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Impugnação e embargos à execução de título judicial inconstitucional

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1. Origem da Regra

Antes de o art. 741, parágrafo único do CPC surgir na ordem jurídica brasileira, o STF estimava que, a despeito de a proclamação da inconstitucionalidade implicar o desaparecimento de todos os atos praticados sob o império da lei viciada, somente através de rescisória o vencido lograria alcançar a desconstituição do julgado. A 1ª Turma do STF rejeitou, expressamente, o uso dos embargos contra a execução baseada em sentença posteriormente declarada inconstitucional. E o Pleno esclareceu que o julgamento do STF não se afigura eficaz perante a execução baseada em título formado nessas condições. Neste sentido:

Recurso Extraordinário. Embargos à execução de sentença porque baseada a decisão transitada em julgado, em lei posteriormente declarada inconstitucional. A declaração da nulidade da sentença somente e possível via da ação rescisória. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não conhecido. [01] (grifo aditado)

Reclamação. O cumprimento, em execução, de sentença que, em reclamação trabalhista individual, concedeu beneficio com base em cláusula de dissídio coletivo que pendia de julgamento de recurso extraordinário, e sentença que transitou em julgado antes de esta corte haver declarado a inconstitucionalidade de tal cláusula, não fere a autoridade do acórdão do STF, pois este não esta sendo desrespeitado pelo juízo da execução, que tem o dever de executar a sentença transitada em julgado. Reclamação que se julga improcedente. [02] (grifo aditado)

Através de Medida Provisória, criou-se nova hipótese de embargos à execução fundada em título judicial. Instituiu-se um parágrafo único no art. 741 do Código de Processo Civil, segundo o qual "considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal" (MP nº. 2.180-35, art. 10º).

A regra descrita supra tem como fonte o Direito alemão que admite a impugnação, por meio de embargos à execução, de sentença proferida com base em lei declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. O comando contido no parágrafo único, do artigo 741:

É claramente inspirada em dispositivo do ordenamento alemão segundo o qual ‘não é admissível’ a execução da sentença que houver aplicado lei inconstitucional. Talvez se pudesse pretender que uma tal inadmissibilidade implicaria carência de ação executiva, argüível na própria execução. No entanto, a mesma regra do direito alemão que alude à inadmissibilidade desautoriza essa conclusão, na medida em que expressamente indica a via cabível para a argüição do defeito: a medida prevista no § 767 do diploma processual alemão (ZPO). É a ‘ação de oposição (embargos) à execução’, meio adequado para veicular "as objeções que afetam a própria pretensão determinada pela sentença" (§ 767, 1). [03]

A regra inovou ao conceber uma hipótese veiculável em embargos à execução de título judicial que é anterior à formação do título. Constituiu também uma inovação a possibilidade de revisar inclusive títulos executivos acobertados pela coisa julgada material, independentemente de ação rescisória (e mesmo fora do prazo dessa).

Comparando-se as redações dadas ao parágrafo único do art. 741 nas sucessivas Medidas Provisórias, nota-se a aparente flexibilização das novas hipóteses de ‘inexigibilidade’ do título executivo judicial. Na primeira versão do preceito, mencionava-se o "título judicial fundado em lei, ato normativo ou em interpretação ou aplicação declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal" (art. 3º da MP nº. 1.997-37, de 11.04.2000). A partir da Medida Provisória nº. 1.984-20, de 28.07.2000, passou-se a aludir a "título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal". Esse texto se repetiu na Medida Provisória nº. 2.102-27, de 26/01/2001, e se manteve na redação determinada pela Medida Provisória nº. 2.180-35, de 24/08/2001.

Pelo cotejo literal das redações, tem-se a impressão de que a mudança teria servido para dispensar uma prévia manifestação do Supremo acerca da ‘incompatibilidade’ constitucional ‘da aplicação ou interpretação da norma’. A fluidez e largueza dos termos empregados são marcantes quando se coteja a regra. Evidentemente, os exageros podiam ser cometidos na interpretação da norma e, para evitá-los, o sentido e o alcance do dispositivo precisaram ser adequadamente definidos em consonância com os ditames constitucionais.

