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A imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por improbidade.

Diálogo entre os Temas 666, 897 e 899 do STF

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Resumo:


  • A tese do Tema 897 do STF reconhece a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário por ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

  • Essa regra material não se limita à ação de improbidade, estendendo-se a outras formas de persecução judicial com idêntico objeto, desde que respeitados os requisitos legais.

  • A jurisprudência corrobora a tese do Tema 897, destacando que a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por ato doloso visa proteger o patrimônio público contra condutas ímprobas.

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O Tema 897 do STF diz que o dever de ressarcir por ato doloso de improbidade não se sujeita a prescrição. A regra se aplica fora da Lei de Improbidade Administrativa? Este artigo compara a situação com os Temas 666 e 899 e a Súmula 150.

Resumo: O presente artigo analisa os contornos jurídicos da tese firmada no Tema 897 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. A partir de uma leitura constitucional e jurisprudencial sistemática, demonstra-se que tal regra material não se limita à via procedimental da ação de improbidade, estendendo-se a outras formas de persecução judicial com idêntico objeto, desde que respeitados os requisitos legais. Confronta-se a tese com os Temas 666 e 899 do STF, com a Súmula 150, e com princípios estruturantes como segurança jurídica, razoabilidade e proporcionalidade, examinando a jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais estaduais.

Palavras-chave: imprescritibilidade; ressarcimento ao erário; improbidade administrativa; direito sancionador; controle de constitucionalidade.

Sumário: 1. Introdução. 2. Requisitos para aplicação da tese. 3. Hipóteses de aplicação para além da ação de improbidade. 3.1. Jurisprudência aplicada. 4. A Súmula 150 do STF e a imprescritibilidade da execução do ressarcimento ao erário por ato doloso tipificado como improbidade administrativa. 5. Compatibilização com os Temas 666 897 e 899 de repercussão geral. 5.1. Análise dos Temas 666 897 e 899 do STF em harmonia com o disposto no Decreto 20.910/32. 5.2. A Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965) o art. 21. e a relação entre prescrição da ação e imprescritibilidade do ressarcimento. 6. Razoabilidade proporcionalidade e segurança jurídica no contexto da imprescritibilidade. 6.1. A prescrição intercorrente no âmbito da pretensão de ressarcimento ao erário. 7. Conclusão.


1. Introdução

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 852.475 (Tema 897), fixou a tese de que:

“São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.

Essa formulação, embora aparentemente restrita às ações regidas pela Lei nº 8.429/1992, enseja interpretação mais abrangente.

A imprescritibilidade não se limita ao rito processual da ação de improbidade administrativa, mas se refere à natureza da pretensão deduzida em juízo — o ressarcimento por ato doloso ímprobo.

A presente análise se propõe a demonstrar a extensão constitucional da tese e sua compatibilidade com os demais precedentes do Supremo Tribunal Federal, notadamente os Temas 666 e 899 da repercussão geral, além de enfrentar a discussão à luz dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e segurança jurídica.


2. Requisitos para aplicação da tese

A aplicação da tese do Tema 897 pressupõe a presença de três elementos cumulativos:

  1. a prática de ato doloso;

  2. a tipificação desse ato na Lei de Improbidade Administrativa; e

  3. a formulação de pretensão de ressarcimento ao erário.

O dolo exige a demonstração de vontade livre e consciente de produzir o resultado lesivo ao patrimônio público. A tipificação, por sua vez, deve encontrar amparo nos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/1992 (reformada pela Lei nº 14.230/2021).

O que se impõe é a análise material da conduta, independentemente da forma processual escolhida pelo autor da ação.

A imprescritibilidade não decorre da natureza do procedimento, mas da presença dos elementos objetivos e subjetivos exigidos pela Constituição da República no seu art. 37, §5º.


3. Hipóteses de aplicação para além da ação de improbidade

A tese do Tema 897 aplica-se a qualquer ação em que se pretenda o ressarcimento ao erário, desde que fundado em ato doloso de improbidade. Isso inclui:

  • Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), quando houver pedido de ressarcimento e demonstração de dolo;

  • Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), com idêntico objeto;

  • Execução fiscal fundada em acórdão de Tribunal de Contas, desde que o ato reconhecido seja doloso e tipificado na LIA;

  • Ação regressiva com base no art. 37, §6º da CF/88;

  • Ações decorrentes de convênios e contratos administrativos com evidência de má-fé.

3.1. Jurisprudência aplicada

A jurisprudência corrobora a tese, como se verifica nos seguintes precedentes:

A seguir, destacam-se trechos relevantes de julgados que ilustram a aplicação da tese e reforçam a fundamentação do artigo:

Precedente 1:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Prejuízo ao erário – Convênio firmado entre os entes públicos Estadual e Municipal que resultou na evolução de gastos pelo ente Municipal sem que o ente Estadual tivesse autorizado, conforme obrigação contratual assumida no Convênio firmado entre as partes, que consta da CLÁUSULA PRIMEIRA, PARÁGRAFO ÚNICO do Convênio nº 300/2006 – Aditivo ao Convênio em que o ente público Municipal confessa a existência de prejuízo - Imprescribilidade do ressarcimento ao erário reconhecido em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, conforme julgamento sob Repercussão Geral do RE nº 852475, Relatado pelo Ministro ALEXANDRE DE MORAES, em Sessão do Plenário do C. STF de 08/08/18 – TEMA 666, do STF não aplicado no caso concreto, conforme entendimento do próprio C.STF (EDCL no RE nº 669.069/MG) - Precedentes do C. STJ e desta C. 9ª Câmara de Direito Público – Cerceamento de defesa não evidenciado - Procedência da ação mantida, com anotação acerca do cumprimento do ressarcimento integral do prejuízo ao erário, e observância dos parâmetros admitidos pelo art. 12, II, da Lei nº 8.429/92 – Recurso não provido.

TJSP – Apelação Cível nº 0000936-29.2014.8.26.0424

Precedente 2:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DA TESE FIRMADA NO TEMA N. 666, DO STF. DESCABIMENTO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO VINCULADA À UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS PÚBLICAS. IMPRESCRITIBILIDADE EM FACE DE ATOS ÍMPROBOS DOLOSOS. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL. RE N. 852.475/SP (TEMA N. 897). MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.” “O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema n. 897, da Repercussão geral (RE n. 852.475/SP), fixou a tese de que são "(...) imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

TJSC – Agravo de Instrumento nº 4017061-98.2016.8.24.0000

Precedente 3:

PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO EM FACE DE DECISÃO PARADIGMÁTICA. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. STF - TEMA 666. INTEGRALIZAÇÃO DO JULGADO. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO DECORRENTE DE CONDUTA CARACTERIZADA COMO CRIME. MÁ-FÉ DO SEGURADO. SIMULAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. 1. Estando o acórdão proferido em discordância parcial com o entendimento firmado pelo STF no julgamento do Tema nº 666, impõe-se a realização de juízo de retratação no julgado, na forma do artigo 1.030, II, do CPC, alterando-se parcialmente a decisão prolatada. 2. Tema STF nº 666: O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial. 3. Quando do julgamento do mérito, restou constatada a má-fé do segurado, o qual contribuiu para a simulação do tempo de serviço de mais de 15 anos, sem o qual não teria obtido o benefício. No caso, o agir doloso do segurado caracteriza o crime, em tese, de estelionato previdenciário. 4. Tratando-se de cobrança de danos decorrentes de ilícito penal, ante a constatação de potencial crime de estelionato previdenciário, nos termos do disposto no art. 171, §3º, do Código Penal, a pretensão de ressarcimento é imprescritível, ainda que não comprovada a instauração do devido processo penal.

