Capa da publicação Regulação das bets: lições de Reino Unido, Malta e Portugal
Capa: Sora
Artigo Destaque dos editores

Comparativo legislativo: a regulamentação de apostas esportivas no Brasil e em jurisdições internacionais (Reino Unido, Malta e Portugal)

Leia nesta página:

Quais ensinamentos o Brasil pode extrair das leis de apostas do Reino Unido, Malta e Portugal? O artigo compara marcos legais para estruturar uma regulação eficaz e segura.

Resumo: Este artigo propõe uma análise comparativa da regulamentação das apostas esportivas no Brasil e em três importantes jurisdições internacionais: Reino Unido, Malta e Portugal. Com a crescente expansão do mercado de jogos online e a imperiosa necessidade de proteger os consumidores e garantir a arrecadação tributária, diversos países adotaram modelos regulatórios específicos. O Brasil, por sua vez, caminha em direção à consolidação de sua legislação após a promulgação da Lei nº 13.756/2018 e a mais recente Lei nº 14.790/2023. O estudo destaca os principais pontos de convergência e divergência entre esses sistemas legais, apontando lições que o Brasil pode aprender e riscos que deve evitar ao estruturar e aprimorar seu próprio marco normativo para as apostas esportivas.


INTRODUÇÃO

A regulamentação das apostas esportivas tem se consolidado como uma pauta de grande relevância em inúmeras jurisdições, impulsionada pela exponencial expansão do ambiente digital e pelo substancial impacto econômico intrínseco a essa atividade. No contexto brasileiro, a notável adesão da população às plataformas de apostas online catalisou um significativo avanço legislativo. Contudo, frente aos desafios de natureza normativa, técnica e ética, o direito comparado emerge como uma ferramenta heurística indispensável para a concepção de um modelo regulatório que seja simultaneamente eficiente, equitativo e seguro.

Este artigo se propõe a analisar o panorama regulatório das apostas esportivas no Brasil, cotejando-o com os marcos normativos de nações que ostentam experiência consolidada no tema — notadamente o Reino Unido, Malta e Portugal. O objetivo primordial é identificar boas práticas passíveis de emulação e equívocos a serem prevenidos, fornecendo subsídios para o aperfeiçoamento da estrutura regulatória brasileira.


1. O CENÁRIO REGULATÓRIO BRASILEIRO: PRIMEIROS PASSOS E DESAFIOS

Antes da recente promulgação da Lei nº 14.790/2023, o mercado de apostas esportivas online no Brasil operava em um vácuo regulatório substancial, apesar da permissão para apostas de quota fixa estabelecida pela Lei nº 13.756/2018. A nova legislação busca preencher essa lacuna, estabelecendo um arcabouço normativo para a outorga de licenças, a tributação, a publicidade e, crucialmente, as diretrizes de jogo responsável.

1.1. Marco legal

A legalização das apostas de quota fixa no Brasil foi instituída pela Lei nº 13.756/2018, que autorizou o então Ministério da Fazenda (atualmente Ministério da Economia) a proceder à disciplina e regulamentação da exploração dessa atividade em âmbito nacional. Essa norma delineou o caráter predominantemente comercial da atividade, abrindo precedente para concessões à iniciativa privada.

Subsequentemente, a Medida Provisória nº 1.182/2023, que culminou na Lei nº 14.790/2023, representou um avanço substantivo. Esta legislação regulamenta a exploração comercial das apostas de quota fixa, delineando requisitos para o licenciamento, estabelecendo mecanismos de combate à manipulação de resultados e definindo diretrizes para a publicidade.

1.2. Diretrizes e desafios

O modelo regulatório brasileiro adota o regime de autorização, condicionado à satisfação de rigorosos requisitos financeiros, técnicos e éticos. A regulamentação contempla:

  • Exigência de sede no Brasil ou de representação legal devidamente constituída.Z

  • Pagamento de outorga e de tributos específicos incidentes sobre a atividade.

  • Implementação de regras para a prevenção de lavagem de dinheiro (AML - Anti-Money Laundering).

  • Desenvolvimento de medidas de proteção para menores de idade e indivíduos vulneráveis.

Não obstante os avanços, persistem desafios consideráveis, notadamente no combate à clandestinidade, na garantia de uma fiscalização eficiente e no controle da publicidade potencialmente agressiva ou enganosa. A efetividade da lei dependerá intrinsecamente da regulamentação complementar e da rigorosa atuação fiscalizatória.

2. MODELOS INTERNACIONAIS DE REGULAMENTAÇÃO: CASOS EMBLEMÁTICOS

A experiência de jurisdições com mercados de apostas esportivas já estabelecidos oferece um vasto campo para o estudo de diferentes abordagens regulatórias. Reino Unido, Malta e Portugal são exemplos notáveis, cada um com arcabouços legais distintos que podem prover insights valiosos para a estratégia brasileira.