A redação também foi inserida pela Lei nº. 11.232/05, no parágrafo único do art. 741 -"considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal." - do Código, que agora trata apenas dos embargos à execução contra a Fazenda Pública, bem como no §1º do art. 475-L da mencionada Lei.

Possibilita-se a impugnação nas demais hipóteses de embargos de títulos executivos judiciais, reproduzindo, em linhas gerais, a mesma redação dada pela Medida Provisória nº. 2.180/01, recebendo ligeira modificação, ao mencionar o STF como fonte única e exclusiva da aplicação ou interpretação conforme a Constituição.

Essa forma de controle da coisa julgada material trazida pelo parágrafo único do artigo 741 e pelo § 1º do art. 475-L do Código Processual Civil é plenamente abrangida no direito brasileiro, pois sendo a coisa julgada considerada inconstitucional, não se pode tê-la como título exigível para fins executivos. A certeza jurídica é um dos pressupostos para o título ser exigível, de forma que se a sentença transitada em julgado não possui tal certeza por ser inconstitucional não terá a exigibilidade requerida.

Ultrapassada essa introdução do normativo e a possibilidade positiva da objeção na execução, podem-se identificar alguns problemas básicos na redação do texto normativo que causam as discussões acirradas.


2. Constitucionalidade da Regra

A constitucionalidade da norma do parágrafo único do art. 741 do CPC e do § 1º do art.475-L do CPC decorre do seu significado e de sua função. Trata-se de preceito normativo que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, veio apenas agregar ao sistema um mecanismo processual com eficácia rescisória de certas sentenças inconstitucionais. Até o seu advento, o meio apropriado para rescindir tais sentenças era o da ação rescisória (art. 485, V). Agora, para hipóteses especialmente selecionadas pelo legislador, conferiu-se força semelhante à impugnação e aos embargos à execução.

Deste modo, cabendo à lei infraconstitucional estabelecer quando e em que hipóteses há coisa julgada, também poderá instituir seu desaparecimento perante eventos contemporâneas ou supervenientes à emissão do pronunciamento apto a gerá-la. Além disso, em que pese a suspeita de que a regra, haja vista sua bem documentada origem, ao fim favoreça apenas a Fazenda Pública, sua aplicação é neutra e indiferente à condição da parte. Ela também beneficia o adversário da Fazenda Pública.

O art. 741, parágrafo único, beneficia a Fazenda Pública no sentido de alargar suas possibilidades de obter desejável uniformidade nos litígios com seus servidores e os contribuintes. E também nos litígios entre particulares, o art. 475-L, §1º, exibe idêntica finalidade de uniformização dos resultados úteis de processos diferentes.

Em realidade, muitas vezes, a coisa julgada se encontrava em crise no âmbito das relações individuais homogêneas, de forma que se tornou admissível e conveniente a relativização da eficácia da coisa julgada neste tipo de litígios, em que sobreleva o princípio da isonomia – de fato, não se compreende, embora seja polêmico, que um servidor receba determinada vantagem pecuniária, enquanto os demais não, porque apesar de inconstitucional a lei que a concedeu, a ação daquele transitou em julgado por qualquer motivo afeto à álea natural dos trâmites judiciários. [04]

Assim, não é possível simplesmente ignorar a regra ou tê-la por inadmissível pela mera circunstância de haver sido concebida em um contexto de ampliação das prerrogativas do Poder Público em juízo. Importa é que o dispositivo pode ser aplicado em favor de qualquer litigante. Assim, não há ofensa à isonomia.

Põe-se também em análise a séria questão da constitucionalidade formal da inovação, por haver sido veiculada através de medida provisória, antes da EC 32, de 11.09.01, que proibiu a edição de medidas provisórias que tratassem de matéria processual, por falta de urgência e relevância.

O Executivo Federal tinha endereço certo para a norma que eram as decisões que por motivo ou outro transitaram em julgado em desfavor da Fazenda Pública, mas que o Pretório Excelso já tinha decidido de modo contrário. A perda econômica do Estado era grande nestas situações notadamente quando se tratava de índices do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS não reconhecidos posteriormente, mas o Judiciário tem rechaçado a possibilidade aventada em casos de coisa julgada formada anteriormente à Medida Provisória, conforme decidido, por exemplo, o RESP nº. 53708/RS e o AGA nº. 489659/RS. A finalidade da Medida Provisória era o de:

Evitar que aquelas ações nas quais se discutiam aplicações de índices referentes aos Planos Econômicos editados por diferentes Governos, e que já tinham decisão transitado em julgado com conteúdo diverso ao entendimento do STF pudessem ser executados contra a Fazenda Pública, ou necessitassem de Ação Rescisória, pois em muitos casos, já era decorrido o prazo de 2 anos. [05]

O Supremo Tribunal Federal tolerou o abuso do Poder Executivo nesta matéria, com as reiteradas Medidas Provisórias, parecendo improvável que acolha arguição contra dispositivo que aumenta a autoridade de seus próprios julgados e da força normativa da Constituição. E agora, com a adoção dessas regras (art. 741, parágrafo único, e art. 475-L, § 1º) pela Lei nº. 11.242/05, a questão restou superada, uma vez que, pelo menos no que se refere à elaboração legislativa, há norma aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República dispondo a respeito do assunto. Conforme o Professor Luciano Athayde Chaves:

Com a expressa previsão da matéria em lei ordinária federal- reproduzindo-se (pelo menos em relação ao parágrafo único do art. 741) disposição já contemplada em Medida Provisória-, aflora a clara estratégia de tentar o arrefecimento da resistência de parte significativa do Poder Judiciário no que toca à aplicação do preceito,em boa medida relacionada com a forma de sua disposição em Medida Provisória. [06]

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No entanto, nem mesmo a previsão de lei federal foi suficiente para acabar com a discussão acerca da constitucionalidade dos dispositivos em análise. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 3740, no Supremo Tribunal Federal, para que o § 1º do artigo 475-L e o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, com a redação alterada pela Lei 11.232/05 sejam declarados inconstitucionais.

A OAB argumentou que os dispositivos questionados prevêem hipótese de perda da eficácia de decisão judicial transitada em julgado, quando fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo ou em aplicação ou interpretação tidas como incompatíveis com a Constituição Federal.

Os artigos, de acordo com a OAB, atentam contra a segurança jurídica e a própria autoridade do Poder Judiciário, quando se permite que o que fora antes decidido definitivamente possa ser desconstituído por um juiz de primeiro grau. Desta forma, haveria uma falsa suposição de que os embargos do executado devem servir para manter a uniformidade das decisões judiciais, como se a coisa julgada fosse um valor menor e insignificante. Diante da natureza constitucional do princípio da coisa julgada, não haveria como deixar de entender os mencionados dispositivos como inconstitucionais.

Em posição contrária, autores como Humberto Theodoro e Juliana Faria [07], em obras sobre a coisa julgada inconstitucional, entendem que a proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para a sua rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez no art. 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória.

Por outro lado, cabe ao Judiciário a tutela da Constituição e, por isso, não pode se recusar a analisar os atos que lhe sejam contrários. Não haveria que se falar em insegurança jurídica pelo fato de um juiz de primeiro grau analisar a constitucionalidade de decisão definitivamente constituída, haja vista que se a questão constitucional foi posta em juízo e a seu respeito pronunciou-se soberanamente o órgão judicial competente, não há como se reabrir discussão e outro processo a seu respeito; consumou-se o controle judicial de constitucionalidade; somente por ação rescisória seria possível atacar a coisa julga especificamente formada acerca da questão constitucional.

No entanto, se a ofensa à Constituição não foi examinada como tal, a coisa julga formada em torno de outras questões de direito material não representa embaraço ao exame pelo Judiciário a seu respeito; a coisa julgada forma-se sobre as questões decididas e sobre o tema constitucional não houve decisão, permanece ele arguível em embargos à execução, ação declaratória ou ação rescisória, se ainda tempestiva.

Enfim, a ideia da regra não é, de forma alguma, uma abertura ilimitada para sempre manter ao alcance da parte a rediscussão da questão constitucional. O que não se pode tolerar é que uma questão constitucional, nunca enfrentada anteriormente, seja afastada por simples decurso do prazo exíguo da ação rescisória.

