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Penhora de direitos do devedor-fiduciante para garantia da execução

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06/05/2008 às 00:00
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RESUMO: Este estudo trata da penhorabilidade dos direitos do devedor de um contrato de alienação fiduciária para garantia da execução, com o propósito de averiguar, sob a égide da noção de responsabilidade patrimonial e dos fundamentos essenciais dessa modalidade alienação, se é possível ou mesmo viável para a satisfação de um crédito exeqüendo que a constrição judicial incida sobre tais direitos. Sempre com vistas a tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional executiva, por vezes tão custosa e até mesmo frustrante para o credor ante a constante falta de patrimônio do devedor, procura-se apresentar a forma de constrição mais compatível com os princípios norteadores do processo executivo, sobretudo os da máxima utilidade da execução e do menor sacrifício do executado.

PALAVRAS-CHAVE: Alienação fiduciária. Execução. Responsabilidade patrimonial. Penhora de direitos. Prestação jurisdicional.


INTRODUÇÃO

Através da atividade jurisdicional executiva busca-se um resultado prático, fisicamente concreto, seja porque o autor teve seu direito reconhecido na fase de conhecimento, seja porque detém certa categoria de títulos de crédito que gozam simultaneamente da presunção de certeza, liquidez e exigibilidade.

Nessa busca de efetivação da tutela jurisdicional, incidem todos os princípios gerais da etapa cognitiva e especificamente outros dois: o princípio da máxima utilidade da execução, diretriz pela qual esta deve ser suficientemente célere e rigorosa para que possa acarretar algum benefício ao credor, e o princípio do menor sacrifício do executado, que se preocupa em fazer com que a sanção estatal se restrinja aos limites do estritamente necessário, a fim de que o processo não se transforme em um instrumento legal de tortura ou confisco. A compatibilização e a proporcionalidade na aplicação destes princípios é que torna a execução justa, eficiente e equilibrada.

Em tal contexto, tem-se que a penhora é o ato coercitivo próprio de um Estado Democrático de Direito destinado à garantia de satisfação do crédito exeqüendo e, como tal, deve obediência a todos os seus fundamentos como condição essencial de existência e validade no plano jurídico. Dentre esses fundamentos, destaca-se o de que os bens constritos devem, ao menos em princípio, pertencer ao patrimônio do devedor executado.

Busca-se dessa forma inferir se há possibilidade ou mesmo viabilidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro para que sejam judicialmente constritos os direitos adquiridos pelo devedor fiduciante em relação ao bem objeto do contrato garantido por alienação fiduciária, justamente porque tal ajuste implica na transferência da propriedade do bem onerado ao patrimônio do credor fiduciário.

A resposta à indagação apresentada deve decorrer, como todas as operações que envolvem a análise de um conjunto de normas jurídicas, de um processo hermenêutico. E é pelo fato de tal processo diferir de intérprete para intérprete que se originam as divergências jurisprudenciais e doutrinárias a respeito do tema.

De fato, não são poucos os entendimentos contrapostos entre si no campo jurisprudencial. Em razão da idéia de transferência de patrimônio, essência de todo contrato de alienação fiduciária, apenas a minoria reconhece como possível a constrição sobre o próprio bem adquirido pelo executado através desse meio. Há, por outro lado, aqueles que consideram ser totalmente incabível a constrição sobre tais bens, exatamente por não pertencerem ao devedor.

No liame desses posicionamentos, encontra-se a doutrina que entende que o contrato de alienação fiduciária em garantia não exclui a possibilidade de penhora recair sobre o bem quando as parcelas já pagas pelo devedor atinjam montante que permita a satisfação do crédito, seja parcial ou totalmente, com a reposição do saldo da venda judicial à instituição alienante. Por último, ainda existem os que defendem tão-somente que a penhora incida sobre os direitos adquiridos pelo devedor sobre o bem dado como garantia fiduciária em contrato de alienação.

