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A presunção de veracidade do depoimento de policiais nos crimes de desacato, desobediência e resistência

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25/11/2022 às 15:45

Resumo:


  • A presunção de veracidade do depoimento de agentes públicos no processo penal é questionável, pois pode entrar em conflito com princípios fundamentais do Direito Penal e Processual, como a busca pela verdade real e a imparcialidade do juiz.

  • A aplicação analógica da presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos para depoimentos de agentes públicos no Direito Penal carece de fundamentação legal e adequação à sistemática penal.

  • A valorização excessiva do depoimento de agentes públicos, especialmente em crimes contra a Administração Pública, pode levar ao abuso de autoridade e comprometer garantias constitucionais, como a presunção de inocência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 ASPECTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS DOS CRIMES DE DESACATO, DESOBEDIÊNCIA E RESISTÊNCIA

Contidos no Título XI da Parte Especial do Código Penal, os crimes contra a Administração Pública são, em geral, crimes cometidos contra o funcionamento, organização, autoridade e o regular exercício da Administração Pública.

Primeiramente, é importante fazer uma diferenciação entre o conceito de Administração Pública para o Direito Penal, nesse sentido, Noronha explica que:

[...] o conceito de administração pública, no que diz respeito aos delitos compreendidos neste título, é tomado no sentido mais amplo, compreensivo da atividade total do Estado e de outros entes públicos. Portanto, com as normas que refletem os crimes contra a Administração Pública, é tutelada não só a atividade administrativa em sentido restrito, técnico, mas, sob certo aspecto, também a legislativa e a judiciária. Na verdade, a lei penal, neste título, prevê e persegue fatos que impedem ou perturbam o desenvolvimento regular da atividade do Estado e de outros entes públicos [...]. (NORONHA apud CAPEZ, 2020, p. 198)

Sendo assim, o objeto jurídico tutelado, é o desenvolvimento regular da atividade do Estado, dentro de regras da dignidade, probidade e eficiência (NORONHA apud CAPEZ, 2020, p. 198).

Capez (2020) ensina que estes crimes podem ser praticados por funcionário público (intranei) ou por particular (extranei), quanto aos crimes funcionais11, ou seja, aqueles em que é necessário que o sujeito ativo seja funcionário público, é importante notar que, embora cediço que a Administração Pública tenha seus próprios instrumentos internos para punir o funcionário público que infringe as normas de funcionamento do serviço público, este poder de punir advém dos poderes hierárquico e disciplinar da Administração Pública, diferente do que acontece no Direito Penal, nesse sentido, Meirelles pontua que:

[...] poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração (...). Não se deve confundir o poder disciplinar da Administração com o poder punitivo do Estado, realizado através da Justiça Penal. O poder disciplinar é exercido como faculdade punitiva interna da Administração e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço; a punição criminal é aplicada com finalidade social, visando à repressão de crimes e contravenções definidas nas leis penais, e por esse motivo é realizada fora da Administração ativa, pelo Poder Judiciário. (MEIRELLES, apud CAPEZ, 2020, p. 462)

O Capítulo II do Título XI do Código penal trata dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral, uma coisa importante a se notar nestes crimes, é que é necessário que o sujeito ativo seja particular, pois, de outra maneira, poderia configurar outro fato ilícito na esfera administrativa ou penal, nesse sentido, Capez ensina que:

[...] a ausência da qualidade de funcionário público não torna o fato atípico, pois poderá constituir outro crime (atipicidade relativa), por exemplo, o delito de peculato nada mais é que um crime de apropriação indébita ou furto, praticado por funcionário público em razão do cargo. Se o agente, ao tempo da prática delitiva, havia, por exemplo, se exonerado do serviço público, o delito por ele cometido contra a Administração Pública poderá configurar um dos crimes contra o patrimônio (CP, arts. 155 ou 180). (CAPEZ, 2020, p. 464)

Quanto à qualidade do sujeito ativo como particular, o mesmo autor ainda esclarece:

[...] assim como grande parte da doutrina, entendemos que o funcionário público pode ser sujeito ativo do crime em apreço, desde que a ordem recebida não se relacione com suas funções, isto é, não esteja incluída em seus deveres funcionais, pois, presente esse dever, poderá haver o crime de prevaricação. [...]. (CAPEZ, 2020, p. 568)

Previstos crimes de Resistência, Desobediência e Desacato nos arts. 329, 330 e 331 do Código Penal12, respectivamente, os crimes de Resistência, Desobediência e Desacato carregam algumas semelhanças notáveis entre si.

Primeiramente, são enquadrados como crimes de menor potencial ofensivo a rigor da Lei n° 9.099/9513, vez que suas penas máximas não ultrapassam dois anos de pena privativa de liberdade, são de competência dos Juizados Especiais para processar e julgar estes delitos, e por consequência, seguem o rito sumaríssimo, estatuído nesta norma14.

Ademais, são crimes dolosos, sem previsão legal de forma culposa do delito, de ação penal pública incondicionada à representação e são perpetrados primeiramente contra a Administração Pública, porém, como são cometidos geralmente na presença e diretamente contra agentes públicos, na maioria das vezes policiais, estes atuarão como vítimas secundárias no delito, questão pacificada pelo STF na decisão do HC de n° 141949.

Tratam-se também de crimes formais, de forma livre, cuja consumação se dá no momento em que é praticado o verbo núcleo do tipo, sendo assim, são crimes cuja materialidade é, em geral, puramente fática e não deixa vestígios, além disso, Capez (2020) ensina que, por serem crimes formais, no caso dos crimes de desobediência e resistência, não é necessário que o ato legal não se concretize em razão do delito este seja configurado, sendo assim, o que se extrai é que o legislador vislumbrou a punição da intenção, não da produção de efetivo resultado naturalístico. Todavia, cabe ressaltar que, na forma qualificada do crime de Resistência, o agente atinge o objetivo de frustrar a execução do ato legal, outrossim, é importante notar que, o §2° do art. 329 do Código Penal ainda prevê que o agente responderá em concurso material pelo resultado da violência utilizada.

Quanto ao delito de Resistência, Nucci ensina que o verbo núcleo do tipo opor pode ser entendido como colocar obstáculo ou combater a execução do ato legal, objeto deste crime, outrossim, é crime comissivo, vez que, para ser configurado, é necessário que a oposição se dê mediante violência ou ameaça.

Ademais, o autor assevera que para a configuração deste delito, o ato oposto pelo agente deve ser lícito, vez que, o art. 5°, inciso II, da CF/8815 é absoluto ao expor que a obrigação de fazer ou não fazer deve ser apenas em virtude de lei, assim como, o funcionário público que proferiu a ordem, deve ser competente para a execução do ato legal, pois, caso contrário, é legítima a recusa do agente em atender a referida ordem (NUCCI, 2020, p. 498), o mesmo se aplica ao crime de Desobediência.

É necessário levar em consideração algumas questões relevantes sobre os crimes de Resistência e Desobediência, considerando que o ato legal, objeto deste delito, deve ser revestido de legalidade e competência, não é razoável que o delito seja configurado quando o ato não tiver a devida formalidade e humanidade para com o indivíduo que deve acatar a ordem.

Ademais, as circunstâncias, tais como, do que se trata o ato, suas razões e a identificação dos agentes o executam, devem ser claras e de forma que o indivíduo possa facilmente constatar que se trata de ato legal.

Em relação ao delito de Desobediência, embora este possua grande semelhança com o de Resistência, cabe notar que, pode ser praticado de forma comissiva ou omissiva, isto porque seu verbo núcleo do tipo, desobedecer, tem significado mais amplo, primeiramente porque neste crime, o Código Penal não descreve o meio exercido, como ocorre no crime de Resistência. Capez ainda aclara que:

Na hipótese, conforme já dito, não há emprego de violência ou grave ameaça, por exemplo, em recusar-se a abrir a porta da residência para o oficial de justiça dar cumprimento ao mandado judicial, agarrar-se a um poste, jogar-se no chão, espernear, fugir para evitar a prisão ou, ainda, recusar-se a abrir a pasta, uma vez instado por policiais militares, após ultrapassar detector de metais instalado no foro e que sinalizou a existência de metal [...] (CAPEZ, 2020, p. 579)

