Por recentes e profundas transformações passou nos últimos anos o processo de execução, com a edição das Leis nº 11.232, de 22/12/2005 (em vigor desde 23/06/2006) e 11.382, de 06/12/06 (em vigor desde 22/02/2007).
No caso do instituto em epígrafe, a inovação foi trazida especificamente pela Lei nº 11.382/06, que incluiu o parágrafo 2º ao artigo 656 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação:
"Art. 656....
...
parágrafo 2º.
A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais trinta por cento (30%)" (destacamos).
Notadamente, o seguro garantia, apesar de haver ficado relegado a uma simples menção no supra citado artigo, e de contar, ainda, com alguns detratores, não passaram despercebidos aos profissionais que atuam no contencioso, sobretudo de empresas e instituições financeiras envoltas em processos executivos.
Somos enfáticos ao afirmar – e a razão deste singelo estudo é frisar tal aspecto – que o acolhimento cada vez mais constante por parte dos nossos julgadores do seguro garantia como forma de caucionar a execução, além de preservar os interesses de ambos os litigantes, repercutirá para além dos limites do processo de execução, permitindo-se a movimentação de milhares, quiçá milhões de reais "congelados" em processos judiciais longevos e intermináveis, quando poderiam estar sendo utilizados para "aquecer" a economia.
Sem mais delongas, passemos a análise do instituto.
Quando analisamos o processo de execução, devemos sopesar dois valores aparentemente contraditórios: 1º) o direito de o credor ter o seu crédito, líquido, certo e exigível, satisfeito pelo patrimônio do devedor (artigo 591 do Código de Processo Civil, princípio da responsabilidade patrimonial); e 2º) o direito de o devedor ser o menos onerado possível com a execução que recairá sobre o seu patrimônio (artigo 620 do Código de Processo Civil, princípio da menor onerosidade).
Como equacionar estes dois princípios é um tema sobre o qual há tempos vêm se debruçando o legislador, a doutrina e a jurisprudência com grande afinco e perspicácia.
E, somos firmes em afirmar que a aceitação do seguro garantia judicial é um dos modos de se alcançar o tão almejado desiderato.
Destacamos, primeiramente, que, pela dicção do supra citado parágrafo 2º do artigo 656 do Estatuto Processual Civil, afigura-se como opção do executado pleitear a substituição da penhora por fiança ou seguro garantia.
Neste sentido nos ensina o Prof. ANTONIO CLAUDIO DA COSTA MACHADO:
"... o regramento apenas cria uma autorização, só que endereçada com exclusividade ao executado e instituidora da ‘fiança bancária ou seguro garantia’ como os únicos bens substitutos admissíveis do próprio ato de penhora, e ainda assim, desde que ‘em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento)’" (destacamos) (1).
E, prossegue o ilustre jurista,
"Algumas observações interpretativas fazem-se necessárias. A primeira, no sentido de que esta forma particularíssima de substituição não está submetida a prazo certo, podendo ser requerida até mesmo no curso da fase de expropriação. A segunda, no sentido de que é livre a escolha do executado por uma ou outra forma de garantia, mas se deve ter em conta que o novo instrumento denominado ‘seguro garantia judicial’ precisa ser criado e regulamentado, por lei ou administrativamente, por bancos, seguradoras etc., para que possa ser utilizado efetivamente" (2).
Ousamos acrescentar à preclara lição transcrita, que o legislador, ao utilizar a expressão pode - quando dispôs: "A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial..." -, na realidade não deixou ao alvedrio do magistrado autorizar ou não a substituição da penhora por seguro garantia; isto porque, como já acentuado, a possibilidade a que aduz o texto do parágrafo 2º do artigo 656 do CPC é endereçada ao executado, e não ao juiz, que, ademais, na qualidade de agente público (ou melhor, agente político como especificariam os administrativistas), não tem a possibilidade, mas sim o dever de praticar os atos judiciais, uma vez presentes os pressupostos legais (é o que se costuma denominar de poder-dever).
