato conhecido e para o qual a interessada na licitação não contribuiu.

É o parecer.


Notas

[1] Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 12 e 13.

[2] Marçal Justen Filho, ob. cit. p. 17 e 18.

[3] Marçal Justen Filho, ob. cit. p. 77.

[4] Marçal Justen Filho, ob. cit. p. 127.

[5] Marçal Justen Filho, ob. cit. p. 197 e 198.

[6] Assessoria Técnico-Jurídica do TCE/SP.

[7] Secretaria-Diretoria Geral do TCE/SP.

[8] Processo TC-28460/026/01 (voto: documento disponível no sítio www.citadini.com.br).

[9] TC-28460/026/01, no sítio http://www.tce.sp.gov.br.

[10] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 79 e 81.

[11] Marçal Justen Filho, Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 214 e 215.

[12] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 473.

[13] Processo TC-001848/003/05 (http://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/72628.pdf).

[14] Processo TC-001848/003/05 (http://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/72570.pdf).

[15] Ver nota 9.

[16] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 203.

Sobre o autor
Guilherme Luis da Silva Tambellini

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Chefe de Gabinete do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Integrou a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Gabinete Conselheiro Sidney Beraldo), foi Gerente Jurídico da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura e Rádio Cultura de São Paulo). Foi Dirigente da Controladoria Interna e integrou também o corpo Técnico-Jurídico da Coordenadoria de Assistência Jurídica, e Procurador Jurídico, todos da Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM. Foi Assessor Técnico dos Gabinetes dos Secretários da Fazenda e Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Chefe de Gabinete da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, além de Secretário Executivo e Membro do Conselho de Defesa dos Capitais do Estado-CODEC, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Foi também Membro dos Conselhos de Administração da CDHU/SP e da EMTU/SP e do Conselho Fiscal da COSESP/SP, assim como Dirigente da Consultoria Jurídica da Banespa - Serviços Técnicos e Administrativos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAMBELLINI, Guilherme Luis Silva. Greve no Judiciário. Expedição de certidão negativa. Inabilitação em licitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3185, 21 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/21324. Acesso em: 21 nov. 2024.

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