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Dirigentes e empregados de um serviço social autônomo: funcionários públicos para fins penais

Agenda 20/06/2013 às 14:28

Para fins penais, os dirigentes e empregados de um serviço social autônomo são considerados funcionários públicos?

I - Questão:

- Para fins penais, os dirigentes e empregados de um serviço social autônomo são considerados funcionários públicos?


II - Parecer:

A questão abrange a possibilidade de aplicação do artigo 327 §1º do Código Penal, aos empregados de um Serviço Social Autônomo. Atualmente a norma em análise prescreve o seguinte:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Classifica-se como entidade paraestatal aquela que é mantida por contribuições parafiscais, com regime de direito privado, atuando em atividades que possuam interesse público, paralelamente a atuação estatal. É o que ensina Maria Sylvia Zanela Di Pietro:

“O Poder Público, por meio dos referidos decretos-leis, garantiu sua manutenção por meio de contribuições parafiscais recolhidas pelos empregadores aos chamados Serviços Sociais.

Talvez seja em relação a essas entidades que melhor se aplique a expressão “entidade paraestatal”, que funciona paralelamente ao Estado, sem nele se integrar; realiza uma atividade de interesse público, sem se confundir com o serviço público do Estado; submete-se a um regime jurídico de direito privado, mas ao mesmo tempo, goza de privilégios e sofre restrições próprios da Administração Pública.

A característica principal deste tipo de prestação de atividade de interesse público é justamente a colaboração com o poder público. É uma atividade paralela ao Estado, ou seja, uma atividade paraestatal.”[1]

Uma das características de destaque das entidades paraestatais é que por determinação do Tribunal de Contas da União, em razão de utilizarem verbas consideradas públicas, fruto de arrecadação parafiscal, necessitam obedecer a um procedimento licitatório próprio, realizar processo de seleção e a devida prestação de contas entre outras peculiadades. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, complementa nos seguintes termos:

“No entanto, pelo fato de administrarem verbas decorrentes de contribuições parafiscais e gozarem de uma série de privilégios próprios dos entes públicos estão sujeitas a normas semelhantes às da Administração Pública, sob vários aspectos, em especial no que diz respeito à licitação, processo seletivo para seleção de pessoal, prestação de contas, improbidade administrativa e para fins criminais.[2]

Dando continuidade em seu entendimento Maria Sylvia Zanella Di Pietro, relaciona a responsabilidade criminal dos funcionários de entidades consideradas paraestatais no seguinte sentido:

No que diz respeito à responsabilidade dos empregados de tais entidades vale lembrar que o artigo 327, §1º, do Código Penal privilegiou o direito público quando equiparou ao funcionário público, para fins penais, os empregados que ocupam cargo, função ou emprego em entidade paraestatal, nesse caso ficam evidentes as razões que inspiram o legislador; a natureza da atividade de interesse público desempenhada por tais entidades e a utilização maior ou menor de recursos oriundos dos cofres públicos.[3]

Sobre as características peculiares inerentes às entidades paraestatais Diógenes Gasparin destaca:

O vínculo que celebram com seus empregados é o celetista, observado, para fins de admissão, o competente processo seletivo; quanto à sua demissão, deve ser motivada. São equiparados aos funcionários públicos para fins penais, nos termos do § 1º do art. 327 do Código Penal.[4]

Resulta unânime o entendimento jurisprudencial no sentido da aplicação do preceito legal, imposto pelo artigo 327 §1º do Código Penal, equiparando os empregados de entidades paraestatais aos funcionários públicos para fins criminais. Por ser oportuno, cita-se os seguintes julgados:

FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EQUIPARAÇÃO. ENTIDADE PARAESTATAL. PECULATO. APLICAÇÕES FRAUDULENTAS. PENA-BASE. MAJORANTE. CONTINUIDADE. ATENUANTE. REPARAÇÃO DO DANO.

Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função pública em entidade paraestatal.

O funcionário que, aproveitando-se das facilidades propiciadas pelo seu cargo, se apropria de valores depositados na CEF para fazer aplicações financeiras em seu próprio benefício, comete inegavelmente o crime de peculato.

Se a culpabilidade teve grau acentuado, justifica-se plenamente a imposição da pena-base um pouco acima do mínimo.

O aumento da continuidade não precisa obedecer, necessariamente, o critério objetivo ou matemático em função do número de fatos.

A reparação do dano depois da sentença, não funciona como atenuante.