Deste modo, escolhendo o executado por substituir a penhora que recaiu, p. ex., sobre 30% do seu faturamento mensal, pelo seguro garantia no valor equivalente ao débito constante na inicial, mais 30%, além preencher os requisitos insertos nas normas administrativas da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), pode fazê-lo, sem que possa o magistrado opor-se a tal pretensão.
Reconhecemos por pertinente, e plenamente defensável, a objeção a esta tese, calcada no fundamento de que a penhora deve recair, preferencialmente (expressão do próprio texto legal), na ordem de bens encartada no artigo 655 do Código de Processo Civil.
Contudo, a jurisprudência já vem se orientando no sentido de que essa ordem merece interpretação flexível, como aponta o saudoso mestre THEOTONIO NEGRÃO, trazendo à baila, inclusive, aresto do Superior Tribunal de Justiça:
"A Lei 11.382, de 6.12.06, trouxe reforço à observância da ordem estipulada para a penhora, ao dispor que ela deve ser ‘preferencialmente’ seguida. Assim, tende a prevalecer a corrente jurisprudencial que dispunha, mesmo antes de tal lei, que, ‘em princípio, deve o julgador seguir a ordem da penhora estabelecida no art. 655 do CPC. A regra, entretanto, é flexível, se demonstrada pelo executado a necessidade de mudança’ (STJ-2ª T., REsp 791.573, rel. Min. Eliana Calmon, j. 7.2.06, negaram provimento, v.u., DJU 6.3.06, p. 361). Ou seja, é ônus do executado trazer argumentos para tanto" (destacamos) (3).
Entendemos, não obstante a autoridade do julgado do Superior Tribunal de Justiça, como já apontamos alhures, que a substituição da penhora sobre ativos financeiros (a denominada penhora on line) por seguro garantia não exige demonstração por parte do executado da sua necessidade, sendo um direito a ele assegurado, se preenchidos os requisitos legais.
Todavia, a fim de atender à posição que figura no aresto, cremos que "a necessidade de mudança" está amparada no princípio da menor onerosidade (artigo 620 do Código de Processo Civil).
Como qualquer norma jurídica, o artigo 655 do Código de Processo Civil não pode ser interpretado de forma isolada, devendo ser harmonizado, ao menos, com a lei na qual está inserido, e com os princípios que a norteia.
Não resta dúvida que o legislador ao estabelecer a relação de bens sobre os quais deva preferencialmente recair a penhora, adotou a ordem decrescente de liquidez dos objetos.
Em determinadas situações, entretanto, facilmente vislumbráveis no dia-a-dia, sobretudo quando estamos diante de uma execução de alto valor, cuja penhora venha a recair, por exemplo, sobre o faturamento de uma empresa depositado em conta bancária, pode-se inviabilizar, durante o longo período em que a dívida excutida estiver sendo discutida, o investimento em novos negócios – e, por conseguinte, a geração de riquezas e/ou a criação de novos empregos -, ou até mesmo o prosseguimento das atividades da executada.
São nestas ocasiões, que não excluem outras, que se devem observar os princípios da menor onerosidade e da preservação da atividade negocial ou da empresa - este hoje em dia tão em voga, notadamente após a promulgação da "nova" Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005) -, permitindo-se a substituição da penhora sobre o faturamento da empresa pelo seguro garantia judicial.
Mas, mais uma vez poder-se-ia objetar, afirmando-se que tal substituição, além de violar a ordem preferencial de penhora, privilegia um bem (seguro garantia judicial) de pouca liquidez, o que prejudicaria o credor.
Cremos insustentável, porém, tal argumento.
O seguro garantia judicial, regulamentado através da Circular nº 232/2003 da SUSEP, é oferecido por grandes instituições financeiras, que dispõem de lastro suficiente para amparar esse produto, além de sofrer rigoroso controle por parte do órgão regulamentador (SUSEP). (4)
Soma-se a isto que, como bem ressalta GLADIMIR ADRIANI POLETTO,
"... o não pagamento do prêmio no contrato de seguro garantia não prejudica o direito do segurado, pois a apólice não poderá ser cancelada por tal motivo. Cumpre a seguradora, neste caso, cobrar o valor do respectivo prêmio diretamente do tomador, sem qualquer prejuízo ao segurado" (5).
