A ascensão dos pactos afetivos no Brasil moderno.

Amor se contrata?

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05/10/2025 às 09:11

Resumo:


  • O pacto convivencial é uma tendência irreversível do Direito de Família, valorizando a autonomia privada para definir arranjos afetivos.

  • A união estável é uma situação de fato, enquanto o pacto convivencial permite regular os efeitos dessa união, especialmente os patrimoniais.

  • O projeto de lei nº 494/2023 propõe tornar obrigatória a celebração do contrato de convivência por escritura pública, visando maior segurança jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Conclusão

A análise da legislação, da jurisprudência e dos projetos de reforma revela uma trajetória clara e consistente quanto ao papel do pacto convivencial no Brasil. Ele deixa de ser instrumento acessório para se firmar como elemento central no planejamento da vida em comum.

A evolução do pacto convivencial reflete a própria transformação da união estável no ordenamento jurídico brasileiro. Surgiu de forma discreta, como exceção prevista no artigo 1.725 do Código Civil, sem maior destaque. Ganhou relevância prática com o reconhecimento, pela jurisprudência do STJ, da flexibilidade formal e da primazia da vontade das partes sobre o rigor procedimental. Agora, avança em direção a um modelo de maior formalidade e robustez, aproximando-se, em importância e solenidade, do pacto antenupcial.

A expressão “da gaveta ao cartório” simboliza essa transição: o pacto deixa de ser um simples documento privado guardado entre papéis pessoais para se tornar ato público, solene e essencial à organização das relações patrimoniais e afetivas. Representa, em suma, a maturidade jurídica da união estável, reconhecida como entidade familiar autônoma, merecedora de igual nível de segurança e previsibilidade conferido ao casamento.

O futuro do Direito de Família brasileiro aponta para a consolidação da chamada autonomia vigiada. O Estado, por intermédio do Poder Legislativo, tende a conceder aos casais ampla liberdade para definir as regras de sua convivência, reconhecendo a diversidade dos arranjos familiares e a centralidade das escolhas individuais 28. O pacto convivencial será, nesse cenário, a principal ferramenta de expressão dessa liberdade.

Essa autonomia, entretanto, virá acompanhada de contrapartidas formais. A exigência de escritura pública e registro oficial refletirá o esforço estatal em garantir segurança jurídica, proteger terceiros e prevenir litígios. O pacto deixará de ser um instrumento facultativo para se tornar indispensável ao planejamento patrimonial e sucessório de quem vive em união estável.

Já o contrato de namoro permanecerá em uma zona cinzenta, sujeito à análise concreta das circunstâncias. O princípio constitucional da proteção à família continuará a prevalecer sobre a mera liberdade contratual sempre que esta for usada para disfarçar ou negar uma entidade familiar de fato.

O movimento de crescente contratualização das relações familiares é, por vezes, visto com desconfiança, como se o ato de formalizar juridicamente a convivência revelasse ausência de afeto ou excesso de cautela 4. Tal percepção deve ser superada. Tratar de patrimônio, responsabilidades e expectativas não fragiliza o vínculo afetivo; ao contrário, reforça-o pela transparência, pela confiança e pelo cuidado mútuo.

Um pacto bem elaborado é um ato de planejamento e respeito, capaz de prevenir conflitos e proteger os vínculos mais valiosos 11. O grande desafio do Direito de Família nas próximas décadas será encontrar o equilíbrio entre a autonomia privada e o acesso universal à proteção jurídica — permitindo que cada família construa seu próprio modelo de convivência, conforme seus valores e projetos de vida 29, sem criar barreiras burocráticas ou financeiras que restrinjam esse direito.

A evolução do pacto convivencial está no centro dessa transformação. A forma como o legislador e os tribunais moldarem seu alcance e suas exigências definirá os contornos da proteção familiar no Brasil das próximas gerações.


Fontes citadas

  1. Afinal de contas, o que é o pacto convivencial? Reflexões críticas sobre um “novo” negócio jurídico familiar típico - Migalhas, setembro 2025, https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-das-civilistas/440484/pacto-convivencial-reflexoes-sobre-esse-novo-modelo-juridico-familiar

  2. Pacto antenupcial e contrato de convivência - Jusbrasil, setembro 2025, https://www.jusbrasil.com.br/artigos/pacto-antenupcial-e-contrato-de-convivencia-sobre-quais-assuntos-o-casal-pode-dispor/687652910

  3. Artigo: Afinal de contas, o que é o pacto convivencial? Reflexões críticas sobre um “novo” negócio jurídico familiar típico – por Daniela Braga Paiano e Arthur Lustosa Strozzi - CNB/SP, setembro 2025, https://cnbsp.org.br/2025/09/22/artigo-afinal-de-contas-o-que-e-o-pacto-convivencial-reflexoes-criticas-sobre-um-novo-negocio-juridico-familiar-tipico-por-daniela-braga-paiano-e-arthur-lustosa-strozzi/

  4. Pactos conjugais e convivenciais e o anteprojeto de revisão do Código Civil - Migalhas, setembro 2025, https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/411232/pactos-conjugais-e-convivenciais-e-o-anteprojeto-de-revisao-do-cc

  5. União Estável — Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, setembro 2025, https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/uniao-estavel

  6. Namoro pode configurar união estável? - TJDFT, setembro 2025, https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/namoro-pode-configurar-uniao-estavel

  7. Pacto Convivencial - Trilhante, setembro 2025, https://trilhante.com.br/curso/contratos-no-direito-das-familias/aula/pacto-convivencial-1

