Capa da publicação IOF no crédito: impactos e saídas para MEI e Simples
Capa: Gustavo Moreno/STF
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A majoração do IOF para MEI e empresas do Simples nacional.

Fundamentos constitucionais, jurisprudência do STF e estratégias de mitigação à luz da Justiça fiscal

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O Decreto nº 12.499/2025 elevou o IOF no crédito para MEI e Simples. A norma atende à extrafiscalidade ou viola a proporcionalidade e a capacidade contributiva?

Resumo: O presente estudo analisa, sob a ótica constitucional e infraconstitucional, a majoração das alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) promovida pelo Decreto n.º 12.499/2025, com especial enfoque nas operações de crédito destinadas a microempreendedores individuais (MEI) e empresas optantes pelo Simples Nacional. A investigação parte do regime jurídico peculiar do IOF, marcado pela “legalidade mitigada” prevista no art. 153, § 1.º, da Constituição da República, para examinar os limites formais e materiais dessa prerrogativa, a função extrafiscal como fundamento da flexibilização normativa e a necessidade de respeito aos princípios da proporcionalidade, capacidade contributiva e vedação ao confisco. São abordadas a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal nas ADCs 96 e 97 e nas ADIs 7.827 e 7.839, a modulação de efeitos, a suspensão da incidência sobre operações de “risco sacado” e os impactos econômicos e concorrenciais da medida. O trabalho ainda explora as vias institucionais e judiciais de controle, bem como estratégias de planejamento tributário-financeiro, propondo soluções normativas e negociais que compatibilizem a função regulatória do IOF com a preservação da justiça fiscal e da livre iniciativa.

Palavras-chave: IOF. Legalidade tributária mitigada. Função extrafiscal. Capacidade contributiva. Proporcionalidade. Justiça fiscal. STF. Microempreendedor individual. Simples Nacional.

Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais da majoração do IOF. 2.1. Competência tributária da União para instituir e alterar o IOF. 2.2. A legalidade tributária mitigada e a função extrafiscal do IOF. 2.3. Exceções ao princípio da anterioridade e aplicação ao IOF. 3. Jurisprudência recente sobre a majoração do IOF. 3.1. Decisões do Supremo Tribunal Federal (ADCs 96 e 97; ADIs 7827 e 7839). 3.2. Modulação de efeitos e segurança jurídica. 3.3. Suspensão da incidência sobre operações de “risco sacado”. 4. Impactos econômicos e justiça fiscal na tributação de MEI e Simples Nacional. 4.1. Regressividade e capacidade contributiva. 4.2. Livre iniciativa, competitividade e seletividade. 4.3. Proporcionalidade e vedação ao confisco. 5. Estratégias jurídicas e institucionais de mitigação. 5.1. Planejamento tributário-financeiro e gestão contratual. 5.2. Atuação legislativa e controle político. 5.3. Controle judicial e teses constitucionais aplicáveis. 6. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF – ocupa posição singular no Sistema Tributário Nacional, não apenas por sua natureza eminentemente extrafiscal, mas também pelo regime jurídico que lhe confere incomum flexibilidade na alteração de suas alíquotas. A Constituição da República, ao prever em seu art. 153, V, a competência privativa da União para instituí-lo, estabeleceu no § 1.º a possibilidade de que o Poder Executivo, atendidas as condições e limites fixados em lei, modifique tais alíquotas por meio de decreto. Trata-se de hipótese paradigmática de “legalidade tributária mitigada”, expressão que traduz a delegação legislativa autorizada pelo constituinte originário para viabilizar respostas céleres às dinâmicas econômicas.

Essa característica, todavia, não afasta a incidência dos princípios constitucionais tributários, nem exime o ato infralegal de se conformar à finalidade extrafiscal que justifica a exceção à legalidade estrita. A majoração do IOF, especialmente quando dirigida a operações de crédito que envolvem microempreendedores individuais (MEI) e empresas optantes pelo Simples Nacional, suscita debate relevante sobre os limites materiais dessa prerrogativa, a proporcionalidade das medidas adotadas e os impactos regressivos que podem decorrer de sua aplicação uniforme a contribuintes de diferentes capacidades contributivas.

