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ADI 3395 e a competência jurisdicional para causas envolvendo meio ambiente do trabalho de servidores estatutários

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09/01/2024 às 17:36
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A decisão do STF na ADI 3.395/DF não exclui a competência da Justiça do Trabalho para casos de saúde e segurança de servidores públicos.

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de pesquisar se a restrição à competência da Justiça do Trabalho adotada na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF alcança os litígios envolvendo o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho em ambientes nos quais trabalham servidores públicos estatutários. O método adotado foi a pesquisa bibliográfica, envolvendo doutrina, legislação e jurisprudência sobre a matéria. Concluiu-se, a partir dos estudos realizados, que inexiste fundamento extraído da decisão do STF no julgamento da ADI 3.395/DF para excluir da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar causas cujo objeto seja o cumprimento de obrigações previstas em normas de saúde e segurança do trabalho em locais nos quais servidores públicos estatutários desempenham suas atividades.

Palavras-chave: ADI 3.395/DF. Meio ambiente do trabalho. Regime jurídico estatutário. Competência da Justiça do Trabalho.

Sumário: 1. Introdução. 2. A decisão do STF na ADI 3.395/DF. 3. Significado do regime jurídico estatutário. 4. A natureza jurídica do direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de competência ambiental da Justiça do Trabalho. 6. Considerações finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Decisões do Supremo Tribunal Federal, eventualmente, declaram a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações tratando do cumprimento de obrigações relacionadas a normas de saúde e segurança do trabalho em locais onde trabalham servidores públicos estatutários, sob o fundamento de que essas causas estariam abrangidas pela decisão do STF proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF (BRASIL, 2020a).

Na ADI 3.395/DF, o STF fixou o entendimento de que o inciso I do art. 114 da Constituição Federal “não abrange causas ajuizadas para discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público dos Entes da Federação e seus Servidores” (BRASIL, 2020a, p. 2-15).

As decisões que afastam a competência da Justiça do Trabalho entendem que a matéria relacionada à saúde e segurança do trabalho do servidor público está compreendida no regime jurídico estatutário e, por isso, as lides envolvendo a defesa do meio ambiente do trabalho desses servidores devem se processar na Justiça Comum, com base no julgamento da ADI 3395/DF (BRASIL, 2020a).

É o que se observa, por exemplo, da decisão monocrática proferida pelo Ministro André Mendonça, em 26 de março de 2023, por meio da qual foi julgada procedente a Reclamação Constitucional 53.214/RO, ajuizada pelo Estado de Rondônia contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (BRASIL, 2023a).

Na causa de origem, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a sentença de primeiro grau que acolheu pedido formulado em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho e condenou o ente público ao cumprimento de normas relacionadas à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA, ao Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e ao Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, no âmbito da Assembleia Legislativa (BRASIL, 2023a, p. 4-5).

Segundo o Ministro André Mendonça, Relator do processo, a competência para apreciar a lide é da Justiça Comum porque, no julgamento da ADI 3.395/DF, a Suprema Corte fixou o entendimento de que compete a esse ramo do judiciário dirimir controvérsias relacionadas à “discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público dos entes federados e os seus servidores”. Ainda conforme a decisão, “[...] o vínculo jurídico estabelecido entre servidores e Administração é de direito administrativo, não comportando a matéria discussão na Justiça trabalhista” (BRASIL, 2023a, p. 5-9). Ao final, cassou-se a decisão proferida pelo TRT e determinou-se a remessa dos autos à Justiça Comum (BRASIL, 2023a, p. 9).

Contra essa decisão, a Procuradoria-Geral da República interpôs agravo interno. Apreciando o recurso interposto, o Ministro Relator, em seu voto, manteve o entendimento anterior e fez mais algumas asserções a respeito do caso em julgamento. Para ele, “as condições de trabalho voltadas à prestação de atividades pelos servidores públicos integram o regime jurídico administrativo-estatutário” e a imposição de obrigações relacionadas ao meio ambiente onde trabalham servidores estatutários “traduz apreciação de efeitos do vínculo jurídico-administrativo” (BRASIL, 2023a, p. 6-7).

