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Direito das coisas: contrato de operação de arena

Clube de futebol pretende reformar seu estádio. Construtora pretende custear obra sob condição de administrar e explorar comercialmente a arena, a marca e a imagem do clube. Parecer analisa caso.

Parecer n°: 001/2015

Interessada: Construtora Firme S/A.

Assunto: Contrato de Operação de Arena.

Ementa: VIABILIDADE JURÍDICA DO CONTRATO DE OPERAÇÃO DE ARENA. ESTATUTO DAS CIDADES. DIREITO CIVIL. DIREITO DE SUPERFÍCIE. EXPLORAÇÃO COMERCIAL. DIREITO DE IMAGEM. POSSÍVEL JURIDICAMENTE. IMPOSSIBILIDADE DE ALIENAR O NOME EMPRESARIAL.


RELATÓRIO

1. A Construtora Firme S/A solicitou parecer jurídico sobre a viabilidade jurídica de “operação de arena” com o Clube de Futebol Pindorama FC. Com isso, será indicado o melhor negócio jurídico a atender às necessidades da interessada.

2. O referido clube de futebol pretende reformar seu estádio a fim de comportar maior número de torcedores e de disponibilizá-lo para eventos nacionais e internacionais. Entretanto, o clube não possui capital necessário para a realização das obras, razão pela qual contatou a interessada.

3. A Construtora interessou-se pela operação, mas determinou duas condicionantes.

4. Na primeira condicionante, a interessada aceita todos os encargos da construção, sem qualquer ônus ou custo para o clube, mas deseja explorar a arena pelo prazo de 30 (trinta) anos.

5. Na seguinte, deseja explorar comercialmente o nome e a imagem do estádio, inclusive com a utilização do símbolo do Pindorama FC, bem como administrá-la e gerenciá-la pelo prazo de 30 anos.

6. É o que basta relatar.


ANÁLISE JURÍDICA

7. Primeiramente, uma vez que a interessada deseja explorar a arena pelo prazo de 30 (trinta) anos passa-se a analisar as possibilidades jurídicas que atendem a essa demanda. Essa análise será baseada nos seguintes institutos de Direitos Reais: (a) usufruto; (b) direito real de uso e (d) direito real de superfície.

8. Entende-se que o usufruto não é o melhor instituto para regular o negócio em análise, uma vez que tem por característica ser personalíssimo, ou seja, é constituído intuitu personae, não sendo possível sua alienação, conforme artigo 1.393 do Código Civil, ficando restrito apenas aos poderes de uso e gozo[1]. Assim, o usufruto impõe limitações que podem inviabilizar futuros negócios da Construtora, em caso de interesse de alienação do direito de exploração da arena.

9. Assim como o usufruto, no direito real de uso o usuário tem o direito personalíssimo de uso ou utilização da coisa, sendo vedada sua alienação. De fato, esse instituto é também chamado de usufruto anão, nanico ou reduzido[2], com isso, conforme já exposto no item anterior, não se vislumbra que seja uma boa opção para o referido negócio jurídico.

10. Finalmente, passa-se à análise do terceiro instituto, regido pelo Código Civil de 2002, nos seus arts. 1.369 a 1.377, e pelo Estatuto da Cidade (arts. 21 a 24 da Lei 10.257/2001). Baseando-se no direito de superfície, o proprietário – o Clube de Futebol Pindorama FC – poderá conceder à Construtora Firme S/A (superficiária), pelo prazo de 30 anos, gratuita ou onerosamente (nesse caso com o custo de arcar com a reforma do estádio) o direito de construir em seu terreno, com direito real de gozo ou fruição mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

11. A respeito desse instituto, cabe informar que, embora possa haver um prévio entendimento que apenas seria aplicável a terrenos sem construção, nada obsta a concessão de superfície tendo como base imóvel que já possuí implante pronto ou, de outro modo, com acessão inacabada (ou mesmo necessitando de benfeitorias)[3].

12. O direito de superfície, uma vez que possui natureza de direito real, apresenta uma série de benefícios, a saber:

a) É direito erga omnes, ou seja, o direito de superfície que consta na matrícula do imóvel é oponível a toda e qualquer pessoa, impedindo, por exemplo, a retomada do bem por um futuro adquirente e até mesmo pelo proprietário, enquanto perdurar a concessão. Nesse sentido, é importante ressaltar que, em se tratando de uma concessão, não há transmissão da propriedade do imóvel ao superficiário, de modo que o proprietário pode perfeitamente alienar a coisa para terceiro mesmo antes do término da relação com o superficiário (desde que antes dê a este a preferência para a
aquisição do imóvel). De qualquer forma, o negócio está muito bem resguardado, pois o adquirente deve respeitar o tempo determinado da concessão do Direito de Superfície – o que não se verifica no caso da locação, por exemplo, em que há previsão de ação de despejo pelo simples fato de aquisição do imóvel pelo novo proprietário, salvo se constar expressamente no contrato de locação a sua manutenção em caso de venda e o registro do contrato de locação perante a matrícula do imóvel[4].

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b) O Direito de Superfície é plenamente negociável e também pode ser transferido a terceiros, seja por venda, doação, cessão, permuta ou até mesmo pela sucessão, em caso de falecimento do superficiário, sempre e quando não houver qualquer restrição na escritura que outorga o Direito de Superfície. Além disso, é uma ótima ferramenta para captação de recursos, pois pode ser dado em garantia hipotecária ou alienação fiduciária pelo superficiário[5].

c) O superficiário exerce o direito de preferência na aquisição do solo, se o proprietário deste pretender aliená-lo onerosamente, de acordo com o art. 1.373 do Código Civil.

13. A partir do exposto acima, entende-se que o contrato de superfície é o instrumento que melhor atenderá às necessidades da empresa Construtora Firme S/A no negócio jurídico em análise. O artigo 21, §2º, do Estatuto das Cidades e o art. 1.370 do Código Civil admitem a possibilidade de concessão do direito de superfície de forma onerosa. Cada parte do negócio deve arcar com certas condicionantes para o cumprimento do contrato. Esse negócio se enquadra no conceito de concessão onerosa por cisão qualificada, quando, por forma de contrato, assume a obrigação de melhorar a
construção já existente, sendo mencionada sua possibilidade no Enunciado nº 250 do Conselho da Justiça Federal.

14. Assim, o contrato deverá ser assinado de forma bilateral pelos representantes das partes. Ele será subdivido em cláusulas que deverão contemplar, em outros: (a) os deveres contratuais e de boa-fé; (b) o direito real de superfície; e por fim (c) os direitos sobre o nome, imagem e outros bens comerciais do estádio.

15. Esclarece-se o conteúdo do contrato a seguir:

a) Deveres contratuais e de boa-fé: deverão constar no contrato cláusulas gerais dispostas no Código Civil e não devem estar presentes vícios de consentimento e entendimento sobre o que será acordado; a boa-fé deverá estar presente no contrato, isentando-se a Construtora Firme S/A de qualquer vício jurídico oriundo do direito de propriedade por parte do Clube Pindorama FC.

b) Direito real de superfície: a Construtora Firme S/A deverá celebrar contrato de Direito Real de Superfície na forma da lei, devendo registrá-lo em Cartório de Registro de Imóveis do local. Essa parte do contrato deverá estar em consonância do art. Art. 1.369 e seguintes do Código Civil combinado com artigo 21 e seguintes do Estatuto das Cidades, referente ao tema. Deverão constar nesta parte do contrato cláusulas que ditem sobre:

16. Cabe informar sobre os encargos e tributos, sobre os quais, de acordo com o artigo 21, §3º, do Estatuto das cidades e o art. 1.371 do Código Civil, levando-se em consideração os Enunciados nº 94 e nº 321 da I e IV Jornadas de Direito Civil, entende-se que cada parte responderá proporcionalmente conforme a sua parcela do negócio realizado. Com isso, a Construtora Firme S/A responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o Estádio, bem como, proporcionalmente, a sua parcela de ocupação efetiva, salvo disposição em contrário disposta em contrato. Isto é, poderá ser também negociado pela empresa a questão de quais encargos e tributos serão pagos por cada parte do negócio quando da duração do contrato de exploração da arena.

17. Por fim, com relação à segunda condicionante – o interesse em explorar comercialmente o nome e a imagem do estádio, inclusive com a utilização do símbolo do Pindorama FC, bem como administrá-la e gerenciá-la pelo prazo de 30 anos – tem-se:

a) Direitos sobre o nome, imagem e outros bens comercializáveis do estádio: a intenção da construtora é gerir os contratos de marketing em geral que elevem o nome do estádio em cenário local e nacional. Aqui deverá ser travada negociação em que se pese a valorização atualizada da marca e da imagem do estádio, para que não haja prejuízos para as partes e interferências na gestão de ambas contratantes na gestão de seus empreendimentos.

18. A Construtora Firme S/A deverá firmar contrato respeitando as cláusulas gerais sobre o tema, devendo estar ciente de:

a) Nome empresarial: é proibida a alienação do direito ao nome empresarial disposto no artigo 1.164 do Código Civil.

b) Direitos de imagem e outros bens comercializáveis: quanto à marca lhe é autorizado utilizar comercialmente, de acordo com o artigo 139 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), não sendo vedada sua cessão para a Construtora Firme S/A, sendo propriedade do Clube Pindorama FC, passível de cessão, dependendo apenas de que o contrato de licença seja arquivado perante Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).


CONCLUSÃO

19. Ante o que foi exposto, entende-se que é perfeitamente viável juridicamente o contrato que a Construtora Firme S/A visa firmar com o Clube Pindorama FC. Poderá ser celebrado contrato de superfície, afirmando-se, salvo melhor juízo, ser o instituto jurídico que melhor atenderá às necessidades da interessada. Também, afirma-se a possibilidade jurídica do contrato dos direitos comerciais de imagem, excetuando-se apenas a alienação do nome empresarial do Clube Pindorama FC.

20. Importa destacar que a parceria entre empresas na gestão de arenas esportivas tem sido utilizada em países europeus e norte-americanos. Com o advento da Copa do Mundo no Brasil, e a necessidade de reformulação dos estádios, tem crescido o interesse na construção dessas parcerias. Cita-se, como exemplos de sucesso, a antiga Kyocera Arena em Curitiba/PR (Atlético-PR), Allianz Parque Arena (Palmeiras), Itaquerão (Corinthians), bem como outros clubes de futebol nacionais e internacionais que adotam este modelo de sucesso empresarial de operação de estádios e arenas multiuso.

21. Acena-se, então, positivamente para o início das negociações.

22. É o parecer, salvo melhor juízo.

Cidade/UF, dia de mês de ano.

ANDRÉ PORTO
OAB-número
RAPHAEL DE ANGELO JOGAIB BOMFIM
OAB-número

Notas

1 MAZZEI, Rodrigo Reis. O Direito de Superfície no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 2007. 406 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

2 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.4: Direito das Coisas. 6. ed. São Paulo: Método, 2014.

3 MAZZEI, Rodrigo Reis. O Direito de Superfície no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 2007. 406 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

4 <http://www.infomoney.com.br/mercados/na-real/conteudo-empresarial/direito-de-superficie>. Acesso em 30 nov 2015.

5 <http://www.infomoney.com.br/mercados/na-real/conteudo-empresarial/direito-de-superficie>. Acesso em 30 nov 2015.

Sobre os autores
André Porto

Bacharel em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Servidor Público do Estado do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, André; BOMFIM, Raphael Angelo Jogaib. Direito das coisas: contrato de operação de arena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4627, 2 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/46792. Acesso em: 23 nov. 2024.

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