O episódio recente envolvendo o Decreto n.º 12.499/2025 é emblemático. A norma, que elevou as alíquotas do IOF sobre determinadas operações de crédito, foi objeto de contestação política e judicial. O Congresso Nacional tentou sustar seus efeitos mediante Projeto de Decreto Legislativo, alegando desvio de finalidade e caráter meramente arrecadatório da medida. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.º 96 e 97 e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 7.827 e 7.839, confirmou, em sede liminar, a constitucionalidade formal do decreto, mas modulou seus efeitos e afastou a incidência sobre operações de “risco sacado”.

Esse contexto revela a complexa interação entre competência tributária, controle político-legislativo e controle jurisdicional, bem como a necessidade de compatibilizar a função regulatória do IOF com a preservação da justiça fiscal, da segurança jurídica e da livre iniciativa. A presente investigação, partindo dessa conjuntura, busca examinar os fundamentos constitucionais e infraconstitucionais da majoração do IOF, a jurisprudência recente do STF, os impactos econômicos da medida e as estratégias jurídicas e institucionais disponíveis para mitigar seus efeitos adversos, sempre à luz de uma hermenêutica tributária sistemática e teleológica.


2. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS DA MAJORAÇÃO DO IOF

2.1. Competência tributária da União para instituir e alterar o IOF

A Constituição da República, no art. 153, inciso V, outorga à União a competência para instituir o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, conhecido como Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Trata-se de competência tributária privativa, atribuída com exclusividade à esfera federal, não se confundindo com a competência residual prevista no art. 154, inciso I, e distinta da competência extraordinária conferida em hipóteses de guerra ou sua iminência (art. 154, inciso II).

A natureza jurídica do IOF apresenta singularidade no conjunto dos impostos federais, pois, conquanto seja dotado de aptidão arrecadatória, ostenta preponderantemente função extrafiscal, isto é, vocação regulatória das atividades econômicas.1 Essa característica justifica a previsão, no § 1.º do mesmo art. 153, da possibilidade de o Poder Executivo, respeitados os limites legais, alterar as alíquotas do imposto, mecanismo que visa conferir celeridade à atuação estatal diante de conjunturas econômicas cambiantes.2

Não se cuida, aqui, de delegação ampla e irrestrita da competência tributária, mas de autorização legislativa qualificada, cujo exercício deve observar os parâmetros constitucionais e legais, em especial os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica.3 O Supremo Tribunal Federal, em decisões recentes — notadamente nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.º 96 e 97 e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 7.827 e 7.839 —, reafirmou que a alteração de alíquotas do IOF por decreto presidencial encontra amparo na Constituição, desde que vinculada à finalidade extrafiscal e enquadrada nos limites estabelecidos em lei.4

Cabe sublinhar, à luz da doutrina, que a competência tributária é indelegável, conforme prescreve o art. 7.º do Código Tributário Nacional, e que a faculdade conferida ao Executivo de ajustar alíquotas não implica transferência dessa competência, mas tão somente autorização para concretizar, no plano infralegal, a política tributária previamente delineada pelo legislador.5 Assim, permanece incólume a reserva de lei formal para a instituição do tributo, sendo o decreto instrumento de modulação da intensidade da incidência, e não de criação ou ampliação de hipóteses de tributação.

2.2. A legalidade tributária mitigada e a função extrafiscal do IOF

A compreensão da natureza jurídica do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF – exige a conjugação de dois elementos estruturantes: de um lado, a sua inserção no rol dos tributos de competência privativa da União (art. 153, V, CF); de outro, a sua caracterização como imposto de função predominantemente extrafiscal. Essa peculiaridade é decisiva para compreender o regime jurídico diferenciado que o cerca, especialmente no que tange à legalidade tributária.

Com efeito, a legalidade tributária – princípio basilar consagrado no art. 150, I, da Constituição – demanda que a instituição e majoração de tributos se dêem por lei formal. Entretanto, o próprio texto constitucional, ao tratar do IOF, excepciona o rigor dessa regra, conferindo ao Poder Executivo a prerrogativa de alterar suas alíquotas, dentro dos limites e condições fixados em lei. Essa prerrogativa constitui manifestação da chamada “legalidade suficiente” ou “legalidade mitigada”, segundo a qual a lei estabelece apenas as diretrizes gerais, delegando ao Executivo a tarefa de conformar, com agilidade, a intensidade da tributação.6

A ratio dessa flexibilização reside na natureza extrafiscal do IOF: trata-se de instrumento de política econômica, voltado a regular o crédito, o câmbio, os seguros e o mercado de capitais, podendo ser manejado para induzir ou desestimular determinadas condutas no domínio econômico.7 Por essa razão, o constituinte optou por conferir maleabilidade normativa à sua alíquota, permitindo ajustes céleres que seriam inviabilizados pelo processo legislativo ordinário.

Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que essa delegação não é irrestrita. A validade do exercício dessa competência depende da observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a evitar que a alteração das alíquotas se afaste da finalidade extrafiscal e se converta em expediente meramente arrecadatório.8 O risco do chamado “desvio de finalidade” foi objeto de atenção nas ações de controle concentrado envolvendo o Decreto n.º 12.499/2025, em que se discutiu o impacto do aumento do IOF sobre operações de crédito destinadas a microempreendedores individuais e empresas do Simples Nacional.9

Assim, a legalidade tributária mitigada, longe de significar carta branca ao Executivo, deve ser compreendida como técnica excepcional de conformação normativa, vinculada a um fim constitucional específico. O afastamento desse fim – seja por desproporcionalidade, seja por perda do vínculo com a função regulatória – sujeita o ato infralegal ao controle judicial, seja no âmbito concentrado, seja no difuso.

2.3. Exceções ao princípio da anterioridade e aplicação ao IOF

O princípio da anterioridade, nas suas modalidades anual e nonagesimal, ocupa lugar central entre as garantias constitucionais do contribuinte, estabelecendo intervalo temporal mínimo entre a publicação da lei instituidora ou majoradora de tributo e a sua exigibilidade, a fim de resguardar a previsibilidade e a segurança jurídica.10 Inscrito no art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição, o instituto, todavia, não possui caráter absoluto, admitindo exceções expressas, justificadas pela natureza ou função do tributo.

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Entre essas exceções, destacam-se justamente os impostos de caráter eminentemente extrafiscal, cuja eficácia regulatória pressupõe imediata aplicabilidade. O IOF insere-se nesse rol, ao lado do Imposto de Importação (II), do Imposto de Exportação (IE) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), conforme prevê o art. 150, § 1.º, da Carta Magna. A razão de ser dessa dispensa reside na necessidade de rápida intervenção estatal sobre variáveis econômicas sensíveis, como a taxa de câmbio, o custo do crédito ou o fluxo de capitais.

Assim, as alterações de alíquota do IOF, quando veiculadas por decreto presidencial autorizado em lei, podem produzir efeitos imediatos, sem necessidade de observar o lapso da anterioridade, seja anual, seja nonagesimal.11 Tal prerrogativa, contudo, não afasta a exigência de observância aos limites constitucionais da competência tributária e aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de incorrer em desvio de finalidade.12

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento nesse sentido, reafirmando a constitucionalidade da exceção e afastando alegações de violação à anterioridade em hipóteses de majoração do IOF por ato do Executivo.13 Entretanto, no exame do Decreto n.º 12.499/2025, a Corte modulou os efeitos da medida, justamente para compatibilizar a aplicação imediata com a preservação da segurança jurídica, afastando a cobrança retroativa em operações realizadas durante o período de suspensão legislativa.14

Portanto, embora o IOF figure entre os tributos excepcionados do princípio da anterioridade, a dispensa do prazo não se converte em autorização para alterações abruptas desprovidas de motivação legítima. A função extrafiscal, fundamento da exceção, deve permanecer como elemento teleológico central, sob pena de a imediata exigibilidade converter-se em instrumento de surpresa fiscal e instabilidade econômica, incompatível com a própria racionalidade do sistema tributário constitucional.


3. JURISPRUDÊNCIA RECENTE SOBRE A MAJORAÇÃO DO IOF

3.1. Decisões do Supremo Tribunal Federal (ADCs 96 e 97; ADIs 7827 e 7839)

O exame da constitucionalidade da majoração das alíquotas do IOF por ato do Poder Executivo, especialmente quando voltada a operações de crédito envolvendo microempreendedores individuais e optantes pelo Simples Nacional, encontrou no Supremo Tribunal Federal campo privilegiado de debate. As Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.º 96 e 97, bem como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 7.827 e 7.839, foram manejadas justamente para submeter à apreciação da Corte a compatibilidade do Decreto n.º 12.499/2025 com a ordem constitucional vigente.15

O cerne da controvérsia residia, de um lado, na legitimidade da delegação constitucional que permite ao Executivo alterar as alíquotas do IOF, nos termos do art. 153, § 1.º, da Constituição; e, de outro, na verificação de eventual desvio de finalidade, caso a majoração se destinasse precipuamente à arrecadação, e não ao cumprimento da função extrafiscal que lhe é própria.16

Em decisão liminar proferida em 16 de julho de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes, relator das referidas ações, restabeleceu a vigência do decreto presidencial, reconhecendo a compatibilidade formal e material da medida com o texto constitucional.17 Ressalvou, entretanto, a incidência sobre operações de “risco sacado”, afastando, por ora, sua sujeição ao imposto, por considerar que a hipótese não se enquadrava no âmbito material previamente definido em lei.18

No mesmo pronunciamento, a Corte procedeu à modulação dos efeitos da decisão, de modo a assegurar que a cobrança do IOF majorado incidisse apenas sobre operações celebradas após a data da decisão judicial, afastando a exigibilidade retroativa sobre fatos geradores ocorridos durante o período em que o Decreto se encontrava suspenso por ato do Congresso Nacional.19 Tal providência visou preservar a segurança jurídica e a confiança legítima dos contribuintes, especialmente diante da alternância normativa que caracterizou o interregno.20

A orientação extraída dessas decisões confirma a posição já consolidada do STF quanto à constitucionalidade da “legalidade suficiente” no tocante ao IOF, mas também reforça que o exercício dessa competência normativa pelo Executivo não se reveste de caráter absoluto. Sua validade depende de fundamentação vinculada à finalidade extrafiscal e de respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de ser neutralizado pelo controle jurisdicional, seja em sede concentrada, seja difusa.21

3.2. Modulação de efeitos e segurança jurídica

A modulação de efeitos, enquanto técnica de temperamento da eficácia temporal das decisões judiciais, tem por finalidade preservar valores constitucionais como a segurança jurídica e a proteção da confiança, especialmente em contextos em que a alteração abrupta da realidade normativa possa gerar prejuízos desproporcionais aos contribuintes ou ao próprio Estado.22 No campo tributário, sua utilização encontra amparo tanto no art. 27. da Lei n.º 9.868/1999, quanto na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a possibilidade de, em sede de controle concentrado, restringir ou diferir os efeitos de decisões de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade.23

No caso do Decreto n.º 12.499/2025, a Corte Suprema, ao restabelecer a majoração do IOF por decisão liminar proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, modulou seus efeitos para afastar a incidência retroativa sobre operações de crédito celebradas durante o período em que o ato normativo se encontrava suspenso pelo Congresso Nacional.24 Com isso, preservou-se a previsibilidade das relações jurídico-tributárias e evitou-se a imposição de ônus inesperado sobre fatos pretéritos, em respeito à confiança legítima dos contribuintes.25

A modulação, nesse contexto, desempenhou dupla função: de um lado, assegurou a aplicação imediata da política tributária extrafiscal definida pelo Executivo, mantida pela decisão judicial; de outro, mitigou o impacto econômico que a exigência retroativa do tributo poderia causar, sobretudo para microempreendedores individuais e empresas optantes pelo Simples Nacional, mais vulneráveis a variações súbitas no custo do crédito.26

Note-se que, embora a exceção ao princípio da anterioridade permita a cobrança imediata do IOF majorado, tal prerrogativa não se confunde com a autorização para efeitos retroativos. O afastamento dessa cobrança em relação ao período de suspensão decorreu da ponderação entre a finalidade extrafiscal da medida e a necessidade de resguardar a estabilidade das relações jurídicas, evitando-se que a alternância normativa — entre suspensão e restabelecimento do decreto — se traduzisse em incerteza tributária incompatível com a ordem constitucional.27

Portanto, a atuação do STF ao modular os efeitos da decisão sobre o Decreto n.º 12.499/2025 reafirma que a segurança jurídica não é princípio de aplicação meramente formal, mas vetor interpretativo essencial para equilibrar a efetividade da função extrafiscal do IOF e a previsibilidade exigida pelos agentes econômicos, em especial aqueles com menor capacidade contributiva.28

3.3. Suspensão da incidência sobre operações de “risco sacado”

A categoria das operações conhecidas no mercado como “risco sacado” insere-se no campo das operações de fomento mercantil atípico, consistindo, em linhas gerais, na cessão de direitos creditórios de fornecedores a instituições financeiras ou a empresas especializadas, com a particularidade de que o pagamento é garantido pelo sacado (comprador), transferindo-se, assim, o risco da inadimplência.29

No contexto do Decreto n.º 12.499/2025, o Poder Executivo buscou submeter tais operações à incidência do IOF, sob o fundamento de que se trataria de operações de crédito lato sensu. Ocorre que, na análise liminar das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.º 96 e 97 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 7.827 e 7.839, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Ministro Alexandre de Moraes, afastou provisoriamente a exigibilidade do tributo sobre essas operações.30

O fundamento central para essa suspensão residiu na constatação de que o enquadramento das operações de “risco sacado” como fato gerador do IOF não se encontrava expressamente previsto na legislação de regência, configurando, assim, inovação normativa indevida por meio de ato infralegal.31 Nesse sentido, a Corte reafirmou o postulado segundo o qual a competência tributária, ainda que dotada de flexibilidade no caso do IOF, não autoriza a criação de novas hipóteses de incidência por decreto, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária.

A decisão liminar, ao preservar a não incidência sobre o “risco sacado”, também levou em consideração os impactos econômicos relevantes que tal tributação acarretaria, especialmente para cadeias produtivas que utilizam essa modalidade como mecanismo de financiamento e gestão de fluxo de caixa.32 A potencial elevação de custos poderia repercutir de forma regressiva, atingindo de maneira mais intensa micro e pequenas empresas, o que afrontaria os princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade.33

Portanto, a suspensão da incidência do IOF sobre o “risco sacado” reflete não apenas um controle formal de competência normativa, mas também a aplicação de uma hermenêutica tributária sensível aos efeitos econômicos concretos da tributação, em sintonia com a função teleológica da extrafiscalidade e com a preservação da justiça fiscal.34

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Sobre o autor
Paulo Vitor Faria da Encarnação

Advogado. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Sócio do escritório Santos Faria Sociedade de Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ENCARNAÇÃO, Paulo Vitor Faria. A majoração do IOF para MEI e empresas do Simples nacional.: Fundamentos constitucionais, jurisprudência do STF e estratégias de mitigação à luz da Justiça fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8092, 27 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115375. Acesso em: 5 dez. 2025.

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