Capa da publicação Aproveitamento de rejeitos e estéreis: análise da Resolução ANM 85/2021
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Aspectos práticos sobre aproveitamento de rejeitos e estéreis.

Uma análise da Resolução ANM nº 85/2021

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01/02/2023 às 18:33
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A alteração da norma sobre aproveitamento de materiais descartados na lavra e no beneficiamento aumentará a segurança jurídica para a atividade de mineração.

Resumo: O presente artigo aborda o atual cenário do aproveitamento de rejeitos e estéreis no Brasil, que tem sido objeto de muitos questionamentos e conflitos, em especial, após a publicação da Resolução ANM nº 85/2021. Por meio da análise da evolução do entendimento da ANM sobre o assunto, dos conceitos definidos pela legislação e dos casos práticos, buscou-se uma reflexão sobre o assunto, demonstrando a necessidade de a ANM alterar e complementar alguns aspectos da Resolução ANM nº 85/2021, para uniformização das decisões e maior segurança jurídica ao setor mineral.

Palavras-chave: Mineração. Recursos minerais. Rejeitos. Estéreis. Resolução ANM nº 85/2021.


1. INTRODUÇÃO

Com o avanço das tecnologias atuais, a valorização das commodities minerais nas últimas décadas e a necessidade de dar destinação sustentável aos resíduos da mineração, surgiu, nos últimos anos, um interesse e fomento ao aproveitamento dos rejeitos e estéreis, correspondendo a uma tendência do setor mineral mundial.

O presente estudo propõe, sumariamente, uma reflexão acerca dos questionamentos e conflitos atuais que envolvem o aproveitamento do rejeito e estéril no Brasil, decorrente da ausência de definição sobre aspectos práticos na Resolução ANM nº 85/2021.

O objetivo é que, a partir dessa reflexão, reste demonstrada a necessidade de alteração e complementação da Resolução da ANM nº 85/2021, a fim de uniformizar as decisões da ANM e trazer maior segurança jurídica ao setor mineral com relação ao aproveitamento do rejeito e estéril.


2. CONCEITO DE REJEITO E ESTÉRIL

O rejeito e estéril podem ser definidos como principais resíduos gerados na etapa de lavra e beneficiamento da atividade minerária.

Segundo o art. 1º1 da Resolução ANM nº 85/2021 – que atualmente regulamenta o aproveitamento desses materiais –, o estéril se trata de material in natura, descartado diretamente na operação de lavra, antes do beneficiamento. Já o rejeito é o material descartado durante e/ou após o processo de beneficiamento.

A Agência Nacional de Mineração (ANM) produziu, em 2020, um documento denominado “Análise de Impacto Regulatório”2, cujo tema é aproveitamento de estéril e rejeitos. De acordo com esse documento, o estéril consiste no material descartado diretamente na operação de lavra, sem passar pelo processamento na usina de beneficiamento, e o rejeito, corresponde à porção associada ao minério descartada durante e/ou após o processo de beneficiamento.

O Procurador Frederico Munia Machado, no Parecer nº 46/2012/PROGE/DNPM3, conceituou o estéril como “conjunto de materiais presentes na área da mina, cujo desmonte e retirada são exigidos para a extração do minério, mas que não são aproveitados no estante do processo de lavra pela insignificância do seu valor econômico”.

Para Djanira Alexandra Monteiro dos Santos4 conceitua os rejeitos como “resíduos de mineração que resultam dos processos de beneficiamento a que se submetem os minérios, visando sua redução e regularização da granulometria dos grãos, eliminação dos materiais associados e melhoria da qualidade do produto final”.

Em geral, estéril e rejeitos são depositados em pilhas e barragens, respetivamente, e exigem um manejo adequado e um monitoramento constante, a fim de garantir a estabilidade e segurança de tais estruturas. Outra maneira de dispô-los, menos comum, é em cavas exauridas de minas a céu aberto, alternativa que apresenta menor risco ambiental comparada à disposição em barragens.

