Conclusão
A análise da legislação, da jurisprudência e dos projetos de reforma revela uma trajetória clara e consistente quanto ao papel do pacto convivencial no Brasil. Ele deixa de ser instrumento acessório para se firmar como elemento central no planejamento da vida em comum.
A evolução do pacto convivencial reflete a própria transformação da união estável no ordenamento jurídico brasileiro. Surgiu de forma discreta, como exceção prevista no artigo 1.725 do Código Civil, sem maior destaque. Ganhou relevância prática com o reconhecimento, pela jurisprudência do STJ, da flexibilidade formal e da primazia da vontade das partes sobre o rigor procedimental. Agora, avança em direção a um modelo de maior formalidade e robustez, aproximando-se, em importância e solenidade, do pacto antenupcial.
A expressão “da gaveta ao cartório” simboliza essa transição: o pacto deixa de ser um simples documento privado guardado entre papéis pessoais para se tornar ato público, solene e essencial à organização das relações patrimoniais e afetivas. Representa, em suma, a maturidade jurídica da união estável, reconhecida como entidade familiar autônoma, merecedora de igual nível de segurança e previsibilidade conferido ao casamento.
O futuro do Direito de Família brasileiro aponta para a consolidação da chamada autonomia vigiada. O Estado, por intermédio do Poder Legislativo, tende a conceder aos casais ampla liberdade para definir as regras de sua convivência, reconhecendo a diversidade dos arranjos familiares e a centralidade das escolhas individuais 28. O pacto convivencial será, nesse cenário, a principal ferramenta de expressão dessa liberdade.
Essa autonomia, entretanto, virá acompanhada de contrapartidas formais. A exigência de escritura pública e registro oficial refletirá o esforço estatal em garantir segurança jurídica, proteger terceiros e prevenir litígios. O pacto deixará de ser um instrumento facultativo para se tornar indispensável ao planejamento patrimonial e sucessório de quem vive em união estável.
Já o contrato de namoro permanecerá em uma zona cinzenta, sujeito à análise concreta das circunstâncias. O princípio constitucional da proteção à família continuará a prevalecer sobre a mera liberdade contratual sempre que esta for usada para disfarçar ou negar uma entidade familiar de fato.
O movimento de crescente contratualização das relações familiares é, por vezes, visto com desconfiança, como se o ato de formalizar juridicamente a convivência revelasse ausência de afeto ou excesso de cautela 4. Tal percepção deve ser superada. Tratar de patrimônio, responsabilidades e expectativas não fragiliza o vínculo afetivo; ao contrário, reforça-o pela transparência, pela confiança e pelo cuidado mútuo.
Um pacto bem elaborado é um ato de planejamento e respeito, capaz de prevenir conflitos e proteger os vínculos mais valiosos 11. O grande desafio do Direito de Família nas próximas décadas será encontrar o equilíbrio entre a autonomia privada e o acesso universal à proteção jurídica — permitindo que cada família construa seu próprio modelo de convivência, conforme seus valores e projetos de vida 29, sem criar barreiras burocráticas ou financeiras que restrinjam esse direito.
A evolução do pacto convivencial está no centro dessa transformação. A forma como o legislador e os tribunais moldarem seu alcance e suas exigências definirá os contornos da proteção familiar no Brasil das próximas gerações.
Fontes citadas
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Artigo: Afinal de contas, o que é o pacto convivencial? Reflexões críticas sobre um “novo” negócio jurídico familiar típico – por Daniela Braga Paiano e Arthur Lustosa Strozzi - CNB/SP, setembro 2025, https://cnbsp.org.br/2025/09/22/artigo-afinal-de-contas-o-que-e-o-pacto-convivencial-reflexoes-criticas-sobre-um-novo-negocio-juridico-familiar-tipico-por-daniela-braga-paiano-e-arthur-lustosa-strozzi/
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