O Ministro Edson Fachin divergiu desse posicionamento e, em seguida, o Ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos, suspendendo o julgamento do processo (BRASIL, 2023b).

Entendimento semelhante ao do Ministro André Mendonça foi adotado pelo Ministro Alexandre de Moraes em voto proferido no julgamento do agravo interno interposto na Reclamação 49.516/RO (BRASIL, 2022a). Nesse processo, discutiu-se a competência da Justiça do Trabalho para apreciar ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho para obrigar o Estado de Rondônia a promover uma série de reformas estruturais nas unidades da Secretaria de Segurança Pública, baseadas na incidência das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho (BRASIL, 2022a, p. 3).

Em seu voto divergente, proferido em 3 de junho de 2022, o Ministro Alexandre de Moraes expressou o entendimento de que a imposição de obrigações de fazer ao Estado de Rondônia, para fins de cumprimento de normas atinentes ao meio ambiente do trabalho em relação a servidores públicos estatutários, “traduz apreciação de efeitos do vínculo jurídico-administrativo” (BRASIL, 2022a, p. 23).

Para ele, as condições adequadas de trabalho estão compreendidas em uma relação de direito administrativo que envolve os servidores e o Poder Público, não cabendo à Justiça do Trabalho apreciar interesses de servidores públicos estatutários. Em sua concepção, os servidores públicos estatutários possuem direito a normas de saúde e segurança no ambiente de trabalho, desde que elas tenham sido editadas pelo respectivo ente público com os quais os servidores mantêm vínculo funcional (BRASIL, 2022a, p. 23-24).

Ao final, prevaleceu a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do voto da Ministra Rosa Weber, Relatora, cujo entendimento foi seguido pelos Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli e Edson Fachin.

Para a corrente de pensamento contrária à competência da Justiça do Trabalho, desenvolvida nas reclamações constitucionais acima enumeradas, as obrigações relativas à saúde e segurança do trabalho traduzem determinações revestidas de natureza administrativa, inerentes ao estatuto do servidor público e dependentes da edição de lei específica do respectivo ente público. Por essa razão, incide a coisa julgada oriunda da ADI 3.395/DF (BRASIL, 2020a).

Existem, no entanto, pronunciamentos dos mesmos Ministros na direção contrária, como o voto-vista proferido pelo Ministro André Mendonça no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário com Agravo 1.357.799/SP (BRASIL, 2023c) e o voto do Ministro Alexandre de Moraes, Relator, na Reclamação 52.816/PI, em 18 de abril de 2022 (BRASIL, 2022c), que serão abordados em capítulo próprio.

Emerge do aspecto controvertido da matéria e da sua relevância constitucional a importância de se pesquisar o alcance da restrição à competência da Justiça do Trabalho adotada na decisão proferida pelo STF na ADI 3.395/DF, objetivando identificar se ela atinge as causas envolvendo o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho em ambientes nos quais trabalham servidores públicos estatutários.

Para tanto, empreendeu-se pesquisa em torno dos motivos determinantes da decisão proferida, pelo STF, na ADI 3.395/DF, a fim de elucidar quais foram as razões adotadas pela Corte para afastar a competência da Justiça do Trabalho em lides envolvendo servidores estatutários. Em seguida o regime estatutário foi objeto de estudo para que seus contornos fossem conhecidos e, no capítulo seguinte, o mesmo processo foi adotado em relação ao conceito de meio ambiente do trabalho. Depois, realizou-se levantamento e análise jurisprudencial sobre o entendimento do STF a respeito da competência da Justiça do Trabalho envolvendo lides em meio ambiente do trabalho de servidores estatutários.

Ao final, a pesquisa concluiu pela ausência de fundamento na decisão proferida na ADI 3.395/DF que ampare o entendimento de que o STF excluiu da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar causas cujo objeto seja o cumprimento de obrigações previstas em normas de saúde e segurança do trabalho em locais nos quais servidores públicos estatutários desempenham suas atividades.