(Apelação Criminal nº 2001.04.01.063562-6/RS – 8ª Turma - Data da Decisão 06/05/2002 – DJ 05/06/2002 – Rel. Amir José Finocchiaro Sarti)

Processo: 20070011940-7

Relator(a): HORACIO RIBAS TEIXEIRA

Órgão Julgador: TURMA RECURSAL ÚNICA

Comarca: Paranaguá/PR

Data do Julgamento: 11/04/2008

Data da Publicação: 28/04/2008

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA CONTRA GUARDA PORTUÁRIO - EMPREGADO DA APPA (PARANAGUÁ) - AUTARQUIA - ENTIDADE PARAESTATAL - FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO (ART.327, § 1º, CP) - PROVA CONCLUSIVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. CUSTAS PROCESSUAIS

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Por sua vez, a doutrina diverge quanto à abrangência e aplicação do termo entidade paraestatal. Alguns doutrinadores consideram entidade paraestatal como sendo as empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos. Outros, por sua vez,  acrescentam ainda as entidades de Terceiro Setor, como as organizações sociais e as organizações civis[5].

Entretanto, de forma unânime, em todas estas definições, os serviços sociais autônomos são considerados entidades paraestatais. Neste sentido, a doutrina de Marçal Justen Filho afirma que “entidades paraestatais ou serviços sociais autônomos são pessoas jurídicas de direito privado criada por lei, atuando sem submissão à Administração Pública, promovendo o atendimento de necessidades assistenciais e educacionais de certas atividades ou categorias profissionais que arcam com sua manutenção mediante contribuições compulsórias.”[6]

Assim, as entidades de Serviço Social Autônomo são consideradas paraestatais em razão de serem mantidas por Contribuições Compulsórias. Em face disso, devem prestar contas ao Tribunal de Contas da União e obedecer um processo licitatório próprio, independente da Lei 8.666/93, mas com vistas ao cumprimento dos princípios previstos na Constituição Federal, tais como, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Alice Gonzalez Borges[7], citando Hely Lopes Meirelles, destaca que os Serviços Sociais Autônomos são “todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias profissionais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais.” Aponta como exemplos o SENAI, SENAC, SESC, SESI e SEBRAE, todos eles pertencentes ao Sistema S, dentre outros.

Posto isto, sendo o Serviço Social Autônomo, enquadrado dentro da terminologia geral de entidade paraestatal, deve ser aplicado o disposto no artigo 327, §1º do Código Penal, equiparando seus dirigentes e funcionários a servidores públicos para fins criminais. Ilustrando o argumento cita-se o entendimento de Marcelo Alexandrino Vicente Paulo:

São exemplos de serviços sociais autônomos: Serviço Social da Indústria – SESI , Serviço Social do Comércio – SESC, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, Serviço Social do Transporte – SEST, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT

Os principais aspectos que caracterizam esses entes são os seguintes:

(...)

e) pelo fato de administrarem recursos públicos, estão sujeitos a certas normas de direito público, especialmente normas de controle, tais quais a obrigação de prestação de contas ao Tribunal de Contas da União, o enquadramento de seus empregados como funcionários públicos para fins penais (CP, art. 327), a sujeição à lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992).[8]

Entretanto, equiparando apenas os dirigentes de um Serviço Social Autônomo a funcionários públicos para aplicação da norma penal, na forma do artigo 327, §1º do Código Penal, Fernanda Marinela leciona que:

O regime de pessoal dos que atuam nos serviços sociais autônomos é o da CLT. Entretanto os atos de seus dirigentes são passíveis de Mandado de Segurança, ação popular, responsabilidade pessoal por danos, improbidade administrativa e responsabilidade criminal, além de serem fiscalizados pelo Tribunal de Contas.[9]

No mesmo sentido não diverge a jurisprudência quanto à aplicação do artigo 327 §1º do Código Penal aos empregados e dirigentes de Serviços Sociais Autônomos, haja vista enquadramento de tais entidades como sendo paraestatais:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE DEFESA ESCRITA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PECULATO. ART. 312, C/C 327, § 1º DO CP. PROVA INDICIÁRIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO CONSTATADO. CONTINUIDADE DELITIVA. PRESCRIÇÃO PARCIAL. REPARAÇÃO DO DANO.

1. Já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça dar-se a competência da jurisdição federal para o crime que afete contas do SENAC sujeitas a fiscalização pelo Tribunal de Contas da União.

2. Em prévio habeas corpus decidiu esta Corte ser a denúncia apta tecnicamente à persecução penal.

3. Mesmo sendo desnecessária a defesa preliminar do art. 514 CPP, pela prévia realização de inquérito policial, exerceu o acusado plenamente o direito de impugnação e de requerer provas.

4. Se isoladamente não serve a prova do inquérito à condenação, pode ser ela ser valorada ao lado da prova judicializada para o convencimento judicial.

5. Sendo o SENAC entidade paraestatal, com prestação de contas no caso ao Tribunal de Contas da União, desempenha seu Presidente atividade de funcionário público por equiparação, nos termos do art. 327 do CP, a configurar elementar do crime de peculato.

