Sumário: 1. Introdução. 2. O PL 2.159/2021: análise crítica das principais alterações propostas. 2.1. Licença por Adesão e Compromisso (LAC): a expansão do autolicenciamento. 2.2. Dispensa de licenciamento: ampliando as exceções à regra. 2.3. Simplificação de procedimentos e prazos: celeridade em detrimento da qualidade?. 2.4. O papel dos órgãos ambientais e a participação social: enfraquecimento institucional. 3. A inconstitucionalidade patente do PL 2.159/2021. 3.1. Violação do artigo 225 da Constituição Federal. 3.2. Afronta ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental. 3.3. Desrespeito aos princípios da precaução e da prevenção. 3.4. A inafastabilidade da tutela estatal ambiental e a fragilização imposta pelo PL. 4. Licenciamento ambiental atual: fraudes, "subproteção jurídica" e a omissão do PL 2.159/2021. 4.1. Panorama das fraudes no sistema vigente. 4.2. A "subproteção jurídica" dos bens ambientais. 4.3. Impacto na capacidade de fiscalização do IBAMA e ICMBio. 5. O PL 2.159/2021 como fator de recrudescimento da criminalidade ambiental e da violência socioambiental. 5.1. Aumento do risco de desmatamento ilegal e grilagem de terras na Amazônia. 5.2. Facilitação da "lavagem" de produtos florestais e minerais ilegais. 5.3. Intensificação de conflitos socioambientais, violência e criminalização de lideranças. 5.4. O exemplo do licenciamento da BR-319 e os riscos associados. 6. Impactos no comércio internacional: o PL 2.159/2021 e a incompatibilidade com o EUDR. 6.1. Análise do Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR). 6.2. Incompatibilidade entre o PL 2.159/2021 e o EUDR. 6.3. Riscos para o comércio brasileiro. 6.4. Desafios específicos para a cadeia da carne bovina. 7. Considerações finais.
1. Introdução
O Projeto de Lei nº 2.159/2021, que tramita no Congresso Nacional e tem origem no PL nº 3.729/2004, emerge com a declarada intenção de modernizar e conferir celeridade ao processo de licenciamento ambiental no Brasil. Contudo, uma análise jurídica aprofundada de suas proposições revela um potencial desmantelamento do arcabouço de proteção ambiental, laboriosamente construído ao longo de décadas de evolução legislativa e jurisprudencial. O licenciamento ambiental, instrumento basilar da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), desempenha um papel essencial na compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a imperiosa necessidade de preservação dos recursos naturais, em consonância com o mandamento insculpido no artigo 225 da Constituição Federal de 1988.
A tese central que se defenderá neste artigo é que o PL 2.159/2021, sob o pretexto de otimizar procedimentos, introduz mecanismos que, na prática, fragilizam o controle ambiental preventivo, ostentam vícios de inconstitucionalidade manifestos, ignoram a complexa e disseminada rede de fraudes já existente no atual sistema de licenciamento e, de forma alarmante, abrem margem para o recrudescimento da criminalidade socioambiental. Adicionalmente, projeta-se um cenário de severas repercussões no comércio internacional brasileiro, especialmente diante de normativas ambientais e de rastreabilidade cada vez mais rigorosas, como o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR).
A relevância desta discussão é premente, não apenas pelo avançado estágio de tramitação do referido projeto de lei, mas também pelas veementes e fundamentadas manifestações contrárias de um amplo espectro de entidades da sociedade civil, órgãos técnicos e instituições de pesquisa, que alertam para os riscos multifacetados da proposta. A longa trajetória legislativa do projeto, que remonta a 2004 , sugere um histórico de debates e resistências, indicando que as preocupações com seus impactos não são recentes. A recente imposição de regime de urgência à sua tramitação pode sinalizar uma janela de oportunidade política para a aprovação de medidas que, em outros contextos, encontrariam maior oposição. Ademais, a convergência de críticas de organizações com focos tão diversos – saúde pública, como a Fiocruz ; conservação ambiental, como WWF e Greenpeace ; combate à corrupção, como a Transparência Internacional ; e defesa dos direitos dos povos indígenas, como o Instituto Socioambiental (ISA) – aponta para um robusto consenso técnico e social sobre a natureza deletéria do PL. Tal amplitude de preocupações sinaliza que os impactos negativos previstos transcendem uma visão puramente setorial, afetando múltiplas dimensões da sociedade e do Estado de Direito Ambiental.
