Capa da publicação Filiação: afeto, genética e parentalidade
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A filiação num panorama de multiparentalidade, socioafetividade e transparentalidade.

Normas peculiares, notações doutrinárias e jurisprudenciais

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18/04/2025 às 20:05
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A filiação atualmente inclui vínculo biológico, socioafetivo, adotivo e por reprodução assistida. A multiparentalidade ampliou os direitos familiares. Como equilibrar presunções legais e afetivas na filiação moderna?

Sumário: 1. Introdução. 2. A filiação e suas modalidades. 3. Registros e meios de provas das filiações. 4. A filiação oriunda de adoção e da concepção extraconjugal. 4.1. Filiações oriundas do casamento putativo. 5. As filiações consequenciais das reproduções assistidas. 5.1. Presunções de filiações nas reproduções assistidas. 5.1.1. Os reflexos da turbatio sanguinis ou patrimonial. 5.1.2. A eliminação dos embriões excedentários. 5.1.3. Clonagens terapêuticas e reprodutivas – prós e contras. 5.2. Penalidades às condutas não convencionais de reprodução assistida. 6. Os hiatos temporais para presunções de filiação. 7. A prevalência do afeto em face da prova científica do DNA. 8. Contestação da paternidade - legitimidade exclusiva do marido. 8.1. Da irrevogabilidade do reconhecimento de filiação. 9. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

O sábio romance bíblico, em seu livro Gênesis, desde priscas eras, já produzia repercussões acerca do “crescei e multiplicai-vos”. Com essa assertiva, trouxe admoestações sobre o chamamento divino à procriação. Compreende-se, por isso, que homens e mulheres, a partir desses referenciais, buscam perpetuar os seus nomes e espécies sob a égide de lições sagradas, gerando seus rebentos. Reconhece-se, não obstante, que filhos têm sido concebidos nem sempre de forma programada. Referidos nascituros, todavia, esperam de seus genitores, no mínimo, zelo, proteção e assistência indispensáveis.


2. A FILIAÇÃO E SUAS MODALIDADES

Os filhos naturais ou biológicos, adotados, frutos de reproduções assistidas ou da paternidade ou maternidade socioafetiva (Enunciado nº 519)1, darão ensejo, na ordem civil, pelo vínculo com os seus progenitores, ao instituto da filiação. Os rebentos oriundos daí, por sua vez, darão origem, no atual contexto familiar, ao vínculo familiar tradicional ou às recentes e ampliadas formas de vinculação por meio da filiação, a exemplo da multiparentalidade (Enunciado nº 632)2, transparentalidade e socioafetividade (Enunciado nº 103)3.

Havia uma nítida tendência do STJ em reconhecer, no caso das adoções simuladas ou “à brasileira”, o melhor interesse da criança e o gesto altruísta dos adotantes em abrigar ou proteger uma criança, concedendo-lhe paternidade e maternidade (STJ - REsp: 1088157 PB 2008/0199564-3, Rel.: Min. Massami Uyeda, 23/06/2009)4. E, nessa direção, constatam-se os recentes temas reiterados e de repercussão geral dos Tribunais Superiores, sem embargo dos Enunciados das Jornadas de Direito Civil e do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e, enfim, o Provimento nº 63/2017 do CNJ5, trazendo orientações no sentido de homens e mulheres, de forma conjunta ou individual, promoverem o reconhecimento voluntário de filiações diretamente no Cartório de Registro Civil, com as ressalvas de autorização para as pessoas maiores de 12 anos e, se menores dessa idade, ser efetivado em sede judicial. Acentue-se, neste ponto, que o procedimento extrajudicial de registros e averbações das pessoas naturais, junto ao Cartório de Registro Civil, constitui a grande inovação imposta por meio da Lei 14.382/22.

Aspecto cauteloso trouxe o Legislador, no tocante às circunstâncias de má-fé, falsidade e fraudes que restassem suspeitas neste contexto inovador registral de filiação. Assim, ficou incumbido ao Oficial do Registro Civil, quando suspeitasse das aludidas hipóteses, além de eivas de vícios, a exemplo de erro, dolo, coação e simulação, no que alude ao real manifesto de vontade do requerente, adotar o posicionamento de recusa ao procedimento registral da filiação (art. 56, § 4º, da Lei nº 6.015/73).