Tais razões justificam a posição adotada por grande parte dos doutrinadores e em diversos julgados – com razão, devemos acrescentar –, no sentido de que o seguro garantia judicial "desfruta do mesmo grau de segurança propiciado pelo dinheiro para garantir o juízo" (6).
Dispomos, ainda, de poucos julgados que se detiveram sobre o tema objeto deste singelo estudo. E, desses, nota-se certa reticência dos julgadores em aceitar o seguro garantia judicial como forma idônea de caução na execução, posição a que devemos atribuir à pouca familiaridade com o instituto, em virtude da sua recentíssima inclusão no Código de Processo Civil, pela Lei nº 11.382/06, em vigor a partir de 2007.
O que se espera é que os nossos tribunais, na esteira de alguns julgados, dentre os quais os abaixo transcritos, acolham essa nova modalidade de garantia à execução, deixando de lado entendimentos conservadores não mais consentâneos com os novos rumos traçados para o processo de execução, e sua repercussão na economia.
BIBLIOGRAFIA E NOTAS:
Código de Processo Civil Interpretado, 6ª edição, Editora Manole, 2007, p. 893/894.(2) op. cit., pg. 894
(3) Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 39ª edição, Editora Saraiva, 2007, p. 830, nota 3a.
(4) Ressalta o aspecto da segurança na aceitação do seguro garantia, mas com outros e interessantes argumento, o seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
"Com a edição da Circular nº 232/2003, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) vislumbrou a possibilidade de uma nova modalidade de caução, qual seja, o Seguro-Garantia Judicial.
Essa nova modalidade de caução visa a substituir as tradicionais cauções e/ou depósitos a serem efetuados em Juízo com o fim de assegurar as obrigações pecuniárias que poderão ser imputadas à empresa Tomadora em função de ação judicial em que são partes Tomadora e Segurado, incluindo-se os acréscimos legais devidos, as custas judiciais e os honorários de sucumbência sem qualquer restrição.
Configura-se, assim, uma modalidade de garantia judicial menos onerosa, nos termos do art. 620 do CPC, e traz maior segurança também ao juízo, uma vez que a garantia se estende por todo o prazo da demanda e o Tomador deverá estar, necessariamente, cadastrado no IRB – Brasil Resseguros S/A, cujo acionista majoritário é o Governo Federal.
Agravo Interno improvido" (AI nº 200602010058010 – 3ª Turma – Rel. Des. Tânia Heine; DJU de 02.03.2007).
(5) O Seguro Garantia: em busca de sua natureza jurídica, Funenseg, 2003, p. 50.
(6) Neste sentido destacamos o voto, farto em doutrina e julgados, do eminente Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, ANTONIO RIGOLIN, quando do julgamento do AGRAVO DE INSTRUMENTO nº1.111.197-0/3/SP, em 29/05/2007, cuja ementa ora transcrevemos:
"EXECUÇÃO - DETERMINAÇÃO DE PENHORA DE DINHEIRO EM CONTA CORRENTE DA EXECUTADA - PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO POR FIANÇA BANCÁRIA OU SEGURO GARANTIA JUDICIAL - POSSIBILIDADE - ART. 656, PARÁGRAFO 2o, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - RECURSO PROVIDO. Preenchidas as exigências legais, e desde que, seja afiança bancária ou o seguro garantia judicial prestados por instituição financeira considerada idônea, e ainda desde que o valor de uma e de outro não sejam inferior ao crédito reclamado pelo exeqüente - e o referencial deste crédito é sempre o constante da petição inicial, que deve ser instruída com a memória de cálculo exigida pelo art. 614, II, CPC - com o acréscimo de 30%, não há razão para o indeferimento da substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial".