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Recurso de apelação em ação de interdição movida pela Defensoria Pública no exercício da curadoria especial

Agenda 02/01/2017 às 15:31

Trata-se de recurso de apelação, que mereceu integral provimento pelo TJRJ, interposto em face de decisão que extinguiu processo, sob o fundamento de que a Defensoria não teria legitimidade ativa para propor interdição no exercício da curadoria especial.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DE ÓRFÃOS E SUCESSÕES DA COMARCA DA CAPITAL

Processo nº 0253955-37.2012.8.19.0001

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no exercício do munus da curadoria especial, vem, tempestivamente, interpor o presente

RECURSO DE APELAÇÃO

em face da r. sentença de fls. 57, na forma dos arts. 513 e ss do Código de Processo Civil, com base nos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expendidos.

Requer-se, desde logo, a Vossa Excelência seja recebido o presente recurso e encaminhado, após o cumprimento das formalidades legais, à Egrégia Instância Superior.

Nesses termos, pede deferimento.

Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2013.

WILLIAM AKERMAN GOMES

DEFENSOR PÚBLICO

Mat. 3032.142-6


JUÍZO DE ORIGEM: 2ª VARA DE ÓRFÃOS E SUCESSÕES DA CAPITAL

APELANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCESSO N.: 0253955-37.2012.8.19.0001

RAZÕES DE APELAÇÃO

EGRÉGIA CORTE,

COLENDA CÂMARA,

EMÉRITOS JULGADORES,


1 – DA SÍNTESE PROCESSUAL

Trata-se de pedido de interdição de X formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência, em que se requer, ao final, além da interdição e do deferimento da curatela provisória, a nomeação de Tutor Judicial, na forma dos arts. 76, inciso III, do Livro III do CODJERJ e 1775, §3º, do Código Civil, para exercer o munus de curador do interditando.

Segundo ressai dos documentos acostados à inicial, o interditando – já com 70 (setenta) anos de idade – sofre de grave distúrbio esquizofreniformal, com recuperação problemática e de sombrio prognóstico evolutivo, e está em situação de absoluto abandono familiar, sem possuir qualquer fonte de renda, após mais de 35 (trinta e cinco) anos de internação, cumprindo medida de segurança no Hospital Psiquiátrico Henrique Roxo.

Determinada a remessa dos autos ao Ministério Público (fls. 46), o Parquet requereu, às fls. 47, esclarecimentos acerca do endereço do interditando, a fim de ser verificada a competência territorial, mesmo já constando informação nos autos de que o Sr. X se encontra internado no Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho, situado na Rua Frei Caneca, consoante esclarecido pela i. Defensoria Pública às fls. 48v.

A seguir, em nova vista, o Ministério Público lançou manifestação nos autos no sentido de que a Defensoria Pública não ostentaria legitimidade para a propositura de interdição, nos termos do art. 1769 do CCb, requerendo, ao cabo, a extinção do processo sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, VI, c/c art. 295, II, ambos do CPC.

Às fls. 57, acolhendo a promoção ministerial, o d. juízo a quo extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, na forma do art. 267, I, c/c art. 295, V, também do Digesto Processual Civil.

Contudo, consoante se demonstra a seguir, diante das peculiaridades do caso em tela, tal decisum merece ser reformado.


2 – DAS RAZÕES PARA A REFORMA DA SENTENÇA

2.1 – DA INÉRCIA DOS LEGITIMADOS ORDINÁRIOS E DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA

Assentada a irrefutável premente necessidade de proteção dos interesses do interditando, deve-se reconhecer que a Defensoria Pública ostenta legitimidade para a propositura da presente demanda, diante da inércia dos legitimados ordinários.

Com efeito, após a determinação do d. juízo da Vara de Execuções Penais no sentido da desinternação e do abrigamento do paciente no Hospital Heitor Carrilho (HHC), após 37 (trinta e sete) anos em medida de segurança, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, ainda em 14/06/2011, tomou ciência da decisão (fls. 40v), requerendo apenas notícias acerca do efetivo abrigamento no HHC.

A seguir, em 26/10/2011, a i. Presentante do Ministério Público subscritora da manifestação cuja cópia está acostada às fls. 44 requereu fossem encaminhadas fotocópias de todo o processo à Promotoria de Tutela de Saúde da Capital, “visando a adotar as providências que entenda cabíveis no âmbito de sua atribuição, a fim de que o paciente ‘abrigado’ em Unidade Psiquiátrica seja efetivamente desinstitucionalizado do Sistema Penal”.

Mesmo assim, até a propositura da demanda pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio do seu Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência, o Ministério Público não havia adotado medida alguma para salvaguardar os interesses do interditando, o que somente agravou sua situação de vulnerabilidade.

Registre-se, nesse ponto, que, apenas em 13/12/2012, por ocasião de seu requerimento de extinção do feito em razão da alegada ilegitimidade da Defensoria, o Parquet instaurou procedimento administrativo “com a finalidade de investigar minuciosamente a situação” (fls. 52/53).

Assim, é inegável a inércia do Ministério Público, que perdurou por mais de 18 (dezoito) meses, desde a ciência da decisão que determinou a desinternação do então paciente, extinguindo a medida de segurança que, sublinhe-se, perdurou por mais tempo do que a lei admite.

Nesse contexto, não poderia a Defensoria Pública, diante da inação ministerial e, sobretudo, da situação de risco em que se encontra o Sr. X, considerando-se sua avançada idade, sua debilidade mental e a ausência dos laços familiares, deixar perecer os interesses do interditando sob qualquer fundamento.

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), em seus arts. 4º, caput e §1º, 9º, 10, caput e §3º, e 15, caput e §4º, e 74, §1º, estabelece, in verbis:

Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

§1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.

Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.

§3º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

§4º Os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante terão atendimento especializado, nos termos da lei.

Art. 74, § 1º A legitimação do Ministério Público para as ações cíveis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispuser a lei.

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De outro giro, a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC nº 80/1994), alterada pela LC nº 132/2009, estabelece, em seu art. 1º, in verbis:

Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009). (grifou-se)

A LC nº 80/1994 estatui, ainda, em seu art. 3º-A, incisos I e III, in verbis:

Art. 3º-A.  São objetivos da Defensoria Pública: (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

(...)

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009). (grifou-se)

Sobre as funções institucionais da Defensoria Pública, hodiernamente dispõem os incisos X, XI e XVI do 4º da LC nº 80/1994, in verbis:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009). (grifou-se)

À luz de tais disposições, introduzidas no ordenamento pátrio pela LC nº 132/2009, não há falar, no caso em tela, em ilegitimidade ativa ad causam da Defensoria Pública, na exata medida em que, no exercício de sua função atípica, busca defender direito fundamental de pessoa idosa em situação de vulnerabilidade, o que se insere nas suas funções institucionais e constitui um dos seus objetivos, tudo na esteira da cláusula geral de tutela da dignidade humana, erigida a fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF).

Registre-se, por oportuno, que a ampliação da atuação e o fortalecimento da Defensoria Pública estão inseridos no contexto do II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo, firmado pelos três Poderes com o objetivo de fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional, o acesso universal à Justiça e o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça[1].

Nessa linha de intelecção, com apoio no magistério de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, relembre-se, ainda, que não se promove o efetivo acesso à justiça sem a quebra dos cânones tradicionais do Processo Civil, ampliando-se a legitimidade para diversas demandas e abandonando-se formalismos que não se coadunam com a efetividade da jurisdição, entre outros.

De tais diretrizes deflui que, ao contrário do que assentou a i. Presentante do Ministério Público subscritora da manifestação de fls. 51, não se pode interpretar o art. 1768 do Código Civil como se o rol de legitimados ali contido fosse exaustivo.

Por primeiro, tal exegese não se compatibiliza com a doutrina da máxima efetividade dos direitos fundamentais, segunda a qual se deve buscar a interpretação que lhes confira a maior eficácia, tampouco se ajusta à necessária e efetiva tutela da dignidade da pessoa humana, valor fundamental que se viu convertido em princípio jurídico de estatura constitucional.

Ademais, o citado dispositivo do Código Civil não merece interpretação isolada, senão em consonância com as demais normas do ordenamento, entre as quais está a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, com as importantes alterações implementadas pela LC nº 132, em 2009.