O presente trabalho se propõe a analisar os principais eixos de alteração contidos no PL 2.159/2021, confrontando-os com os ditames constitucionais e a realidade da criminalidade ambiental no país, bem como a delinear os riscos comerciais iminentes, culminando com uma conclusão sobre a imperiosa necessidade de sua rejeição ou, no mínimo, de uma profunda e criteriosa readequação aos princípios que regem a proteção ambiental no ordenamento jurídico pátrio.
2. O PL 2.159/2021: Análise Crítica das Principais Alterações Propostas
O PL 2.159/2021 propõe uma reconfiguração substancial do licenciamento ambiental, introduzindo e expandindo modalidades que, na prática, atenuam o rigor do controle estatal prévio sobre atividades potencialmente poluidoras.
2.1. Licença por Adesão e Compromisso (LAC): A Expansão do Autolicenciamento
Uma das alterações mais controversas é a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), estendendo sua aplicabilidade para atividades consideradas de médio porte e médio potencial poluidor. Essencialmente, a LAC configura uma modalidade de autolicenciamento, na qual o empreendedor declara, por meio de formulários padronizados, o cumprimento das exigências e condicionantes ambientais aplicáveis à sua atividade.
A crítica fundamental a esta expansão reside na eliminação da análise técnica prévia e aprofundada dos impactos ambientais potenciais por parte do órgão licenciador, bem como na supressão da avaliação de alternativas locacionais e tecnológicas. A responsabilidade pela verificação do cumprimento das normas é, em grande medida, transferida ao próprio empreendedor, com a previsão de uma fiscalização posterior realizada por amostragem pelo poder público. Estimativas de especialistas indicam que até 90% dos processos de licenciamento ambiental no país, que atualmente envolvem empreendimentos de pequeno e médio portes, poderiam migrar para o modelo da LAC, abrangendo inclusive setores de significativo impacto, como a maioria das licenças de mineração. Tal proposta contraria frontalmente o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em diversas ocasiões, restringiu a aplicabilidade da LAC apenas a empreendimentos de pequeno porte e baixo potencial poluidor, reconhecendo a necessidade de um escrutínio estatal mais rigoroso para atividades com maior potencial de degradação.
2.2. Dispensa de Licenciamento: Ampliando as Exceções à Regra
O projeto de lei também prevê a dispensa de licenciamento ambiental para um rol considerável de atividades, notadamente no setor agropecuário. Atividades agrossilvipastoris, pecuária extensiva e semiextensiva de pequeno porte, determinadas obras de saneamento básico e melhorias em empreendimentos preexistentes seriam isentas da necessidade de licenciamento, bastando, em alguns casos, o preenchimento de um formulário autodeclaratório para que a licença seja expedida automaticamente.
Essa dispensa generalizada ignora o potencial poluidor cumulativo e sinérgico de tais atividades, especialmente em biomas sensíveis como a Amazônia e o Cerrado, onde a expansão agropecuária tem sido historicamente um dos principais vetores de desmatamento e degradação ambiental. Ademais, a proposta desconsidera o entendimento do STF, que já se manifestou pela inconstitucionalidade da dispensa de licenciamento para atividades com potencial de causar significativa degradação ambiental. A ausência de uma lista nacional mínima de atividades obrigatoriamente sujeitas a licenciamento, transferindo essa definição para a discricionariedade dos estados e municípios, cria um cenário de insegurança jurídica e fomenta o risco de uma "guerra fiscal ambiental", onde entes federativos poderiam flexibilizar excessivamente suas normas para atrair investimentos, em detrimento da proteção ambiental.
2.3. Simplificação de Procedimentos e Prazos: Celeridade em Detrimento da Qualidade?
Com o intuito de agilizar o processo, o PL 2.159/2021 introduz a Licença Ambiental Única (LAU), que consolida em uma única etapa a aprovação da viabilidade ambiental, a instalação, a ampliação e a operação de uma atividade ou empreendimento, além do estabelecimento das condicionantes ambientais. Paralelamente, cria-se a Licença Ambiental Especial (LAE), um mecanismo proposto pela Emenda nº 198, que permitiria ao governo federal, por meio de um comitê de natureza eminentemente política, acelerar a aprovação de projetos considerados "estratégicos" para o país.
Enquanto a LAU, por si só, já representa uma significativa flexibilização dos controles ao condensar fases cruciais do licenciamento, a LAE suscita preocupações ainda maiores. A possibilidade de um comitê político definir quais projetos receberão um tratamento "especial", contornando análises técnicas mais aprofundadas, abre uma perigosa margem para a influência de interesses setoriais e para a aprovação de empreendimentos de alto impacto ambiental e social sem o devido escrutínio. Projetos controversos, como a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, a pavimentação da BR-319 ou a construção da Ferrogrão, poderiam ser beneficiados por este rito sumário.
2.4. O Papel dos Órgãos Ambientais e a Participação Social: Enfraquecimento Institucional
O PL 2.159/2021 promove um sensível enfraquecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Propõe-se a retirada de atribuições técnicas e normativas de órgãos colegiados de fundamental importância, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Adicionalmente, restringe-se a participação de órgãos intervenientes cruciais, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ao estabelecer que seus pareceres técnicos não terão caráter vinculante em diversas situações. Essa não vinculação é particularmente grave no que tange à proteção de Terras Indígenas ainda não homologadas e territórios Quilombolas não titulados, que ficariam à mercê de decisões tomadas sem a devida consideração de seus direitos e especificidades.
A transferência de competências decisórias para estados e municípios, sem o estabelecimento de critérios técnicos mínimos em âmbito nacional, pode levar a uma indesejada heterogeneidade nos padrões de proteção ambiental e a um rebaixamento generalizado das exigências, especialmente em regiões com menor capacidade institucional ou maior pressão de grupos de interesse locais. O enfraquecimento do IBAMA e do ICMBio, órgãos centrais na fiscalização e gestão ambiental federal, é uma consequência direta dessas propostas.
Outros pontos problemáticos incluem a restrição ao rol de condicionantes ambientais que podem ser impostas aos empreendedores, buscando afastar a responsabilidade das empresas na mitigação integral dos impactos socioambientais de suas atividades. A participação social também é mitigada, com a limitação da realização de audiências públicas a apenas uma por processo, exigindo-se justificativa para convocações adicionais. Por fim, a desvinculação do licenciamento ambiental das outorgas para o uso da água e do solo representa mais um retrocesso, fragmentando a análise integrada dos impactos ambientais.
A combinação da LAC ampliada, das extensas hipóteses de dispensa de licenciamento (especialmente para o agronegócio) e da criação da LAE para projetos "estratégicos" configura, na prática, um sistema de "licenciamento de exceção". Nesse novo paradigma, a regra passa a ser a flexibilização e a análise técnica rigorosa e preventiva torna-se uma prática residual, aplicável apenas a um nicho restrito de empreendimentos, o que subverte a própria lógica e finalidade do licenciamento ambiental como instrumento de proteção. A transferência de poder decisório para estados e municípios, sem a salvaguarda de critérios nacionais mínimos, somada às inevitáveis pressões econômicas locais, pode institucionalizar um "dumping ambiental" interno. Isso significa que regiões com menor capacidade de fiscalização ou maior dependência de certos tipos de investimento podem acabar por aprovar projetos com graves passivos ambientais, numa "concorrência antiambiental" que nivela por baixo os padrões de proteção. Finalmente, a restrição da participação de órgãos técnicos especializados como a FUNAI e o IPHAN, e a limitação da participação social, não podem ser vistas como meros ajustes processuais. Representam, em verdade, um enfraquecimento deliberado dos mecanismos de contrapeso técnico e social no processo decisório do licenciamento, concentrando poder e reduzindo a transparência e o controle público sobre decisões que afetam o meio ambiente e os direitos coletivos.
