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Questões sobre a legitimidade ativa para o mandado de segurança individual e coletivo

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15/06/2008 às 00:00
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Terá legitimidade para pleitear a segurança o titular do direito subjetivo líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão, que o fará em face daquele que constrange sua esfera jurídica, desde que se trate de pessoa investida em funções estatais. A legitimidade para a referida ação deve ser aferida quando do ajuizamento e é exclusiva do titular da pretensão.

INTRODUÇÃO

Mandado de segurança é o remédio constitucional posto à disposição do sujeito para a tutela de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, praticado com ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5.º, LXIX e LXX e Lei n.º 1.533/51, art. 1.º Lei n. ito l a t posto segurança toridade, capaz de lesar (ou de ameaçar) o direito ).

O mandado de segurança é instituto de caráter dúplice.

É, antes de tudo, garantia constitucional do Estado Democrático de Direito, destinada a resguardar o cidadão frente às arbitrariedades do Estado ou de quem faça suas vezes. Enquanto prerrogativa fundamental conhece, apenas, os limites delineados pela própria Constituição, devendo ser admitido e interpretado de forma ampla, sendo vedada ao legislador ou ao operador a imposição de restrições quanto a seu cabimento.

"Assim, se o mandado de segurança é uma garantia constitucional fundamental, algumas conseqüências interpretativas lhe são inerentes. A primeira delas é a de que não é compatível interpretação restritiva quanto ao seu campo de aplicabilidade. Direitos e garantias constitucionais fundamentais, diferentemente das simples regras constitucionais, não são interpretáveis restritivamente. A segunda conseqüência interpretativa derivante é a de que a ele são aplicáveis todas as disposições processuais previstas para as tutelas jurisdicionais ordinárias, desde que sejam compatíveis com os seus pressupostos constitucionais e possam ser meios eficazes para garantir a sua efetividade." [01]

O mandado de segurança é, também, instrumento processual através do qual se desconstitui o ato (ou se obstaculiza sua prática, no caso de mandado de segurança preventivo) e se reverte a omissão ilegal ou abusiva cometida pela autoridade, capaz de lesar (ou de ameaçar) o direito líquido e certo do impetrante.

Não há dúvidas de que o mandado de segurança é uma ação. Grande parte da doutrina o classifica como ação civil.

Hely Lopes Meirelles [02] leciona, em capítulo específico sobre a natureza do remédio: "O mandado de segurança, como a lei regulamentar o considera, é ação civil de rito sumário especial, destinada a afastar ofensa a direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade, ordem, esta, a ser cumprida especificamente pela autoridade coatora, em atendimento da notificação judicial. Sendo ação civil, como é, o mandado de segurança enquadra-se no conceito de causa, enunciado pela Constituição da República, para fins de fixação de foro e juízo competentes para o seu julgamento quando for interessada a União (art. 109, I e VIII), e produz todos os efeitos próprios dos feitos contenciosos. Distingue-se das demais ações apenas pela especificidade de seu objeto e pela sumariedade de seu procedimento, que é próprio e só subsidiariamente aceita as regras do Código de Processo Civil. Visa, precipuamente, à invalidação de atos de autoridade ou à supressão de efeitos de omissões administrativas capazes de lesar direito individual ou coletivo, líquido e certo.

Qualquer que seja a origem ou natureza do ato impugnado (administrativo, judicial, civil, penal, policial, militar, eleitoral, trabalhista etc.), o mandado de segurança será sempre processado e julgado como ação civil, no juízo competente".

No mesmo sentido, Alexandre de Moraes [03]: "O mandado de segurança é uma ação constitucional, de natureza civil, cujo objetivo é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público". E ressalta: "A natureza civil não se altera, nem tampouco impede o ajuizamento de mandado de segurança em matéria criminal, inclusive contra ato de juiz criminal, praticado no processo penal".

Gregório Assagra de Almeida [04] critica, a nosso ver com razão, essa "tendência equivocada em se enquadrar institutos de dignidade constitucional dentro do campo do direito clássico infraconstitucional", entendendo que "o mais correto é tratar essas ações como ações constitucionais, até porque o próprio texto constitucional não traz qualquer restrição quanto ao campo de aplicabilidade infraconstitucional dessas figuras fundamentais ao direito processual".