TRF4 – Apelação Cível nº 5020422-17.2014.4.04.7001/PR

Precedente 4:

APELAÇÃO – Ação Civil Pública de Ressarcimento por Dano ao Erário - Juízo a quo que condenou o ex-prefeito a devolução de valores, ante a ausência de prestação de contas relativa ao Convênio 021/04 com a Secretaria Estadual de Cultura – Ressarcimento ao erário que é imprescritível tão somente nos caso de atos dolosos de improbidade - Inexistência de detalhamento e descrição pormenorizada das respectivas e eventuais condutas consideradas ilegais - Ausência de provas quanto ao dolo do agente, sendo de rigor o reconhecimento da prescrição - Tema nº 897 do E. STF (São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa) - Jurisprudência desta E. Corte Bandeirante - Sentença reformada – Apelação provida.

TJSP – Apelação Cível nº 1005881-47.2016.8.26.0529

Todavia, a análise dessa temática não se limita somente ao referido aspecto procedimental, mas pode avançar em outras nuances que trazem luz ao emaranhado de normas e entendimentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal em relação à questão da prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos causados ao erário.


4. A Súmula 150 do STF e a Imprescritibilidade da Execução do Ressarcimento ao Erário por Ato Doloso Tipificado como Improbidade Administrativa

A Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal estabelece uma regra de simetria fundamental no direito processual brasileiro:

"Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação".

Tal preceito sumular consolida o entendimento de que, uma vez prescrita a pretensão de conhecimento (a ação), ou findo o prazo para a execução do título judicial ou extrajudicial, não se pode mais buscar a satisfação do direito em juízo. Ela reflete o princípio da segurança jurídica e a necessidade de estabilidade das relações.

Entretanto, no contexto da pretensão de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade administrativa, a regra da Súmula 150 encontra uma exceção de índole constitucional, em valor fundamental que não pode ser desprezado, sob pena de desequilíbrio por completo de nosso sistema constitucional.

Consoante a tese firmada no Tema 897 da repercussão geral, as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa são imprescritíveis, corolário do que dispõe o art. 37, §5º, da Constituição Federal.

Se a pretensão de exigir o ressarcimento é imprescritível em sua fase de conhecimento (a ação), logicamente, a pretensão de cobrá-lo e efetivá-lo (o cumprimento de sentença) também o será, não se podendo sequer falar, também, em prescrição intercorrente.

A imprescritibilidade do ressarcimento é uma norma material que tutela o patrimônio público, não se restringindo à fase cognitiva do processo.

Assim, em se tratando de título executivo judicial (formado em uma ação de improbidade) ou extrajudicial (como um título de Tribunal de Contas, desde que a conduta subjacente seja comprovadamente dolosa e ímproba, afastando o Tema 899), fundado em ato doloso de improbidade, a imprescritibilidade alcança integralmente também a fase de execução.

Interpretar a Súmula 150 de forma a permitir a prescrição da execução de um ressarcimento que a Constituição declara imprescritível na ação seria esvaziar o mandamento constitucional e comprometer a efetividade da proteção do patrimônio público contra condutas dolosas.

Dessa forma, para os casos abarcados pelo Tema 897, a Súmula 150 do STF é afastada pela força do art. 37, §5º, da CF/88, garantindo que o dano doloso ao erário possa ser reparado a qualquer tempo, tanto na fase de reconhecimento do direito quanto na fase de sua concretização executiva.

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5. Compatibilização com os Temas 666, 897 e 899 de Repercussão Geral

O Tema 666 reconhece a prescrição das ações de ressarcimento fundadas em ilícitos civis, e o Tema 899 fixa a prescrição das pretensões fundadas exclusivamente em decisões de Tribunais de Contas.

O Excelso Pretório, no próprio julgamento do Tema 897, distinguiu essas hipóteses: a imprescritibilidade só se aplica quando houver dolo e tipificação legal da conduta. Na ausência de um desses elementos, incide a prescrição.

Para uma compreensão completa do regime prescricional dos atos de improbidade administrativa, é imperativo abordar a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 666 (RE 669.069).

Enquanto o Tema 897 cuida da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade, os Tema 666 e 899 estabeleceram a prescritibilidade das ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 666 da repercussão geral no Recurso Extraordinário 669.069/MG, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, firmou a seguinte tese:

CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Mas, para complementar a compreensão sobre a prescrição de pretensões de ressarcimento, é fundamental a análise do Tema 899 do STF, que trata da prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 636.886, fixou a seguinte tese:

Tese (Tema 899): “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundado em decisão do Tribunal de Contas.”