  8. Quais são os direitos na união estável em caso de separação? - ANOREG/BR, setembro 2025, https://www.anoreg.org.br/site/quais-sao-os-direitos-na-uniao-estavel-em-caso-de-separacao/

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  9. Direito de Família — Casamento e União Estável | Ministério Público do Estado do Paraná, setembro 2025, https://mppr.mp.br/Pagina/Direito-de-Familia-Casamento-e-Uniao-Estavel

  10. A (in)validade do contrato de namoro e a possível descaracterização da união estável, setembro 2025, https://ibdfam.org.br/artigos/1644/A+%28in%29validade+do+contrato+de+namoro+e+a+poss%C3%ADvel+descaracteriza%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel

  11. Pacto de Convivência e Pacto de Namoro - Feldmann Advocacia, setembro 2025, https://feldmann.adv.br/pacto-de-convivencia-e-pacto-de-namoro/

  12. afinal: é namoro ou união estável? - TJBA, setembro 2025, https://www.tjba.jus.br/unicorp/wp-content/uploads/2020/01/7-Afinal-%C3%89-Namoro-ou-Uni%C3%A3o-Est%C3%A1vel.pdf

  13. O contrato de convivência na união estável e a autonomia privada - IBDFAM, setembro 2025, https://ibdfam.org.br/artigos/985/O+contrato+de+conviv%C3%AAncia+na+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+e+a+autonomia+privada

  14. Contrato de convivência - Kelton Aguiar Advogados, setembro 2025, https://www.aguiaradvogados.com.br/2021/04/19/contrato-de-convivencia/

  15. O que é o contrato de convivência e como é feito? - VLV Advogados, setembro 2025, https://vlvadvogados.com/contrato-de-convivencia/

  16. Pacto Antenupcial: Decisões do STJ Reforçam Regras e Aplicações ..., setembro 2025, https://site.mppr.mp.br/civel/Noticia/Pacto-Antenupcial-Decisoes-do-STJ-Reforcam-Regras-e-Aplicacoes

  17. O contrato de namoro e o ordenamento jurídico brasileiro - IBDFAM, setembro 2025, https://ibdfam.org.br/artigos/1748/O+contrato+de+namoro+e+o+ordenamento+jur%C3%ADdico+brasileiro

  18. O CONTRATO DE NAMORO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS NA DISTINÇÃO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL: UM ESTUDO SOBRE A SEGURANÇA JURÍDICA E SUAS IMPLICAÇÕES | RECIMA21, setembro 2025, https://recima21.com.br/recima21/article/view/6489

  19. Projeto determina o registro em cartório do contrato de convivência em união estável, setembro 2025, https://www.camara.leg.br/noticias/949861-projeto-determina-o-registro-em-cartorio-do-contrato-de-convivencia-em-uniao-estavel/

  20. A UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL - EMERJ, setembro 2025, https://emerj.tjrj.jus.br/files/pages/publicacoes/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/10anosdocodigocivil_76.pdf

  21. Jurisprudência - Buscador Dizer o Direito, setembro 2025, https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/listar?categoria=4&subcategoria=44&assunto=157

  22. União Estável X Namoro Qualificado — Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT, setembro 2025, https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/uniao-estavel-x-namoro-qualificado

  23. O contrato de convivência na união estável e a sua repercussão no ordenamento jurídico brasileiro, setembro 2025, https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58769/o-contrato-de-convivncia-na-unio-estvel-e-a-sua-repercusso-no-ordenamento-jurdico-brasileiro

  24. União estável à luz das recentes decisões do STJ - Frullani Lopes, setembro 2025, https://frullanilopes.adv.br/uniao-estavel-a-luz-das-recentes-decisoes-do-stj/

  25. Novo regime de bens na reforma do Código Civil - Machado Nunes Advogados, setembro 2025, https://www.machadonunes.com.br/pt/novo-regime-de-bens-na-reforma-do-codigo-civil/

  26. Famílias unipessoais, direitos post-mortem e registro em inseminação caseira: dez tendências no Direito das Famílias e Sucessões para 2025 - IBDFAM, setembro 2025, https://ibdfam.org.br/noticias/12529/Fam%C3%ADlias+unipessoais,+direitos+post-mortem+e+registro+em+insemina%C3%A7%C3%A3o+caseira:+dez+tend%C3%AAncias+no+Direito+das+Fam%C3%ADlias+e+Sucess%C3%B5es+para+2025

  27. PROJETO DE LEI N° 4, DE 2025 - SENADO FEDERAL, setembro 2025, https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9889356&ts=1738439486311&disposition=inline

  28. A contratualização das relações afetivas - JOTA, setembro 2025, https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-anderson-schreiber/a-contratualizacao-das-relacoes-afetivas

  29. A (IM)POSSIBILIDADE DA CONTRATUALIZAÇÃO NA FAMÍLIA MODERNA FRENTE À INTERVENÇÃO DO ESTADO, setembro 2025, https://periodicorease.pro.br/rease/article/download/7765/3025

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Sobre a autora
Daniela Pinheiros

Com formação em Direito pela Universidade Paulista (UNIP) e em Psicanálise, ofereço uma abordagem integrada que visa promover tanto a justiça quanto a saúde mental. Meu trabalho consiste em orientar para a proteção e defesa de direitos, contribuindo para uma sociedade mais justa, além de auxiliar no processo de autoconhecimento e na construção de relações mais saudáveis. A união dessas duas áreas me permite analisar cada caso a partir sob uma perspectiva completa, que considera tanto os aspectos legais quanto as dimensões subjetivas de cada cliente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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