Em que pese analisar possíveis conflitos de turbatio sanguinis e confusão patrimonial na sucessão hereditária, neste campo ampliado de filiações, cabe anotar, num contexto de transparentalidade, que os filhos adotados por famílias homoafetivas, em seus registros de nascimento, poderão conter dois pais ou duas mães (São Paulo, 2014, Tribunal de Justiça)6, de acordo com a predominância do gênero na união afetiva adotante (Decreto nº 7.231, de 14.07.2010). Dar-se-á o mesmo nas reproduções assistidas desses casais homoafetivos.

Na vertente heterofamiliar, constata-se que maridos e esposas reconhecem filhos de seus parceiros, companheiros ou cônjuges, oriundos de suas anteriores uniões ou casamentos, dando origem à multiparentalidade (RE nº 898.060-SC, STF)7, no âmbito da filiação (art. 27. do ECA e Súmula 301 do STJ)8. Enfim, verificam-se os vínculos de afeto estruturados em relação aos infantes criados ou educados por pais ou mães não biológicos, dando origem à filiação socioafetiva (REsp nº 1.388.745/MG, STJ)9, que tem superado os vínculos de sangue entre a cria e seus genitores (STJ - REsp: 1000356 SP 2007/0252697-5, Rel.: Min. Nancy Andrighi, 25.05.10).

Neste âmbito de células familiares ampliadas pelos seus vínculos de paternidade e maternidade, numa perspectiva de filiação, surgem questionamentos sobre se as repercussões seriam as mesmas das adoções, nas quais há desvinculação total da família biológica de origem, restando apenas os impedimentos para o casamento. Na família da multiparentalidade, os filhos ganham mais um vínculo de paternidade ou maternidade, sem, contudo, se desvincularem da parentela existente com suas famílias biológicas de origem.


3. REGISTROS E MEIOS DE PROVA DAS FILIAÇÕES

As filiações deverão ser submetidas a registros ou averbações públicas, ainda que, inicialmente, sejam originárias de notações extrajudiciais (art. 10. do CC)10. Insta salientar, não obstante, que o principal meio de prova da filiação cinge-se ao registro público de nascimento (art. 1.603. do CC)11. Inexistindo este, ou havendo defeito na sua formalização, extravio ou rasuras no aludido documento, este poderá ser suprido por meio do depoimento dos pais, ou através de início de provas, veementes presunções, atestando a existência da filiação (art. 1.605, I e II, do CC)12.

É inadmissível o ato de vindicar ou refutar o registro de filiação, caso inexista erro grave ou falsidade no documento (art. 1.604. do CC)13. Do mesmo modo, não se admite apenas a confissão da mãe acerca do seu adultério para ilidir a presunção de paternidade (art. 1.600. do CC)14. Rejeita-se, nesse mesmo sentido, tão somente a confissão materna para excluir a paternidade (art. 1.602. do CC)15. Essas informações negatórias da paternidade poderão até ser utilizadas, desde que contextualizadas com outros meios robustos de prova.


4. A FILIAÇÃO ORIUNDA DE ADOÇÃO E DA CONCEPÇÃO EXTRACONJUGAL

A filiação será reconhecida aos filhos oriundos das adoções como se fossem rebentos naturais, restando a esses, todavia, os impedimentos para o casamento em relação à família biológica. A filiação, fruto da concepção extraconjugal, poderá também ser reconhecida, de forma conjunta ou separada, pelos cônjuges (art. 1.607. do CC)16.

Impende anotar que são inadmissíveis designações discriminatórias por ocasião dos registros e averbações de filiações (Enunciado nº 111)17. Cite-se, neste particular, a menção à origem adulterina, mormente nas adoções ou nas circunstâncias de filhos extraconjugais (art. 1.596. do CC)18.