Descrição: Recurso extraordinário em que se discute o escopo da regra estabelecida no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, relativamente a pretensões de ressarcimento ao erário fundado em decisões de Tribunal de Contas.

De outra parte, não se pode perder de vista que a regra geral de prescrição de pretensões em face da Fazenda Pública é a de que tal lapso é quinquenal, de conformidade com o disposto no artigo 1º do Decreto nº 20.910/32.

Todo esse cabedal normativo e jurisprudencial não pode ser interpretado isoladamente, sob pena de indesejável distorção.

5.1. Análise dos Temas 666, 897 e 899 do STF em Harmonia com o disposto no Decreto 20.910/32

O método de interpretação sistemática, mais consentâneo na espécie, revela a coexistência e a intelecção conjunta dos Temas 666, 897 e 899, em harmonia com o regime geral do Decreto 20.910/32, a evidenciar, de modo inequívoco, a clara distinção operada pelo STF entre a natureza jurídica das pretensões de ressarcimento.

O Tema 666, ao afirmar a prescritibilidade das ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil, demarca a regra geral para a recomposição do erário por danos que não se enquadram na categoria específica dos atos dolosos de improbidade administrativa. Nesses casos de mero ilícito civil (como, por exemplo, um dano causado por negligência sem a qualificação de improbidade), o regime prescricional aplicável será o da legislação específica (como o Código Civil ou, subsidiariamente, o próprio Decreto 20.910/32).

De forma análoga, o Tema 899 estabelece a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas. Essa decisão, embora possa gerar um título executivo, por si só não implica a imprescritibilidade, exceto se a conduta que deu origem ao débito for qualificada como ato doloso de improbidade administrativa. A ausência de julgamento definitivo ou de tipificação do dolo ímprobo nas decisões de contas submete a pretensão ao regime prescricional ordinário.

De outro lado, a pretensão de ressarcimento ao erário por ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, objeto do Tema 897, possui caráter de tutela do bem jurídico e, por expressa ressalva constitucional (art. 37, §5º da CF), constitui uma exceção à regra da prescrição quinquenal estabelecida no Decreto 20.910/32, à prescritibilidade geral dos ilícitos civis firmada no Tema 666, e também à prescritibilidade das pretensões fundadas unicamente em decisões de Tribunais de Contas (Tema 899).

Essa distinção é fundamental. O ordenamento jurídico brasileiro não permite que a punição do agente seja eternizada (a prescritibilidade das sanções da LIA é reconhecida, a exemplo da lógica do Tema 666 para outros ilícitos), nem que todas as pretensões de ressarcimento da Fazenda Pública sejam imprescritíveis (regra do Tema 666 para ilícitos civis e do Decreto 20.910/32, e Tema 899 para decisões de Tribunais de Contas sem dolo ímprobo).

Porém, tampouco tolera que o dano ao patrimônio público, decorrente de conduta dolosa e ímproba, permaneça sem reparação. O Tema 666 e o Tema 899, portanto, pacificam as controvérsias sobre a prescrição das ações de ressarcimento por ilícitos civis em geral e das pretensões fundadas em decisões de Tribunal de Contas, respectivamente, enquanto o Tema 897, fundamentado diretamente no art. 37, §5º, da CF, assegura a recomposição do erário para os casos qualificados de improbidade dolosa.

Assim, a imprescritibilidade do ressarcimento por improbidade dolosa não viola a segurança jurídica, mas sim a concretiza no tocante à proteção do patrimônio público contra condutas dolosas, afastando a aplicação dos prazos gerais e das teses dos Temas 666 e 899 para essa hipótese específica e mais grave.

5.2. A Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), o Art. 21. e a Relação entre Prescrição da Ação e Imprescritibilidade do Ressarcimento

A Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965) é um instrumento essencial para a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa. No entanto, o seu Art. 21. estabelece uma regra expressa de prescrição para a própria ação: "A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos." Isso significa que o cidadão interessado em propor uma Ação Popular deve fazê-lo dentro de um quinquênio, a contar da data em que o ato lesivo se tornou público.