2.1. Reino Unido: o modelo liberal e o foco na proteção

O Reino Unido detém um dos mercados de apostas mais desenvolvidos e liberais do cenário global, regulado pela Gambling Commission (UKGC). A Gambling Act 2005 estabeleceu um regime abrangente, pautado por três objetivos primordiais:

  • Prevenir o crime associado ao jogo.

  • Garantir que o jogo seja conduzido de forma justa e aberta.

  • Proteger crianças e outras pessoas vulneráveis de serem prejudicadas ou exploradas pelo jogo.

2.1.1. Destaques do modelo britânico
  • Licenciamento flexível: Variados tipos de licenças para diferentes operações (online, varejo, cassinos, etc.).

  • Publicidade permissiva, porém regulada: Códigos de conduta robustos para mitigar apelos excessivos ou enganosos.

  • Fortes medidas de jogo responsável: Ferramentas como o GAMSTOP (esquema nacional de autoexclusão online), limites de depósito obrigatórios e rigorosa verificação de idade. Um fundo compulsório para tratamento de vícios complementa essas medidas.

  • Tributação sobre o GGR (Gross Gaming Revenue): Imposto incidente sobre a receita bruta de jogo das operadoras.

  • Fiscalização ativa: A UKGC atua proativamente na aplicação de multas e na revisão de licenças em caso de descumprimento.

2.1.2. Pontos fortes e críticas

A alta transparência, a regulação técnica e dinâmica com revisões constantes, e um canal de denúncia acessível são pontos positivos. Contudo, há críticas quanto ao crescente número de casos de vício, a publicidade excessiva ligada a clubes esportivos e a pressão por uma reforma, evidenciada pelo Gambling White Paper 2023.

2.2. Malta: o hub de jogos online e a abordagem B2B

Malta se consolidou como um dos principais hubs para empresas de jogos de azar online globalmente, sob a égide da Malta Gaming Authority (MGA). Sua regulamentação, fundamentada na Gaming Act 2018, é reconhecida por sua estrutura modular e seu enfoque em serviços B2B (business-to-business).

2.2.1. Destaques do modelo maltês
  • Licenças de classes: A MGA oferece diferentes categorias de licenças (e.g., B2C para operadores, B2B para fornecedores de software), o que fomenta a inovação e o ecossistema da indústria.

  • Regime tributário atrativo: Taxas competitivas que incentivam a instalação de empresas no país.

  • Conformidade rigorosa: Forte ênfase em AML (Anti-Money Laundering) e CFT (Combating the Financing of Terrorism).

  • Proteção do consumidor: Embora o foco seja mais na atração de empresas, a MGA também implementa medidas para a proteção dos jogadores, como requisitos de segregação de fundos.

2.2.2. Pontos positivos e críticas

A estabilidade regulatória, a facilidade para startups do setor e uma forte supervisão técnica são características positivas. No entanto, o modelo enfrenta críticas relacionadas a acusações de baixa efetividade contra fraudes e potenciais conflitos de interesse decorrentes da atratividade fiscal.

2.3. Portugal: o modelo fechado e o controle estrito

Portugal adotou um modelo regulatório mais restritivo e centralizado, gerido pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ). A legislação portuguesa, em vigor desde 2015 por meio do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (Lei n.º 66/2015), optou por um sistema de licenças limitado, com um foco acentuado na proteção do consumidor e no combate à ilegalidade.

2.3.1. Destaques do modelo português
  • Licenciamento restritivo: Número limitado de licenças concedidas, com requisitos rigorosos e elevados custos de entrada. Exige que os operadores estejam legalmente constituídos na União Europeia.

  • Tributação elevada: As operadoras estão sujeitas a impostos progressivos sobre a receita bruta, o que pode ser considerado alto em comparação com outras jurisdições.

  • Plataforma de autoexclusão centralizada: Um sistema nacional robusto permite que os jogadores se autoexcluam de todas as plataformas licenciadas.

  • Publicidade restrita: Regulamentação rigorosa sobre a forma e o conteúdo da publicidade.

  • Prevenção de fraude: O SRIJ colabora ativamente com entidades esportivas para monitorar e prevenir a manipulação de resultados.

2.3.2. Críticas

As principais críticas se dirigem à alta carga tributária, que pode desincentivar novos operadores e reduzir a competitividade do mercado legal em face de sites internacionais ilegais. O processo burocrático de licenciamento também é um ponto de crítica.


3. COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS

Elemento

Brasil (Pós Lei nº 14.790/2023)

Reino Unido

Malta

Portugal

Modelo Regulatório

Autorização

Licenciamento

Licenciamento

Licenciamento

Órgão Regulador

Ministério da Fazenda/Economia

UKGC

MGA

SRIJ

Foco Principal

Arrecadação e integridade esportiva

Proteção do consumidor

Atração de operadores

Controle estatal

Tributação

Moderada (sobre GGR)

Moderada

Baixa

Alta

Publicidade

Regulada

Regulada, mas com pontos de excesso

Controlada

Fortemente limitada

Medidas de Proteção

Presentes, em desenvolvimento

Robusta

Técnicas e acessíveis

Estritas


4. O QUE O BRASIL PODE APRENDER E EVITAR

Com base nas experiências internacionais, o Brasil pode extrair valiosas lições para otimizar sua regulamentação e construir um mercado de apostas esportivas sustentável e responsável.