A tabela abaixo sintetiza algumas das principais alterações propostas e suas consequências diretas
Tabela 1: Principais Inovações Problemáticas do PL 2.159/2021 e suas Consequências Imediatas
Inovação/Alteração Proposta pelo PL |
Descrição Sucinta |
Consequência Imediata Prevista |
Expansão da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) |
Autolicenciamento para atividades de médio porte/impacto, com declaração do empreendedor e fiscalização por amostragem. |
Autolicenciamento em larga escala (potencialmente 90% dos casos), eliminando análise prévia de impactos e alternativas. |
Dispensa de Licenciamento para Atividades Agropecuárias e Outras |
Isenção para atividades agrossilvipastoris, pecuária de pequeno porte, algumas obras de saneamento, com base em formulário autodeclaratório. |
Risco de expansão descontrolada do agronegócio sobre áreas de vegetação nativa, ignorando impactos cumulativos. |
Criação da Licença Ambiental Especial (LAE) |
Procedimento acelerado para projetos "estratégicos" definidos por comitê político. |
Aprovação política de projetos de alto impacto sem análise técnica rigorosa, aumentando riscos socioambientais. |
Não vinculação de pareceres de órgãos intervenientes (FUNAI, IPHAN) |
Pareceres técnicos da FUNAI e IPHAN, entre outros, perdem o caráter vinculante em diversas fases do licenciamento. |
Desproteção de Terras Indígenas não homologadas, territórios Quilombolas não titulados e patrimônio cultural. |
Transferência de poder decisório para Estados/Municípios sem critérios nacionais mínimos |
Estados e municípios ganham autonomia para definir atividades sujeitas a licenciamento e seus ritos, sem um padrão nacional. |
Risco de "guerra fiscal ambiental" e rebaixamento dos padrões de proteção para atrair investimentos. |
Restrição de Condicionantes Ambientais |
Limitação do rol de medidas mitigatórias e compensatórias que podem ser exigidas dos empreendedores. |
Dificuldade de responsabilização integral das empresas por danos e transferência de custos socioambientais para a sociedade. |
Redução da Participação Social |
Limitação do número de audiências públicas e restrição a mecanismos de consulta. |
Menor transparência e controle social sobre o processo de licenciamento, enfraquecendo a governança ambiental. |
3. A Inconstitucionalidade Patente do PL 2.159/2021
A análise do PL 2.159/2021 à luz da Constituição Federal de 1988 revela diversas incompatibilidades que comprometem sua validade jurídica e sua adequação ao Estado de Direito Ambiental brasileiro.
3.1. Violação do Artigo 225 da Constituição Federal
O artigo 225 da Carta Magna é o pilar do direito ambiental brasileiro, ao consagrar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Impõe, concomitantemente, ao Poder Público e à coletividade o dever fundamental de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O PL 2.159/2021, ao promover uma flexibilização excessiva e generalizada do licenciamento ambiental, esvazia o conteúdo desse dever estatal de proteção. A dispensa de licenciamento para um vasto leque de atividades com reconhecido potencial degradador e a institucionalização de mecanismos de autolicenciamento, como a LAC, representam uma verdadeira abdicação do Poder Público de seu papel fiscalizador e preventivo, tornando inviável a garantia efetiva de um meio ambiente equilibrado. A inconstitucionalidade aqui não reside em pontos isolados, mas na própria concepção do projeto, que subverte a lógica protetiva do Art. 225, transformando o licenciamento de um instrumento de defesa ambiental em um mero procedimento cartorial para inúmeros casos. Ao instituir o autolicenciamento (LAC) como regra e dispensar outros, o PL inverte o ônus da prova e da responsabilidade, presumindo a regularidade e o baixo impacto, o que contraria a essência do comando constitucional que exige análise e controle prévio para atividades potencialmente poluidoras.
3.2. Afronta ao Princípio da Vedação ao Retrocesso Ambiental
O princípio da vedação ao retrocesso ambiental, embora não positivado expressamente no texto constitucional, é amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como uma decorrência lógica do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do dever de proteção estatal. Decisões como a proferida na ADPF 749 MC-Ref/DF e na ADPF 708 consolidam o entendimento de que é vedada a supressão ou a diminuição dos níveis de proteção ambiental já alcançados pela legislação e pelas políticas públicas, a menos que tais alterações sejam substituídas por mecanismos comprovadamente mais eficientes na salvaguarda ambiental.
O PL 2.159/2021 configura um claro e inequívoco retrocesso ambiental, ao enfraquecer drasticamente um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. As simplificações e dispensas propostas não são acompanhadas de quaisquer garantias de maior eficácia na proteção ambiental; ao contrário, resultam em um aumento exponencial dos riscos de degradação. A flexibilização proposta pode ser interpretada como uma tentativa de contornar a jurisprudência consolidada do STF sobre a importância do licenciamento e a vedação ao retrocesso, utilizando a via legislativa para alcançar o que foi barrado judicialmente. O PL 2.159/2021, ao propor medidas como a LAC ampliada e dispensas que já foram questionadas ou limitadas pelo STF, parece ser uma estratégia para enfraquecer essas proteções por meio de uma nova lei geral, o que levanta sérias questões sobre o respeito às decisões da Corte e ao princípio da separação de poderes.
3.3. Desrespeito aos Princípios da Precaução e da Prevenção
Os princípios da precaução e da prevenção são vetores axiológicos fundamentais do Direito Ambiental e informam toda a atuação estatal na matéria. O princípio da precaução determina que, diante da incerteza científica sobre a ocorrência ou a dimensão de um dano ambiental grave ou irreversível, devem ser adotadas medidas para evitá-lo. Já o princípio da prevenção impõe a atuação prioritária e antecipada para impedir a ocorrência do dano ambiental, cujos riscos são conhecidos.
O PL 2.159/2021, ao promover a dispensa de licenciamento para atividades com potencial de impacto e ao instituir a LAC, que suprime a análise prévia e aprofundada dos riscos, ignora frontalmente a necessidade de uma atuação estatal pautada pela precaução e pela prevenção. A lógica subjacente ao projeto é predominantemente remediativa, e não preventiva, transferindo o ônus da prova do dano e os custos de sua reparação para a sociedade e para o meio ambiente, em flagrante descompasso com os imperativos de uma gestão ambiental responsável.
3.4. A Inafastabilidade da Tutela Estatal Ambiental e a Fragilização Imposta pelo PL
A tutela do meio ambiente, conforme se extrai do artigo 225 da Constituição, é um comando constitucional não facultativo, que vincula todas as estruturas do Poder Público – Legislativo, Executivo e Judiciário – a assumirem posturas e implementarem medidas em conformidade com os ditames de proteção ambiental. O PL 2.159/2021, ao reduzir drasticamente o escopo e o rigor do licenciamento ambiental, fragiliza a capacidade do Estado de exercer essa tutela de forma efetiva. A restrição ao papel de órgãos técnicos especializados, a limitação da participação social nos processos decisórios e a transferência de responsabilidades para esferas administrativas potencialmente menos capacitadas ou mais suscetíveis a pressões locais comprometem a inafastabilidade da tutela ambiental. O argumento de "segurança jurídica", frequentemente utilizado para justificar a simplificação do licenciamento, pode, paradoxalmente, gerar maior insegurança. As patentes inconstitucionalidades do PL, se aprovado, certamente serão objeto de questionamento perante o STF, criando um limbo regulatório e incertezas para os próprios empreendedores, cujas licenças obtidas sob a nova égide poderiam ser posteriormente invalidadas.