A partir deste embate de idéias e sempre em vista dos princípios que norteiam a atividade executiva, sobretudo o dogma máximo da responsabilidade patrimonial do devedor, examina-se a maneira aparentemente mais viável para efetivação da prestação jurisdicional executiva, tão custosa e por vezes até mesmo frustrante para o detentor de um determinado crédito.

Ao final, percebe-se não existirem óbices legais para que seja feita a penhora dos direitos progressivamente adquiridos pelo devedor com a quitação do débito oriundo da alienação fiduciária. Ao contrário, descortina-se até viável e muitas vezes eficaz para o processo executivo que assim seja feita a constrição, no exato sentido em que parece tender já há algum tempo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

A origem da alienação fiduciária remonta ao negócio fiduciário próprio do Direito Romano. Mais precisamente, a partir da denominada Lei das XII Tábuas foram reconhecidas duas modalidades do contrato de fidúcia: a fiducia cum amigo e a fiducia com creditore. Na antiga fiducia cum amigo existia um negócio fiduciário essencialmente baseado na confiança, excluída qualquer modalidade de garantia da avença. Mas, em verdade, vê-se que foi a segunda modalidade de fidúcia romana que veio contribuir de forma efetiva para o atual modelo de contrato de alienação fiduciária.

É que na fiducia cum creditore havia uma transferência de bens pelo credor ao devedor através de uma venda. Este negócio era caracterizado por dois momentos ou atos distintos: o primeiro se manifestava com a venda ou alienação dos bens (mancipatio ou in iure cessio, isto é, venda ou cessão com justiça) e o segundo pela ressalva estipulada no contrato, segundo a qual cabia ao vendedor ou credor o direito de recomprar os bens (pactum fiduciae). Tal compromisso aventava-se como elemento imprescindível do contrato de fidúcia [01].

Mais tarde, com a implementação das relações comerciais a partir da segunda metade do século XX, o acesso ao crédito reclamou a necessidade de se garantir o adimplemento dos empréstimos concedidos, cuidando assim de resguardar os interesses do credor e estabelecer um equilíbrio nas relações creditícias, de modo que a facilidade do financiamento não redundasse numa bancarrota generalizada.

Erigiu então no ordenamento jurídico vigente a denominada alienação fiduciária em garantia, que por longo tempo serviu exclusivamente para dinamizar o crédito direto ao consumidor de bens móveis.

Trata-se, portanto, de um instituto relativamente recente na legislação brasileira, introduzido pelo legislador em nosso ordenamento através da Lei 4.728/65, a chamada Lei do Mercado de Capitais, com a alteração dada pelo Decreto-lei 911/69 [02], norma esta que sofre notável influência do ambiente histórico e político na qual foi gerada [03].

Ao que se colhe, a alienação fiduciária como garantia consiste na transmissão da propriedade de um bem integrante do patrimônio do devedor ao seu credor, em virtude de uma obrigação, como forma de assegurar o cumprimento de uma obrigação principal.

Considera-se credor/fiduciário, o sujeito da relação para quem se transmite a propriedade do bem em garantia, em regra apenas as instituições financeiras autorizadas a atuar no mercado de capitais [04]. É o destinatário da confiança do devedor/fiduciante, que lhe transmite a titularidade de um direito, seja para obter um favor de administração ou guarda de bens, seja para garantir o pagamento de um débito, até que seja cumprida a finalidade do pactuado.

Por outro lado, devedor/fiduciante é a pessoa que vende, cede ou transfere bem ou direito de sua propriedade para o domínio de outrem. É aquele que transmite o bem fiduciário ao credor para final restituição.

Paulo Antônio Begalli apresenta elucidativa definição do instituto:

Trata-se de um negócio jurídico subordinado a uma condição resolutiva, pois a propriedade fiduciária cessa em favor do devedor com o implemento dessa condição, ou seja, o alienante que transferiu a propriedade fiduciariamente, readquire-a com o pagamento da dívida. Assim, ao direito do fiduciário (credor) sobre os bens adquiridos, aplicam-se as normas relativas à propriedade resolúvel [05].

Tem-se, pois, que se trata de um contrato de garantia de uma obrigação principal, através do qual o credor tem assegurado o adimplemento da obrigação do devedor por meio de um direito real. Pode recair sobre bens que já integram o patrimônio do devedor, pois sendo este o alienante, só poderá, via de regra, alienar o que possui ou venha a possuir [06].

Em verdade, desmembram-se na alienação fiduciária os atributos da propriedade, ficando o credor/fiduciário com o domínio resolúvel e a posse indireta do bem, cabendo ao devedor/fiduciante, por sua vez, a sua posse direta e a qualidade de depositário. Nada obsta, exatamente por essa razão, que a alienação fiduciária venha recair sobre bens já pertencentes ao patrimônio do devedor.

Caracteriza-se a alienação fiduciária como contrato autônomo e independente, muito embora erija como garantia de um outro contrato. Portanto, mesmo que autônomo em sua essência torna-se acessório do contrato principal em razão da vinculação à causa geradora a que visa assegurar (um consórcio, um simples financiamento ou mesmo de crédito direto ao consumidor).

Maria Helena Diniz [07] estabelece quatro características principais da alienação fiduciária em garantia, quais sejam: bilateralidade, onerosidade, formalidade e caráter acessório. Segundo a autora, a alienação fiduciária em garantia é bilateral porque cria direitos e deveres recíprocos, cabendo ao credor/fiduciário o direito de ver cumprida a obrigação principal e o dever de resolver a propriedade uma vez satisfeito o seu crédito; e, em contrapartida, ao devedor/fiduciante o direito de resgatar a propriedade, condicionado ao dever de adimplir a obrigação principal. A onerosidade decorre do fato de inexistir benefício de uma das partes sem a respectiva contraprestação, já que para o credor afigura-se como uma garantia e para o devedor uma forma de obtenção de crédito. A formalidade resulta da necessidade de constituição através de instrumento escrito, seja público ou particular. Por fim, o caráter acessório é da própria essência do instituto posto que nasceu como instrumento de garantia de uma obrigação principal, sendo absolutamente inócuo tratá-lo isoladamente.

O negócio jurídico é uno, prescindindo, no entanto, de duas relações jurídicas: a primeira, e principal, possui caráter obrigacional e se expressa no débito contraído; a segunda, acessória, é tipicamente real e está representada pela alienação fiduciária, onde o devedor transmite temporariamente o bem ao credor, que passa a ter a propriedade resolúvel.

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O fiduciário passa a ser proprietário do bem transmitido pelo fiduciante, mas tal propriedade não é plena e irrestrita. Ao contrário, está condicionada a evento futuro e incerto, que equivale à satisfação do pacto principal, resolvendo-se e retornando ao fiduciante em caso de cumprimento da obrigação.

Ao credor/fiduciário faculta-se o direito de alienar o bem caso não seja satisfeito seu crédito. Em contrapartida, ao devedor/fiduciante é atribuído o poder de uso e gozo, encontrando-se impedido de alienar ou transferir o bem a outrem enquanto persistir a dívida.


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O direito representa uma das expressões da cultura de um povo e corresponde à própria definição de seus paradigmas e conceitos que podem ou não permanecerem legitimados ao longo do tempo em função da constante mutação dos valores que os fundamentam.

Através da análise histórica da evolução das idéias, dos motivos sociais, econômicos e culturais presentes na estruturação de um instituto jurídico, é possível compreender as razões de sua existência e o porquê de sua utilização no atual contexto histórico.

Vêm igualmente do direito romano, base histórica fundamental do direito privado ocidental, as primeiras noções do instituto da penhora. O procedimento adotado para pagamento da dívida variou muito de acordo com cada época da história de Roma, oscilando desde a actio per manus iniectionem, que impressionava pela crueldade da sanção imposta [08], até a chamada pignus in causa iudicati captum do período pós-clássico romano, quando atingiu estágio semelhante aos procedimentos atuais [09].

