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Plano Collor: o que ainda pode ser recuperado?

24/07/2008 às 00:00

Resumo:


  • O Plano Collor, implementado em 1990, causou grande impacto na sociedade brasileira ao confiscar valores depositados em cadernetas de poupança e adotar índices de correção "expurgados", gerando uma série de ações judiciais de poupadores buscando a correção monetária integral pelo IPC dos saldos bloqueados e transferidos ao Banco Central do Brasil.

  • O Supremo Tribunal Federal decidiu que os valores bloqueados e transferidos ao Banco Central não mantinham a natureza de depósitos em cadernetas de poupança e, portanto, não havia direito adquirido ao IPC, legitimando a correção pela BTN Fiscal; a responsabilidade por ações judiciais recaiu sobre o Banco Central, e quaisquer ações contra ele já estão prescritas desde março de 1995.

  • Ainda há possibilidades de recuperação de perdas relacionadas ao Plano Collor por meio de ações judiciais, especialmente para valores não bloqueados e que deveriam ter sido corrigidos pelo IPC em maio de 1990, e para grupos específicos como aposentados, pensionistas e outros que não tiveram seus saldos totalmente bloqueados, com prazo prescricional de 20 anos, encerrando-se em maio de 2010.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Mais de 18 anos depois do Plano Collor, algo pode ser recuperado daquele "calote" governamental que confiscou a poupança e adotou índices "expurgados" para se aferir a inflação?

Passados mais de 18 anos da implementação do Plano Collor, subsiste a dúvida na sociedade brasileira se alguma coisa pode ser recuperada daquele verdadeiro "calote" governamental que, à guisa de supostamente combater a inflação, confiscou os valores depositados em contas poupança e adotou índices "expurgados" para se aferir a inflação da época, criando uma expectativa de redução da espiral inflacionária – que, ao final, não se verificou– à custa de muito sacrifício da sociedade.

Nos anos 90, constatou-se uma autêntica "enxurrada" de ações judiciais buscando o reconhecimento do direito dos poupadores ao recebimento da correção monetária integral, pelo IPC, para os saldos bloqueados das contas em caderneta de poupança que haviam sido transferidos ao Banco Central do Brasil, por força das disposições contidas na Medida Provisória nº 168/90 (15/03/1990), depois convertida na Lei nº 8.024/90, de 12.04.1990.

Com efeito, nos termos daquela lei, os saldos das cadernetas de poupança excedentes ao valor estipulado de NCz$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos) seriam convertidos em cruzeiros somente a partir de 16.09.1991, e permaneceriam até então bloqueados sob a guarda do Banco Central do Brasil, recebendo correção pela variação mensal da BTN Fiscal, em substituição ao IPC, índice que, até a edição da MP 168/90, era aplicado à correção monetária mensal das cadernetas de poupança.

Já os valores inferiores a quantia estipulada de NCz$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos) seriam imediatamente convertidos para a nova moeda – cruzeiro – e permaneceriam sob a livre disposição dos poupadores.

Pois bem: Quanto aos cruzados novos bloqueados, o desfecho judicial não foi favorável aos poupadores, porquanto o Supremo Tribunal Federal entendeu que as quantias bloqueadas – uma vez transferidas ao Banco Central do Brasil – perderam a natureza de depósitos em cadernetas de poupança, inexistindo, assim, direito adquirido ao recebimento do índice até então contratado, o IPC – Índice de Preços ao Consumidor, e portanto revelando-se lícita a substituição do critério para a correção de tais quantias, "in casu", com a adoção do BTNF, consoante estipulado em lei.

Ademais, o mesmo STF deliberou no sentido que a responsabilidade para responder ações judiciais envolvendo os cruzados novos que foram bloqueados e transferidos ao Banco Central do Brasil era da própria Autarquia, o que isentou a responsabilidade dos bancos, neste aspecto. Acrescente-se que, em sendo definida a responsabilidade do Banco Central do Brasil, e sendo esta uma Autarquia Federal, incide a regra prescricional de 05 anos em face da Fazenda Pública. Logo, desde março/1995, qualquer iniciativa judicial contra o BACEN, neste aspecto, já se encontra prescrita.

Neste ponto, portanto, calha a reprodução da pergunta que faz título ao presente artigo: O que pode ainda ser recuperado pelos poupadores, em se tratando de Plano Collor? Há algo ainda a ser postulado em juízo pelos poupadores?

A resposta é positiva!

Efetivamente existem duas situações concretas em que se é possível recuperar parte do que foi perdido pelos poupadores em decorrência da implementação do Plano Collor. Uma dessas situações é de caráter geral, aplicável a todos aqueles que possuíam contas de caderneta de poupança à época. Já a outra abarca situações específicas, restringindo, por conseguinte, o número de beneficiários.

Vamos a elas:


1ª Possibilidade de Recuperação – Aplicada à todos os poupadores do País

A primeira possibilidade de recuperação de perdas do Plano Collor poderá ser suscitada – exclusivamente pela via judicial – por todos aqueles que possuíam depósitos em cadernetas de poupança quando o Plano Collor foi editado.

Trata-se do direito ao recebimento da correção monetária integral – pelo IPC – nos saldos existentes em maio/1990, sobre os valores que foram imediatamente convertidos em cruzeiros (no limite então estabelecido de NCz$ 50.000,00, ou de NCz$ 100.000,00, para o caso específico de conta poupança conjunta) e que permaneceram "livres" nas contas de caderneta de poupança.

São valores que em nenhum momento foram bloqueados, e assim, não foram transferidos ao Banco Central do Brasil, permanecendo sob a guarda do banco depositário.

E tais quantias, em maio/90, receberam (ou "não receberam") uma esdrúxula correção monetária de 0% (ZERO POR CENTO), uma vez que lhes foi aplicado o novo índice do BTNF, que havia aferido a inflação, naquele período, como inexistente. Tais contas, na verdade, apenas receberam o 0,5% de juros legais, conforme estabelecido em lei.

E na verdade, os valores existentes em cruzeiros livres deveriam, sim, ter recebido a correção monetária pela variação inflacionária aferida pelo IPC em abril/90 – aplicável em maio/90 – a qual foi de 44,80%.

Em resumo, em vez de receberem a correção monetária nos termos da lei, de 44,80%, tais contas poupança receberam, sobre os valores não bloqueados, 0% por cento, e assim, todos têm direito ao recebimento de tal correção não aplicada, evidentemente atualizada desde àquela época, acrescida de juros legais e de juros de mora, até o seu efetivo pagamento.

Que a postulação judicial, neste sentido, deve ser dirigida contra o banco depositário onde se mantinha a conta poupança, uma vez que os valores ali permaneceram livres. E como se trata de uma relação privada, não envolvendo a Fazenda Pública, o prazo prescricional é de 20 anos, portanto, com vencimento em maio de 2010.


2ª Possibilidade de Recuperação – Aplicada aos aposentados, pensionistas, instituições sem fins lucrativos, depósitos judiciais e à quem comprovasse à época ter débitos assumidos anteriores ao bloqueio

Existe ainda uma segunda possibilidade de recuperação de quantias não integralmente pagas nas contas poupança quando da edição do Plano Collor, porém destinada a grupos mais restritos de pessoas, mas nem por isso menos relevante.

Tratam-se de poupadores que não tiveram todos os seus saldos em conta poupança superiores a NCz$ 50.000,00 efetivamente bloqueados e transferidos ao BACEN.

São os aposentados e pensionistas da Previdência, Instituições sem Fins Lucrativos, depósitos judiciais em contas poupança e mesmo aqueles que comprovaram, segundo os ditames da época, a necessidade da liberação antecipada dos valores que seriam bloqueados, para fazer frente a determinadas obrigações.

Sua Excelência Ministro GILMAR FERREIRA MENDES – atual Presidente do Supremo Tribunal Federal – publicou clássico artigo doutrinário sobre o tema, no ano de 1991, quando assim esclareceu, verbis:

"A par dessas cautelas, admitiu-se a transferência de titularidade para fins de liquidação de dívidas e operações financeiras comprovadamente contraídas antes de 15 de março de 1990 (Lei 8.024/90, art. 12), e permitiu-se a liberação de recursos em cruzados novos em montantes e percentuais distintos daqueles estabelecidos em lei, desde que o beneficiário fosse pessoa física que percebesse exclusivamente rendimentos provenientes de pensões e aposentadorias."

("In" A Reforma Monetária de 1990 – Problemática Jurídica da Chamada "Retenção dos Ativos Financeiros (Lei nº 8.024, de 12-4-1990 – Revista de Informação Legislativa do Senado Federal nº 112 – out. a dez. 1991 – p. 296)) (grifos nossos)

Para as pessoas nas situações acima descritas, então, nem todas as quantias superiores a NCz$ 50.000,00 foram efetivamente bloqueadas e transferidas ao Banco Central do Brasil.

Pelo contrário, permaneceram livres, à disposição dos Bancos Depositários, e assim, deveriam também ter recebido a correção monetária, em maio/90, pela variação do IPC de abril/90, de 44,80%, ao invés do 0% que receberam.

Isto porque a Medida Provisória nº 168/90, que implantou o Plano Collor, não dispôs que os cruzados novos não bloqueados e não transferidos ao BACEN seriam corrigidos pelo BTNF.

A adoção deste novo índice (BTNF) valeria apenas para os cruzados novos efetivamente bloqueados e transferidos ao BACEN!

Por conseguinte, os valores que não foram bloqueados deveriam receber a correção monetária pelas regras então vigentes, isto é, pelo IPC, que em maio/90 era de 44,80%!

Ressalte-se que, talvez percebendo o "cochilo", o Governo ainda tentou modificar as coisas, através da Medida Provisória 172/90, de 17.03.90, na qual se previu, aí sim, que os cruzados novos não bloqueados (até o limite de NCz$ 50.000,00 ou os que não acabariam não sendo bloqueados por diversas razões), também seriam corrigidos, a partir do próximo rendimento, pelo BTNf.

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Mas ocorreu que a dita MP 172/90 não foi incluído na Lei nº 8.024, de 12.04.90, a qual, portanto, somente converteu em lei o que estava disposto na MP 168/90, que determinava a aplicação do BTNf, exclusivamente, para os cruzados novos bloqueados e efetivamente transferidos ao BACEN.

Assim, tal disposição jamais foi convertida em lei, prevalecendo, até hoje, o regramento então vigente, isto é, a aplicação do IPC para a correção monetária, em maio/90, para os valores que não foram efetivamente bloqueados e transferidos ao BACEN.

Em ambos os casos, é imprescindível que o poupador tenha em mãos as cópias dos extratos de contas de caderneta de poupança dos meses de março/90, abril/90 e maio/90, os quais podem ser solicitados junto ao banco onde se encontrava o dinheiro depositado. É de rigor o fornecimento de tais extratos, pelos bancos depositários.

Analisando tais extratos, o poupador perceberá que as quantias no limite de NCz$ 50.000,00 (na primeira hipótese) ou mesmo superiores (na segunda hipótese), receberam apenas o pagamento dos juros de 0,5%. Nada mais.

Em certos extratos – como os emitidos pela CEF – se constatará a existência de determinados códigos que comprovam que as quantias superiores a NCz$ 50.000,00 estavam livres em maio/90.

Código como o de nº "36", constante no extrato, demonstra que a quantia que era para ser bloqueada foi novamente creditada na conta livre, com a conseqüente conversão automática para a nova moeda (cruzeiro) e a possibilidade de sua livre disposição e movimentação, pelo poupador.

Também o código "cr.alt.sb", constante no extrato, comprova igualmente que a quantia ali consignada estava na verdade liberada e convertida em cruzeiro, porquanto dita sigla, na linguagem bancária, significava "creditamento pela alteração do saldo bloqueado", ou seja, o poupador, por se enquadrar em alguma das hipóteses acima (aposentado, pensionista, depósito judicial, instituição sem fins lucrativos, com dívidas já consolidadas antes de 15.03.1990, etc), estava com os valores livres em sua conta, e assim, deveria ter recebido a correção monetária pelo IPC, ao invés do BTNF que lhe foi aplicado.

Também nesta segunda hipótese – pelas mesmas razões acima explicitadas – a ação deve ser endereçada junto ao banco depositário onde se mantinha a conta poupança, e o prazo prescricional outrossim é de 20 anos, encerrando-se em maio/2010.

Para finalizar, acrescente-se que a jurisprudência – após um período vacilante em razão da confusão que se instalou com a decisão do STF – já compreendeu as diferenças acima apontadas, como recentemente bem decidido, v.g., pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, verbis:

AÇÃO DE COBRANÇA – RECLAMADAS DIFERENÇAS DE CADERNETAS DE POUPANÇA...EXCLUSÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA, PELO IPC, EM RELAÇÃO AOS MESES DE ABRIL A DEZEMBRO DE 1990 E JANEIRO E FEVEREIRO DE 1991, ENVOLVENDO O PERÍODO EM QUE OS SALDOS DAS CONTAS BANCÁRIAS E DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS FICARAM BLOQUEADOS, PORQUANTO TRANSFERIDOS AO BANCO CENTRAL DO BRASIL, POR FORÇA DA LEGISLAÇÃO DO CHAMADO PLANO COLLOR – RESPONSABILIDADE DO BANCO DEPOSITÁRIO QUE SUBSISTE EM RELAÇÃO AO MONTANTE QUE NÃO FOI TRANSFERIDO ÀQUELA OUTRA INSTITUIÇÃO..."

(TJ/PR – 5ª Câmara Cível – Apel.Civ. 480.076-6 – Rel. Des. Duarte Medeiros - DJ 7.612 - j. 23.04.2008)

E do voto do Relator, Desembargador DUARTE MEDEIROS, ora se reproduz o seguinte e esclarecedor entendimento:

"...Daí porque, sendo responsabilidade do Banco Central do Brasil o pagamento das diferenças dos expurgos inflacionários sobre os valores EFETIVAMENTE BLOQUEADOS, no período de abril de 1990 até fevereiro de 1991, e não do réu, impõe-se a reforma da sentença, neste tópico, para afastar o IPC como o indexador das contas de poupança do autor quanto a este montante, PERSISTINDO ELA, PORÉM, QUANDO AO SALDO REMANESCENTE DE CADA CONTA, NÃO ATINGIDO POR TAL BLOQUEIO." (grifos nossos)

Em suma, estes os principais esclarecimentos de relevo em relação às dúvidas dos poupadores quanto aos direitos ainda existentes quanto aos efeitos do Plano Collor, esperando o autor que as dúvidas tenham sido dissipadas, evitando-se, com isso, até o ajuizamento de ações sabidamente inexitosas com a proximidade do encerramento do prazo prescricional para reclamações em face do Plano Collor, cujo alerta de prescrição, pela mídia, sempre acarreta o abarrotamento do Poder Judiciário com o ajuizamento de inúmeras ações judiciais de última hora.

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Sobre o autor
Ricardo Pavão Tuma

Advogado. Doutor em Direito. Professor Titular de Direito Constitucional - UEPG/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TUMA, Ricardo Pavão. Plano Collor: o que ainda pode ser recuperado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1849, 24 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11524. Acesso em: 22 dez. 2024.

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