4.1. FILIAÇÕES ORIUNDAS DO CASAMENTO PUTATIVO

Nos casamentos nulos ou anuláveis, os filhos oriundos dessas uniões terão garantidos os direitos e reflexos de suas filiações, ainda que não seja ratificada a putatividade, ou aparência do enlace matrimonial (art. 1.617. do CC)19. Grife-se, de outro lado, que se revelam ineficazes os termos ou condições impostas ao ato de reconhecimento e registro da filiação (art. 1.613. do CC)20.


5. AS FILIAÇÕES CONSEQUENCIAIS DAS REPRODUÇÕES ASSISTIDAS

Ressalte-se que muitos cônjuges possuem deficiências congênitas, ou seja, impotência generandi, no homem, ou concepiendi, na mulher, respectivamente, para gerar ou conceber filhos. Pondere-se, dessa forma, que, diante dessas circunstâncias, marido e esposa têm buscado amparo nas técnicas de reprodução assistida – R.A., a exemplo das inseminações artificiais homólogas, heterólogas, fertilização in vitro e, por fim, das gestações substitutas, popularmente conhecidas como “barrigas de aluguel”.

O Conselho Federal de Medicina – CFM, por meio de suas resoluções, a exemplo da de nº 2.294/21, aponta critérios e procedimentos mínimos a serem adotados nesse panorama das reproduções assistidas. Colhe-se, portanto, da referida normativa, que a idade máxima da mulher para doação de gametas será de 37 anos, e de 45 anos para o homem (item 4.3 da Res. nº 2.294/21 do CFM)21. Outrossim, há um limite de 50 anos para as mulheres se submeterem ao pleito de candidatas à gestação substituta, havendo exceções de acordo com critérios médicos e científicos (item 3.1 da Res. nº 2.294/21)22.

No plano dos embriões excedentários, o máximo permitido será de 08 (oito) (item 5.2 da Res. nº 2.294/21 do CFM)23 e, uma vez feitas suas inserções no útero, caso sejam exitosas na concepção, haverá, nesse sentido, a presunção de filiação do casal articulador do processo.

Nesta seara de procedimentos e ações inibitórias impostos pela Resolução nº 2.294/21 do CFM, constata-se, também, a vedação de ações para definição da sexagem dos embriões, salvo para evitar doenças com predeterminação para um tipo de sexo ou aneuploidias de cromossomos sexuais (item 5 da Res. nº 2.294/21 do CFM)24. Exalta-se que não pode haver interesse lucrativo ou comercial entre doadores e receptoras do material genético em prol da reprodução assistida (item 4.1 da Res. nº 2.294/21 do CFM)25. A doação do material genético poderá vir de terceiros, e a cessão temporária do útero poderá ser efetivada entre parentes consanguíneos até o 4º grau (item 7.1 da Res. nº 2.294/21 do CFM)26.

A Resolução nº 2.294/21 do CFM traz, ainda, a vedação quanto à revelação da identidade dos doadores do material genético, com exceções previstas em lei no caso de doação por parentes consanguíneos até o 4º grau (itens 4.2 e 4.4 da Res. nº 2.294/21 do CFM)27. Por consequência, referidas pessoas estariam isentas de responsabilidade, na ordem civil, por qualquer obrigação advinda desses vínculos biológicos.

Insta ponderar que inexistirá qualquer obrigação material ou afetiva, por consequência do vínculo biológico entre o terceiro doador do material genético e a criança gerada nas inseminações artificiais heterólogas, fertilizações in vitro e gestações substitutas. Outrossim, resoluções não podem se sobrepor aos direitos personalíssimos, que são imprescritíveis, irrenunciáveis e intransferíveis. Assim, a qualquer momento, o filho terá o direito de conhecer seu pai ou mãe biológicos, inclusive para detectar a origem de alguma enfermidade oriunda dos genitores naturais (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça)28.

Registre-se que, até mesmo de forma póstuma ou post mortem (item 8 da Res. nº 2.294/21 do CFM)29, quando já ocorrido o óbito, o viúvo ou companheiro sobrevivente poderá utilizar a técnica da reprodução assistida por meio da maternidade de substituição, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela esposa ou companheira (Enunciado nº 633 da I Jornada de Direito Civil)30.

