Resumo: Propõe-se a analisar sem caráter exauriente a novíssima Lei nº 14.508, de 2022 que entrou em vigor neste dia 28 de dezembro de 2022, para alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de estabelecer normas sobre a posição topográfica dos advogados durante audiências de instrução e julgamento no Poder Judiciário.
Entrou em vigor no dia 28 de dezembro de 2022 a novíssima Lei nº 14.508, de 27 de dezembro de 2022, para alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, estabelecendo normas sobre a posição topográfica dos advogados durante audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário.
Destarte, o art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, numerando-se o atual parágrafo único como § 1º, e prevendo o § 2º do Estatuto com a seguinte redação:
§ 2º Durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária, os advogados do autor e do requerido devem permanecer no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que as presidir.
Segundo a norma de vigência, a lei entra em vigor na data de sua publicação.
No Projeto de Lei nº 3528, de 2019, o seu autor apresenta relevante justificação para buscar amparo de seus pares na aprovação da proposta, in verbis:
O presente projeto de lei cuida de alterar o art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que instituiu o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, com o objetivo de estabelecer normas sobre a posição topográfica dos advogados dos requerentes e dos requeridos nas audiências de instrução e julgamento realizadas perante o Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária. Conquanto possa parecer secundária ou não merecedora de discussão e regramento, a posição topográfica dos advogados do requerente e do requerido (autor e réu no processo penal), é tema que já suscitou a manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil e de membros da magistratura, a elaboração de matérias jornalísticas e até mesmo o pronunciamento do Conselho Nacional de Justiça e de Tribunais Judiciários, incluído o Supremo Tribunal Federal. Em 14.12.2011, o jornal Valor Econômico publicou reportagem com o título Os lugares nas salas de audiência penal, em que se discorre sobre a relevância do tema e se examina o argumento daqueles que defendem que o princípio da igualdade teria desdobramentos nos processos judiciais, cíveis ou criminais, em ordem a exigir tratamento isonômico das partes, inclusive para possibilitar que os contendores se coloquem em posição simétrica ou equivalente durante as audiências de instrução e julgamento. 3 No que se refere aos processos penais e à posição topográfica dos advogados de defesa e dos membros do Ministério Público, tramita no Supremo Tribunal Federal a Reclamação nº 12.011 SP, distribuída à ilustre Ministra Cármen Lúcia, sendo Reclamada a Relatora do MS 003836553211104030000, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Nos autos da Reclamação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil foi admitido como amicus curiae, deixando antever um acalorado debate. Pois bem. A reclamação examina ato normativo emanado de juiz federal, que alterou o desenho da sala de audiência e retirou o tablado suspenso e o assento do Ministério Público Federal à direita do magistrado, de modo situar todos os atores do processo em um mesmo plano de importância. Sobrevindo impugnação por meio de mandado de segurança preventivo direcionado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, deferiu-se medida liminar para determinar a recolocação do assento do Ministério Público Federal, tal como preceitua a legislação de regência, para os estritos fins da audiência em ação penal. A Reclamação que alega usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal em razão de a aludida causa debater questões afetas a toda a Magistratura ainda está pendente de julgamento. Em todas as manifestações acima mencionadas, o cerne do debate é a "paridade de armas" entre as partes, que deveria prevalecer em todos os procedimentos jurisdicionais, sejam contenciosos ou voluntários. Em rápidas palavras, pode-se dizer que paridade de armas é a igualdade de tratamento entre as partes no curso do processo, em relação ao exercício de direitos e faculdades, aos meios de defesa, aos ônus e deveres, à oportunidade de manifestação e à aplicação de sanções processuais. Essa igualdade alcança a posição topográfica dos patronos dos contendores, que não pode ser privilegiada em relação a nenhum deles, seja no que se refere à proximidade ou ao distanciamento do juiz, seja no que concerne à visibilidade. Quanto à paridade da posição topográfica entre os membros do Ministério Público e advogados nas audiências judiciais, já houve proposição da nossa lavra, o Projeto de Lei Complementar nº 179, de 2012, que, contudo, foi considerado formalmente inconstitucional e antijurídico. Tendo 4 reverenciado, naquele momento, o parecer do ilustre Relator, Deputado Paes Landim, o nosso entendimento é que os mesmos vícios não prevalecem em relação à regulamentação da matéria no que toca aos advogados, por não se tratar de matéria com cláusula de reserva de iniciativa. Deveras, a questão se reveste de importância singular. Em face da centralidade do princípio da igualdade na Constituição Federal e no paradigma do Estado Democrático de Direito, entendemos que a paridade de armas nos processos judiciais é uma questão relacionada à própria efetivação dos direitos e garantias fundamentais. A propósito, após estabelecer que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput), o constituinte originário assegurou no inciso LV, a todos os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Nesse lineamento, ao lado do respeito profissional e da igualdade dos patronos constituídos pelas partes, o que se defende é a igualdade fundamental entre requerente e requerido e a efetivação do direito constitucional ao devido processo
Assim, doravante, durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária, os advogados do autor e do requerido devem permanecer no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que as presidir.
Antes de falar sobre a repercussão da norma, importante salientar que a lei menciona jurisdição contenciosa e voluntária, aquela ocorre quando há conflito entre as partes, ou seja, a parte busca no Judiciário (em juízo) a tutela jurisdicional do seu direito que foi violado, portanto, quando há lide, na famosa lição de FRANCESCO CARNELUTTI, conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida.
Por sua vez, na jurisdição voluntária não apresenta conflito de interesses, não havendo uma coisa a ser julgada. Dessa forma, não existe uma sentença, mas sim um procedimento.
Assim, os procedimentos de jurisdição voluntária, também chamado de graciosa, a exemplo do procedimento das coisas vagas, interdição, codicilos, bens dos ausentes, estão presentes no Capítulo XV, da Lei nº 13.105 de 2015, desde o artigo 719 até 770, prevendo que quando o CPC não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes da presente Seção. Desta forma, procedem-se com a emancipação, sub-rogação, alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de interditos, alienação, locação e administração da coisa comum, alienação de quinhão em coisa comum, extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória, expedição de alvará judicial, homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor.
Antes de abordar o real sentido da norma, é relevante frisar o sempre destacado e festejado artigo 133 da Carta Magna de 1988, a partir do Capítulo IV, que discorre sobre as funções essenciais da Justiça, em quatro seções, colocando no mesmo bloco de importância jurídica o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública, e especificamente, no artigo 133 estatui que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Logo depois da Constituição da República de 1988 veio o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, colocando a norma de repetição em seu artigo 2º, enfatizando ser o advogado indispensável à administração da justiça, sendo que no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. Também nesse mesmo dispositivo, assegura que no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
Mais que isso, no processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e os seus atos constituem múnus público. Arremata para afirmar que no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei. Acrescenta que devido a nobreza de sua função o advogado pode contribuir com o processo legislativo e com a elaboração de normas jurídicas, no âmbito dos Poderes da República.
Diante de tudo isso, sinceramente, não precisava de mais nada para entender que o advogado no exercício de sua função possui as mesmas prerrogativas dos demais atores do sistema de justiça, porque sem o advogado não há justiça efetiva. Mas como a vaidade pode acometer alguns atores de justiça, foi previso a edição de uma norma para dizer que o advogado goza do mesmo valor e deve se colocar no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que presidir a audiência.
E tudo isso parece desnecessário, mas num passado não muito distante os membros do Ministério Público, o antigo Parquet ocupava posição inferior em relação aos julgadores, se posicionava no assoalho num plano inferior. Numa última análise, é possível afirmar que num forte e equilibrado sistema de Justiça, não pode haver superioridade entre os atores da Justiça, uma vez que todos são importantes para a prestação da Justiça.
O compromisso com os ideais de justiça deve ser apanágio inseparável de todo profissional do direito, pois em qualquer situação, condenando um inocente ou absolvendo um culpado, tudo isso é clara manifestação de injustiça, e se alguém de senso ético e comprometido com as coisas equânimes da sociedade, se indignar com a prática de um ato de injustiça em qualquer lugar do mundo, então estamos no mesmo barco, navegando no mesmo sentido, buscando o mesmo desiderato, pois, enquanto houver compromisso com o humanismo, com os valores essenciais da humanidade, devemos contribuir inexoravelmente para a construção da paz social e com os ditames da justiça, embora acabe com o mundo.