Capa da publicação Transmissão de imóveis: IBS e CBS afrontam a Constituição
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IBS e CBS sobre transmissão de imóveis: afronta à Constituição Federal

Resumo:


  • A Emenda Constitucional n° 132, de 2023, incluiu na Constituição Federal o imposto sobre bens e serviços (IBS) e a contribuição social sobre bens e serviços (CBS).

  • A Lei Complementar nº 214, de 16/01/2025, instituiu o IBS e a CBS, incidindo sobre operações onerosas com bens ou serviços, sendo o fato gerador no momento do fornecimento.

  • As disposições da LC 214/25 sobre a tributação de transmissão de bens imóveis podem ser inconstitucionais, resultando em bitributação e afrontando normas constitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

IBS e CBS podem incidir sobre transmissão de imóveis? A coincidência com os fatos geradores do ITBI e do ITCMD indica possível bitributação.

1. OS NOVOS TRIBUTOS SOBRE BENS E SERVIÇOS

A Emenda Constitucional n° 132, de 2023 (EC 132/23), incluiu na Constituição Federal de 1988 (CF/88), o art. 156-A, segundo o qual cabe à lei complementar instituir o imposto sobre bens e serviços (IBS) de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. Ele “incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços” (art. 156-A, § 1º, II). Cabe à lei complementar dispor sobre regimes específicos de tributação para “serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos” (art.156-A, § 6º, II).

A EC 132/23 adicionou ao art. 195. da CF/88 o inciso V, passando, assim a seguridade social a ser financiada também pela contribuição social “sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar” (CBS). A alíquota dessa nova contribuição pode ser definida por lei ordinária (art. 195, § 15), e a ela se aplica o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13 (art. 195, § 16).

Com fundamento nas novas disposições da EC 123/23 foi editada a Lei Complementar nº 214, de 16/01/2025 (LC 214/25), instituindo o IBS e a CBS, esta de competência da União Federal (art. 1º). Ela considera “operações com bens todas e quaisquer que envolvam bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, inclusive direitos” (art. 3º, I, “a”). Fornecimento é a entrega ou disponibilização do bem material e fornecedor a pessoa física ou jurídica que realiza o fornecimento (art. 3º, II e III). Esses novos tributos incidem sobre operações onerosas com bens ou serviços. Em se tratando de operações não onerosas com bens ou serviços, a tributação ocorrerá nas hipóteses expressamente previstas nessa lei complementar (art. 4º e seu § 1º). É considerada operação onerosa com bens ou com serviços “qualquer fornecimento com contraprestação, incluindo o decorrente de compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e demais espécies de alienação” (art. 4º, § 2º, I), bem como a locação, a cessão , o mútuo oneroso, a doação com contraprestação em benefício do doador, a instituição onerosa de direitos reais (§ 2º, II, III, IV, V e VI). A incidência do IBS e da CBS “não altera a base de cálculo do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), de que trata o inciso I do caput do art. 155. da Constituição Federal” nem a do “Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e Direitos a eles relativos (ITBI), de que trata o inciso II do caput do art. 156. da Constituição Federal” (LC 214/25, art. 4º, § 5º).

O fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento do fornecimento (art. 10, caput). Para a incidência do IBS e da CBS considera-se local da operação com bem imóvel aquele onde ele estiver situado (art. 11, II). Se o imóvel estiver situado em mais de um município, considera-se local do imóvel o município onde estiver situada a maior parte de sua área (art. 11, § 2º). A base de cálculo desses tributos é o valor da operação, salvo disposição em contrário da lei complementar (art. 12, caput), montante esse que compreende o valor integral cobrado pelo fornecedor a qualquer título, incluindo acréscimos decorrentes de ajuste do valor da operação, juros, multas, acréscimos e encargos, descontos concedidos sob condição e demais importâncias cobradas ou recebidas como parte do valor da operação, inclusive taxas e seguros (art. 12, § 1). Não integram sua base de cálculo o valor do IBS e da CBS incidentes sobre a operação e os descontos incondicionais, dentre outros elencados pelo art. 12, § 2º. A alíquota do IBS é a que for fixada por cada um dos Estados e dos Municípios (art. 14, II e III), sendo que na ausência de lei específica que estabeleça a alíquota do ente federativo, será aplicada a alíquota de referência da respectiva esfera federativa (art. 14, § 3º, e art. 18). A da CBS será fixada pela União (art. 14, I).