Nucci aclara que: Se se tratar de uma omissão, o momento consumativo se verifica quando transcorre o prazo para cumprimento (se houver) ou o decurso de um lapso e tempo juridicamente relevante, a evidenciar o propósito de opor-se ao cumprimento da ordem. (NUCCI, 2020, p. 502)

Cabe mencionar também, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no julgamento do HC 348265 que, à luz do princípio da especialidade da norma16, a recusa em acatar a ordem de parada proferida por policiais no trânsito não configura o crime de Desobediência. Sendo assim, depreende-se a não hierarquia entre as normas administrativas e penais, vez que neste caso, trata-se de mero conflito aparente de normas.

O crime de Desacato é um dos mais polêmicos crimes contra a Administração Pública, motivo disso porque é tênue o limiar entre a conduta do desacato e o direito à liberdade de expressão, constitucionalmente garantido (art. 5°, inciso IX e art. 220 da CF/88)17.

Em razão disto, em 2016 a 5° Turma do STJ decidiu através do Recurso Especial de n° 1.640.084 pela descriminalização do crime de Desacato por incompatibilidade com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, na decisão o Ministro Relator Ribeiro Dantas definiu que o crime de desacato vai de oposto ao humanismo, traduzindo desigualdade entre os funcionários públicos e particulares, assim como, que o crime de desacato priva os indivíduos de exercer o direito à livre expressão, assim como, que inexistindo o tipo penal do desacato, as ofensas contra funcionários públicos não ficariam impunes, vez que o Código Penal ainda prevê os crimes de Injúria e Difamação. Porém, em sentido contrário, a 3° Turma do STJ decidiu no HC n° 379.269 que o desacato deve ser criminalizado, na medida que se trata de abrigo legal para os agentes públicos.

Tal questão foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal no HC 141.949 no ano de 2018, e reforçada no ano de 2020 em nova decisão na APDF 496. O entendimento majoritário reforçou que a razão da existência do crime de desacato, é a exposição diária dos funcionários públicos a ofensas quando no exercício de suas funções, assim como, que embora os tratados internacionais tenham o status de norma supralegal, deve haver adequação entre a norma vigente e os tratados internacionais que o Brasil é signatário. Todavia, há de se considerar que não houve unanimidade de votos nesta decisão, uma vez que, na decisão proferida em 2020, os Ministros Luiz Edson Fachin e Rosa Weber discordaram do relator Luís Roberto Barroso, na medida que este tipo penal restringiria a liberdade de expressão através do medo de represália. Depreende-se, portanto, que há uma preocupação nos limites da coerção exercida pela Administração Pública, a qual poderia, inclusive, censurar o direito de crítica dos cidadãos.

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Sendo assim, o entendimento da Jurisprudência e Doutrina pátria é que, o crime de Desacato se configura quando há a manifesta intenção do agente em ofender, humilhar ou depreciar funcionário público, quando no exercício de sua função, ou pela sua qualidade de funcionário público. Nucci ainda ensina que, quando se tratando de mera crítica à atuação funcional, não deve constituir crime de desacato. (NUCCI, 2020, p. 511)

Ademais, Capez aponta que, na existência de crime de desacato em concurso material com os crimes de injúria ou difamação, estes serão absorvidos por aquele. Não obstante, quanto ao crime de desacato, Nucci aponta que para a que o fato seja típico, é necessário que tenha alguma relevância jurídica:

Se o funcionário público demonstra completo desinteresse pelo ato ofensivo proferido pelo agressor, não há que se falar em crime, pois a função pública não chegou a ser desprestigiada. É o que pode acontecer quando um delegado, percebendo que alguém está completamente histérico, em virtude de algum acidente ou porque é vítima de um delito, releva eventuais palavras ofensivas que essa pessoa lhe dirige. Não se pode considerar fato típico, desde que o prestígio da Administração tenha permanecido inabalável. Mas caso o funcionário seja efetivamente humilhado, no exercício da sua função, a sua concordância é irrelevante, pois o crime é de ação pública incondicionada. (NUCCI, 2020, p. 513)

Tal entendimento leva a uma reflexão importante, embora se tratem de crimes de ação penal pública incondicionada à representação, muito se assemelham os crimes de Resistência,

Desobediência e, em especial, Desacato, a outros crimes como os delitos de Difamação e Injúria, previstos respectivamente nos arts. 139 e 140 do Código Penal18, na medida em que, além de se tratarem de crimes formais, cuja materialidade em geral é puramente fática, e a prova testemunhal pode ser a única colhida, será evidente o envolvimento emocional do policial contra quem o crime fora perpetrado, vez que, houve suposto emprego de violência, ameaça, ofensa ou insubordinação à sua autoridade.


5 A VERDADE DE AGENTES PÚBLICOS EM PROCESSOS POR CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Se por um lado é notória a incompatibilidade desta supervalorização do depoimento dos Agentes Públicos no Direito Penal, cabe ressaltar que, por outro lado, em uma visão pragmática, é inegável a sua importância em certas situações. Isso se dá porque o agente público representa o Estado e a Administração Pública na imposição e execução das normas, sua figura como personificação do poder e moralidade estatais presume dignidade, honra e transparência, de outro modo seria duvidar da própria seriedade e legitimidade do poder público.

Outro grande expoente disto, é que a atuação repressiva do Poder de Polícia requer a adoção de sua figura como pessoa imparcial a serviço do interesse público, de outro modo, seria sempre necessário primeiro validar os atos do Agente Público durante a persecução penal.

Ainda, conforme explicitado, embora qualquer crime possa potencialmente causar efeitos em toda a coletividade, quando determinado delito é perpetrado contra uma certa pessoa, é cediço o interesse daquele que configura como suposta vítima, pois, primeiro que em muitos casos, como nos crimes de ameaça, injúria e difamação19, é necessária a apresentação de queixa crime ou representação, ademais, em tese, a vítima não será imparcial durante a instrução probatória por se envolver emocionalmente e possuir interesse na causa. Nesse sentido, Nucci ensina que:

Por certo que a vítima não pode ser considerada testemunha. As razões são várias: a) a menção à vítima está situada, propositadamente, no Código de Processo Penal, em capítulo destacado daquele que é destinado às testemunhas; b) ela não presta compromisso de dizer a verdade, como se nota pela simples leitura do caput do art. 201; c) o texto legal menciona que a vítima é ouvida em declarações, não prestando, pois, depoimento (testemunho); d) o ofendido é perguntado sobre quem seja o autor do crime ou quem presuma ser (uma suposição e não uma certeza), o que é incompatível com um relato objetivo de pessoa que, efetivamente, sabe dos fatos e de sua autoria, como ocorre com a testemunha (art. 203, CPP); e) deve-se destacar que a vítima é perguntada sobre as provas que possa indicar, isto é, toma a postura de autêntica parte no processo, auxiliando o juiz e a acusação a conseguir mais dados contra o acusado; f) a vítima tem interesse na condenação do réu, na medida em que pode, com isso, obter mais facilmente a reparação do dano na esfera cível (art. 63, CPP). Da testemunha, exige-se, diversamente, fatos dos quais tenha ciência e as razões do seu conhecimento, tudo para aferir a sua credibilidade. (NUCCI, 2020, p. 496)

Até mesmo na qualidade de testemunhas, o autor assevera que o Juiz deverá ter a cautela necessária para a avaliar o compromisso de dizer a verdade da testemunha policial como prova, vez que, este pode estar vinculado à prisão e investigação do réu, razão pela qual seu depoimento pode ser alterado por seu lado emocional (NUCCI, 2020, p. 505), o que é reforçado por Aury Lopes Jr (2020, p. 208):

Obviamente, deverá o juiz ter muita cautela na valoração desses depoimentos, na medida em que os policiais estão naturalmente contaminados pela atuação que tiveram na repressão e apuração do fato. Além dos prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade desenvolvida, é evidente que o envolvimento do policial com a investigação (e prisões) gera a necessidade de justificar e legitimar os atos (e eventuais abusos) praticados.

Dessa forma, não é sequer lógica a atuação dos policiais como vítima e testemunha concomitantemente, que dirá, tratar seu depoimento isolado como prova suficiente para ensejar condenação.

Tal suspeita se forma tanto em como o policial irá descrever o fato efetivamente delituoso, o que poderia levar a uma punição mais severa do acusado, quanto se o crime realmente aconteceu. Ainda, é ilógico pensar que, mesmo que existam diversas testemunhas policiais em determinado processo, um irá contradizer o outro, ou até, certo policial se retratar da falsa imputação do crime, fazer isto seria invalidar o ato, gerando, inclusive, responsabilização na esfera penal, conforme determina art. 3020 da Lei n° 13.869/19, a qual dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade.

Dada a capacidade do depoimento dos policiais como única prova para fundamentar a condenação, há o risco de recair sobre o acusado produzir prova inequívoca da inexistência do crime, ou de fato excludente da sua ilicitude, culpabilidade ou tipicidade, suficientes para rechaçar os depoimentos dos agentes públicos.

Tal questão é incompatível não apenas com a busca da verdade real, quanto com o princípio da presunção de inocência. Nesse sentido afirma Aury Lopes Jr. (2020, p. 946):

No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena: sem que se produza a comissão de um delito; sem que ele esteja previamente tipificado por lei; sem que exista necessidade de sua proibição e punição; sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros; sem o caráter exterior ou material da ação criminosa; sem a imputabilidade e culpabilidade do autor; e sem que tudo isso seja verificado por meio de uma prova empírica, levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público, contraditório, com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido.

O mesmo autor ainda sustenta:

Em síntese, o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos (não basta apenas boa argumentação), submetidos ao contraditório e refutáveis. A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e, principalmente, de limite ao poder, e nisso reside o núcleo da garantia. (LOPES, 2020, p. 948)

Ademais, há de se considerar que, em que pese exista a interdisciplinaridade de normas, tal aplicação deve antes de tudo ser compatível com a sistemática de cada ramo do direito.

Exemplo disto é o instituto da revelia, onde, embora o Código de Processo Civil seja aplicado subsidiariamente ao processo penal, caso o réu não compareça à Audiência de Instrução e Julgamento no processo penal não haverá a incidência dos efeitos materiais da revelia, quais sejam, a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor da ação e o prosseguimento do feito sem qualquer tipo de defesa21.

Guilherme de Souza Nucci esclarece que:

Pensamos que, no processo penal, inexiste a figura da revelia, tal como ocorre no processo civil. Neste, conforme prevê o art. 344 do Código de Processo Civil de 2015, caso o réu não conteste a ação, quando devidamente citado, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor na inicial. É o efeito da revelia, isto é, o estado de quem, cientificado da existência de ação contra si proposta, desinteressa-se de proporcionar defesa. (NUCCI, 2020, p. 734)

Por fim, denote-se que o Direito Penal é considerado a ultima ratio, definido por Nucci (2020) como a última cartada do sistema legislativo, devendo-se abrir mão deste caso possível a proteção do bem jurídico por outro ramo do direito, vez que o direito penal tutela somente aqueles bens jurídicos considerados mais relevantes.

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido, nos casos de estupro, a palavra da vítima como importante meio de prova, todavia, há de se considerar que se trata de crime hediondo, a teor do art. 1°, inciso V22, da Lei n° 8.072/90, possuindo, portanto, elevada relevância, além do que, trata-se aqui de pessoa em momento vulnerável e de um ato totalmente clandestino, diferente do que acontece nos crimes de Resistência, Desobediência e Desacato, vez que, tratam-se de agentes com o conhecimento da lei e com maior capacidade de resistência ao crime e poder de corroborá-lo, assim como, cuja atuação é pública, outrossim, embora mereçam o devido amparo legal, por serem tipos penais, a seriedade do Direito Penal requer comprovação robusta e inequívoca de fato delituoso, pois de outro modo, a própria atuação jurisdicional estará se contradizendo, e o objeto jurídico protegido nesse caso, o prestígio e a honra da Administração Pública, poderá ser lesado em eventual abuso de poder.

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Sobre o autor
Gabriel José Ribeiro

Graduando em Direito pelo Instituto Master de Ensino Presidente Antônio Carlos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Gabriel José. A presunção de veracidade do depoimento de policiais nos crimes de desacato, desobediência e resistência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7086, 25 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101291. Acesso em: 22 dez. 2024.

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