Seja como for, na lição de Castro Nunes [05], "garantia constitucional que se define por meio de pedir em juízo é garantia judiciária e, portanto, ação no mais amplo sentido, ainda que de rito especial e sumaríssimo". O mandado de segurança, muito embora de índole constitucional, é espécie de ação e, como tal, tem seu exercício subordinado à observância das condições comuns a toda causa, como a possibilidade jurídica do pedido, o interesse processual e a legitimidade das partes (CPC, arts. 3.º e 267, VI).

O presente trabalho vai analisar, justamente, a quem compete requerer a segurança, ou seja, quem são os legitimados para a impetração do writ individual e coletivo.


1. A legitimidade ativa para o mandado de segurança individual

Dispõe a Lei n.º 1.533/51, no §2.º de seu art. 1.º: “Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”.

Cássio Scarpinella Bueno, ao comentar o dispositivo [14], afirma tratar-se de caso que pode ser entendido, dentro da técnica processual, como de legitimação extraordinária e, mais adiante, faz algumas ponderações, frisando as condições necessárias para sua aplicação, conforme passamos a transcrever: “A hipótese aqui mencionada, ao contrário dos casos de verdadeira ‘substituição processual’, não exclui que o titular do direito vá a juízo. Diferentemente, admite-se, aqui, que um direito que pertença indistintamente a diversos titulares seja defendido em juízo por apenas um deles.

Nessas condições, o impetrante age por si, defendendo direito próprio, seu, e age também por aqueles que não agiram, defendendo direito alheio. A condição para que isso se dê é a apontada na lei: o direito ameaçado ou violado deve caber a várias pessoas”.

E finaliza: “Necessário observar, contudo, que a situação fática que legitima a impetração nas condições do dispositivo em comento é a de que haja afirmação de direito ‘próprio’, embora compartilhado ou compartilhável com outras pessoas, que, por isso mesmo, são igualmente ou concorrentemente legitimadas. Não se trata, aqui, de admitir a impetração quando o impetrante não é titular de afirmação de direito, apropriável e fruível em nome próprio e significador de algum incremento em sua esfera jurídica”.

Com o devido respeito, não vislumbramos, na norma em estudo, hipótese de legitimação extraordinária ou substituição processual.

A substituição processual tem lugar quando a lei atribui a alguém, excepcionalmente, a legitimidade para agir em juízo, em nome próprio, como autor ou réu, na defesa de direito alheio, sem que haja necessariamente entre ambos (titular do direito e legitimado extraordinário) uma identidade de interesses jurídicos.

A nosso ver, a necessidade de o impetrante ser também titular do direito lesado ou ameaçado de lesão – condição de aplicabilidade do dispositivo, enfatizada pelo autor acima mencionado – descaracteriza a hipótese de legitimação extraordinária.

Trata-se, em verdade, de caso de solidariedade ativa [15], vínculo derivado da comunhão do direito por vários sujeitos, indistintamente, e que permite que qualquer dos co-titulares vá a juízo para defender seu interesse legítimo, compartilhado, igualmente, pelos demais [16]. A tutela, uma vez concedida, alcançará, de forma idêntica, a totalidade dos interessados.

1.2. A hipótese do art. 3.º da lei especial

Completamente distinta é a hipótese do art. 3.º da Lei 1.533/51, que estabelece: "O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro, poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, em prazo razoável, apesar de para isso notificado judicialmente".

Aqui, há um direito líquido e certo, dito originário, do qual deriva outro direito – também líquido e certo ("em condições idênticas") –, denominado decorrente. A derivação é conseqüência de relação jurídica de direito material mantida pelos titulares.

Sobrevém ato ou omissão de autoridade, eivado de ilegalidade ou abuso de poder, que lesa ou ameaça lesar o direito originário, de forma direta ou imediata, colocando também em risco o direito decorrente, de forma indireta ou mediata.

O titular do direito originário mantém-se inerte, apesar de notificado para agir, permitindo a iminente concretização do dano sobre o direito decorrente, cujo exercício depende da manutenção do primeiro direito. Daí nasce, para o titular do direito derivado e vulnerado indiretamente pelo comportamento da autoridade coatora, a legitimidade para ir a juízo buscar a segurança do direito originário, este sim, diretamente ameaçado ou atacado pelo ato ilegal ou abusivo que se pretende reverter ou impedir.