5.1. PRESUNÇÕES DE FILIAÇÕES NAS REPRODUÇÕES ASSISTIDAS

As presunções de filiações estendem-se, também, ao ambiente das reproduções assistidas. Havendo, portanto, inseminação artificial homóloga, ou seja, quando o espermatozoide do próprio esposo é inserido no útero da respectiva esposa, presume-se, em favor do referido marido, que fez a doação do material genético, a filiação do rebento oriundo dessa reprodução assistida, mesmo após a morte do doador (art. 1.597, III, do CC)31.

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Tratando-se de inseminação artificial heteróloga, ou seja, quando o marido autorizou em vida, inclusive por testamento, a introdução de espermatozoide de terceiros no útero da esposa, haverá também a presunção de filiação, de forma absoluta, em relação ao rebento oriundo dessa reprodução assistida e à paternidade do esposo autorizador (Enunciado nº 106)32. Essa presunção se estende, também, ao contexto da união estável, com a nominação de reprodução assistida heteróloga a patre (Enunciado nº 570)33.

No tocante aos embriões excedentários (Enunciado nº 108)34, oriundos de fertilização extrauterina in vitro, desde que frutos de inseminação artificial homóloga, a presunção de filiação em favor do marido que doou o material genético dar-se-á a qualquer tempo (art. 1.597, IV e V, do CC)35.

As gestações substitutas também exaltam presunção de filiação em favor do casal que doou esperma e óvulo, para que a doadora do útero gerasse, em favor desse casal doador, o filho. A mesma presunção de filiação se aplica, ainda, no tocante à fertilização in vitro dos chamados embriões excedentários, com gestação extrauterina, cujo fruto é enaltecido pelo “bebê de proveta”. Nessa fertilização in vitro, o material orgânico foi cedido pelo casal. O filho oriundo daí será gerado em laboratório, e referido rebento se investirá da presunção de filiação recíproca dos doadores do material genético.

5.1.1. OS REFLEXOS DA TURBATIO SANGUINIS OU PATRIMONIAL

A doutrina civilista tem debatido, de forma intensa, acerca do instituto da filiação e, de modo especial, sobre os reflexos gerados, nesse sentido, pelas reproduções assistidas. Discute-se, nesse ponto, a falta de coerência do legislador, amiúde na omissão de garantias à prole, sem embargo de possíveis turbatio sanguinis ou patrimonial.

Reconhece-se, portanto, que as técnicas de reprodução, que presumiam ser a solução, vão se revelando uma celeuma, na medida em que os filhos oriundos de inseminações artificiais heterólogas, fertilizações in vitro e gestações substitutas, com material genético cedido por terceiros, louvando-se nos direitos personalíssimos, almejam conhecer o pai biológico. A partir daí, surge a tormenta para o terceiro doador, que, ao doar seu material genético para uma gestação, quis apenas contribuir, auxiliar, e agora se vê envolvido numa questão complexa de constrangimento pessoal ou familiar.

Observam-se questionamentos, no contexto da multiparentalidade, em relação aos filhos consequenciais de uma filiação socioafetiva, sobre se estes seriam legitimados a, de forma simultânea, exercer seus direitos sucessórios, de alimentos, saúde, moradia, educação, dentre outros, tanto em relação à família biológica quanto à família socioafetiva, sem deméritos ou privilégios na concorrência com os demais herdeiros.

Impõe-se assinalar que a multiparentalidade é contemplada pelos Enunciados das Jornadas de Direito Civil e do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, e também reiterada nos Pretórios locais, inclusive pela repercussão geral na Corte Suprema (Tema nº 622, do STF)36. Cumpre assinalar, portanto, que prevalece o entendimento majoritário da jurisprudência dos tribunais pátrios e da predominante doutrina civilista, que manifestam pela possibilidade do exercício concomitante de direitos e deveres recíprocos entre filhos socioafetivos e pais não biológicos e biológicos, respectivamente, na família socioafetiva e natural.