Essa prescrição quinquenal da Ação Popular, enquanto veículo processual, demanda uma análise cuidadosa em face da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 897 da repercussão geral, que declara a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundado na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

A aparente contradição é resolvida pela distinção entre a prescrição da ação (veículo processual) e a imprescritibilidade da pretensão material de ressarcimento. Se uma Ação Popular for proposta fora do prazo de 5 (cinco) anos, ela será extinta com resolução de mérito pela prescrição, impedindo que, por aquela via processual específica, o ato seja anulado ou o ressarcimento exigido.

Contudo, a imprescritibilidade do ressarcimento por ato doloso de improbidade (Tema 897) adere à pretensão material de recomposição do patrimônio público, e não necessariamente a um único e específico instrumento processual. Assim, mesmo que a Ação Popular se torne prescrita, a pretensão imprescritível do Estado de ser ressarcido por um dano ao erário decorrente de ato doloso de improbidade persiste. Isso implica que:

A pretensão de ressarcimento por ato doloso de improbidade pode ser buscada por outras vias processuais, como a Ação Civil Pública (proposta pelo Ministério Público ou pelos entes públicos), as quais, se fundadas diretamente no art. 37, §5º, da Constituição Federal, não estariam sujeitas à prescrição para fins de ressarcimento.

A imprescritibilidade do ressarcimento significa que o dano ao erário, resultante de dolo ímprobo, pode ser perseguido pela Fazenda Pública a qualquer tempo, por meios administrativos de cobrança ou por outras vias judiciais que não possuam prazo prescricional específico para a pretensão de ressarcimento.

A interação da Lei da Ação Popular com os demais Temas do STF se dá da seguinte forma:

  • Com o Tema 897 (Imprescritibilidade do Ressarcimento por Improbidade Dolosa): A prescrição do Art. 21. da Lei da Ação Popular se refere à ação em si. Se, dentro dos 5 anos, uma Ação Popular for ajuizada e julgada procedente, reconhecendo ato doloso de improbidade com dano ao erário, o valor do ressarcimento da condenação será imprescritível para sua execução, por força do Tema 897, aplicando-se a lógica já exposta em relação à Súmula 150do STF. Se a Ação Popular prescrever, a pretensão de ressarcimento ligada ao ato doloso ímprobo ainda pode ser buscada por outra ação ou meio imprescritível.

  • Com o Tema 666 (Prescritibilidade de Ilícitos Civis): Se a Ação Popular buscou ressarcimento por um mero ilícito civil (sem a qualificação de dolo e improbidade), além de a própria ação prescrever em 5 anos (Art. 21. LAPA), a pretensão de ressarcimento ao erário também será prescritível, em consonância com a tese do Tema 666.

  • Com o Tema 899 (Prescritibilidade da Pretensão Fundada em Decisão de Tribunal de Contas): A Lei da Ação Popular não prevê diretamente a atuação do Tribunal de Contas para expedir título executivo com base em sua sentença. No entanto, se um Tribunal de Contas, em processo próprio, chegar a uma decisão de imputação de débito decorrente de um ato também discutido em Ação Popular, a pretensão de ressarcimento baseada na decisão do TC será prescritível se não se fundar em ato doloso de improbidade, conforme o Tema 899.

Em suma, o art. 21 da Lei da Ação Popular estabelece um limite temporal para o exercício do direito de ação do cidadão naquela via específica. Contudo, a prescrição da Ação Popular não fulmina a imprescritibilidade da pretensão material do Estado de ser ressarcido por danos ao erário decorrentes de atos dolosos de improbidade, que pode ser veiculada por outros instrumentos processuais ou meios de cobrança que gozem dessa garantia constitucional.

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Sobre os autores
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor Universitário, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Maria Catarina Delfino Lagrotta

Bacharelanda do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif ; LAGROTTA, Maria Catarina Delfino. A imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por improbidade.: Diálogo entre os Temas 666, 897 e 899 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8009, 5 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114283. Acesso em: 12 jun. 2025.

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