Registra-se que, até o momento do término deste artigo, não houve nenhuma decisão ainda sobre a referida ADI, conforme informação extraída do site do STF.

Feitas essas considerações e não se vendo nenhum óbice à aplicação da norma, a qual vem sendo reiteradamente utilizada pelos Tribunais Pátrios, de forma que se vem buscando compatibilizar o dispositivo com os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, argumentando-se:

a) Não se pode sobrevalorizar o princípio da coisa julgada, pois este não se encontra hierarquicamente acima de outros princípios constitucionais. Se assim fosse, ter-se-ia que negar a constitucionalidade da própria ação rescisória, instituto que evidencia claramente que a coisa julgada não tem caráter absoluto.

b) A prevalência máxima ao princípio da supremacia da Constituição em detrimento total da coisa julgada, também não merece guarida, pois restaria eliminado, de modo completo, pelo menos em matéria constitucional, o princípio da coisa julgada, que também tem assento na Constituição.

c) A constitucionalidade do §1º do artigo 475-L e do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil decorre de seu significado e da sua função. Trata-se de preceito normativo que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com a supremacia da Constituição, estabeleceu algumas hipóteses para que sentenças inconstitucionais se sujeitem à rescisão por impugnação e embargos. Visa a não execução de sentença inconstitucional desde que esta seja fundada em norma inconstitucional reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.


3. Exegese da Regra

Decompondo o parágrafo único do art. 741 e o art. 475-L, § 1º do CPC, tem-se que em primeira interpretação, a declaração de inconstitucionalidade a que se refere à norma seria aquela que é feita pelo STF em sede de controle concentrado (ADI). A Jurisprudência pesquisada, majoritariamente, vem entendendo que este dispositivo só engloba a declaração de inconstitucionalidade feita incidentalmente se o Senado Federal fizer uso do art. 52, X, da CF/88. Até porque, se pudesse ser utilizado o dispositivo também na declaração em controle difuso, não sobraria nenhuma utilidade à atribuição do Senado de suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal. Precedente:

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - CORREÇÃO MONETÁRIA - EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO JUDICIAL EXEQÜENDO - NÃO OCORRÊNCIA - REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DE MÉRITO - IMPOSSIBILIDADE - COISA JULGADA - INTELIGÊNCIA DO ART. 610 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) - INAPLICABILIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC, ACRESCIDO PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180-35, DE 24.08.2001 - 1. Tendo o acórdão, com trânsito em julgado, reconhecido o direito de correção do saldo de conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, mediante a aplicação de índices posteriormente considerados indevidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não cabe, ainda assim, a rediscussão, em sede de execução, de matéria decidida no processo principal, sob pena de ofensa à garantia constitucional da coisa julgada que salvaguarda a certeza das relações jurídicas. Inteligência do art. 610 do Código de Processo Civil. 2. O parágrafo único do art. 741 do CPC criou hipótese de inexigibilidade de título judicial proferido em contrariedade à decisão do STF proveniente de controle concentrado de constitucionalidade, em ação direta, não alcançando as decisões discordantes de entendimento do Supremo Tribunal Federal adotado no controle incidental de constitucionalidade, salvo, neste caso, após a suspensão da execução do ato normativo pelo Senado (CF, art. 52, X). 3. Desprovida a apelação da Caixa Econômica Federal. [08] (grifo aditado)

Tal interpretação se daria para não se criar uma situação, para muitos estranha, de talvez um acórdão do Superior Tribunal de Justiça transitado em julgado ser desconstituído através de embargos por um juiz singular que entenda pela inconstitucionalidade da coisa julgada baseado numa declaração de desconformidade constitucional em controle difuso (efeito inter pars). Neste caso, de o parágrafo único do art. 741 proporcionar os embargos no controle difuso, poder-se-ia imaginar que o órgão competente para julgar os embargos seria o próprio Superior Tribunal de Justiça, porque a tradição no Direito brasileiro é que o julgamento das rescisórias dos acórdãos dos Tribunais será realizado pelos próprios Tribunais, isto é, cada Tribunal desconstitui seu julgado.