Portanto, pode-se afirmar, sem grande rigor técnico, que o diferencial entre esses resíduos é a condição física, o momento da operação em que são descartados e as estruturas em que são dispostos.


3. A EVOLUÇÃO DOS ENTENDIMENTOS DA ANM ACERCA DO APROVEITAMENTO DE REJEITO E ESTÉRIL

O principal instrumento legal do setor mineral no Brasil é o Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/1967), que não aborda de forma expressa o aproveitamento dos resíduos decorrentes da atividade minerária, se limitando a mencionar que o armazenamento de estéreis e rejeitos fazem parte da atividade minerária e quanto à possibilidade de instituição de servidão mineral para “bota-fora do material desmontado e dos refugos do engenho” 5.

Outra abordagem normativa acerca da disposição de estéril e rejeitos é Norma Reguladora de Mineração (NRM) nº 19/2001, que se limita a dispor sobre fatores técnicos da disposição desses materiais, sem fazer menção ao seu aproveitamento econômico.

Ante a ausência de norma regulamentando o aproveitamento dos estéreis e rejeitos – e outros materiais descartados durante o processo de lavra mineral –, a Procuradoria Federal Especializada junto ao então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) inovou ao tratar do assunto no Parecer nº 46/2012/PROGE/DNPM.

No referido Parecer, a PFE sustenta que o rejeito e estéril, por não possuírem – ao menos no momento da lavra – interesse econômico, não podem ser classificados como produtos da lavra para fins do art. 176 da Constituição Federal6 e, portanto, não pertenceriam ao detentor do título de lavra. E mesmo que o rejeito e o estéril contenham algum teor da substância mineral objetivada no processo de lavra, ainda assim, por serem matéria desprovidos de valor econômico, não correspondem a bens da União ou do titular.

Ademais, afirma-se no Parecer que, enquanto não houver um propósito de aproveitamento econômico das substâncias minerais eventualmente presentes nos rejeitos e nos estéreis, estes, ao serem descartados, se confundem com o próprio solo, estando à disposição do posseiro da área ou do proprietário do solo.

Por outro lado, se houver a intenção de aproveitar a substância mineral presente no rejeito e estéril, haverá incidência do art. 176 da Constituição Federal, ou seja, o material constituirá propriedade distinta do solo, pertencerá à União, sendo garantido ao titular a propriedade do produto da lavra – o mesmo tratamento jurídico do minério in loco.

O Parecer também estabelece que, para que o titular dê aproveitamento ao rejeito ou estéril, é preciso que esteja localizado numa área com lavra já concedida, sendo necessário apresentar ao então DNPM, estudos técnicos que demonstrem a potencialidade econômica do reaproveitamento daquele material, bem como os métodos de extração e concentração do mineral que será adotado no reaproveitamento. Caso não haja um título minerário que acoberte esse rejeito e estéril, o interessado deverá solicitá-lo ao então DNPM, nos termos do art. 2º do Código de Mineração7.

Nesse sentido, fica claro que as definições trazidas no Parecer nº 46/2012/PROGE/DNPM dependem do interesse ou não de aproveitar economicamente os rejeitos e estéreis.

Também no ano de 2012, foi expedido o Parecer nº 232/2012/FM/PROGE/DNPM, que replicou o entendimento contemplado no Parecer nº 46/2012/PROGE/DNPM e acrescentou a sua sugestão de revisão acerca do Parecer CONJUR/MME nº 99/1992, que defende a dispensa de autorização/concessão para o reaproveitamento de rejeitos e estéreis por terceiros que tenham os adquirido do titular ou que tenham se apropriado destes materiais, encontrados em estado de abandono, estando sujeito apenas ao que dispõe o art. 138 do Código de Mineração.