Acerca da concomitância de direitos na filiação socioafetiva e biológica, colacionam-se julgados do STJ e do STF. O reconhecimento da filiação socioafetiva gera os mesmos direitos e deveres da filiação biológica, incluindo o pagamento de pensão. A pensão pode ser devida mesmo que o pai biológico também contribua financeiramente para o sustento do filho (REsp n. 1.704.972-CE, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 15/10/2018). A existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico (RE nº 898.060, do STF).

5.1.2. A ELIMINAÇÃO DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS

Deve-se sublinhar, no domínio das reproduções assistidas, que diversos embriões excedentários ou criopreservados estão congelados em laboratórios, resfriados em botijões de nitrogênio a 196 (cento e noventa e seis) graus Celsius, esperando alguém para adotá-los. Caso aludidos embriões não sejam adotados, inúmeros deles serão eliminados, sob o argumento da longa espera e da inviabilidade de suas implantações. Cite-se, nesse sentido, países que adotam esses procedimentos, a exemplo da Inglaterra, Austrália, Canadá, China, Bélgica, Holanda, Alemanha e Israel, onde suas leis estipulam um prazo, findo o qual, referidos embriões serão eliminados (ZATZ, 2008, p. 24)37.

A questão da eliminação de embriões congelados não utilizados em processos de inseminação artificial, no Brasil, inicialmente era proibida. Eles deveriam permanecer, nessa condição, por tempo indeterminado (Resolução nº 1.957/10 do CFM). Posteriormente, foi estipulado o prazo de cinco anos para eliminação dos embriões não acolhidos em processo de inseminação, com autorização dos proprietários (Resolução nº 2.013/13 do CFM). Atualmente, estipulou-se o prazo de três anos para eliminação dos citados embriões, caso inexistam acolhimentos em procedimentos de reprodução assistida, desde que haja manifesto expresso dos seus proprietários e, de outro lado, autorização judicial para tal (item 5.4 da Res. nº 2.294/21 do CFM)38.

5.1.3. CLONAGENS TERAPÊUTICAS E REPRODUTIVAS – PRÓS E CONTRAS

No âmbito das reproduções assistidas, as técnicas de clonagem certamente despertam atenção peculiar. De um lado, pelo que podem salvar ou regenerar no enfoque da modalidade terapêutica. De outro, pelos atos ilícitos de manipulação genética e eliminação de vidas, no quadro da modalidade reprodutiva.

Questiona-se, por isso, de que forma se deve levar em consideração as células-tronco, que, ao serem utilizadas nesses procedimentos, ceifam as vidas dos embriões que lhes deram origem. Acredita-se inadmissível o processo de eliminar uma vida para salvar outra. Insta ponderar, porém, que a marcha evolutiva é indispensável para o progresso dos povos e nações, mas deve-se questionar por quais meios, mãos e propósitos essas ações evolutivas estão sendo articuladas.

A clonagem reprodutiva se apresenta de forma injustificável, especialmente porque seu pano de fundo revela apenas uma competição infundada de comunidades científicas com a Divindade. Os cientistas, com isso, poderiam afirmar: “nós também criamos ou fizemos a cópia de um ser humano.” Esquecem-se, todavia, de que a cópia é apenas da matéria, pois não se copia a essência do corpo, que é o espírito. Aliás, se bem analisassem os materialistas das ciências humanas, perceberiam que, quando o Criador deseja produzir uma réplica fiel do ser humano, Ele autoriza o nascimento de gêmeos univitelinos.

Percebe-se, afinal, que, em se tratando da clonagem reprodutiva, está presente a manipulação da genética. Cumpre refletir, pois, que, quando as leis naturais são agredidas, a natureza emite respostas de proporções inesperadas. O primeiro experimento de clonagem reprodutiva, realizado com a ovelha Dolly, ratifica essa assertiva, revelando a morte desse animal em decorrência do envelhecimento precoce de suas células.

Resta induvidoso que, apesar de todos os protestos dos segmentos sociais, neste âmbito genético, a experiência da clonagem reprodutiva em relação ao ser humano já teria ocorrido nos recônditos de muitos laboratórios. Verifica-se, nessas práticas, que milhares de embriões – que são vidas – foram eliminados apenas para dar azo às fantasias de alguns cientistas, como se competissem com o Criador.