Modernamente, a penhora é o que se pode considerar como o primeiro ato-meio de coação que inaugura a uma seqüência de medidas tendentes à expropriação definitiva do bem ou dos bens do devedor solvente.

Ato emanado de ordem judicial de pagamento, a penhora reflete claramente o poder de coerção de que se reveste o Estado para tornar efetiva e atuante determinada sanção, de sorte que, quando legítima, ao devedor não resta qualquer possibilidade de esquivar-se de tal intromissão no âmbito do seu patrimônio.

Barbosa Moreira apresenta a seguinte definição para o instituto em comento, verbis:

Denomina-se penhora o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exeqüendo. Podem constituir objeto da penhora bens pertencentes ao próprio devedor ou, por exceção, pertencentes a terceiros, quando suportem responsabilidade executiva [10].

De natureza jurídica executiva cuja finalidade é exatamente a individualização e preservação dos bens que servirão à satisfação do crédito do exeqüente, a penhora ressalta a importância da atividade jurisdicional e evidencia o interesse público existente no processo de execução.

E por tratar-se de ato do processo de execução, impõe-se a constrição como decorrência legítima da falta de pagamento. Esta, como dito, é a função específica da penhora, adstrita que está à execução, e que se concretiza com a individuação e especificação dos bens do devedor que ficarão responsáveis pela efetividade do respectivo processo.

Nessa ordem de idéias, ao discorrer acerca do tema, Araken de Assis leciona:

[...] a penhora constitui ato específico de intromissão do Estado na esfera jurídica do obrigado, mediante a apreensão material, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor. A penhora é o ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu patrimônio ineficazes em face do processo [11].

Sabe-se que a execução como um todo tem por fim obter para o exeqüente o mesmo benefício, a mesma prestação que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor, ou seja, somente a partir do descumprimento inescusável da obrigação pactuada é que tem lugar a intervenção estatal. E isso se consegue exatamente através da penhora dos bens do executado, pela venda desse patrimônio e conseqüente pagamento ao credor com seu produto.

Os atos de disposição dos bens já penhorados são juridicamente válidos e eficazes em todas as direções, mas inoperantes em face da ação de execução. Este estigma os seguirá onde quer que se encontrem até que seja integralmente satisfeito o direito do credor através do seu efetivo pagamento, constituindo um vínculo objetivo, conseqüência direta e imediata da penhora.

Também pode ser considerada como efeito da penhora a especificação da responsabilidade patrimonial, ou seja, a partir da constrição restringir-se-á a execução aos bens por ela afetados, e não mais a todo o patrimônio do devedor.

Esses bens deverão permanecer no mesmo estado de conservação em que se achavam ao tempo em que a penhora se ultimou. Tal conservação pode se dar de forma direta, retirando-se os bens do devedor e entregando-os a um depositário que deverá zelar para que não sejam deteriorados, destruídos ou subtraídos, ou, ainda, de forma indireta, permanecendo o devedor na posse dos bens, assumindo então a função pública conservativa dos mesmos.

Como outro de seus efeitos, a constrição judicial confere ao credor o direito de preferência em relação a credores da mesma categoria que penhorem o mesmo bem posteriormente [12]. Todavia, este direito encerra caráter eminentemente processual, já que a preferência não se equipara a um direito real e nem se sobrepõe às preferências acaso fundadas em título legal anterior à penhora, nem sobre outros créditos privilegiados [13].

Tratando-se de ato complexo, ou seja, que se aperfeiçoa com a prática de vários atos: documentação, apreensão, depósito, inscrição e intimações; a penhora só pode ser considerada efetivamente realizada e completa quando perfeitos todos estes atos.

Por último, não é ocioso lembrar que a execução por quantia certa há de agredir o patrimônio do devedor somente até onde baste para o pagamento do crédito do exeqüente. E deve-se fazer ou manter tal agressão somente enquanto restar evidente que seu produto pode representar alguma efetividade ou utilidade prática pra o fim colimado pelo processo executivo que lhe deu causa.