O impetrante, ao pleitear, em seu nome, a tutela do direito originário pertencente a outrem e do qual depende o exercício de seu direito próprio, age, expressamente autorizado pela lei, como substituto processual.

"Como é da essência da substituição processual, a sentença proferida na ação do substituto tem eficácia em relação não só ao substituto, mas também ao substituído; ademais disso, a iniciativa do substituto não impede que o substituído [17] ingresse na lide a qualquer tempo – evidentemente, enquanto esteja ela pendente –, sujeitando-se, por óbvio, às maiores comodidades ou dificuldades na defesa de seu próprio direito, conforme seja mais rápida ou mais tardia sua atuação. E o fará como parte (litisconsorte), eis que seu direito está diretamente em jogo na demanda" [18].

A seguir, sintetizamos os requisitos necessários à configuração dessa hipótese de legitimação extraordinária. São eles: 1) o direito do substituto deve decorrer ou derivar do direito do substituído, sendo que o exercício daquele depende da existência e manutenção deste; 2) ambos devem se apresentar como líquidos e certos e, 3) diante do ato coator, o titular do direito originário se mantém inerte, apesar de devidamente notificado para agir, em prazo razoável, na defesa de seus interesses.

Este último requisito traz alguns questionamentos que merecem destaque.

O primeiro deles reside na obrigatoriedade de a notificação do titular do direito originário ser feita judicialmente, nos exatos termos do dispositivo em exame.

"A exigência de notificação judicial (CPC, arts. 867 a 873) do titular do direito originário sugere que a comunicação para que ele exerça seu direito em prazo razoável seja imune a quaisquer dúvidas. Restando inequívoca sua comunicação por outro meio eficaz, mesmo que eletrônico, não há como recusar a impetração pelo terceiro" [19].

Assim, o que importa, para tornar legítima a atuação do detentor do direito decorrente, é que a notificação do titular do direito originário seja realizada por meio idôneo que permita, de forma inequívoca, que o mesmo tome conhecimento da necessidade de sua iniciativa e do prazo razoável para manifestá-la, ainda que tal se dê através de comunicação extrajudicial ou eletrônica.

No mais, não há, na doutrina ou na jurisprudência, a delimitação exata de qual seria o prazo razoável mencionado no referido artigo.

Deve-se entender por razoável o prazo que, de acordo com as circunstâncias de fato, seja suficiente para que o notificado tome as providências necessárias e que, ao mesmo tempo, não frustre a eventual impetração – tempestiva e eficaz – por parte do substituto, em caso de inércia daquele.

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Ou, no dizer de Cássio Scarpinella Bueno [20]: "parece mais acertado o entendimento de que o transcurso de prazo razoável somente pode ser entendido como aquele que, de acordo com as características e peculiaridades de cada caso concreto, puder confirmar a predisposição de inação do titular do direito originário e, pois, a necessidade da impetração pelo titular do direito derivado (substituto processual), sob pena de consumação de lesão ou ameaça.

Esse prazo nunca poderá, de qualquer sorte, superar os 120 dias referidos pelo art. 18 da Lei n.º 1.533/51, ao menos para aqueles que entendem constitucional essa limitação imposta pela lei para o exercício de direito constitucionalmente assegurado".

1.3. A legitimidade conferida pela CF, art. 5.º, XXI

Para finalizar o estudo da legitimidade ativa no mandado de segurança individual e antes de ingressar no campo do mandado de segurança coletivo, mister analisar o conteúdo do art. 5.º, XXI, da CF, que prevê: "as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente".

A norma cuida da possibilidade de o associado fazer-se representar pela entidade (em sentido amplo, como sindicatos e associações em geral) de que faz parte, o que pode mostrar-se conveniente sob o ponto de vista econômico ou de garantia da paridade de forças no processo.

Ausente qualquer limitação constitucional quanto à espécie de ação a ser ajuizada, a associação terá, quando expressamente autorizada, legitimidade, inclusive, para impetrar mandado de segurança em favor de seus filiados.