Surge como incompreensível ver as ciências avançarem tanto na construção e repetição da espécie humana, quando, de modo injustificável, não conseguem, por exemplo, isolar o vírus da AIDS, do câncer ou, até mesmo, da gripe, que vêm se multiplicando em variantes.

O Supremo Tribunal Federal, desde 2009, autorizou estudos sobre as células-tronco. No mesmo passo, tem permitido o aborto de fetos anencefálicos, cujos embriões são considerados de pouca ou quase nenhuma expectativa de vida. A matéria encontra-se regulamentada por meio da Lei de Biossegurança (art. 5º da Lei nº 11.105/2005)39, que, apesar de submetida a longo embate jurídico, teve sua constitucionalidade declarada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 3.510-0. Outras normativas, a exemplo de portarias e resoluções do Conselho Federal de Medicina, ainda repercutem sobre a temática. O Código Civil, nesse particular, finalmente, traz notações acerca dos embriões excedentários, num quadro de filiação homóloga e heteróloga (art. 1.597, III, IV e V do CC)40.

Cumpre pontuar que as células-tronco, atual objeto de estudos científicos, têm o poder de regenerar órgãos e tecidos, por meio da multiplicação de células idênticas, num sistema de clonagem que pode ser reprodutiva – quando se busca repetir a espécie – (VARELLA, 2017, online)41, ou terapêutica – quando se busca a recomposição de tecidos ou órgãos, com o fim de reparar enfermidades como Alzheimer, Parkinson, infartos, artrites ósseas, paralisias, cirrose hepática, hepatite, gastrite, entre outras (IZIQUE, 2007, online)42.

A legislação sobre a temática estabeleceu um parâmetro inicial, definindo o momento em que se caracterizaria a figura do embrião congelado disponível para doação. O marco inicial ficou estabelecido a partir do dia 28 de março de 2005, após completados três anos contados da data de seu congelamento, quando, de forma legal, poderia ser feita a utilização dos embriões humanos criopreservados (art. 3º, inciso XIV, do Decreto nº 5.591/2005)43. Ressalte-se, portanto, que a utilização de embriões humanos congelados fora dos critérios e exigências legais, mesmo para fins terapêuticos, configura conduta ilícita, passível das sanções previstas na legislação pertinente (art. 24. da Lei nº 11.105/2005).

5.2. PENALIDADES ÀS CONDUTAS NÃO CONVENCIONAIS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Insta salientar, no tocante às práticas de reproduções assistidas, que, na contemporaneidade, avançam as notações jurídicas, objetivando fiscalizar e inibir condutas não convencionais nessa direção. A legislação civil traz admoestações nesse sentido (art. 13. do CC)44 e, na mesma linha, verifica-se a Constituição Federal vigente (art. 199, § 4º, da CF/88)45. Podem-se acrescentar a esses comandos normativos as resoluções do Conselho Federal de Medicina e normas da Bioética e do Biodireito (Lei nº 8.723/93, alterada pela Lei nº 10.696/03).

No que se refere às sanções penais, as mencionadas técnicas de reprodução assistida, quando contrárias aos regramentos legais, serão objeto de punição por meio da Lei que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano (art. 15. da Lei nº 9.434/97)46. Colhe-se da referida normativa que comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano é crime punido com pena de reclusão de três a oito anos e multa de 200 (duzentos) a 360 (trezentos e sessenta) dias, incorrendo na mesma pena aquele que promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem na transação.

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Sobre o autor
Zilmar Wolney Aires Filho

Doutor em Direito Socioambiental pelo Centro Universitário de Anápolis, UniEVANGÉLICA, Brasil; Mestre em Direito Contratual pelo Centro Universitário de Brasília, UniCEUB, Brasil. Pós-graduado em Processo Civil pela UniEVANGÉLICA, Brasil. Docente na Universidade Santa Ursúla, Rio de Janeiro, Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AIRES FILHO, Zilmar Wolney. A filiação num panorama de multiparentalidade, socioafetividade e transparentalidade.: Normas peculiares, notações doutrinárias e jurisprudenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7961, 18 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113599. Acesso em: 5 dez. 2025.

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