Nos casos de operações com bens imóveis não há definição explícita do contribuinte, não obstante se considere como tal “o fornecedor que realizar operações no desenvolvimento de atividade econômica, de modo habitual ou em volume que caracterize atividade econômica ou de forma profissional, ainda que a profissão não seja regulamentada” (art. 21, I). Também é contribuinte do IBS e da CBS “aquele previsto expressamente em outras hipóteses nesta lei complementar” (art. 21, IV).


2. DO REGIME ESPECÍFICO SOBRE BENS IMÓVEIS.

As disposições legais acima mencionadas integram o Título I da LC 214/25 denominado de normas gerais do IBS e da CBS. No Título V, que trata dos regimes específicos do IBS e da CBS, encontra-se o Capítulo V, que versa sobre os bens imóveis (arts. 251. e seguintes).

As pessoas físicas que realizarem operações com bens imóveis serão consideradas contribuintes do regime regular do IBS e da CBS e sujeitas ao regime definido pelos arts. 251. e seguintes da LC 214/25, nos casos de: a) locação, cessão onerosa e arrendamento de bem imóvel, desde que, no ano-calendário anterior, (i) a receita total com essas operações exceda R$ 240.000 (duzentos e quarenta mil reais) e (ii) tenham por objeto mais de 3 (três) bens imóveis distintos; b) alienação ou cessão de direitos de bem imóvel, desde que tenham por objeto mais de 3 (três) imóveis distintos no ano-calendário anterior, e c) alienação ou cessão de direitos, no ano-calendário anterior, de mais de 1 (um) bem imóvel construído pelo próprio alienante nos 5 (cinco) anos anteriores à data da alienação (art. 251, § 1º, I, II e III).

Também será considerado contribuinte do regime regular do IBS e da CBS no próprio ano calendário, a pessoa física que realizar operações de a) alienação ou cessão de direitos de imóveis que exceda os limites previstos nos incisos II e III do § 1º do art. 251, e b) locação, cessão onerosa ou arrendamento de bem imóvel em valor que exceda em 20% (vinte por cento) o limite previsto na alínea “a” do inciso I do § 1º desse artigo (art. 251, § 2º).

Estabelece o art. 41. da LC 214/25 que o regime regular do IBS e da CBS compreende todas as regras de incidência e de apuração previstas nessa lei complementar, incluindo aquelas aplicáveis aos regimes diferenciados e aos regimes específicos.

Sendo assim, a pessoa física cujas operações se enquadrem nas hipóteses definidas pelo art. 251. será considerada como contribuinte do regime regular do imposto e da contribuição, sujeitando-se, portanto, às normas desse regime específico e, no que couber, as disposições do Título I quanto às demais regras não previstas neste Capítulo, vale dizer às normas gerais do IBS e da CBS.

O art. 252. identifica, em relação aos bens imóveis, como hipóteses de incidência do imposto e da contribuição as seguintes operações: “I) alienação, inclusive decorrente de incorporação imobiliária e de parcelamento de solo, II) cessão e ato translativo ou constitutivo onerosos de direitos reais e III) locação, cessão onerosa e arrendamento”. Contempla, ainda, a servidão, a cessão de uso ou de espaço, a permissão de uso e o direito de passagem, cuja tributação segue as regras da locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis (art. 252, § 1º).

Considera-se ocorrido o fato gerador do IBS e da CBS (art. 254) (i) no momento do ato de alienação, na hipótese de alienação de bem imóvel, (ii) no momento da celebração do ato, nas hipóteses de cessão ou de ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia, e (iii) no momento do pagamento, nas hipóteses de locação, cessão onerosa ou arrendamento de bem imóvel. A lei considera como alienação, para efeito de incidência do imposto, “a adjudicação, a celebração, inclusive de quaisquer ajustes posteriores, do contrato de alienação, ainda que mediante instrumento de promessa, carta de reserva com princípio de pagamento ou qualquer outro documento representativo de compromisso, ou quando implementada a condição suspensiva a que estiver sujeita a alienação” (art. 254, § 1º).

A base de cálculo do IBS e da CBS é o “valor da operação de alienação do bem imóvel, da locação, cessão onerosa ou arrendamento do bem imóvel e da cessão ou do ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais sobre bens imóveis” (art. 255). Integram a base de cálculo (i) o valor dos juros e das variações monetárias, em função da taxa de câmbio ou de índice ou coeficiente aplicáveis por disposição legal ou contratual, (ii) a atualização monetária, nas vendas contratadas com cláusula de atualização monetária do saldo credor do preço, que venham a integrar os valores efetivamente recebidos pela alienação de bem imóvel e (iii) os valores a que se referem os incisos I a III e VI do § 1º do art. 12. da lei complementar, isto é, acréscimos decorrentes de ajuste do valor da operação, juros, multas, acréscimos e encargos, descontos concedidos sob condição e demais importâncias cobradas ou recebidas como parte do valor da operação, inclusive seguros e taxas (art. 255, § 1º).

Essa base de cálculo será reduzida pelo redutor de ajuste instituído pelo art. 257. da LC 124/25, vinculado a cada imóvel a partir de 01/01/2027, nos termos do regulamento, que será utilizado exclusivamente nas operações de alienação de bem imóvel realizadas por contribuinte do regime regular do IBS e da CBS (art. 257, § 1º). A forma de cálculo do valor desse redutor está prevista no art. 258. Da base de cálculo do IBS e da CBS também pode ser deduzido o valor do redutor social previsto no art. 259. da mesma lei complementar, mas exclusivamente na alienação de bem imóvel residencial novo ou de lote residencial realizada por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS.

O art. 261. prescreve a redução das alíquotas do IBS e da CBS em 50% (cinquenta por cento), mas em relação às operações de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis a redução é de 70% (setenta por cento).

Contribuintes são (i) o alienante do imóvel, na alienação dele ou de direito a ele relativo, o (ii) cedente ou instituidor ou transmitente de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, (iii) o locador, cedente ou arrendador e o (iv) adquirente, no caso de adjudicação, remição e arrematação em leilão judicial (art. 263).

Os bens imóveis urbanos e rurais deverão ser inscritos no CIB (Cadastro Imobiliário Brasileiro) de que trata o inciso III do § 1º do art. 59. da LC 214/25. O CIB é o inventário dos bens imóveis urbanos e rurais constituído com dados enviados pelos cadastros de origem, que deverão atender aos critérios de atribuição do código de inscrição no CIB, devendo constar obrigatoriamente de todos os documentos relativos à obra de construção civil expedidos pelo Município (art. 265), fixando-se prazos de inscrição de todos os bens imóveis no CIB (art. 266).

Dessa resenha, ainda que superficial, resulta a submissão das operações com bens imóveis à incidência do IBS e da CBS, exceto se as operações estiverem fora do alcance do art. 251. da LC 124/25. Se nele enquadradas, a pessoa que as realizar será tida como contribuinte do regime regular e, por consequência, sujeita a suas disposições.


3. O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS ANTES DA LC 214/25

A CF/88 determina competir aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de impostos sobre “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” (art. 155, I, “a”). A EC 3/1993 suprimiu as alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I desse artigo, e suprimiu a redação original de seu inciso II, que previa a instituição pelos Estados e pelo Distrito Federal de adicional de imposto de renda incidente sobre lucros, ganhos e rendimentos de capital. Na redação dada pela EC 3/1993, o art. 155, inciso I, da CF/88, continuou, sem qualquer alteração, a definir a competência dos Estados e do Distrito Federal para a instituição de imposto sobre “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos”. O § 1º do art. 155, na redação da EC 3/1993, de forma idêntica à redação original, complementa a discriminação dessa competência em razão da natureza imobiliária ou não dos bens sujeitos a esse imposto, vulgarmente denominado ITCMD.

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Conforme prescrito pelo art. 156, inciso II da CF/88, não modificado pela EC 132/23, compete aos Municípios instituir impostos sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI).

Duas são as prescrições constitucionais em relação à tributação da transmissão de bens imóveis: (a) se a transmissão decorre de mortis causa ou de doação, a competência é dos Estados e do Distrito Federal; (b) se a transmissão decorre de ato inter vivos e é onerosa, a competência é dos Municípios. Elas definem como hipóteses de incidência do ITCMD e do ITBI a transmissão de bens dessa natureza, inclusa a cessão de direitos a sua aquisição. Vale dizer, trata-se de competência tributária conferida pela Constituição, com exclusividade, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. No escólio de José Afonso da Silva 1, ela “estabeleceu a privatividade tributária e tornou, evidentemente, exclusivo de cada esfera o tributo que lhe foi destinado. E essa atribuição não pode ser modificada por lei ordinária, nem por lei complementar”.

O art. 154, inciso I, da CF/88, autoriza a União a instituir, mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo 153, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição. Para instituir outros impostos, além daqueles que o art. 153. definiu como de sua competência privativa, a atuação legislativa da União apenas será válida se sua instituição obedecer às restrições prescritas pelo inciso I, do art. 154. No exercício de sua competência legislativa residual, a União não pode criar imposto cujo fato gerador ou base de cálculo próprios sejam peculiares, inerentes, típicos, dos demais impostos discriminados na Constituição, isto é, nela já previstos. Assim, relativamente ao IBS, a validade constitucional de sua instituição deveria estrita obediência às limitações previstas no art. 154, inciso I, da CF/88.

O novo imposto (IBS), no entanto, relativamente às operações com bens imóveis, tem por hipótese de incidência exatamente aquelas que os arts. 155, inciso I, na redação da EC 3/1993 (155, I, “a”, na redação primitiva), e art. 156, inciso II, da CF/88, definem como impostos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (ITCMD e ITBI). Alienação de imóveis, cessão onerosa de direitos reais, adjudicação, celebração de contrato de alienação, ainda que mediante instrumento de promessa, carta de reserva com princípio de pagamento ou qualquer outro documento representativo de compromisso, ou a implementação de condição suspensiva a que estiver sujeita a alienação (LC 214/25 arts. 252. e 254, § 1º), são inequivocamente hipóteses de efetiva ou potencial transmissão de bens imóveis, cuja competência tributária a CF/88 conferiu, com exclusividade, aos Municípios (ITBI). E se a transmissão de bens imóveis ou de direitos reais a eles relativos resulta de sucessão por morte de seu titular, ou decorre de ato de sua liberalidade (doação), a competência para tributar essas transmissões é dos Estados e do Distrito Federal.

Quanto à CBS, a EC 132/23 alterou a redação do art. 195. para nele incluir como forma de financiamento da seguridade social a contribuição “sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar” (inciso V). A LC 214/25, à qual caberia instituir e disciplinar essa nova modalidade de financiamento, limitou-se a contemplar para essa nova contribuição as mesmas disposições que estabeleceu para o IBS. Dessa maneira, a alienação de imóveis, a cessão onerosa de direitos reais, a adjudicação, a celebração de contrato de alienação, ainda que mediante instrumento de promessa, a carta de reserva com princípio de pagamento ou qualquer outro documento representativo de compromisso, ou a implementação da condição suspensiva a que estiver sujeita a alienação (LC 124/25 arts. 252. e 254, § 1º), são, igualmente, hipóteses de incidência da contribuição sobre bens e serviços (CBS).

O § 4º, do art. 195, em sua redação original, prescreve, no entanto, que a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, inciso I. A interpretação conjunta desses preceitos constitucionais impõe sua conciliação e integração, não sendo admissível qualquer exegese que permita à União instituir nova contribuição social de financiamento da seguridade social sem atender às restrições prescritas pelo próprio art. 154, inciso I. Em outros termos, a CBS, como nova contribuição de financiamento da seguridade social, para ser válida, também não poderá (i) ser cumulativa, (ii) ter fato gerador, ou (iii) base de cálculo próprios, ou seja, peculiares, inerentes, típicos, dos demais impostos discriminados na Constituição, isto é, nela já previstos. Assim como o IBS, a nova CBS não pode adotar como hipótese de sua incidência a transmissão mortis causa e a doação de quaisquer bens ou direitos imóveis (art. 155, I e § 1º), que é imposto discriminado na Constituição como de competência exclusiva dos Estados e do Distrito Federal (ITCMD). Não pode, também, prescrever como hipótese de sua incidência a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, de direitos reais sobre imóveis e ou a cessão de direitos a sua aquisição (art. 156, II), que é imposto discriminado na Constituição como de competência privativa dos Municípios (ITBI).

A respeito do exercício da competência legislativa residual da União é perfeita e cabal a lição de Paulo de Barros Carvalho 2. Segundo ele, “o binômio hipótese de incidência/base de cálculo aparece como pressuposto indeclinável, não podendo a nova exação utilizar qualquer das hipóteses de incidência ou bases de cálculo arroladas para a competência dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.


4. INCOMPATABILIDADE CONSTITUCIONAL

Se vierem a prevalecer as disposições da LC 214/25 sobre a tributação da transmissão de bens imóveis, teremos, a partir de sua entrada em vigor, a incidência de, pelo menos, quatro tributos sobre as respectivas operações: (i) o ITCMD estadual nas transmissões mortis causa e doações; (ii) o ITBI municipal nas transmissões inter vivos onerosas; (iii) o IBS e (iv) a CBS nas hipóteses definidas pelos arts. 252. e 254, § 1º, da referida lei complementar. Sem descurar, ainda, da questionável incidência do imposto de renda sobre ganhos de capital, notadamente em relação às transmissões mortis causa e doações, como previsto na legislação desse tributo federal, atualmente objeto de questionamentos judiciais. Para insegurança total dos jurisdicionados, hoje eles não sabem quais as alíquotas que seriam aplicáveis em relação ao IBS e à CBS, ainda à espera de sua definição.

Como evidenciado acima, a desejada (pelo legislador da LC 214/25) incidência do IBS e da CBS sobre operações de transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos afronta as normas constitucionais dos arts. 155, inciso I, 154, inciso I, 156, inciso II e 195, § 4º, da CF/88. Caracteriza-se como efetiva bitributação das mesmas hipóteses de incidência constitucional. Derroga a competência privativa dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Despreza as limitações constitucionais ao exercício de competência tributária residual da União, que constituem inequívocas garantias do contribuinte. Não são apenas as limitações inscritas nos arts.150 a 152 da CF/88 que que militam a seu favor, porque o caput do art. 150, ao elencá-las, é contundente (“sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, ...”).


5. CONCLUSÃO

A reforma tributária ainda não decolou. Aguarda-se a legislação exigida pela própria LC 214/25, ainda em ritmo lento. Ainda não despertou, talvez por essa razão, o interesse do mundo jurídico. Além do mais, encontramo-nos em um cenário de incerteza e insegurança jurídicas. Legisla-se pessimamente, inclusive no plano constitucional. Falta ao discurso normativo a indispensável clareza, aperfeiçoamento sistemático e, não raro, linguagem precisa e adequada. Para o legislador e o administrador público, a solução dos problemas resolve-se, aparentemente, através de alterações legislativas, incluindo infindáveis emendas constitucionais. Mas o legislador reformador, inclusive o constitucional, não atua sistematicamente, conciliando o direito vigente, que perdurará, e o que pretende modificá-lo. Nem sempre a legislação atende aos anseios da sociedade e à resolução de suas efetivas necessidades. Legisla-se, muitas vezes por razões pouco transparentes, para fingir, dessa maneira, que o parlamento desempenha sua função.

A jurisprudência de nossas Cortes, em especial da Corte Máxima, que poderia atenuar os problemas defluentes dessa incerteza e insegurança jurídicas, infelizmente não tem conseguido desempenhar, adequadamente, essa função. Decide, muitas vezes, ao largo de razões e fundamentos jurídicos. Altera, em curtos espaços temporais, decisões que a sociedade reputava serem a consolidação de interpretações maduras, sérias e não efêmeras soluções de interesses nem sempre revelados. Dessa forma, contribui, ainda que não o deseje, para aumentar não apenas o rol de dúvidas, ambiguidades e hesitações, mas e principalmente o grau de inconfiabilidade de suas decisões.

Não obstante e na esperança de mudança desse cenário, é sempre conveniente, instrutivo e alentador ter em mente lições que a jurisprudência já nos ministrou. Exemplo inconteste é julgado relatado pelo Ministro Celso de Mello na Ação Direta de Inconstitucionalidade (MC) nº 712-2/DF, D. J de 19.02.1993. Referendado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal consagrou em sua ementa que “exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes. Os princípios constitucionais tributários, assim, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete à imperatividade de suas restrições”.


Notas

1 Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 2005, p. 661.

2 Competência Residual e Extraordinária, in Curso de Direito Tributário, vol. 2, 3ª edição revista e atualizada, p. 141, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, Editora CEJUP, 1994.

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Sobre o autor
Antonio Joaquim Ferreira Custódio

Advogado – OAB/SP 24.975. Procurador do Estado de São Paulo aposentado. Autor de "Constituição Federal Interpretada pelo STF" (Juarez de Oliveira, 9ª edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUSTÓDIO, Antonio Joaquim Ferreira. IBS e CBS sobre transmissão de imóveis: afronta à Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8087, 22 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115309. Acesso em: 5 dez. 2025.

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