Introdução
Em que consiste o impedimento ou suspeição no processo penal? Afinal, o que fazer com os actos já praticados, anteriormente? É preciso considerar que a invalidação ou declaração de nulidade dos actos pode retroagir num sentido abstracto apenas. Na vida real, não é possível voltar no tempo. E em meio a um universo jurídico, o que, de facto, configura o impedimento e a suspeição? Ademais, é preciso saber as diferenças entre os dois conceitos, porquanto é necessária a compreensão de suas causas e objectivos.
DO IMPEDIMENTO
O que é impedimento do juiz?
O impedimento, contudo, não pode ser confundido com a suspeição, embora sejam institutos correlatos. Impedimento do juiz, portanto, é a proibição do exercício de suas funções no processo em decorrência das causas previstas no art. 43.° do Código de Processo Penal (Lei n.° 252019, de 26 de Dezembro) novo CPP.
O impedimento é uma figura jurídica que se aplica aos casos em que o magistrado fica impossibilitado de actuar, independentemente de sua intenção no processo ou de sua relação com as partes. Portanto, as causas de impedimento também decorrem do dever de imparcialidade do juiz, mas se referem à sua relação com o processo.
Exemplo 1: O juiz é impedido, quando tiver publicamente expressado opinião reveladora de um juízo prévio em relação ao objecto do processo.
Exemplo 2: O juiz é impedido, quando tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele ou tenha fornecido meios para as despesas do processo.
Declaração de impedimento
Os impedimentos devem ser declarados oficiosamente pelo juiz por despacho nos autos e, quando não sejam, pode ser requerida pelo Ministério Publico, pelo arguido, assistente ou pela parte civil assim que forem admitidos a intervir no processo, podendo ser a qualquer estado deste (processo) (art. 45.°, CPP). A este requerimento são juntos os elementos comprovativos dos factos alegados no requerimento.
Quanto aos actos praticados pelo juiz impedido?
Os actos praticados por juiz declarado impedido são nulos, excepto se a repetição, desses actos, se mostrarem inúteis e neles resultarem que não haverá prejuízo na tomada de decisão desse mesmo processo (n.° 3, art. 45.°, CPP).
Contudo, se o juiz mediante despacho se declarar ou reconhecer impedido não cabe recurso, do contrário, caberá recurso para o tribunal imediatamente superior ou por outra se o juiz não reconhecer o impedimento que lhe tenha sido oposto caberá recurso (art. 46.° CPP).
DA SUSPEIÇÃO
O que é suspeição do juiz?
Suspeição do juiz é o acto pelo qual o juiz fica impossibilitado de julgar uma lide, por condição pessoal (parentesco, por exemplo) ou posicionamento que questionem sua imparcialidade, prejudicando a sua função de julgamento, o exercício da jurisdição e, consequentemente, ameaçando os pressupostos processuais.
Assim, figura de suspeição delimita-se nas hipóteses em que o magistrado fica impossibilitado de exercer sua função em determinado processo, devido a vinculo subjectivo (relacionamento) com algumas das partes, facto que compromete seu dever de imparcialidade.
Sendo a suspeição circunstância subjectiva, relacionada à pessoa do juiz, e não ao juízo, não pode dar ensejo ao conflito de jurisdição, que somente tem lugar quando a discussão versa sobre regra de distribuição do poder jurisdicional, em razão da matéria, do território ou da função.
Assim, o magistrado, quando se afirma suspeito, não está declinando a competência do juízo para o julgamento do feito, que continua sendo a mesma, mas tão-somente declarando a sua impossibilidade pessoal de julgar de forma imparcial a demanda, remetendo os autos a seu substituto.
Exemplo 1: O juiz será suspeito, quando houver reconhecida inimizade entre o juiz é o arguido, o assistente ou a parte civil.
Exemplo 2: O juiz será suspeito, quando exista parentesco ou afinidade até ao quarto grau entre o juiz ou seu cônjuge e o arguido, ou o assistente ou a parte civil.
Declaração de suspeição
Ao contrário do impedimento, na suspeição o juiz não deve declarar-se voluntariamente suspeito, mais nada obsta que peça ao tribunal competente escusa de intervenção quando se verifique o risco de ser considerado suspeito, pelos motivos, sérios e graves que impliquem o comprometimento a confiança sobre sua imparcialidade. Portanto, a suspeição pode ser arguida pelo Ministério Publico, arguido, assistente e pela parte civil (art. 47.°, CPP).
Quanto aos actos praticados pelo juiz suspeito?
Os actos praticados pelo juiz declarado suspeito são anuláveis desde que se verifique que desses actos resultam prejuízos na tomada de decisão do processo. Os actos posteriores só serão validos se a sua repetição se demostrarem inúteis e neles apurar que não resulta prejuízo na tomada de decisão (n.° 4, art. 47.°, CPP).
Note que, no impedimento os actos são nulos [1] ao contrário da suspeição que são anuláveis [2].
No entanto, estabelece o n.° 2 do art. 48.° do CPP, o seguinte: «O requerimento e o pedido referido nos números anteriores só serão admissíveis posteriormente, até ao início da audiência ou até à sentença, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, respectivamente, após aquele despacho e antes do início da audiência ou depois de esta se ter iniciado».
O que acontece enquanto decorre o processo de suspeição?
Submetida a suspeição, suspende-se o andamento do processo até ela, a suspeição, ser julgada mas o juiz a quem competir conhecer dela (a suspeição) poderá ordenar e praticar quaisquer actos urgentes do processo principal.
Processo e decisão
A declaração de suspeição deve ser requerida e a escusa pedida, juntando os elementos de prova, da suspeição, submetendo ao tribunal imediatamente superior, ou, a secção criminal do Tribunal Supremo em determinados casos.
Se não recusar o tribunal o requerimento ora submetido, ordena as diligências de prova necessárias a decisão. Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente, ou da parte civil, por ser manifestamente infundado, condenada o requerente ao pagamento de uma multa de 1 a 5 salários mínimos.
O juiz em causa, pronunciar-se-á sobre o requerimento de suspeição, por escrito, no prazo de 5 dias, juntando logo os elementos de provas que o beneficiam.
O que acontece depois de o juiz ser considerado impedido ou suspeito?
Remete-se logo o processo ao juiz que, de harmonia com as leis de organização judiciária [3], deva substituí-lo.
Considerações finais
O juiz impedido não é juiz suspeito. No impedimento o juiz pode, oficiosamente declarar-se impedido mediante despacho, a requerimento do Ministério Publico, arguido, assistente ou pela parte civil, podendo fazê-lo a qualquer estado do processo. Aqui, os actos praticados pelo juiz declarado impedido são nulos. Ademais, o despacho em que o juiz se considerar impedido é irrecorrível, é recorrível, do despacho em que ele não reconhecer impedimento que lhe tenha sido oposto, junto do tribunal imediatamente superior.
Portanto, no impedimento há presunção absoluta (juris et de jure) de parcialidade do juiz em determinado processo por ele analisado, enquanto na suspeição há apenas presunção relativa (júris tantum).
Na suspeição só podem ser arguidas pelas partes (MP, arguido, assistente ou parte civil), ao contrário do impedimento, aqui o juiz pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente escusa de intervenção quando existam risco de ser considerada suspeita, por motivos sérios e graves.
Embora as duas figuras dialoguem entre si e, inclusive, estejam no mesmo capítulo (CAPITULO V) do Código de Processo Civil, possuem algumas diferenças. Ambos possuem suas hipóteses dispostas no Código de Processo Penal e interferem nos actos praticados pelo juiz. Contudo, o impedimento é presunção absoluta (juris et de jure) de vedação do exercício ou seja, não se trata de uma suspeita de imparcialidade do juízo como na suspeição.
Notas
1 Os actos nulos são aqueles que não gozam da aptidão para a produção de efeitos jurídicos, são invocáveis a todo tempo (art. 286.°, CC).
2 Em contrapartida, os actos anuláveis produzem os seus efeitos até ao momento da sua anulação. Na ocasião da sua anulação, há efeitos retroactivos, afastando todos efeitos produzidos desde o início (art. 287.° CC).
3 Lei n.° 242007, de 20 de Agosto Lei da Organização Judiciária.