3 PENHORA DE DIREITOS DO DEVEDOR-FIDUCIANTE PARA GARANTIA DA EXECUÇÃO

A atividade do Estado no exercício da jurisdição executiva é substitutiva. Ele atua imparcialmente em lugar dos particulares quando estes não compõem entre si suas próprias questões. Não há propriamente lide, litígio a ser solucionado, mas apenas direito a ser efetivado na sua realidade prática.

Fácil é compreender que a declaração de certeza, própria da fase de conhecimento, e a realização material, que se produz na execução forçada, têm finalidades distintas, embora complementares, de sorte que consideradas em seu conjunto proporcionam a visão unitária da função jurisdicional, que, em última análise, vem ser a de fazer atuar o direito frente a qualquer conflito jurídico relevante [14].

Para dar efetivação ao que já está devidamente acertado, mas insatisfeito, a atividade jurisdicional executiva atua com o objetivo de realizar forçadamente o pagamento ao credor pelo devedor, alcançando, dessa maneira, a justiça em sua plenitude.

Em verdade, o processo civil deve gerar resultados práticos e concretos para aqueles que procuram o Estado-juiz para solução de seu conflito de interesses. Mais do que a certeza e a segurança jurídica, o que se busca com o processo é justamente a sua efetividade, na exigência, cada vez mais vigorosa, de uma justiça produtiva e condizente com os tempos atuais.

Ao que se percebe, no entanto, a estrutura do ordenamento jurídico brasileiro, em sua grande maioria, permanece arcaica e defasada em plena era da globalização e da multimídia. Subitamente, vê-se então defrontada com as exigências crescentes e prementes de uma prestação jurisdicional mais célere, eficaz e objetiva, sem que por si mesma possa em seu ritmo lento acompanhar o passo cada vez mais rápido das transformações sociais em curso.

Proporção e equilíbrio. Se por um lado a lei adverte que a execução deve ser feita pelo modo menos gravoso ao devedor [15], nem por isso perde de vista que há um fim que precisa ser alcançado, e que só o será quando for modificada a realidade fática para que o credor receba a quantia ou a coisa que persegue.

Do princípio da máxima utilidade da execução infere-se essa noção de que deve redundar em proveito do credor, aproximando dos resultados que obteria caso seu direito tivesse sido prontamente satisfeito, e ainda, que deve se pautar pela celeridade e rigor na prática dos atos expropriatórios.

Ao lado da preocupação com a busca da satisfação do crédito do exeqüente, persiste a idéia de que tal pagamento deve ser feito sempre da forma menos onerosa e sofrível para o devedor. O disposto no mencionado artigo 620 do Código de Processo Civil coaduna com o princípio maior da proporcionalidade que orienta e influencia todo o direito. Na observância deste princípio, sempre que houver a necessidade de sacrificar um direito em prol de outro, esta operação há que se limitar ao estritamente necessário.

Com efeito, a adoção de medidas executivas é sempre reflexo da responsabilidade patrimonial. Toda a atividade de execução é nada mais, nada menos, do que uma série de atos judiciais concatenados para fazer emergir, na prática, o princípio da responsabilidade patrimonial, que substituiu a responsabilidade pessoal dos odiosos tempos em que o devedor pagava com o seu próprio corpo.

Em verdade, basta a existência do princípio da responsabilidade patrimonial [16] para evidenciar o estado de sujeição do devedor à sanção.

A par de todas essas idéias e conceitos, faz-se agora possível trazer à baila o cerne deste trabalho.

A princípio, tem-se que razão assiste àqueles que postulam pertencer ao credor fiduciário, e não ao devedor fiduciante, a propriedade do bem alienado.