Por ser verdadeiro caso de representação (a entidade vai a juízo em nome dos associados e para a defesa de direitos individuais dos mesmos), imprescindível a autorização expressa dos envolvidos através da outorga de mandato, única via habilitante ao exercício da faculdade constitucional [21].

Por fim, importante assinalar que o dispositivo não traz figura nova de mandado de segurança e que tampouco se trata de mandado de segurança coletivo. "Estaremos, ainda, diante do mandado de segurança individual" [22] (que pode ser plúrimo, quando vários os associados representados), impetrado pela entidade associativa como representante de seus membros e na defesa de direito subjetivo [23], líquido e certo, destes, quando expressamente autorizada para tanto.


2. A legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo

"O mandado de segurança coletivo é uma inovação feita pela Constituição de 1988, que veio atender aos anseios da sociedade brasileira, ressentida da ausência de instrumentos que efetivamente garantissem, com agilidade, os direitos que já se encontravam delineados nas Constituições anteriores e que depassavam a órbita estritamente individual" [24].

A imperiosa necessidade de tutela eficaz e célere dos chamados interesses ou direitos coletivos ensejou uma série de mudanças no ordenamento jurídico pátrio, sendo uma das mais relevantes a previsão do mandado de segurança coletivo dentre os direitos e garantias fundamentais constitucionais, mais precisamente no inciso LXX do art. 5.º, que assim dispõe: "o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados".

Como se pode ver, o art. 5.º, LXX, da CF, não cuida de instituto novo, distinto e apartado daquele contemplado no inciso anterior. Nesse sentido, a doutrina consultada foi unânime em reconhecer que o mandado de segurança coletivo é uma espécie do gênero mandado de segurança, submetendo-se aos mesmos pressupostos constitucionais de admissibilidade (CF, art. 5.º, LXIX) e distinguindo-se da modalidade individual da ação pelo objeto, pela natureza do direito ou do interesse jurídico tutelado e, também, pela legitimação ativa.

Considerando a íntima ligação entre ambos os dispositivos e tendo em vista que o inciso LXX é mera regra especial de legitimidade, pode-se conceituar o mandado de segurança coletivo como "a ação constitucionalmente prevista destinada à proteção do direito líquido e certo, não amparável por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público, colocada à disposição dos legitimados no art. 5.º, LXX, para a tutela de interesses ou direitos coletivos, e, para alguns, também de interesses ou direitos difusos e individuais homogêneos" [25].

Indagação que se impõe, dentro do tema ora desenvolvido, é saber se o rol do art. 5.º, LXX, da CF é taxativo ou exemplificativo.

A quase totalidade da doutrina afirma a taxatividade do elenco constitucional dos legitimados ativos para o mandado de segurança coletivo. Tal entendimento prepondera, certamente, em razão de a legitimidade estabelecida pela norma ser extraordinária e, portanto, excepcional, a merecer interpretação restritiva.

A mesma tese já foi defendida em acórdão do Supremo Tribunal Federal [26], cuja emenda transcrevemos parcialmente: "Ao Estado-membro não se outorgou legitimação extraordinária para a defesa, contra ato de autoridade federal no exercício de competência privativa da União, seja para a tutela de interesses difusos de sua população – que é restrita aos enumerados na Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85) –, seja para a impetração de mandado de segurança coletivo, que é objeto da enumeração taxativa do art. 5.º, LXX, da CF. Além de não se poder extrair mediante construção ou raciocínio analógicos, a alegada legitimação extraordinária não se explicaria, no caso, porque, na estrutura do Federalismo, o Estado-membro não é órgão de gestão nem de representação dos interesses de sua população na órbita da competência privativa da União".

Posição contrária que merece destaque, apesar de minoritária, a esposada por Gregório Assagra de Almeida [27], para quem "o inciso LXX do art. 5.º da CF, acima transcrito, não é excludente quanto à legitimidade ativa para a impetração de mandado de segurança, de sorte que deve ser analisado como integrante do rol das regras constitucionais e infraconstitucionais que versam sobre legitimação coletiva, como as previstas nos arts. 5.º, XXI, 8.º, III, 129, III e §1.º, da CF, art. 82 da Lei n.º 8.078/90 e art. 5.º da Lei n.º 7.347/85. Portanto, o art. 5.º, LXX, da CF só dispõe, de forma exemplificativa, sobre legitimação coletiva para a impetração de mandado de segurança, nada mais estabelecendo sobre ele, seja quanto a seus pressupostos, seja quanto ao seu objeto propriamente dito".