2. A DECISÃO DO STF NA ADI 3.395/DF

Conforme se destacou na introdução, é importante investigar os motivos determinantes que levaram a Suprema Corte ao entendimento adotado no julgamento da ADI 3.395/DF. O conhecimento dessas razões, proposta deste capítulo, pode facilitar a delimitação das situações por ela alcançadas e a identificação do que está fora do escopo da decisão.

Em 27 de janeiro de 2005, o Ministro Nelson Jobim deferiu medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF para suspender, ad referendum do Plenário do STF, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da Constituição Federal, na redação conferida pela Emenda Constitucional 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo (BRASIL, 2005).

O Ministro destacou que a Justiça do Trabalho não poderia apreciar as causas envolvendo os servidores públicos estatutários porque “Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT” (BRASIL, 2005, p. 1).

A medida cautelar foi referendada pelo Plenário do STF em julgamento ocorrido no dia 5 de abril de 2006, nos termos do voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso, então Relator. Para ele, o art. 114, I, da Constituição Federal, abrange apenas as relações de trabalho de natureza contratual, excluindo a relação estabelecida entre o servidor público e a Administração Pública sob o regime jurídico-administrativo ou estatutário (BRASIL, 2006, p. 10-13).

Cerca de catorze anos depois, em 14 de abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da ação, decidindo que a interpretação adequadamente constitucional da expressão “relação do trabalho”, constante do art. 114, I, da Constituição Federal, na redação conferida pela Emenda Constitucional 45/2004, “[...] deve excluir os vínculos de natureza jurídico-estatutária, em razão do que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores” (BRASIL, 2020a, p. 1).

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O julgamento de mérito não inovou em relação ao entendimento trazido pela medida cautelar concedida em 2005, nem em relação ao referendo dessa medida pelo Plenário do STF em 2006, conforme registrado pelo Ministro Relator (BRASIL, 2020a, p. 11-15):

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, examinando a Decisão cautelar, referendou-a, fazendo-o nos seguintes termos:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.

Não poderia, assim como não poderá, este TRIBUNAL atuar de melhor modo naquele momento processual.

[...]

É à luz do exposto que permanece jurídica a definição adotada pela Decisão cautelar que chancelou a monocrática liminar (BRASIL, 2006, p. 1).

No entendimento da Suprema Corte, a relação entre o Poder Público e o servidor é disciplinada pelo direito administrativo, estando ausente a natureza contratual, justificando a incompetência da Justiça do Trabalho: “As relações laborais entre os Entes federativos e seus Servidores somente são dotadas de juridicidade [...] acaso observando essas como relações puramente de Direito Administrativo, isto é, como relações decorrentes, não de contrato civil de trabalho, mas de estatuto jurídico específico” (BRASIL, 2020a, p. 11).

Na ótica do Supremo Tribunal Federal, a relação jurídico-estatutária possui um acervo de características próprias sobre as quais prepondera o interesse público, sem espaço para a incidência de regras de direito privado inerentes às relações contratuais (BRASIL, 2020a, p. 12).

Imprimindo ênfase a esse aspecto, a decisão proferida na ADI 3.395/DF referenciou o julgamento da ADI 492/DF, especificamente quanto à impossibilidade de transação de direitos no regime jurídico estatutário: “[...] o Estado não pode abrir mão de seus privilégios, porque conferidos no interesse público, que é indisponível” e “[...] não há o que acordar com o servidor, porque apenas a lei pode regular-lhe os direitos, deveres, vantagens e garantias” (BRASIL, 2020a, p. 13-14).

Com semelhante propósito, o acórdão relembrou o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 647.436/PA, no qual o Supremo Tribunal Federal decidiu que a celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho seria inaplicável no contexto da relação estatutária por demandar igualdade entre as partes e ampla autonomia negocial, aspectos ausentes no âmbito desse vínculo (BRASIL, 2020a, pp. 14-15).

Na conclusão do julgamento da ADI 3.395/DF, o STF conferiu interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, ao inciso I do art. 114 da Constituição Federal, assentando que esse dispositivo constitucional “[...] não abrange causas ajuizadas para discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público dos Entes da Federação e seus Servidores” (BRASIL, 2020a, p. 2-15).

Infere-se que a ratio decidendi do julgamento da ADI 3.395/DF está alicerçada no conteúdo da postulação feita pelo servidor estatutário contra o Poder Público. Por se tratar de matéria disciplinada pelo estatuto do servidor público, baseada no direito administrativo, despida de natureza contratual e regrada por normas cogentes fixadas pelo Estado, sem margem para negociação entre as partes, a apreciação da lide respectiva competiria à justiça comum.

A inferência é robustecida pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal externado no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.001.075/PI (BRASIL, 2016), processo paradigma do Tema 928 da Repercussão Geral. Nesse caso, o STF reafirmou sua jurisprudência dominante no sentido da competência da Justiça do Trabalho para apreciação de causas ajuizadas por servidores estatutários pleiteando verbas de natureza trabalhista, relativamente a período anterior à transmudação do regime celetista para o estatutário (BRASIL, 2016, p. 1).

A fundamentação do julgado levou em consideração a natureza jurídica da relação existente entre as partes e das verbas postuladas na ação, conforme se depreende da seguinte narrativa (BRASIL, 2016, p. 5-6):

No caso em análise, trata-se de contrato de trabalho celebrado em 2009, pela via do concurso público, antes do advento do regime jurídico administrativo do município, que foi instituído pela Lei Municipal n. 585/2011.

Veja-se que, a despeito da propositura da ação em data posterior à edição da lei municipal, as vantagens pleiteadas referem-se ao período em que o vínculo existente entre a agravada e o ente público tinha natureza estritamente contratual, devendo prevalecer, para essa análise, a natureza do regime jurídico existente entre as partes à época.

Nesse cenário, o posicionamento do STF é no sentido de ser incompetente a Justiça do Trabalho para processar e julgar as parcelas relativas ao período posterior à instituição do regime jurídico único, mantendo-se, de outro lado, sua competência sobre as parcelas anteriores. É o que se extrai dos seguintes precedentes desta Corte: [...]

Situação inversa foi objeto de análise, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.288.440/SP, leading case do Tema 1143 da Tabela de Repercussão Geral, em Sessão Virtual ocorrida no período de 23 a 30 de junho de 2023, ocasião na qual a Suprema Corte fixou tese no sentido de que “A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa [...]” (BRASIL, 2023c, p. 2).

Preponderou no voto do Ministro Roberto Barroso, Relator, acompanhado por oito Ministros, o entendimento de que, sendo a parcela pleiteada de natureza administrativa, prevalece a competência da Justiça Comum (BRASIL, 2022b, p. 1):

Tratando-se de parcela de natureza administrativa, é a Justiça Comum o ramo do Poder Judiciário que tem expertise para apreciar a questão. Nesses casos, embora o vínculo com o Poder Público seja de natureza celetista, a causa de pedir e o pedido da ação não se fundamentam na legislação trabalhista, mas em norma estatutária, cuja apreciação – consoante já decidido por esta Corte ao interpretar o art. 114, I, da Constituição – não compõe a esfera de competência da Justiça do Trabalho.

Conjugando-se as decisões proferidas nos Temas de Repercussão Geral 928 e 1143, tem-se que, quando o servidor é estatutário e postula parcela de natureza trabalhista, a competência é da Justiça do Trabalho; e quando o servidor é celetista e postula parcela de natureza administrativa a competência é da Justiça Comum. Esses entendimentos se conciliam com o decidido, pelo STF, na ADI 3.395/DF, no sentido de que a competência da Justiça Comum está relacionada à natureza administrativa do direito pleiteado pelo servidor perante a Administração Pública.