De fato, a alienação fiduciária em garantia atende em cheio aos anseios das entidades financeiras e também dos consumidores, facilitando inegavelmente a concessão de crédito direto ao comprador. Oferece ao financiador garantia efetiva do ressarcimento do seu crédito, sem, no entanto, retirar do financiado seu direito de posse direta sobre a coisa alienada, assegurando-lhe o uso, o gozo e o usufruto da coisa da forma como entender [17].

Note-se que enquanto vigente o contrato de financiamento do bem não há que se falar em propriedade plena, pois o credor apenas detém a posse indireta e o alienante ou devedor a posse direta com o encargo de fiel depositário.

Sabiamente investida dessa noção essencial do contrato de alienação fiduciária, corrente majoritária da doutrina e jurisprudência nacionais vem entendendo ser impenhorável o bem alienado fiduciariamente, posto que o mesmo não integra propriamente o acervo patrimonial do devedor [18].

Ocorre, todavia, que em que pese o bem alienado fiduciariamente não integrar o patrimônio do devedor, não podendo, como dito, ser objeto de penhora, nada obsta que os direitos adquiridos pelo devedor fiduciante sejam constritos e suportem os efeitos gerais da penhora.

Para a confirmação desta assertiva, imprescindível se faz remontar à noção essencial do ato de penhorar que é a de constituir verdadeira e legítima intromissão do Estado na esfera jurídica do obrigado, apreendendo-lhe bens constantes de seu patrimônio e afetando-os em razão do direito de crédito reconhecido ao credor.

Ora, se tal agressão é juridicamente tolerada na promoção da satisfação forçada do crédito do exeqüente, melhor que seja tanto mais ampla e eficaz quanto possível a ponto de fazer valer tal violência. Diz-se isso sem que se perca de vista a remota preocupação com a dignidade e proteção da família do executado, assegurando-lhe o direito de ter seu débito quitado da maneira menos gravosa e prejudicial possível.

Precisamente porque essa idéia encerra o equilíbrio entre os princípios da utilidade da execução e do menor sacrifício do executado, é que se afirma serem perfeitamente penhoráveis os direitos relativos a bens dados como garantia em contrato de alienação fiduciária.

Aliás, esta é a regra contida no artigo 591 do Código de Processo Civil, quando estabelece que o devedor responde para cumprimento de suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as constrições estabelecidas em lei.

Consideram-se como presentes para tanto os bens que o devedor já possui no momento em que surge a obrigação, e como futuros os adquiridos após a constituição da dívida e enquanto esta não estiver extinta, exatamente como se opera com o pagamento das prestações avençadas no contrato de alienação fiduciária.

A responsabilidade patrimonial, repita-se, é ampla, é a regra no processo de execução, seja fiscal ou não, e implica a penhorabilidade de tudo quanto tenha apreciação econômica, salvo as exceções expressamente consignadas em lei que resguardam a dignidade e honradez do devedor.

Sabe-se que em um contexto de busca de uma tutela jurisdicional mais efetiva e concreta, a jurisdição concentra interesses maiores do que os que estão dispostos na lide. Presente se encontra inegavelmente o interesse do próprio Estado de fazer valer suas normas e instituições, o que não só explica como justifica a flexibilização e a ampliação da noção de penhorabilidade.

Para se atingir o deslinde da questão e atingir o fim colimado pela execução, considerando que o maior interessado é o Estado, e, sobretudo, para que se alcance uma justiça real, por não poucas vezes fazem-se necessários efetivos temperamentos na aplicação do instituto da penhora.

Com efeito, na medida em que se celebra o contrato de alienação fiduciária e vão sendo quitadas as parcelas do financiamento, certos direitos passam a ingressar gradativamente no patrimônio do devedor. Tais direitos, à luz de todo o conjunto de princípios que permeiam o processo em geral, e em particular o executivo, são em muitos casos perfeitamente penhoráveis, posto que passíveis de apreciação econômica.

Nesse caso, o objeto da penhora será o direito de aquisição do domínio, isto é, o direito que tem o devedor-fiduciante de ser investido na propriedade plena do bem, desde que efetive o pagamento da dívida que o onera. Assim, cogitando-se de penhorar os direitos do devedor-fiduciante, o objeto da penhora não será a propriedade, que ele ainda não tem, mas tão somente os direitos aquisitivos.

A hipótese se afigura como uma sub-rogação, forma especial de pagamento em que há a transferência da qualidade de credor para aquele que efetua o pagamento de uma obrigação de outrem, ou empresta o necessário para isso. Neste caso, o exeqüente pode pretender sob-rogar-se nos direitos do devedor sobre o bem alienado, resguardando-se obviamente, a preferência da instituição financeira (quando não for ela a própria parte exeqüente) até o limite de seu haver. É possível, inclusive, que o exeqüente tenha a pretensão de pagar à financiadora o restante da dívida do devedor em comum, acaso exista, adquirindo dessa maneira a plena propriedade do bem a ele alienado [19].

Importante salientar que não se está interferindo, de forma alguma, na execução do contrato e nem, menos ainda, na esfera patrimonial da instituição financeira, que, afinal, nada tem a ver com a execução. Apenas se reservam ao exeqüente os eventuais direitos que tem o executado nesse contrato, seja em relação ao próprio bem (posteriormente alienado quando quitadas as prestações), seja em relação aos valores já quitados, que têm significado econômico numa eventual rescisão do contrato por inadimplemento.

Demais disso, acrescente-se que o dogma de que a execução forçada haverá de se desenvolver da maneira menos gravosa para o devedor não pode ser considerado de forma absoluta. O moderno processo executivo, tal como visivelmente concretizado pelas mais recentes alterações do Código de Processo Civil, busca com prioridade a satisfação do crédito a receber, de maneira a desprestigiar os maus pagadores e contribuir para a efetividade da prestação jurisdicional.

Dúvidas não há de que o processo executivo, nos parâmetros em que se encontra, tem se tornado verdadeiro refúgio dos maus devedores, que por vezes se valem despudoradamente do seu procedimento arcaico, demorado e truncado.

Pública e notória também é a insegurança social que deriva de todo esse contexto. Inclusive, é comum que se afirme haver uma estreita ligação entre a instabilidade jurídica de um país e o grau de eficiência econômica que ele pode alcançar.

A partir de toda essa reflexão, possível é concluir que os institutos jurídicos e instrumentos processuais tradicionalmente modelados por nosso ordenamento legal merecem ser revistos não só através da via legislativa, mas, sobretudo, à luz dos olhos daqueles que, na prática forense, se empenham em fazer com que o Poder Judiciário consiga desempenhar satisfatoriamente seu papel constitucional, proporcionando a cada cidadão exatamente aquilo que lhe é de direito.

Como medida eficaz nesse sentido e por tudo o mais quanto foi aqui dito é que se sustenta ser perfeitamente possível a penhora sobre direitos referentes a bens alienados fiduciariamente, mormente porque estes direitos integram o patrimônio do executado, não do fiduciário, além de tal providência não acarretar qualquer prejuízo à financiadora. Há que se distinguir, portanto, a impossibilidade da penhora sobre o bem da penhora sobre os direitos a ele relativos, esta sim perfeitamente possível.

A medida não é inviável, nem tampouco ilegítima. Resta inferir se é razoável face às peculiaridades de cada demanda. Não se pode prestigiar uma justiça lenta, porque assim se torna ineficaz. Também não se pode querer uma justiça célere a ponto de causar o rompimento das garantias processuais e constitucionais do devedor. E, ainda, não se pode comprometer a segurança e paz social em prol da rapidez da prestação jurisdicional. Incorrer em qualquer das três hipóteses seria apenas injustiça, e não a realização plena do que se almeja como ideal de justiça em um Estado Democrático de Direito.

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Sobre a autora
Delyana Vidigal Tolentino

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Advogada. Servidora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco/CPC Marcato

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Delyana Vidigal. Penhora de direitos do devedor-fiduciante para garantia da execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1770, 6 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11208. Acesso em: 23 dez. 2024.

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