Em 2017, a PFE expediu o Parecer nº 246/2017/PF-DNPM-SEDE/PGF/AGU9, que detalhou ainda mais sobre o aproveitamento dos estéreis e rejeitos, em especial, daqueles depositados em local fora dos limites da poligonal da concessão de lavra – e inclusive os vinculou definitivamente à empresa titular do direito minerário:

“Se os rejeitos que foram depositados em barragens ou pilhas integrantes da estrutura da mina, fora da poligonal do título de lavra em vigor, a própria titular, responsável por tais estoques de resíduos, tem direito de reaproveitá-los.

Caso contrário, ou seja, em se tratando de pilhas e barragens vinculadas a um título de lavra já extinto (por exemplo: caducado, cassado, decaído, ou mesmo com prazo de vigência encerrado), ou resíduos de mineração que não foram estocados, mas devolvidos ao meio ambiente – tal direito não deve ser reconhecido. Neste último caso, admite-se o aproveitamento desse material por terceiros que pleitearem e obtiverem direito de lavra na forma da lei.”

O Parecer Normativo nº 00246/2017/PF-DNPM-SEDE/PGF/AGU trouxe conceitos inovadores com relação à propriedade dos rejeitos com potencial econômico, deixando claro que rejeitos e estéreis depositados fora da poligonal do direito minerário, que estejam depositados numa estrutura integrante da mina, poderão ser aproveitados pelo titular responsável por tais materiais.

E mais, com relação ao aproveitamento por terceiro, o referido Parecer deixa claro que poderá ocorrer quando não houver um título autorizativo de lavra vinculado ou quando não se tratar de um estoque – pertencente a algum titular –, sendo necessário a obtenção de um título autorizativo de lavra.

Portanto, não há dúvidas que o referido Parecer trouxe uma nova dinâmica acerca da propriedade dos rejeitos e estéreis com potencial econômico, estabelecendo os requisitos necessários para cada modo de aproveitamento – seja pelo titular que originou o material ou por terceiro.

A dinâmica trazida pelo Parecer é muito relevante, uma vez que, ao elevar a questão à efetiva propriedade dos rejeitos e estéreis, conseguiu afastar eventual ideia de Direito de Prioridade, impossibilitando que rejeitos e estéreis com potencial econômico depositados numa estrutura em operação sejam incorporados à patrimônio de terceiros.

Em 2017, foi publicada a Lei Federal nº 13.540, que altera as Leis nº 7.990/1989 e 8.001/1990, para dispor sobre a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), estabelecendo que os rejeitos e estéreis gerados em áreas objeto de direitos minerários que possibilitem lavra, na hipótese de alienação ou consumo, serão considerados como bem mineral para fins de recolhimento da CFEM10.

Além disso, para o aproveitamento de rejeitos e estéril de minerais associados a outras cadeias produtivas em relação à substância principal do empreendimento, haverá redução de 50% da alíquota da CFEM11.

Em seguida, no ano de 2018, foi publicada o novo Regulamento do Código de Mineração – Decreto Federal nº 9.406/2018 – que estimulou o aproveitamento de rejeitos, estéril e demais resíduos da mineração, prevendo, inclusive, um procedimento simplificado para realizar o aditamento da substância identificada nos rejeitos e estéreis ao título minerário, cabendo à ANM a edição de resolução específica12.

Em 2021, a ANM publicou a Resolução ANM nº 85/2021, que regulamentou os procedimentos para o aproveitamento dos rejeitos e estéreis e entrou em vigor em 03 de janeiro de 2022. A referida norma deu continuidade às concepções abordadas pelo Parecer Normativo nº 00246/2017/PF-DNPM-SEDE/PGF/AGU e complementou-as.

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Com relação à propriedade dos rejeitos e estéreis, a Resolução prevê que fazem parte da mina onde foram gerados, ainda que a lavra esteja suspensa e mesmo quando dispostos fora da área titulada – circunstância que exige que a área tenha sido objeto de instituição de servidão mineral13.

Os rejeitos e estéreis que estiverem vinculados à mina onde foram gerados e que a pretensão seja o aproveitamento pelo titular do direito minerário em vigor, é dispensável a obtenção de nova outorga de concessão de lavra, sendo necessária a atualização do Plano de Aproveitamento Econômico (PAE) – se aplicável – e inclusão das informações no Relatório Anual de Lavra (RAL)14.

Caso a substância identificada nos rejeitos e estéreis não esteja prevista no título minerário, o titular deverá solicitar o aditamento da nova substância, nos termos do Código de Mineração e do seu Regulamento – o que ensejará também a atualização do PAE. E para garantir que a redução de 50% de CFEM com relação à essa nova substância – previsto no parágrafo 7º, do art. 6º da Lei Federal nº 7.990/1989 –, o titular deverá informar, no requerimento do aditamento de substância, a cadeia produtiva a que se destina.

No que concerne o aproveitamento de rejeitos e estéreis por terceiros, este poderá ocorrer desde que estejam depositados em área livre ou oneradas por terceiros – o que inclui áreas em disponibilidade –, sendo imprescindível seguir os preceitos do Código de Mineração e seu Regulamento – o que inclui a obtenção de um título autorizativo de lavra15. Todavia, eventual vínculo dos materiais a um título minerário vigente, afasta a possibilidade do aproveitamento por terceiros.


4. DISPOSITIVOS DA RESOLUÇÃO ANM nº 85/2021 QUE TÊM GERADO QUESTIONAMENTOS OU DÚVIDAS

Apesar de a Resolução nº 85/2021 ter sido esclarecedora com relação aos procedimentos a serem adotados para aproveitamento dos estéreis e rejeitos, ainda assim, na prática, determinados dispositivos têm gerado questionamentos ou dúvidas de interpretação.

O primeiro questionamento diz respeito à exigência prevista no parágrafo único do art. 2º, sobre a necessidade de ter sido instituída servidão mineral nas áreas onde os rejeitos e estéreis estejam depositados, quando a referida área estiver fora da poligonal do direito minerário, ou seja, fora de área onerada.

Antes de adentrar no conceito de servidão mineral, faz-se necessário ressaltar que, de acordo com o Código de Mineração, o que compõe a mina não é só o que está respaldado em área de concessão ou em área de servidão mineral, mas tudo que possui vinculação com o exercício da atividade de mineração – este entendimento deve ser utilizado, inclusive, para a interpretação da Resolução ANM nº 85/2021.

A servidão mineral é um instrumento jurídico que possibilita o exercício da atividade de mineração numa área dentro ou fora do polígono do título minerário, para a instalação de estruturas necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos de lavra, ou seja, possibilita a posse e ocupação de áreas comprovadamente imprescindíveis ao exercício da lavra.

Ainda que o art. 6º do Código de Mineração16 preveja a servidão como parte integrante da mina, ainda assim não está claro no referido dispositivo que o instituto seja um requisito indispensável ao desenvolvimento da atividade minerária, pelo contrário, ao interpretá-lo juntamente com o art. 5917, é possível entender que esse instituto é uma faculdade/direito do titular, que poderá utilizá-la caso enfrente dificuldades no acesso ao imóvel do superficiário, que é imprescindível ao desenvolvimento das atividades minerárias.

Outro aspecto que reforça a ideia de que a servidão mineral é uma faculdade/direito do titular, é a dispensa da sua instituição se a área for de propriedade do próprio titular ou se este já tiver firmado um acordo com o superficiário.

Nesse sentido, a exigência da Resolução da ANM nº 85/2021 com relação à instituição da servidão mineral de áreas, leva a crer que o aproveitamento do rejeito ou estéril esteja condicionado à pré-existência de servidão constituída, o que se mostra impraticável, considerando que a servidão é uma faculdade do titular utilizada para alcançar a posse e ocupação de áreas necessárias ao complexo minerário, sendo a mesma utilizada, quando, nos termos do CM, for “indispensável ao exercício da lavra”, e quando naturalmente o titular não for o proprietário da pretensa e necessária área, ou mesmo quando não dispuser de acordo com o proprietário da área.

