CONCLUSÃO
O crédito sempre teve importante e inegável papel no desenvolvimento e crescimento econômico de qualquer nação. No caso do Brasil, a implementação de políticas desenvolvimentistas e de formas de financiamento direto à população, no afã de se promover melhorias nas condições de vida, teve seu ápice em meados do século XX. Neste contexto, em 1969 foi promulgado o Decreto-Lei 911, introduzindo no ordenamento jurídico nacional o instituto da alienação fiduciária.
Com efeito, a alienação fiduciária em garantia, nos moldes em que se encontra traçada, consiste na transmissão da propriedade de um bem do devedor ao credor, em virtude de uma obrigação, como forma de assegurar o cumprimento de um financiamento.
Pode-se considerar que a alienação fiduciária é como um contrato acessório, uma garantia real através da qual o devedor, em razão de uma obrigação, mantendo-se na posse direta do bem de seu patrimônio ou do bem que adquiriu com o próprio financiamento, transfere a propriedade ao credor sob a condição de que, satisfeita tal obrigação, seja-lhe restituída.
A partir desta primeira noção, desenvolveu-se com pertinência a idéia de que tais bens, objetos da referida garantia, são impenhoráveis em processo de execução movido em desfavor do devedor/fiduciante, já que este não detém efetivamente a propriedade dos mesmos, mas sim a sua mera posse direta e depósito, com as responsabilidades impostas por força de lei.
Todavia, por meio de um processo hermenêutico, possível se torna discernir o bem considerado em si mesmo dos direitos sobre ele eventualmente incidentes e, por conseguinte, inferir a possibilidade de a constrição judicial incidir apenas sobre os direitos relativos a estes bens.
Faz-se tal afirmativa com fundamento na noção de que à medida que se celebra o contrato de alienação fiduciária e gradativamente são quitadas as parcelas de seu financiamento, passam a ingressar no patrimônio direto do devedor alguns direitos perfeitamente passíveis de apreciação econômica.
Ademais, sabe-se que o princípio da responsabilidade patrimonial é amplo, é a regra no processo de execução que determina que devedor responda, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, ressalvadas as restrições legais, de modo que nada obsta que o ato da constrição judicial afete os direitos por ventura adquiridos pelo devedor, pois podem ser transferidos para o proprietário fiduciário ou mesmo para um terceiro sub-rogado.
Doutrina e jurisprudência são ainda bastante divergentes quanto a aceitação da hipótese aventada. Porém, ao que se colhe, parece o Superior Tribunal de Justiça inclinar-se no sentido de aceitar a restrição desses direitos, assertiva que se comprova facilmente a partir da análise dos seus mais recentes julgados.
Acrescente-se a isso, a advertência legal de que se a execução deve ser feita pelo modo menos gravoso ao devedor (artigo 620 do Código de Processo Civil), nem por isso há que se perder de vista que existe um fim a ser alcançado, e que só o será quando for modificada a realidade fática para que o credor receba a quantia ou a coisa que persegue.
Com esse escopo e à luz de todo o exposto ao longo deste estudo, considera-se que a atenção à proporcionalidade, entendida aqui como um conceito de justiça e prudência, é medida que se impõe ao intérprete e aplicador do Direito para que este possa resolver no caso concreto se de fato razoável, na busca de conferir maior efetividade à atividade jurisdicional executiva, que a penhora recaia sobre os direitos adquiridos pelo devedor em um contrato de alienação fiduciária.
Finalmente, esclarece-se que o que se pretende com a adoção de medidas como a proposta neste trabalho não é fazer do processo executivo um instrumento de confisco ou um meio de extorsão daqueles que recorrem às instituições financeiras em busca de crédito. Tampouco se interessa por desincentivar a concessão do crédito garantido por tais bens e, conseqüentemente, obstaculizar o desenvolvimento de atividades geradoras de emprego e renda.
Ao contrário, o que se tem em mente é exatamente a mesma idéia que permeia todas as demais alterações legislativas processuais incrementadas nos últimos anos, ou seja, acredita-se que uma a Justiça eficaz e fortalecida institucionalmente é a base da estabilidade e do crescimento social e econômico de uma nação.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
01 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Alienação fiduciária em garantia e a prisão do devedor-fiduciante. Campinas: Agá Juris, 1999. p. 29.
02 O artigo 66 da Lei nº. 4.728/65, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento, com sua redação já determinada pelo mencionado Decreto-lei 911/69, introduziu o instituto da alienação fiduciária no ordenamento jurídico brasileiro, descrevendo a sua exata noção: "Art. 66 A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse direta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal".
03 O Decreto-lei 911 foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelos ministros militares, em plena vigência do chamado AI nº.5. Para parte da doutrina, certamente por essa razão o diploma traz consigo alguns dispositivos de força e restritivos do direito de defesa, incongruentes com a garantia fundamental do devido processo legal.
04 Parte da doutrina sustenta que uma análise minuciosa do texto do artigo 5º do Decreto-lei 911/69 conduz à conclusão de que o legislador admitiu a possibilidade de instituição da alienação fiduciária em garantia por pessoa jurídica de direito público.
05 BEGALLI, Paulo Antônio. Direito contratual no novo código civil. Leme: Editora de Direito, 2003. p 306.
06 Nesse sentido a Súmula 28 STJ: "O contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor".
07 HELENA DINIZ, Maria, Curso de Direito Civil, 4º vol, 8ª ed., 1993, Saraiva.
08 Segundo Luis Carlos de Azevedo, a actio per manus iniectionem estabelecia o prazo de trinta dias para pagamento da dívida reconhecida. Vencido tal prazo e não sendo pago o numerário devido ou apresentado fiador, o pretor decretava a "addictio" e o devedor era levado a ferros para a casa de seu credor e amarrado pelo pescoço e pés. Passava então a viver preso à sua custa, se assim o credor quisesse. Se muitos eram os credores, acredita-se que era permitido o esquartejamento do corpo do devedor, devendo ser dividido em quantos pedaços fossem os seus credores, ou se estes preferissem, podiam vendê-lo a um estrangeiro além do Tibre. AZEVEDO, Luis Carlos de. Da penhora. FIEO Fundação Instituto de Ensino para Osasco. São Paulo: Resenha Tributária, 1994. p. 31.
09. AZEVEDO, Luis Carlos de. Op.cit. p.31/52.
10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 225.
11 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 444.
12 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. vol.2 p. 180.
13 AZEVEDO, Luis Carlos de. Op. cit. p. 129.
14 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. vol.2. p. 5.
15 Artigo 620 do Código de Processo Civil: "Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor".
16 Artigo 591 do Código de Processo Civil: "O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei".
17 FORGIARINI, Giorgio. Aspectos relevantes da alienação fiduciária em garantia. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3108>. Acesso em: 09 jan. 2008.
18 A esse respeito, apenas como ilustração, recorrente decisão do STJ: REsp 332369/ SC RECURSO ESPECIAL 2001/0095569-2. Rel. Min. ELIANA CALMON. SEGUNDA TURMA. DJ 01.08.2006 p. 388.