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Os riscos do pacto federativo na Reforma Tributária

28/04/2025 às 15:52
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A reforma tributária verticalizou a gestão dos tributos, enfraquecendo o pacto federativo. Como isso impacta a autonomia financeira de Estados e Municípios?

O Imposto sobre Serviços (ISS), de competência dos mais de 5.600 municípios brasileiros, juntou-se ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência dos 27 Estados, para formar um único tributo sobre o consumo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Embora a competência material para instituir o IBS seja dos Estados e Municípios, sua normatização geral e a gestão de sua arrecadação e distribuição serão regidas pela Lei Complementar nº 214/2025, editada pela União (Presidência e Congresso Nacional), conferindo-lhe uma estrutura de governança centralizada.

Historicamente, somados, ICMS e ISS representaram quase um terço da arrecadação total nacional em 2024 (fonte: Impostômetro - IBPT). A arrecadação do futuro IBS tende a ser maior, pois a carga tributária sobre serviços, antes limitada a 5% pelo ISS, passará a integrar uma alíquota estimada em torno de 18,7%, mais do que triplicando a incidência sobre este setor.

Será responsável pela arrecadação e distribuição deste imposto um Comitê Gestor, a ser criado com sede em Brasília. Sua composição contará com 27 representantes indicados pelos governadores e outros 27 representantes dos municípios (destes, 13 serão eleitos por associações de representação municipal de âmbito nacional, cujos associados somem, no mínimo, 30% dos municípios brasileiros).

A Emenda Constitucional nº 132/2023, ao instituir o IBS e o Comitê Gestor (notadamente no art. 156-B da CF), estabeleceu uma estrutura centralizada para a administração do tributo, vinculada a normas federais.

Os critérios para a distribuição do IBS serão definidos após a criação do Comitê, que terá autonomia técnica e operacional. Contudo, a natureza de sua composição levanta a preocupação de que critérios políticos possam prevalecer sobre os técnicos. Se critérios puramente técnicos fossem o objetivo, não haveria necessidade de criar um novo órgão – com orçamento previsto de R$ 600 milhões (conforme art. 484 da LC nº 214/25) – quando já existem estruturas tributárias nos Estados e Municípios. Estas estruturas, com a reforma, parecem fadadas a tarefas meramente burocráticas, uma vez que a gestão, cobrança, contencioso administrativo e demais decisões estratégicas ficarão a cargo do Comitê Gestor central.

Consequentemente, a autonomia dos Estados e Municípios ficará prejudicada, ao menos sob a ótica da arrecadação de seus dois principais tributos anteriores, ICMS e ISS. Atualmente, cada um dos 27 Estados e dos mais de 5.600 municípios arrecada e gerencia seus próprios impostos. Com a reforma tributária, a arrecadação, o gerenciamento e a distribuição ficarão centralizados no Comitê Gestor em Brasília, criado e regido por lei federal.

A autonomia prevista no pacto federativo é composta por autonomia política, administrativa e financeira. A autonomia política se manifesta na eleição de prefeitos, vereadores, deputados estaduais e governadores, que recebem poderes para nos representar. A autonomia administrativa se concretiza na definição territorial e na capacidade de auto-organização de cada Estado e Município, dentro dos limites constitucionais, sem interferência mútua.

No entanto, para exercer plenamente a autonomia administrativa, governadores e prefeitos eleitos necessitam de autonomia financeira, que é agora centralizada no Comitê Gestor, um órgão de âmbito nacional regido por normas federais.

Estados e municípios passarão a depender do Comitê Gestor para receber sua cota de participação nos tributos que antes lhes pertenciam diretamente. Isso terá reflexos na capacidade de financiamento de serviços essenciais como saúde (os Municípios são os maiores responsáveis pelas UPAs e UBSs), educação básica, infraestrutura urbana, coleta de lixo, policiamento ostensivo, manutenção de parques etc.

A proximidade do governo com a sociedade, garantida pela autonomia para regular os interesses locais, é uma das características mais importantes da democracia representativa e do federalismo. É por este motivo que o povo escolhe seus prefeitos e governadores pelo voto; é por isso que somos uma República Federativa.

Centralizar a gestão de recursos tão significativos é um ato de insensibilidade às enormes desigualdades regionais, seja em densidade demográfica, dimensão territorial ou nível de desenvolvimento econômico. A descentralização, ao contrário, promove uma maior aproximação com a ideia de democracia e adequação às realidades locais.

Em suma, a reforma tributária optou pela centralização vertical da gestão dos principais tributos sobre o consumo, em detrimento de uma abordagem de unificação e de simplificação horizontal, que preservaria a autonomia da arrecadação e, consequentemente, fortaleceria o pacto federativo em sua dimensão financeira.

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Sobre o autor
Ivo Ricardo Lozekam

LZ FISCAL - Fundador e CEO | Expert em ICMS | Crédito Acumulado | Ressarcimento e Monetização | Articulista da Thomson Reuters | Membro do IBPT | Suas Publicações sobre o ICMS constam nos Repertórios Doutrina STJ e STF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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