4.1. Lições positivas a aprender

  • Do Reino Unido: A estruturação de um órgão regulador independente, com fiscalização transparente e um foco primordial na proteção dos indivíduos vulneráveis. A experiência britânica demonstra que um mercado liberal pode coexistir com mecanismos robustos de proteção ao consumidor.

  • De Malta: A criação de um ambiente regulatório amigável ao mercado e à inovação tecnológica. A experiência maltesa ilustra o potencial de se tornar um polo regional para a indústria, atraindo investimentos e fomentando a inovação por meio de um modelo de licenciamento por classes.

  • De Portugal: A implementação de um controle rígido e medidas eficazes contra o jogo problemático, incluindo um sistema de autoexclusão centralizado e a colaboração ativa com entidades esportivas para a prevenção da manipulação de resultados.

4.2. Cuidados a tomar (armadilhas a evitar)

  • Evitar o excesso de tributação (como observado em Portugal), que pode desincentivar novos operadores, favorecer a clandestinidade e impulsionar jogadores para o mercado ilegal. O Brasil deve ponderar cuidadosamente suas alíquotas para garantir a competitividade do mercado legal.

  • Regular com equilíbrio a publicidade, evitando a associação excessiva do jogo ao esporte ou a apelativação a grupos vulneráveis, uma lição aprendida das fases iniciais do mercado britânico.

  • Garantir uma estrutura técnica autônoma e bem financiada para a fiscalização, evitando a centralização excessiva que poderia comprometer a agilidade e a eficácia regulatória. A burocracia excessiva nos processos de licenciamento também deve ser evitada.

    Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
    Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
  • Subestimar a manipulação de resultados e a necessidade de mecanismos eficazes de cooperação com federações e ligas. A integridade esportiva é um pilar fundamental que exige atenção contínua.

  • Falta de Monitoramento Contínuo: A regulamentação não é estática. É crucial que o órgão regulador monitore o mercado, avalie o impacto das normas e esteja preparado para revisões e atualizações.


CONCLUSÃO

O Brasil se encontra diante de uma oportunidade singular de edificar um modelo regulatório para as apostas esportivas que seja eficiente, equilibrado e sustentável. Ao analisar detidamente os modelos implementados no Reino Unido, Malta e Portugal, torna-se possível discernir boas práticas a serem incorporadas — como a criação de uma agência reguladora independente, a instituição de mecanismos de prevenção ao vício e a regulação transparente da publicidade — e, igualmente, discernir alertas sobre armadilhas a serem preemptivamente evitadas.

A regulamentação brasileira deve transcender a mera priorização da arrecadação fiscal, alçando como objetivos basilares a proteção social, a integridade esportiva e a segurança jurídica tanto dos operadores quanto dos apostadores. A observação contínua e a capacidade de adaptação às melhores práticas internacionais constituem o roteiro mais seguro para navegar pelos desafios inerentes e maximizar os benefícios potenciais dessa nascente indústria no cenário brasileiro.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Dispõe sobre o regime de exploração das apostas de quota fixa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 dez. 2018.

BRASIL. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre a regulamentação da exploração comercial de jogos e apostas de quota fixa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 dez. 2023.

MALTA. Gaming Act, 2018. Disponível em: https://www.mga.org.mt/wp-content/uploads/Gaming-Act-2018-Cap-583.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.

MALTA GAMING AUTHORITY. Disponível em: https://www.mga.org.mt/. Acesso em: 27 jun. 2025.

MARTINS, C. M. Regulação do Jogo Online: Experiências Internacionais e Perspectivas para o Brasil. Revista Brasileira de Direito Econômico, São Paulo, 2023.

PORTUGAL. Lei n.º 66/2015 – Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online. Diário da República, 1.ª série — N.º 125 — 30 de junho de 2015.

SERVIÇO DE REGULAÇÃO E INSPEÇÃO DE JOGOS – PORTUGAL. Disponível em: https://www.srij.turismodeportugal.pt/. Acesso em: 27 jun. 2025.

UNITED KINGDOM. Gambling Act 2005. Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/19/contents. Acesso em: 27 jun. 2025.

UK GAMBLING COMMISSION. Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/. Acesso em: 27 jun. 2025.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Mariana Leticia Pereira. Comparativo legislativo: a regulamentação de apostas esportivas no Brasil e em jurisdições internacionais (Reino Unido, Malta e Portugal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8037, 3 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114709. Acesso em: 8 jul. 2025.

Mais informações

Artigo científico apresentado ao curso de Direito da UNIDON - Don Domenico, Guarujá (SP), em 2025, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Wanderson

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos