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A responsabilidade das plataformas digitais diante da notificação extrajudicial do Governo Federal à Meta.

Proteção integral da criança e do adolescente e a nova interpretação constitucional do Marco Civil da Internet

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da notificação extrajudicial do Governo Federal à Meta para coibir robôs que promoviam a erotização infantil no Instagram evidencia que o Direito brasileiro, a partir da Constituição de 1988 e de seus diplomas infraconstitucionais, delineia um regime protetivo reforçado em favor da criança e do adolescente. A centralidade do art. 227. da Constituição projeta-se como verdadeiro vetor hermenêutico, impondo prioridade absoluta na defesa da dignidade e do desenvolvimento integral dos menores, prioridade esta que vincula tanto o Estado quanto os particulares.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reforça esse comando, criminalizando de forma expressa a exploração sexual, inclusive por meios digitais, e impondo à sociedade e às empresas deveres de colaboração na prevenção do ilícito. Ao lado dele, o Marco Civil da Internet, em sua leitura inicial, parecia restringir a responsabilização das plataformas ao descumprimento de ordem judicial. Contudo, a evolução jurisprudencial demonstrou a insuficiência desse modelo para lidar com situações de gravidade manifesta.

A jurisprudência do STJ abriu caminho ao reconhecer hipóteses em que a remoção imediata é exigida mesmo sem ordem judicial, como no caso da divulgação de imagens íntimas não consentidas. O STF, no julgamento conjunto dos Temas 987 e 533, consolidou essa tendência, declarando a inconstitucionalidade parcial do art. 19. e firmando tese vinculante de que, diante de ilícitos gravíssimos, como a pornografia e a erotização infantil, as plataformas têm dever de agir imediatamente, sob pena de responsabilização civil direta.

A doutrina contemporânea, de modo convergente, tem desconstituído o mito da neutralidade das plataformas. Schreiber assinala que os algoritmos e modelos de negócios não são neutros, mas determinam a circulação de conteúdos, impondo às empresas deveres jurídicos de moderação e prevenção. Guimarães enfatiza que a adultização da infância nas redes sociais constitui afronta direta à dignidade da pessoa humana, gerando responsabilidade direta das plataformas. Nejm, em parecer técnico, reafirma que a exploração da infância não pode, em hipótese alguma, ser tolerada como modelo de negócio.

O quadro resultante é claro: o Brasil ingressa em uma nova fase de responsabilidade civil digital, em que as plataformas deixam de ser vistas como meras intermediárias neutras e passam a responder por falhas estruturais de prevenção e moderação. O parâmetro da responsabilidade subjetiva qualificada é complementado, em hipóteses de risco sistêmico, pela responsabilidade objetiva, de modo a assegurar a eficácia do princípio da prioridade absoluta.

Em síntese, a notificação extrajudicial do Governo Federal à Meta não se esgota em ato administrativo: ela simboliza a afirmação de uma política constitucional de defesa da infância no ambiente digital, que se funda na tríplice aliança entre Constituição, jurisprudência e doutrina. O desafio que se impõe daqui por diante é assegurar que essa construção normativa se traduza em mecanismos concretos de compliance digital, com sistemas de denúncia acessíveis, filtros de inteligência artificial voltados à proteção e relatórios de transparência efetivos. Somente assim o Direito cumprirá sua função de proteger os vulneráveis contra as formas contemporâneas de exploração.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 1.037.396/SP (Tema 987 da repercussão geral). Rel. Min. Dias Toffoli. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 1.057.258/SP (Tema 533 da repercussão geral). Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 15 out. 2019. Publicado em 20 nov. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 05 nov. 2023. Publicado em 20 nov. 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.652.166/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 22 ago. 2017. Publicado em 13 set. 2017.

CRESPO, Marcelo. Marco Civil da Internet: Comentários à Lei n.º 12.965/2014. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. São Paulo: ADFAS, 2025.

NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Brasília: Agência Brasil, 2025.

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n.º 2161153-08.2023.8.26.0000. Rel. Des. Milton Carvalho. 36ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 14 jul. 2023. Publicado em 14 jul. 2023.

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n.º 2271096-91.2022.8.26.0000. Rel. Des. Vito Guglielmi. 6ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 23 mar. 2023. Publicado em 23 mar. 2023.

SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. São Paulo: JOTA, 2025.

PARANÁ (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação n.º 0009618-79.2022.8.16.0194. Rel. Des. Leonel Cunha. 5ª Câmara Cível. Julgado em 01 out. 2024. Publicado em 15 out. 2024.


Notas

  1. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  2. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  3. GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. ADFAS, São Paulo, 2025, p. 17.

  4. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.

  5. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  6. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  7. STJ. REsp 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 05 nov. 2023. Publicado em 20 nov. 2023.

  8. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  9. GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. ADFAS, São Paulo, 2025, p. 17.

  10. STJ. REsp 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 05 nov. 2023. Publicado em 20 nov. 2023.

  11. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  12. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  13. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.

  14. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  15. STJ. REsp 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 05 nov. 2023. Publicado em 20 nov. 2023.

  16. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  17. GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. ADFAS, São Paulo, 2025, p. 17.

  18. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  19. STJ. REsp 1.652.166/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 22 ago. 2017. Publicado em 13 set. 2017.

  20. GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. ADFAS, São Paulo, 2025, p. 17.

  21. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.

  22. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  23. Idem. Decisão fixou a obrigação das plataformas de instituir sistemas de notificação, canais de denúncia e relatórios anuais de transparência.

  24. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  25. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.

  26. TJSP. Agravo de Instrumento n.º 2161153-08.2023.8.26.0000. Rel. Des. Milton Carvalho. 36ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 14 jul. 2023. Publicado em 14 jul. 2023.

  27. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  28. Idem. A decisão estabeleceu modulação temporal para aplicação prospectiva da tese fixada, garantindo segurança jurídica às plataformas.

  29. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  30. GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. ADFAS, São Paulo, 2025, p. 17.

  31. STJ. REsp 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 15 out. 2019. Publicado em 20 nov. 2019.

  32. STJ. REsp 1.840.848/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 05 nov. 2023. Publicado em 20 nov. 2023.

  33. CRESPO, Marcelo. Marco Civil da Internet: Comentários à Lei n.º 12.965/2014. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 150.

  34. TJSP. Agravo de Instrumento n.º 2161153-08.2023.8.26.0000. Rel. Des. Milton Carvalho. 36ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 14 jul. 2023. Publicado em 14 jul. 2023.

  35. TJSP. Agravo de Instrumento n.º 2271096-91.2022.8.26.0000. Rel. Des. Vito Guglielmi. 6ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 23 mar. 2023. Publicado em 23 mar. 2023.

  36. TJPR. Apelação n.º 0009618-79.2022.8.16.0194. Rel. Des. Leonel Cunha. 5ª Câmara Cível. Julgado em 01 out. 2024. Publicado em 15 out. 2024.

  37. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

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  38. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  39. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.

  40. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  41. GUIMARÃES, Grazielly dos Anjos Fontes. A adultização de crianças: entre a falha de responsabilidade parental e a violação da dignidade humana. ADFAS, São Paulo, 2025, p. 17.

  42. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.

  43. STF. RE 1.037.396 (Tema 987) e RE 1.057.258 (Tema 533). Rel. Min. Dias Toffoli e Rel. Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em 26 jun. 2025. Publicado em 27 jun. 2025.

  44. Idem. A decisão fixou a obrigação de canais de denúncia, relatórios de transparência e sistemas automatizados de remoção de conteúdo.

  45. SCHREIBER, Anderson. STF e a nova responsabilidade civil das plataformas digitais. JOTA, São Paulo, 2025, p. 8.

  46. NEJM, Rodrigo. Especialista em educação digital. Agência Brasil, Brasília, 2025, p. 4.


The responsibility of digital platforms in light of the Federal Government's extrajudicial notification to Meta: comprehensive protection of children and adolescents and the new constitutional interpretation of the Brazilian Civil Rights Framework for the Internet

Abstract: The article examines the civil liability of digital platforms in light of the extrajudicial notification sent by the Federal Government to Meta, which demanded urgent measures against bots responsible for promoting child erotization on Instagram. The research analyzes the constitutional and legal foundations for the comprehensive protection of children and adolescents, the evolution of the Superior Court of Justice's jurisprudence, and the paradigmatic decision of the Federal Supreme Court in Themes 987 and 533, which declared the partial unconstitutionality of Article 19 of the Brazilian Civil Rights Framework for the Internet. The study demonstrates that the principle of absolute priority (Article 227 of the Federal Constitution) requires platforms to have enhanced duties of care, rejecting the claim of neutrality and imposing direct responsibility in cases of extremely serious content. The conclusion points to the need for digital compliance mechanisms, integrated public policies, and the use of artificial intelligence aimed at prevention, ensuring effective protection of children in the digital environment.

Key words: Digital platforms; civil liability; child sexualization; absolute priority; Brazilian Civil Rights Framework for the Internet; Federal Supreme Court; extrajudicial notification.

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Sobre o autor
Paulo Vitor Faria da Encarnação

Advogado. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Sócio do escritório Santos Faria Sociedade de Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ENCARNAÇÃO, Paulo Vitor Faria. A responsabilidade das plataformas digitais diante da notificação extrajudicial do Governo Federal à Meta.: Proteção integral da criança e do adolescente e a nova interpretação constitucional do Marco Civil da Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8086, 21 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115298. Acesso em: 5 dez. 2025.

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