É razoável interpretar, portanto, que a exclusão da competência da Justiça do Trabalho objeto da ADI 3.395/DF se relaciona à natureza do direito discutido no processo instaurado entre o servidor estatutário e o Poder Público: sendo ele de conotação administrativa, relativo ao estatuto regulador do vínculo funcional, firma-se a competência da Justiça Comum. Na situação oposta, as matérias situadas fora do estatuto disciplinador da relação entre o servidor e a Administração Pública não são abrangidas pela decisão proferida na ADI 3.395/DF.


3. SIGNIFICADO DO REGIME JURÍDICO ESTATUTÁRIO

A compreensão em torno do significado do regime estatutário é relevante para a identificação do que nele está compreendido e do que está fora do seu alcance, sobretudo porque é ele o instituto responsável pela incompetência da Justiça do Trabalho sob a ótica do julgamento da ADI 3.395/DF.

O regime estatutário consubstancia uma lei específica que disciplina as atribuições, os direitos, os deveres e as responsabilidades do servidor público estatutário (ALMEIDA, 2022, p. 374). Incide no regime estatutário um conjunto sistematizado e impositivo de normas jurídicas que regulam a prestação de serviços dos servidores para o Estado, sem espaço para negociações: o servidor adere ou não ao estatuto (COUTO FILHO, 2022, p. 2420-2421).

O estatuto é a norma que enfeixa os direitos e os deveres dos servidores públicos estatutários perante o Estado, condensando as regras que incidem sobre a relação jurídica mantida entre ambos (CARVALHO FILHO, 2007, p. 518). Integram o regime estatutário um conjunto de benefícios e vantagens outorgados por lei ao servidor público e que, em regra, podem ser alterados ou suprimidos de forma unilateral pelo Estado, diferentemente dos direitos e obrigações incidentes sobre as relações contratuais, inalteráveis unilateralmente pelas partes (MELLO, 2008, p. 252).

Característica intrínseca do regime estatutário é a “pluralidade normativa”, pois cada integrante da federação brasileira, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, possui competência constitucional para editar o estatuto que regerá os respectivos servidores, ante o disposto no art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal (CARVALHO FILHO, 2007, p. 519).1 Essa característica se alinha ao entendimento expressado pelo Ministro Alexandre de Moraes em seu voto divergente no julgamento da Reclamação 49.516/RO, no sentido de que as condições adequadas de trabalho do servidor estatutário dependem de normas próprias editadas pelo ente público (BRASIL, 2022a, p. 23).

Depreende-se que o regime jurídico estatutário é o sistema formado pelo conjunto de direitos e deveres compilados em lei e que disciplinam a relação funcional mantida entre o Estado e o servidor público, sendo cada pessoa federativa competente para editar o seu respectivo estatuto.

Constata-se dessa conjuntura que, se as normas de saúde e segurança do trabalho integram o regime jurídico estatutário, os servidores públicos admitidos sob esse regime apenas terão o direito à proteção no ambiente de trabalho concretizado se o respectivo ente público editar suas próprias normas protetivas de saúde e segurança, diante da previsão constitucional estabelecida no art. 61, § 1º, II, c.

Alcançado esse entendimento, há de se perquirir se o direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável integra o regime jurídico estatutário, como entendem as decisões do STF referidas no início desse trabalho que aplicam, nesses casos, o entendimento firmado na ADI 3.395/DF para restringir a competência da Justiça do Trabalho.

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Sobre o autor
Ednaldo Brito

Ednaldo Rodrigo Brito da Silva. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Procurador do Trabalho da 22ª Região. Membro Auxiliar da Assessoria Jurídica Trabalhista do Procurador-Geral da República.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Ednaldo. ADI 3395 e a competência jurisdicional para causas envolvendo meio ambiente do trabalho de servidores estatutários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7496, 9 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107976. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

O artigo foi publicado originalmente no livro "Codemat : 20 anos de atuação na defesa do meio ambiente do trabalho e na promoção da saúde do trabalhador e da trabalhadora" (B. C. C. Lima et al. ; Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2023).

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