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A presunção de veracidade do depoimento de policiais nos crimes de desacato, desobediência e resistência

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25/11/2022 às 15:45

Resumo:


  • A presunção de veracidade do depoimento de agentes públicos no processo penal é questionável, pois pode entrar em conflito com princípios fundamentais do Direito Penal e Processual, como a busca pela verdade real e a imparcialidade do juiz.

  • A aplicação analógica da presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos para depoimentos de agentes públicos no Direito Penal carece de fundamentação legal e adequação à sistemática penal.

  • A valorização excessiva do depoimento de agentes públicos, especialmente em crimes contra a Administração Pública, pode levar ao abuso de autoridade e comprometer garantias constitucionais, como a presunção de inocência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CONCLUSÃO

Diante do que foi coligido nesta pesquisa, conclui-se:

O Direito Processual Penal trata das testemunhas como pessoas imparciais, as quais se prestam a dizer a verdade em favor da justiça e do interesse público, para tanto, é necessário que fique evidente inexistir interesse e envolvimento na causa por parte daquele que presta o depoimento como testemunha, de outra forma, atuaria mormente como fonte de informação, vez que sua imparcialidade é duvidosa.

Tal requisito de imparcialidade e desinteresse se estendem à pessoa da vítima, sujeito passivo no delito, ao passo que, a própria qualidade de vítima as torna incompatíveis de atuar como testemunha.

Ao se tratar dos crimes perpetrados contra a Administração Pública, embora a primeira vítima seja a própria figura da administração pública, como pessoa de direito, o que diferencia os crimes de Resistência, Desobediência e Desacato é o envolvimento direto do agente público com o fato apurado, ademais, o fato delituoso em tese atingirá primeiro a honra, dignidade, integridade física, psíquica e moral, assim como, a autoridade exercida pelo agente, razões pelas quais é presumível o seu envolvimento emocional e interesse na causa.

A questão não é duvidar do exímio trabalho exercido pelas polícias e sua integridade, mas é inconcebível aceitar que tal prerrogativa, que a propósito se justifica apenas em determinadas situações por uma ótica pragmática, seja suficiente para ensejar um decreto condenatório, contrariando os princípios da busca da verdade real, da livre convicção e da presunção de inocência, ademais, o fator humano não pode ser ignorado, apesar de ser agente público, trata-se de uma pessoa que sente e também pode mentir.

Dessa forma, corre-se o risco de propiciar o abuso de autoridade, na medida que caberá ao réu provar fato negativo, conferindo aos agentes públicos uma possível ferramenta de abuso através da imputação de falso crime, ou até mesmo agravamento da pena imputada pelo crime que de fato ocorreu.

Sendo assim, como o Direito Penal é um direito dinâmico, revelando realidades processuais diferentes em várias de suas facetas, embora a prerrogativa da presunção de veracidade possa ter sua importância em determinadas situações, nos crimes contra a Administração Pública, ela não se aplica.


Notas

1 Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

2 Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

3 Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

[...]

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância

4 Cabe mencionar que para Di Pietro, tal classificação não é absoluta, vez que, as polícias podem agir tanto repressivamente quanto preventivamente (PIETRO, 2018, p. 196)

5 Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

6 Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou argüir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou argüição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.

7 Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. [...]

§ 2º São impedidos:

I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;

II - o que é parte na causa;

III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes.

§ 3º São suspeitos:

I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;

II - o que tiver interesse no litígio.

§ 4º Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas. § 5º Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.

8 Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

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9 Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

10 Todavia, cabe mencionar o Juiz das Garantias inserido pela Lei n° 13.964/19, que, embora sua implementação esteja atualmente suspensa, revela a preocupação crescente na preservação dos direitos fundamentais dos indivíduos e sua proteção contra o abuso de poder. Nesse sentido, Norberto Avena define o Juiz das Garantias como [...] a figura de um juiz a que atribuída competência para exercer, durante a investigação, funções jurisdicionais relacionadas, exclusivamente, à observância dos direitos legal e constitucionalmente assegurados ao investigado [...] (AVENA, 2020, p. 94)

11 Sobre o conceito de crimes funcionais, Capez ainda ensina que: Há crimes previstos neste Título XI que somente podem ser praticados por funcionário público (por exemplo: peculato, concussão, abandono de função etc.), outros somente por particular (por exemplo: usurpação de função pública, corrupção ativa, resistência etc.). Os primeiros constituem delitos próprios, já que são praticados exclusivamente por aqueles que detêm uma qualidade especial, qual seja: ser funcionário público. São, por isso, denominados crimes funcionais. (CAPEZ, 2020, p. 463)

12 Resistência

Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena - detenção, de dois meses a dois anos.

§ 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. Desobediência

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Desacato

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

13 Brasília, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

14 Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

15 Art. 5° [...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...]

16 Miguel Reale assim define o princípio da especialidade: Cabe, de forma sintética neste passo, mencionar o concurso de normas. No concurso de normas, o mesmo fato resta sujeito a ser qualificado por duas normas, chamando-se de concurso aparente; há critérios em razão dos quais este concurso resolve-se, com a aplicação de uma delas. O primeiro critério é o da especialidade, objeto de dispositivo do Código Penal que estabelece no art. 12 que as regras da Parte Geral do Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, salvo disposição em contrário. Assim, se a lei especial compreende além dos elementos de uma norma incriminadora do Código Penal outros dados especificadores, prevalecerá a lei especial [...] (REALE, 2020, p. 207)

17 Art. 5° [...]

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

[...]

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

18 Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

[...]

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

[...]

19 Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

[...]

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

20 Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

21 Ressalte-se, porém, que o réu pode se abster de promover a própria defesa, todavia, é imprescindível que lhe seja assegurado o direito à defesa técnica por defensor, constituído ou nomeado, vez que, conforme determinam os artigos 261 e 367 do Código de Processo Penal, embora o processo continue sem a presença deste quando ausente, é imprescindível a nomeação ou constituição de defensor:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.

[...]

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.

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Sobre o autor
Gabriel José Ribeiro

Graduando em Direito pelo Instituto Master de Ensino Presidente Antônio Carlos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Gabriel José. A presunção de veracidade do depoimento de policiais nos crimes de desacato, desobediência e resistência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7086, 25 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101291. Acesso em: 22 dez. 2024.

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