6. Comprovadas a materialidade, autoria e dolo, impõe-se a manutenção da sentença condenatória por peculato.

7. Reconhecimento da prescrição com relação a parcela dos fatos imputados.

8. Redução do valor fixado para a reparação do dano, em atenção ao montante de parcelas desviadas e não prescritas.

(Apelação Criminal nº 0006607-13.2006.404.7100/RS – 7ª Turma – Data da Decisão 29/05/2012 – D.E 12/06/2012, Rel. Des. Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA)

Por ser oportuno, transcreve-se parte do julgado, proferido pelo Douto Relator Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira:

E, sendo o SENAC uma entidade paraestatal, com prestação de contas no caso ao Tribunal de Contas da União, como reconhecido inclusive pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, desempenha seu Presidente atividade de funcionário público por equiparação, nos termos do art. 327 do CP, a configurar elementar do crime de peculato.

Desse modo, suficientemente demonstrado o imputado desvio consciente de valores, por agente em função equiparável à de servidor público, deve ser mantido o decreto de condenação pelo crime de peculato.”


III - Conclusões:

O Código Penal, em seu artigo 327, §1º, admite a possibilidade de equiparação dos empregados de entidades paraestatais aos funcionários públicos, haja vista o fato de administrarem dinheiro público, oriundo de recolhimento de contribuições compulsórias.

Em razão disso, devem prestar contas ao Tribunal de Contas da União, efetuar processos seletivos para contratação de novos funcionários e realizar procedimento licitatório, que pode seguir normas próprias, desde que com vistas ao cumprimento dos princípios previstos na Constituição Federal, tais como, legalidade, isonomia, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A abrangência das entidades paraestatais ainda é fruto de muita divergência na doutrina. Doutrinadores defendem que entidades paraestatais são as empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos, outros, no entanto, são contrários a este entendimento, mantendo os serviços sociais e acrescentando as entidades de Terceiro Setor, como as organizações sociais e as organizações civis nesta terminologia.

Contudo, há de se reconhecer a unanimidade no entendimento da abrangência dos Serviços Sociais Autônomos como entidades paraestatais, o que torna possível a aplicação do artigo 327, §1º do Código Penal, equiparando os empregados e diretores dos Serviços Sociais Autônomos a funcionários públicos.

A aplicação do referido artigo aos Serviços Sociais Autônomos não é das mais exploradas pela doutrina brasileira, provavelmente por reconhecer de imediato a característica de ente paraestatal, sendo, desta forma, inquestionável sua aplicação ao corpo do artigo 327, §1º do Código Penal.

Por sua vez, já foi motivo de análise pelo Poder Judiciário Brasileiro, processo criminal no qual empregado de um Serviço Social Autônomo efetuou desvio de valores, acarretando sua equiparação a funcionário público para aplicação da Lei Penal. Tal situação aconteceu no SENAC do Distrito Federal, conforme explorado acima, sendo o réu condenado por peculato que é o crime no qual o agente apropria-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou o desvia, em proveito próprio ou alheio, conforme disposto no artigo 312 do Código Penal. Aplica-se, neste caso, a pena de reclusão de 02 a 12 anos e multa.

Em suma, pela leitura do artigo em estudo, somado ao entendimento da doutrina, e as decisões já emanadas pelo Poder Judiciário concluí-se pela aplicação do disposto no artigo 327, §1º do Código Penal, equiparando os empregados e dirigentes de um Serviço Social Autônomo, a funcionários públicos para aplicação da lei penal, haja vista seu enquadramento como entidade paraestatal, e ainda em razão de manipularem verba pública, decorrente de contribuições parafiscais.


Notas

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia. Parcerias na Administração Pública, 8ª Edição, 2011, Editora Atlas

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo, 26ª Edição, 2012, São Paulo, Atlas

[3] DI PIETRO, Direito Administrativo, 26ª Edição, 2012, São Paulo, Atlas

[4] GASPARIN, Diógenes, Direito Administrativo, 17ª Edição, 2012, Editora Saraiva, p. 521

[5] PRADO, Luis Regis, Comentários ao Código Penal, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 1080

[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

[7] BORGES, Alice Gonzalez, Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos, abril de 2013, p. 140, citando Hely Lopes Meirelles  no livro Direito administrativo brasileiro, 17ª Ed. São Paulo, Malheiros, 1992

[8] PAULO, Marcelo Alexandrino Vicente, Direito Administrativo Descomplicado, 21ª Edição – Editora Método.

[9] MARINELA, Fernanda, Direito Administrativo, 7ª Edição, Editora Impetus, Niterói/RJ, 2013, p. 182

Sobre o autor
Thiago Ducci Toninelo

Consultor Jurídico do Sebrae/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TONINELO, Thiago Ducci. Dirigentes e empregados de um serviço social autônomo: funcionários públicos para fins penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/24729. Acesso em: 18 nov. 2024.

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