Noutra senda, se existe uma declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado, seu efeito é para todos e vincula os órgãos do Poder Judiciário, podendo então qualquer órgão judicante declarar a inexigibilidade do título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pela vinculação existente.

Em posição intermediária, comentando o parágrafo único do art. 741 do CPC, entende Araken de Assis que:

A sentença transitada em julgado (título executivo judicial) não teria sua inconstitucionalidade livremente pesquisada pelo juiz dos embargos. Para que estes fossem acolhidos e assim acarretassem a sua inexigibilidade, impor-se ia a existência de pronunciamento definitivo, através de juízo difuso ou concentrado, do Supremo Tribunal Federal. [09] (grifo aditado)

Assim, numa primeira apreciação, o aludido preceito diria respeito exclusivamente ao controle concentrado de constitucionalidade, realizado pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade, mas ao fazer menção à hipótese de desconstituição do título executivo judicial quando esse tenha fundamento em norma que incorra "em aplicação ou interpretação tidas pelo Supremo Tribunal Federal por incompatíveis com a Constituição" o dispositivo parece também autorizar a conclusão de ser possível a desconstituição de controle incidental de constitucionalidade.

O problema da imposição da declaração de inconstitucionalidade ser feita apenas em controle concentrado de constitucionalidade invoca a hipótese em que esta declaração não se efetiva tão-somente em razão da inércia dos legitimados à propositura da ADI ou em virtude da perda de objeto da ação com a revogação da norma. Assim, não seria legítimo manter a coisa julgada inconstitucional só porque a Corte Suprema não teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade da norma em controle concentrado, devendo o juiz realizar em concreto este controle se já houve decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade, mesmo que tenha sido em controle difuso.

Desta forma, essa distinção ‘entre os controles’ não estaria contemplada no texto normativo aqui estudado. Além disso, a distinção restritiva não seria compatível com a evidente intenção do legislador de valorizar a autoridade dos precedentes emanados do órgão judiciário guardião da Constituição, que não poderia ser hierarquizada em função do procedimento em que se manifesta. A jurisprudência também já adotou esta interpretação em diversos julgados, como exemplo:

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA INCONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE E LCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS. 1. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideraras as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo). 2. Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2a parte). 3. Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g, as que a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável, d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora. 4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência. 5. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC. 6. À luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ 174:916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual das normas infraconstitucionais - a antiga ou a nova - deveria ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS nos citados meses) e a deliberação tomada se fez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI). 7. Precedentes da 1ª Turma (REsp 720.953/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 22.08.2005; REsp 721.808/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 19.09.2005). 8. Recurso especial a que se nega provimento." [10] (grifo aditado)

Por fim, numa terceira e última acepção defendida por Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, preconiza-se que o juiz dos embargos tem o poder natural de reconhecer a inconstitucionalidade da sentença não se reportando ao prévio pronunciamento do STF, seja em controle concentrado ou difuso. Com ou sem declaração do STF, estando a sentença em contraste com algum preceito constitucional, estará o juiz da causa credenciado a reconhecer-lhe a nulidade e a acolher os embargos de devedor para proclamar-lhe a inexigibilidade. [11]

Também essa corrente merece críticas, pois, conforme explicita o Ministro Teori Albino Zavascki, ela confere aos embargos à execução uma eficácia rescisória muito maior que a prevista no parágrafo único do art. 741 do CPC, eficácia essa que, para sustentar-se, haveria de buscar apoio, portanto, não nesse dispositivo infraconstitucional, mas diretamente na Constituição. Ademais, a se admitir a ineficácia das sentenças em tão amplos domínios, restaria eliminado, de modo completo, pelo menos em matéria constitucional, o princípio da coisa julgada, que também tem assento na Constituição. Além desse princípio, comprometer-se-ia um dos escopos primordiais do processo, o da pacificação social mediante eliminação da controvérsia, eis que se daria oportunidade à permanente renovação do questionamento judicial de lides já decididas. Ensejar-se-ia que qualquer juiz, simplesmente invocando a inconstitucionalidade, negasse execução a qualquer sentença, inclusive as proferidas por órgãos judiciários hierarquicamente superiores (tribunais de apelação e mesmo tribunais superiores). [12]