Além disso, "embora não mencionado no art. 5.º, LXX, da Constituição Federal, boa parte da doutrina admite a impetração do mandado de segurança coletivo pelo Ministério Público como forma eficaz de tutelar interesses e direitos metaindividuais, dando-se máxima aplicação, assim, às suas funções institucionais definidas nos arts. 127, caput, e 129 da Constituição Federal" [28].

2.1. Breves considerações sobre a tutela coletiva de direitos

O mandado de segurança é uma ação constitucional ambivalente [29], uma vez que, inexistindo, no art. 5.º, LXIX, da CF, qualquer restrição quanto ao objeto material a ser nele versado, isto é, quanto à espécie de direito a ser tutelado pela via mandamental, servirá ela para o amparo de interesses individuais ou coletivos em sentido amplo.

"Com isso, o mandado de segurança é hoje um forte instrumento constitucional contra a ilegalidade ou o abuso de poder, e pode ser eficazmente utilizado, seja pela sua rapidez procedimental, seja pela sua dignidade constitucional, para a tutela dos direitos e interesses massificados, de sorte que é possível que se busque, por seu intermédio, inclusive a tutela jurisdicional coletiva preventiva" [30].

Uma das formas de se reconhecer a ação coletiva é, portanto, a aferição de seu objeto material, da categoria de direito que se busca resguardar através de seu ajuizamento. A tutela coletiva possui, ainda, outras propriedades, que podem ser assim esquematizadas: a) a controvérsia envolve interesses que se inserem numa faixa intermediária entre o interesse público, cujo titular é o Estado, e o interesse privado, ultrapassando a esfera puramente individual, sem atingir, todavia, o status de interesse público. O direito em litígio é massificado, compartilhado por grupos, classes ou categorias de pessoas; b) a legitimação daquele que vai a juízo buscar sua proteção é extraordinária, pois age em nome próprio, na defesa de interesses alheios que podem, ou não, também ser inerentes ao autor da ação coletiva. Trata-se de legitimação extraordinária autônoma e concorrente, podendo ser exercida independentemente da atuação do titular do direito, sem, contudo, excluir a legitimidade ordinária do indivíduo; c) em regra, a reparação do dano é destinada a um fundo comum e não aos lesados, diretamente; d) a coisa julgada produz efeitos erga omnes e, e) o acesso à justiça é facilitado pela presença de litigantes habituais ou corpos intermediários (como, por exemplo, o Ministério Público, as associações e os sindicatos), melhor equipados técnica e economicamente para enfrentar o Poder Público em juízo, em comparação com os indivíduos, litigantes eventuais ou ocasionais.

Resta analisar, ainda que de forma sucinta, as diferentes categorias de interesses metaindividuais ou transindividuais, com o que finalizamos a incursão nas generalidades da tutela coletiva de direitos.

Tais categorias são extraídas do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), que estabelece: "Art. 81. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

O dispositivo conceitua os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, trazendo os elementos fundamentais e distintivos de cada um deles. Os critérios diferenciadores se relacionam ao objeto, aos sujeitos e à origem do direito.

Assim, o direito difuso diz respeito a um bem jurídico indivisível (objeto), compartilhado e fruível, indistintamente, por um grupo indeterminado ou indeterminável de pessoas (sujeito), unidas por uma situação fática (origem). A tutela obtida beneficiará, igualmente, todos os integrantes do grupo.

O direito coletivo, por sua vez, também se relaciona a um bem jurídico indivisível (objeto), o qual, porém, é atribuído a uma classe ou categoria determinada ou determinável de pessoas (sujeito), vinculadas entre si ou ligadas à parte contrária por força de uma relação jurídica base (origem). A tutela incidirá da mesma forma sobre todos os interessados.

Já o direito individual homogêneo se refere a um grupo determinado de pessoas (sujeito) que compartilham prejuízos divisíveis (objeto), advindos de uma relação de fato comum (origem). A reparação será feita de acordo com dano experimentado por cada um.

2.2. Os legitimados ativos para o writ coletivo

O art. 5.º, LXX, da CF estabelece quem são os legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo. A enumeração, segundo o pensamento majoritário, é taxativa ou exaustiva.

Essa legitimação, por ser extraordinária e decorrer de norma constitucional, não tem seu exercício condicionado a qualquer espécie de autorização [31], bastando o preenchimento dos requisitos previstos na própria Constituição.

Nesse sentido, em relação às associações: "Mandado de segurança coletivo - extinção de Cartórios - forma - legitimidade da associação dos notários e registradores do Brasil - ANOREG. Consoante dispõe o artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, as associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano têm legitimidade, como substituto processual, para defender, na via do mandado de segurança coletivo, os interesses dos associados, não cabendo exigir autorização específica para agir." (STF, RE 364051/SP.Relator: Min. Marco Aurélio, julgamento: 17/08/2004, Órgão Julgador: Primeira Turma)

Para os sindicatos: "Recurso Extraordinário. Inadmissibilidade. Sindicato. Mandado de segurança coletivo. Substituto processual. Legitimidade extraordinária. Ofensa ao art. 5º, XXI e LXX, "b", da CF. Inexistência. Agravo regimental não provido. Precedentes. Na segurança coletiva, o sindicato tem legitimação extraordinária, atuando como substituto processual, sem necessidade de autorização expressa." (STF, RE-AgR 348973/DF, Relator(a): Min. Cezar Peluso, julgamento: 23/03/2004, Órgão Julgador: Primeira Turma)

Por fim, no que se refere às entidades de classe, cristalino o teor da Súmula 629 do Supremo Tribunal Federal: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes".

2.2.1. Partidos políticos

Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado [32], formadas pela associação voluntária e organizada de um grupo de pessoas, unidas por uma ideologia política e pelo ânimo de conquistar, manter-se ou influir no poder, com vistas à concretização de seu programa de governo [33].

Para efeitos de legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo, a Constituição exige do partido político o preenchimento de um único requisito objetivo, que é a representação no Congresso Nacional. Basta, para tanto, que o respectivo partido possua um único representante eleito para integrar a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal.

Eventual perda da representatividade não prejudica o mandado de segurança pendente, uma vez que a legitimidade há de ser contemporânea à impetração.

Há controvérsia quanto à possibilidade de o partido político sem representação no Congresso Nacional impetrar o writ coletivo. Calmon de Passos, citado por Lucília Isabel Candini Bastos [34], sustenta que, nessa hipótese, o partido será carecedor da via mandamental.

A tese contrária, esposada por Lira de Carvalho e também apresentada pela referida autora [35], afinada com a gênese constitucional da ação coletiva e com a relevância dos direitos tuteláveis através da mesma, afirma que "o partido político sem representação no Congresso Nacional pode impetrar mandado de segurança coletivo, porque, sendo pessoa jurídica de direito privado, tem seu perfil mais aproximado ao conceito de associação. A Constituição os reconhece desde que tenham adquirido personalidade jurídica na forma da lei civil e logrem o registro de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral, não exigindo que os partidos políticos disponham de titulares de mandato eletivo, e menos ainda de bancada no Congresso Nacional. Nesse caso, porém, os partidos políticos estarão legitimados a ingressar com mandado de segurança coletivo, com fulcro na alínea ‘b’, do mesmo inciso, atuando, destarte, como associação legalmente constituída, devendo observar o requisito de estar em funcionamento há pelo menos um ano, e só poderão postular o mandado de segurança coletivo em defesa dos interesses de seus membros e associados, isto é, filiados".

Também merece análise detida a divergência que gira em torno de quais os direitos passíveis de proteção através de mandado de segurança coletivo impetrado por partido político. É possível distinguir, nesse ponto, ao menos três posições diferentes.

Nos tribunais superiores prevalece a interpretação restritiva, segundo a qual o partido político só teria legitimidade para defender, através de mandado de segurança coletivo, os interesses dos seus filiados, limitados a questões políticas.

Nessa linha: "Constitucional. Processual civil. Mandado de segurança coletivo. Legitimidade ativa ‘ad causam’ de partido político. Impugnação de exigência tributária. IPTU. 1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido." (STF, RE 196184/AM Relator(a): Min. Ellen Gracie, Julgamento: 27/10/2004, Órgão Julgador: Primeira Turma)

"Processual - mandado de segurança coletivo - partido político - ilegitimidade. Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em questões políticas, ainda assim, quando autorizado por lei ou pelo estatuto. Impossibilidade de dar a um partido político legitimidade para vir a juízo defender 50 milhões de aposentados, que não são, em sua totalidade, filiados ao partido e que não autorizaram o mesmo a impetrar mandado de segurança em nome deles. (MS 197/DF, rel. Ministro Jose de Jesus Filho, rel. p/ acórdão Ministro Garcia Vieira, primeira seção, julgado em 08.05.1990, dj 20.08.1990 p. 7950)

Em posição intermediária estão aqueles que entendem que, "embora a função precípua do mandado de segurança coletivo, impetrado por partido político, seja a tutela de interesses coletivos ‘stricto sensu’, todavia, sob certas condições, pode ele ser utilizado para a proteção de interesses difusos" [36]. Assim, o partido político teria legitimidade, excepcionalmente, para tutelar os interesses das pessoas que, não necessariamente filiadas, viessem a ser destinatárias (coletividade indeterminada ou indeterminável) de pontos de seu programa de governo (situação fática) – interesses difusos, portanto.

Preferimos, contudo, a posição mais ampla, por entender que o pensamento restritivo contraria o texto constitucional e a Lei n.º 9.096/95 que em seu art. 1.º dispõe [37]: "O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal".

Inexistindo limitação expressa no texto constitucional e considerando a grandeza e relevância das funções institucionais dos partidos políticos, imperioso concluir que "tudo que transcender o individual, pois de reflexo para toda a coletividade, apresentar-se com caráter de liquidez e certeza e, ainda, tiver em vista o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais traduzidos, ‘lato sensu’, nas liberdades públicas poderá ser objeto do mandado de segurança coletivo impetrado por partido político. Estão os partidos políticos, nesta Carta Constitucional, como garantes da cidadania, do Estado Democrático de Direito, da separação dos Poderes, dos direitos fundamentais, com competência para provocar a atuação do Judiciário" [38].

A nosso ver, os partidos políticos estão legitimados a defender, pela via do mandado de segurança coletivo, os direitos coletivos – em sentido estrito – de seus filiados, bem como os difusos da sociedade em geral, pertinentes não só a questões políticas, mas também a tudo que lesar ou ameaçar os direitos e garantias fundamentais, o Estado Democrático de Direito ou as cláusulas pétreas consagradas na Lei Maior (CF, art. 60, §4.º).

2.2.2. Organizações sindicais, entidades de classe e associações

Sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, verdadeiras associações de pessoas físicas ou jurídicas que exercem atividades econômicas (empregadores) ou profissionais (empregados), voltadas à defesa dos interesses coletivos da categoria ou individuais de seus membros.

A expressão "organizações sindicais" é mais ampla e abarca não só os sindicatos, mas também as federações (geralmente de âmbito estadual ou interestadual) e as confederações (de alcance nacional), tendo, todas elas, legitimidade para o mandado de segurança coletivo.

As entidades de classe nada mais são do que agremiações de pessoas unidas por um objetivo comum e vinculadas a determinada categoria social, profissional ou econômica.

Já as associações são constituídas pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (CC, art. 53), pouco importando que os membros possuam outros interesses em comum, além daqueles avocados pela pessoa jurídica de que fazem parte.

A legitimidade das associações para a impetração do mandado de segurança coletivo fica condicionada à observância dos pressupostos constitucionais, que são: a constituição na forma da lei (CC, arts. 45, 46 e 54) e o efetivo funcionamento há mais de um ano, requisito tendente a evitar que motivações ilegítimas ou transitórias fundamentem a agremiação e a utilização do remédio heróico.

Por se tratar de exigência constitucional, o requisito do efetivo funcionamento há mais de um ano não pode ser dispensado em nenhuma hipótese, não tendo aplicação, em sede de mandado de segurança coletivo, o disposto no art. 82, §1.º, da lei infraconstitucional de proteção ao consumidor [39].

Tais entidades devem indicar, em seus atos constitutivos, suas finalidades institucionais e, ao lado destas, podem encampar outros objetivos, conforme sua exclusiva conveniência, ficando habilitadas a defender seus fins primários ou secundários pela via do mandado de segurança coletivo, ainda que os mesmos correspondam a interesses que transcendam a coletividade reunida (direitos difusos). Essencial é que esses interesses guardem pertinência temática com os fins eleitos pela organização.

Poderão, outrossim, buscar, através da ação mandamental, a tutela dos direitos típicos da categoria que congregam (interesses coletivos em sentido estrito), ainda que não pertencentes à totalidade do grupo. Esclarecedora, nesse aspecto, a Súmula 630 do Supremo Tribunal Federal: "A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria".

No mesmo sentido, a jurisprudência: "Administrativo. Mandado de segurança coletivo. Curso de especialização na atividade da inteligência da policia civil do estado do Espírito Santo. Legitimidade ativa do sindicato. Art. 5º, LXX, a, da Constituição Federal. 1. O Sindicato tem legitimidade ativa para ajuizar mandado de segurança em nome de seus filiados impedidos de participar do processo seletivo. Conflito inexistente com os demais filiados que participaram do concurso. 2. Recurso conhecido e provido." (STF, RE 284993/ES - Relator(a): Min. Ellen Gracie, Julgamento: 15/02/2005, Órgão Julgador: 2.ª Turma)

2.3. Coexistência de mandado de segurança individual e coletivo

Já foi dito que a legitimação extraordinária para o mandado de segurança coletivo não exclui a legitimidade ordinária do titular do direito subjetivo para lançar mão do writ individual.

Registrou-se, também, que a tutela coletiva foi concebida para facilitar o resguardo dos direitos que ultrapassam a esfera estritamente subjetiva e não para prejudicar os seus titulares.

Com isso, torna-se plenamente possível, no caso concreto, a convivência das duas ações, não sendo "invocável, aqui, a excludente de litispendência, eis que, no eventual ajuizamento de mandado de segurança individual e coletivo contra o mesmo coator, pertinente à mesma constrição, não está estritamente configurado o requisito da identidade dos autores" [40].

De fato, não existe, entre as ações mandamentais, a tríplice identidade necessária à caracterização da litispendência (CPC, art. 301, §§2.º e 3.º), em razão, sobretudo, da diversidade de partes autoras que, para o mandado de segurança coletivo, serão aquelas elencadas na CF, art. 5.º, LXX. Fica configurada a exceção, todavia, para o impetrante singular que tenha anuído expressamente à impetração coletiva [41], nos termos do CDC, art. 104, parte final.

Nesse sentido, a ementa parcialmente transcrita: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe não impede o exercício do direito subjetivo de postular, mediante a proposição de ação mandamental individual, o resguardo de direito líquido e certo, não incidindo, nessa hipótese, os efeitos da litispendência. Precedentes." (STJ, AgRg no Ag 549.988/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 20.04.2004, DJ 21.06.2004 p. 201)

Poderá haver, quando muito, conexão entre as causas (CPC, art. 103), o que não induzirá necessariamente a reunião dos feitos com base na prevenção (CPC, arts. 105 e 106), uma vez que não há obrigatoriedade de decisões uniformes.

Sobrevindo a impetração coletiva no curso da ação individual, proceder-se-á nos moldes do Código de Defesa do Consumidor, cujas regras gerais sobre tutela coletiva se aplicam à espécie ante a falta de norma regulamentadora especial do art. 5.º, LXX, da CF. Assim, o impetrante singular deverá ser notificado do ajuizamento da ação coletiva e, a partir de sua ciência, terá o prazo de trinta dias para optar entre o prosseguimento ou a suspensão da demanda (CDC, art. 104, parte final).

Preferindo dar continuidade à ação individual, o impetrante não ficará sujeito aos efeitos da decisão proferida no writ coletivo, ainda que mais benéfica (CDC, art. 104, primeira parte). Se, ao revés, requerer a suspensão de seu processo, será beneficiado pela tutela coletiva favorável ou, se esta for contrária a seus interesses, será possível prosseguir com a ação individual, que poderá ter melhor sorte.

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Sobre a autora
Maria Isabel El Maerrawi

Escrevente técnico-judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Santos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL MAERRAWI, Maria Isabel. Questões sobre a legitimidade ativa para o mandado de segurança individual e coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1810, 15 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11388. Acesso em: 29 mar. 2024.

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