Até porque não se pode perder de vista que a falta de menção à Defensoria Pública em todo o Código Civil e no próprio art. 1768 está diretamente relacionada ao fato de que, embora aprovado em 2002, o Anteprojeto do Código Civil foi finalizado em 1973, tendo se transformado no Projeto de lei nº 634, de 1975, anterior, portanto, à própria Lei Complementar Estadual nº 6/1977, que organizou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a mais antiga do Brasil.

Por derradeiro – embora outros fundamentos pudessem ser aqui aduzidos –, não se pode interpretar a norma do art. 1768 do CCb – que visa, indubitavelmente, à proteção do incapaz –, de modo a desprotegê-lo.

Assim, aquele rol não pode ser lido de forma a suprimir a legitimidade – conferida por outras normas legais, pelos princípios aplicáveis e diante dos interesses em jogo – da Defensoria Pública.

Em casos semelhantes, versando sobre registro civil tardio, outro não foi o entendimento dessa E. Corte de Justiça:

0005199-21.2004.8.19.0046 - APELACAO DES. MARIO GUIMARAES NETO - Julgamento: 13/10/2010 - DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - REGISTRO CIVIL TARDIO DE NOME DE PESSOA NATURAL - INEXISTÊNCIA DE REPRESENTANTES LEGAIS OU CURADORES CIVIS POSSIBILIDADE DE A CURADORIA ESPECIAL ATUAR EM NOME DO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ - ART. 4º, INCISO XVI, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 80/1994 - ACOLHIMENTO DO PARECER MINISTERIAL - PROVIMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO - ART. 557, §1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. (grifou-se)

0005220-94.2004.8.19.0046 – APELACAO DES. MALDONADO DE CARVALHO - Julgamento: 12/01/2011 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO TARDIO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL DA CURADORIA ESPECIAL DO INCAPAZ. SITUAÇÃO DE ABANDONO. Manter-se a solução de extinção do presente feito, sem exame do mérito, é afrontar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inserido na Carta Magna, condenando-se o necessitado a uma condição indigna, até mesmo após a sua morte. PROVIMENTO DO RECURSO. (grifou-se)

0005222-64.2004.8.19.0046 - APELACAO DES. LUISA BOTTREL SOUZA - Julgamento: 13/10/2010 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL DE PESSOA NATURAL. REGISTRO TARDIO. REQUERIMENTO PROMOVIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA, ATUANDO EM DEFESA DOS INTERESSES DE INCAPAZ, QUE NÃO TEM REPRESENTANTE LEGAL. INCAPAZ ABANDONADO PELOS FAMILIARES, CARECENDO DOS DOCUMENTOS PARA QUE POSSA GOZAR DE BENEFÍCIOS LEGAIS. PROCESSO EXTINTO POR RECONHECER O JUÍZO FALECER À DEFENSORIA PÚBLICA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM, NÃO LHE SENDO DADO POSTULAR, AINDA QUE NA QUALIDADE DE CURADOR ESPECIAL, DIREITOS DO INCAPAZ. UTILIDADE MANIFESTA DO PROCESSO, PORQUANTO É INTERESSE DO ESTADO QUE TODAS AS PESSOAS SEJAM IDENTIFICADAS, QUALIFICADAS E REGISTRADAS. RECURSO PROVIDO. (grifou-se)

De outro vértice, mesmo que se entendesse que não tem, ordinariamente, a legitimidade para a propositura da presente demanda, uma vez constatada a inação dos legitimados, entre os quais – aqui não se nega – está o Ministério Público (art. 1768, III, do CCb e art. 1177, III, do CPC), não apenas pode, mas deve a Defensoria Pública, em atenção aos ditames das leis e, principalmente, do Texto Maior, agir para salvaguardar os interesses em jogo, fim precípuo do Estado e das suas Instituições.

Nessa direção, igualmente firme é a jurisprudência desse E. Tribunal:

0000273-22.2007.8.19.0036 – APELACAO DES. ELTON LEME - Julgamento: 06/06/2012 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO. ADMINISTRATIVA. OMISSÃO DOS PAIS NA DEFESA DOS INTERESSES DOS FILHOS. PRÁTICA DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MEDIDAS DE ADVERTÊNCIA E ENCAMINHAMENTO A PROGRAMA DE ORIENTAÇÃO. PENA DE MULTA NO EQUIVALENTE AO MÍNIMO LEGAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Não obstante tenha o pai comparecido ao órgão do Ministério Público para informar a ausência do registro de nascimento do filho, quedou-se inerte ao ser regularmente citado para as providências que lhe cabiam, permanecendo revel, assim como a mãe da criança, assistida pela Curadoria Especial. 2. O dever de zelar pela segurança e integridade física, intelectual e moral das crianças e dos adolescentes incumbe a todos em geral e aos pais em especial, com base no princípio da proteção integral, previsto no art. 227 da Constituição Federal e no art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Devem os pais providenciar o registro de nascimento do filho recém nascido, respondendo, por conduta omissiva lesiva aos interesses da criança, ao deixarem de adotar as medidas a seu alcance para concretizar tal obrigação. 4. Violação das normas de proteção aos direitos das crianças, nos termos do art. 249 do ECA. 5. Pena de advertência e medida de encaminhamento a curso ou programa de orientação, somadas à pena de multa, que condizem com as características da infração praticada. 6. Incidência de multa correspondente ao mínimo legal. 7. Desprovimento do recurso.

À conta de tais fundamentos, espera a Defensoria Pública seja provido o presente recurso para reformar a r. sentença invectivada e determinar o prosseguimento do feito, com a máxima prioridade exigida pelas circunstâncias do caso concreto, sob a titularidade ativa da Defensoria Pública, que, além de ostentar legitimidade para tanto, vem adotando as medidas adequadas à salvaguarda dos interesses do interditando, sem prejuízo da atuação do Parquet na condição de fiscal da lei.

2.2 – DO NECESSÁRIO PROSSEGUIMENTO DO FEITO. DA ASSUNÇÃO DO POLO ATIVO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Ainda que não se reconhecesse legitimidade ativa à Defensoria Pública, do que, em verdade, sequer se cogita, a extinção do processo pleiteada pelo órgão ministerial e determinada pelo d. juízo singular atenta contra o Texto Constitucional, contraria a lógica do razoável e abandona à sorte os interesses do interditando.

Com efeito, na manifestação lançada às fls. 51, o Ministério Público requereu o indeferimento da petição inicial e a consequente extinção do processo sem julgamento do mérito, tão somente porque – como dito – fora proposto pela Defensoria Pública, à qual faltaria legitimidade para tanto.

Ao mesmo tempo – mas, repise-se, com 18 (dezoito) meses de atraso – editou Portaria instaurando processo administrativo para investigar “minuciosamente” a situação do interditando (fls. 52/53).

Ora, se o Parquet pretendia verificar “se existem medidas a serem adotadas para a salvaguarda do direito indisponível” (fls. 52), se nos afigura ilógico não assumir o polo ativo da demanda, prosseguindo no feito.

Mesmo que fosse realmente necessário investigar ainda mais minuciosamente a situação em exame, mesmo antes de se lhe conferir um curador provisório – o que não se extrai do que consta dos autos –, não restam dúvidas de que a assunção da titularidade ativa do processo, com o seu sobrestamento, se fosse o caso, sem prejuízo da imediata adoção das medidas necessárias à proteção dos interesses do interditando, seria providência mais adequada, útil e consentânea com os princípios da instrumentalidade, efetividade, economia e celeridade processuais (arts. 244 e 250, ambos do CPC e art.  5º, XXXV e LXXVIII, da CF).

Afinal, se o ato tiver atingido o seu objetivo, eventual inobservância da forma prevista deve ser superada, porquanto as formas não são um fim em si mesmas.

O processo, como instrumento que é, não pode atuar em detrimento do direito material, senão para reconhecê-lo, efetivá-lo e protegê-lo. E não se pode falar esquecer que os desperdícios na condução do processo e a demora da prestação jurisdicional podem significar a própria negação dessa mesma prestação.

In casu, a extinção do processo aponta, insofismavelmente, na contramão de tais princípios e, portanto, mostra-se injustificável, já que a assunção da titularidade ativa, como é ressabido, encontra previsão no ordenamento jurídico[2]-[3], inclusive no Estatuto do Idoso, in verbis:

Art. 81, §2º. Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado deverá assumir a titularidade ativa.

À luz de todo o exposto e, especialmente, ante o atraso ocasionado no feito pela necessidade de se interpor o presente apelo, reproduz-se a mesma nota feita pelo eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Carlos Roberto Lofego Canibal, em voto proferido no julgamento de agravo de instrumento em que o Ministério Público daquele Estado pretendia o reconhecimento da ilegitimidade da Defensoria Pública em sede de ação civil pública, com a extinção do feito:

Apenas chamo a atenção para o fato de que o órgão do Ministério Público, no presente recurso, sequer pede, alternativamente, para assumir a titularidade da Ação Civil Pública, muito embora refira a sua legitimidade exclusiva para tanto, além da pessoa jurídica interessada; ao contrário, pede a extinção da lide sem resolução de mérito, quando os fatos narrados na inicial dão indícios de prática de ato de improbidade administrativa na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais, o que, por certo, se confirmado, é bastante grave. Vale dizer: o órgão do Ministério Público não agiu, quando deveria tê-lo feito, e tenta calar quem efetivamente o fez. (Agravo de Instrumento nº 70034602201, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 19/05/2010) – grifou-se

Pelo exposto, ainda que se reconheça que a Defensoria Pública não possui legitimidade ativa para a presente demanda, impende reformar a r. sentença vergastada para se determinar o prosseguimento do feito sob a titularidade do Ministério Público, considerando-se os princípios de estatura constitucional aplicáveis e a necessidade de proteção dos interesses do interditando.


3 – DO PREQUESTIONAMENTO DAS MATÉRIAS CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL

Para fins de interposição dos recursos excepcionais, requer-se expresso pronunciamento dessa C. Câmara acerca do disposto nos arts. 4º, caput e §1º, 9º, 10, caput e §3º, e 15, caput e §4º, e 74, §1º, da Lei nº 10.741/2003 e no art. 1º, III, da CF, que asseguram a integral proteção dos direitos do idoso como dever de todos, em observância à cláusula geral de tutela da dignidade humana.

Pugna-se também por manifestação explícita quanto à aplicação dos arts. 1º, 3º-A, I e III, e 4º, X, XI e XVI, da Lei Complementar nº 80/1994, que conferem legitimidade ativa à Defensoria Pública para a presente demanda, e acerca da correta interpretação a ser conferida ao disposto no art. 1768 do CCb, que não pode afastar essa legitimidade.

Requer-se, por fim, seja expressamente apreciado por essa Colenda Câmara se a decisão recorrida contraria os arts. 244 e 250, ambos do CPC e o art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF, que preveem os princípios da instrumentalidade, efetividade, economia e celeridade processuais, bem como o disposto no art. 81, §2º, da Lei nº 10.741/2003, que autoriza a que o Ministério Público assuma a titularidade ativa do processo.

Essa medida, repise-se, tem como objetivo o preenchimento de requisito de admissibilidade para eventual interposição de recurso extraordinário e/ou especial, na forma dos artigos 102, III, a, e 105, III, a e c, da Constituição da República de 1988.


4 – DO PEDIDO

Ante a todo o exposto, requer-se a Vossas Excelências o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a r. sentença combatida e:

a) determinar o prosseguimento do feito, com a máxima prioridade exigida pelas circunstâncias do caso concreto, sob a titularidade ativa da Defensoria Pública, sem prejuízo da atuação do Parquet na condição de fiscal da lei; ou

b) subsidiariamente, determinar o prosseguimento do feito sob a titularidade ativa do Ministério Público, na remota hipótese de se reconhecer que a Defensoria Pública não possui legitimidade para a presente demanda.

Nesses termos, pede deferimento.

Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2013.

WILLIAM AKERMAN GOMES

DEFENSOR PÚBLICO


Notas

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm

[2] Lei nº 7.347/85, art. 5º, § 3°. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

[3] Lei nº 4.717/65, art. 9º. Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.

Sobre o autor
William Akerman

Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ). Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR). Ex-Especialista em Regulação de Aviação Civil (ANAC). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Aprovado em concurso público para Defensor Público do Estado da Bahia (DPE/BA), para Advogado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e para Advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante da banca de penal e processo penal do I Concurso para Residência Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Autor e coordenador de obras jurídicas pela Editora JusPodivm. Professor de cursos preparatórios para concursos e fundador do Curso Sobredireito (@curso_sobredireito).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AKERMAN, William. Recurso de apelação em ação de interdição movida pela Defensoria Pública no exercício da curadoria especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4933, 2 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/36899. Acesso em: 22 dez. 2024.

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