Portanto, a instituição da servidão não se trata de um instrumento indispensável à operação mineral e, a meu ver, não pode ser considerada como pressuposto à existência do direito ao reaproveitamento de rejeitos e estéreis depositados fora da poligonal do direito minerário, mas, tão somente, como uma exigência para iniciar o exercício deste direito.

Outro aspecto da norma que tem gerado dúvidas é com relação aos documentos técnicos a serem apresentados ou atualizados para o aproveitamento do rejeito/estéril. No decorrer do acompanhamento de casos relativos ao aproveitamento de rejeitos e estéreis perante a ANM, foi possível verificar que os próprios servidores da Agência estão inseguros com relação aos documentos técnicos a serem exigidos, ainda que o art. 3º da Resolução ANM nº 85/2021 os defina expressamente.

Em reuniões realizadas junto à Agência sobre o assunto, foi mencionada a necessidade de atualização do Plano de Aproveitamento Econômico (PAE), Plano de Lavra ou peça similar – previstos na Resolução ANM nº 85/2021 –, bem como a apresentação de todos os Relatórios Anuais de Lavra antigos, a fim de comprovar que o rejeito/estéril depositado na estrutura da mina está vinculado a ela.

Inicialmente deve ser esclarecido que a Resolução ANM nº 85/2021 prevê que, para o exercício do direito ao aproveitamento do rejeito/estéril pelo minerador que o gerou, é necessário que a estrutura que armazena o rejeito/estéril esteja prevista no Plano de Aproveitamento Econômico, Plano de Lavra ou peça similar e que seja informado no RAL os dados sobre rejeito/estéril. Já para o terceiro que deseja dar aproveitamento ao rejeito/estéril depositado em área livre ou em área por ele onerada, deverá seguir os preceitos do Código de Mineração e do seu regulamento – obtenção de uma concessão de lavra.

Portanto, a Resolução ANM nº 85/2021 já define que o rejeito/estéril faz parte da mina onde foi gerado, mesmo quando dispostos fora da área titulada, ainda que a lavra esteja suspensa. Ou seja, a norma já estabelece o vínculo do rejeito/estéril, não havendo qualquer necessidade de comprová-lo apresentando Relatórios Anuais de Lavra antigos, como tem sido mencionado/exigido pela ANM.

As dúvidas acima refletem a necessidade de a ANM eventualmente complementar ou esclarecer aspectos da Resolução ANM nº 85/2021, para uniformização das decisões e maior segurança jurídica ao setor mineral.


5. ENTENDIMENTO DA ANM SOBRE O APROVEITAMENTO DE REJEITO DEPOSITADO EM BARRAGEM POR TERCEIROS

Em razão das avançadas tecnologias atuais e a valorização das commodities minerais nas últimas décadas, é certo que hoje não apenas depósitos minerais – cuja viabilidade era duvidosa até pouco tempo atrás –, como também áreas de descarte de rejeito, de estéril e de minério de baixo teor de minas antigas passaram a apresentar propensão econômica, motivando o interesse no seu aproveitamento – que dependendo do caso, pode ensejar a produção de um segundo tipo de substância mineral.

Essa mudança de cenário no aproveitamento do estéril/rejeito, ensejou uma nova dinâmica nas interferências entre áreas de barragens e Autorizações de Pesquisa tituladas por terceiros.

Um dos primeiros conflitos perante a ANM – e judicialmente – sobre a pretensão de terceiros em aproveitar o rejeito depositado numa barragem vinculada a outro minerador, ocorreu no âmbito do processo minerário nº 860.XXX/20XX18, antes da publicação da Resolução ANM nº 85/2021.

Neste caso, a primeira análise realizada foi pela Procuradoria Federal Especializada junto à ANM (PFE/ANM)19, por meio da Nota,20 que fez as seguintes considerações:

  • Cabe à área técnica da ANM verificar se o projeto de pesquisa objeto do Alvará de Pesquisa é compatível com a servidão mineral instituída previamente em parte da área outorgada, devendo-se privilegiar as soluções que possibilitem, se possível, o uso múltiplo da área e que melhor atenda ao interesse público;

  • A área técnica da ANM deve avaliar se há segurança para coexistência de ambos os empreendimentos, considerando os riscos que envolvem uma barragem de rejeitos;

  • A ANM pode exigir do titular a adoção de soluções técnicas que garantam a execução dos trabalhos de pesquisa, sem prejudicar a servidão mineral existente e sem comprometer a segurança da barragem de rejeito;

  • O titular de um empreendimento mineiro em produção ou com a lavra suspensa tem o direito de reaproveitar o rejeito depositado numa barragem situada fora da poligonal do seu direito minerário, permitido somente se tais bens minerais constarem no título de lavra, nos termos do Parecer nº 246/2017/PF-DNPM-SEDE/PGF/AGU, o que não impede a outorga de direito minerário na área, mas impõe ao terceiro – a quem for outorgado esse direito – o respeito ao direito de aproveitamento do titular responsável pela barragem;

  • Não há impedimento jurídico à outorga de Alvará de Pesquisa em área sobre a qual incide servidão mineral para viabilizar a instalação da barragem.

Em seguida, a PFE/ANM sugeriu a análise do assunto pela área técnica, a fim de verificar se há compatibilidade ou não entre as atividades a serem exercidas em decorrência da outorga do Alvará de Pesquisa e a servidão mineral instituída na área.

A época o Chefe de Divisão Executiva de Segurança de Barragens de Mineração expediu a Nota Técnica21, com o seguinte entendimento:

“Neste contexto, de antemão, se verifica que a execução destes três serviços apresenta potencial para ocasionar riscos à segurança da barragem, caso sejam efetuados sobre o maciço, na área do reservatório e na região das estruturas adjacentes ao barramento (canais extravasores, saídas de drenos, pontos monitorados por instrumentos geotécnicos nas ombreiras, etc.), uma vez que consistem em métodos diretos de pesquisa, que envolvem a realização de perfurações, retiradas de amostras de solo e rocha ou escavações com potencial de causar danos às estruturas das barragens.

Não é irreal mencionar que a realização de um conjunto de sondagem sobre o maciço da barragem, com o objetivo de amostragem de rochas em superfície com o espaçamento próximo e regular entre si, como se espera de um programa de sondagens com o objetivo de aferição de reservas minerais, ou seja, alcançando o subsolo em que se assenta o barramento e seu reservatório, pode ocasionar a criação de uma zona de fraqueza tanto na estrutura da barragem, que será atravessada por furos, quanto em sua fundação, onde esses furos serão concluídos, bem como, têm potencial de gerar danos aos sistemas internos de drenagem dos fluidos percolados do reservatório. Estes fatores podem ocasionar anomalias e patologias na barragem, a exemplo de fraturamentos hidráulicos, pipings, gatilhos para o fenômeno da liquefação dos rejeitos, desestabilização localizada, com potencial de comprometer sua estabilidade estrutural e segurança hidráulica global.

(...)

Em suma, a execução de trabalhos de prospecção geológica na área do barramento, no interior de seu reservatório de rejeitos e adjacências imediatas da barragem, possuem, sem dúvida, um alto potencial para provocar reduções nos níveis de segurança da estrutura, que podem culminar na manifestação de diversos tipos de anomalias e patologias geotécnicas e hidráulicas na barragem e seus componentes associados (sistemas de drenagem interna, sistemas de instrumentos de monitoramento geotécnico, sistemas de condução de águas superficiais, etc), que, por sua vez, podem ser considerados o estopim inicial para incidentes, acidentes ou eventos catastróficos, que podem provocar prejuízos ambientais, econômicos e sociais relevantes a todas as comunidades que habitam o entorno do empreendimento, especialmente, no caso de uma estrutura do porte da Barragem.

(...)

Pelas considerações técnicas expostas acima, é possível se concluir que a execução de trabalhos de pesquisa mineral na área sobre a Barragem e suas imediações mais próximas, possuem um grande potencial de comprometimento da segurança estrutural, hidráulica e hidrológica do barramento, podendo ocasionar anomalias e patologias na estrutura, que são consideradas o estopim para incidentes e acidentes de barragens de mineração. Além de terem capacidade de prejudicar ações de manutenção/operação cotidianas de segurança em razão da movimentação de pessoas e maquinário não voltado para ações de conservação do barramento durante a eventual execução dos trabalhos prospectivos.

Neste sentido, observa-se que a realização dos trabalhos de amostragem geológica e geoquímica para mensuração de reservas minerais, a serem executadas por meio de escavações e sondagens na área do barramento e seu entorno imediato, conforme previsto de forma genérica no plano de pesquisa apresentado nos autos do processo, não são compatíveis com as boas práticas de engenharia e, tampouco, com as leis e normas de segurança vigentes para barragens de mineração.

Portanto, o entendimento da ANM é que, se a realização de pesquisa mineral, em especial com o uso de metodologias diretas, no maciço da barragem e no seu entorno, for capaz de ocasionar anomalias e patologias nas estruturas, bem como comprometer sua estabilidade e segurança, não é possível compatibilizá-la com a servidão mineral instituída na referida área.

Cabe ressaltar que neste caso o assunto foi objeto de ação judicial22, em que o juízo decidiu pela retirada de interferência entre a poligonal do Alvará de Pesquisa e a área da servidão mineral da barragem, o que foi acatado e providenciado pela ANM, ensejando, inclusive, a renúncia do direito minerário pelo titular do Alvará de Pesquisa.

Outro conflito envolvendo a pretensão de terceiros em aproveitar o rejeito depositado numa barragem vinculada a outro minerador – e que tive a oportunidade de contribuir – foi no âmbito do processo minerário nº 833.XXX/20XX23 e do procedimento instaurado pela Assessoria de Resolução de Conflitos da ANM (ARCO), já sob a vigência da Resolução ANM nº 85/2021.

Neste caso, o titular do Alvará de Pesquisa apresentou o seu Plano de Pesquisa – informando a metodologia a ser utilizada e a localização dos furos de sondagem pretendidos – e o minerador responsável pela barragem de rejeitos apresentou um laudo técnico sobre os riscos envolvidos ao realizar a pesquisa na área, bem como comprovou o vínculo do rejeito depositado com a operação da sua mina, nos termos da Resolução ANM nº 85/2021.

Após a análise dos documentos e das informações prestadas pelas partes envolvidas, a Gerência de Segurança de Barragens de Mineração da ANM (GSBM) emitiu uma Nota Técnica24, que, inclusive, trouxe aspectos relevantes sobre a interpretação da Resolução ANM nº 85/2021, veja:

“Sobre a primeira questão, é evidente na Resolução ANM n° 85/2021, em seus artigos 2° e5°, a referência ao direito de propriedade dos rejeitos e estéreis associados à mina em que foram gerados ao titular desta mina, independente da área em que os mesmos estiverem dispostos, ressaltando que o aproveitamento destes rejeitos e estéreis só pode ser realizado após outorga de título autorizativo de lavra. A despeito de consideramos que não haja dúvidas quanto à esta questão, visto que a Resolução ANM n° 85/2021 é clara, entendemos que esta questão específica não cabe à análise desta GSBM em função de sua atribuição regimental e caso persista a questão, sugere-se consulta ao setor responsável.

Resta a análise da segunda questão, que se relaciona ao impacto que as atividades de sondagem podem causar na estabilidade geotécnica das estruturas em questão.

(...)

Em suma, a execução de trabalhos de prospecção geológica na área dos barramentos, no interior de seus reservatórios de rejeitos e adjacências imediatas das barragens, possuem, sem dúvida, um alto potencial para provocar reduções nos níveis de segurança das estruturas, que podem culminar na manifestação de diversos tipos de anomalias e patologias geotécnicas e hidráulicas na barragem e seus componentes associados (sistemas de bombeamento da drenagem interna, sistemas de instrumentos de monitoramento geotécnico, sistemas de condução de águas superficiais, etc), que, por sua vez, podem ser considerados o estopim inicial para incidentes, acidentes ou eventos catastróficos, que podem provocar prejuízos ambientais, econômicos e sociais relevantes a todas as comunidades que habitam o entorno do empreendimento.

Pelas considerações técnicas expostas acima, observa-se que a realização de investigação geológica e de mensuração de reservas minerais em rejeitos de propriedade de outrem, fere o estabelecido pela Resolução ANM n° 85/2021 em seus Art. 2° e 5°.

Além disso, é possível se concluir que a execução de trabalhos de pesquisa mineral na área sobre os reservatórios das barragens e suas imediações mais próximas, possuem um grande potencial de comprometi mento da segurança estrutural, hidráulica e hidrológica do barramento, podendo ocasionar anomalias e patologias na estrutura, e eventuais gatilhos para liquefação, que são consideradas o estopim para incidentes e acidentes de barragens de mineração. Além de terem capacidade de prejudicar ações de manutenção/operação cotidianas de segurança e das obras de descaracterização da barragem em razão da movimentação de pessoas e maquinário não voltado para ações associadas à essas atividades no barramento durante a eventual execução dos trabalhos prospectivos.

Por fim, submete-se esse texto à sua apreciação para que, caso julgue as considerações aqui contidas pertinentes, sejam tomadas as medidas cabíveis no âmbito de suas atribuições.

Após a expedição da referida Nota Técnica, a ANM promoveu um estudo de interferência e identificou que o Alvará de Pesquisa interferia com dez poligonais de servidões minerais já instituídas para barragens de rejeito.

Nesse sentido, em consideração (i) à Nota Técnica da GSBM – que confirmou os riscos técnicos da realização de pesquisa mineral na área de barragens de rejeito –, (ii) às interferências da poligonal do Alvará de Pesquisa com 10 áreas de servidões minerais e (iii) à demonstração que os rejeitos depositados nas barragens estão vinculados a outro minerador (art. 2º da Resolução ANM nº 85/2021), a ANM proferiu o Despacho25 determinando a instauração do procedimento de caducidade do Alvará de Pesquisa em questão.

O despacho acima ainda não é a decisão definitiva sobre o assunto, sendo cabível ampla defesa e contraditório ao titular do Alvará de Pesquisa, no âmbito do procedimento de caducidade a ser instaurado.

A partir da análise dos dois casos concretos, fica claro que o contexto é o mesmo – Alvarás de Pesquisa cuja poligonal interfere com a área da barragem de rejeito de outro minerador, que foi objeto de servidão mineral –, tendo sido proferida decisões com o mesmo posicionamento – de não permitir a realização da pesquisa na área do barramento –, mas determinando a adoção de procedimentos distintos – num caso o Alvará de Pesquisa foi retificado e, no outro, objeto de caducidade.

Fica evidente, portanto, que a Agência possui um entendimento muito claro sobre os conceitos e definições que envolvem o aproveitamento de estéril/rejeito. Por outro lado, ainda pairam incertezas quanto o procedimento a ser adotado pela ANM com relação à Requerimentos de Pesquisa e Alvarás de Pesquisa cuja poligonal interfere com estruturas que armazenam o rejeito/estéril de terceiros, o que certamente gera insegurança aos envolvidos.

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Sobre a autora
Ana Letícia Lanzoni Moura

Graduada em Direito pela Universidade FUMEC. Pós-graduada em Direito da Mineração pelo CEDIN. Pós-graduada em Direito Ambiental e Direito Processual Civil pela Universidade FUMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Ana Letícia Lanzoni. Aspectos práticos sobre aproveitamento de rejeitos e estéreis.: Uma análise da Resolução ANM nº 85/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102253. Acesso em: 3 out. 2024.

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