Quanto à época em que houve o precedente do STF para efeito de inexigibilidade da sentença exequenda, a maior parte dos julgados encontrados entende que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade em controle concentrado de normas pelo Supremo Tribunal Federal não deve ter nenhuma influência sobre anteriores sentenças transitadas em julgado que tenham fundamento em entendimento contrário ao do STF sobre questão constitucional. Veja-se a jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - CONTRADIÇÃO - EXISTÊNCIA - EMBARGOS À EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL - INEXIGIBILIDADE - ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC - VIOLAÇÃO À COISA JULGADA - Inexiste violação ao parágrafo único do art. 741 do CPC, introduzido pela MP 2.180-35/01, pois a decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou indevidas as diferenças de correção monetária dos saldos do FGTS nos meses de junho/87, maio/90 e fevereiro/91 (re 226.855/RS) encontra óbice para a sua retroação na sentença transitada em julgado, momento em que o título executivo judicial tornou-se inexigível, não podendo ser modificada a matéria decidida no processo de conhecimento para prejudicar o empregado. (artigos 5º, XXXVI da CF/88 e 610 do CPC). - Embargos acolhidos para conhecer do Recurso Especial, porém lhe negando provimento. [13] (grifo aditado)

Em interpretação contrária, o Ministro do STJ Teori Albino Zavascki, discorrendo sobre a inexigibilidade de sentenças inconstitucionais, aduz que pouco importa a época em que o precedente do STF foi editado, se antes ou depois do trânsito em julgado. Tal distinção não teria sido estabelecida pelo legislador. A tese de que somente se poderia considerar os precedentes supervenientes à sentença exequenda não seria compatível com o desiderato de valorizar a jurisprudência do Supremo. Se o precedente já existia à época da sentença, fica demonstrado, com mais evidência, o desrespeito a sua autoridade. [14]

No entanto, como já foi mencionado esse não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, senão, veja-se:

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA INCONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE E ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS.

1. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideraras as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo). 2. Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2a parte). 3. Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g, as que a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável, d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora. 4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência. 5. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC. 6. Á luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ 174:916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual das normas infraconstitucionais - a antiga ou a nova - deveria ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS nos citados meses) e a deliberação tomada se fez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI). 7. Recurso a que se nega provimento." [15] (grifo aditado)

"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SENTENÇA EXEQÜENDA TRANSITADA EM JULGADO NA VIGÊNCIA DO ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC ACRESCENTADO PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180-35/2001, MAS ANTES DA MANIFESTAÇÃO DO STF. INAPLICABILIDADE. PROVIMENTO AGRAVADO MANTIDO POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A decisão agravada merece ser mantida por seus próprios fundamentos, pois foi proferida em sintonia com o entendimento desta Sexta Turma sobre o tema. 2. As normas de direito processual, dada sua natureza de ordem pública, têm aplicação imediata, atingindo, inclusive, os processos pendentes de julgamento, impondo-se, no entanto, respeitar as situações jurídicas já consolidadas sob a vigência da Lei anterior. 3. Assim, não obstante a oposição dos embargos à execução na vigência do art. 741, parágrafo único, do CPC (acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24/8/2001), tem-se que o aludido dispositivo não deve incidir nos processos cuja sentença exeqüenda passou em julgado antes de sua entrada em vigor, sob pena de violação à coisa julgada. 4. No caso, o título judicial em execução transitou em julgado após a vigência do parágrafo único do art. 741 do CPC, não se verificando afronta ao aludido dispositivo, no entanto, pois naquela data o Supremo Tribunal Federal ainda não havia reconhecido a constitucionalidade do termo "nominal", a que se refere o inciso I do art. 20 da Lei nº 8.880/1994 (RE nº 313.382/SC - julgado em 26/9/2002), resultando daí que o direito da parte se consolidou antes da manifestação da Corte Suprema, tornando-se inatingível por ela. 5. Agravo regimental a que se nega provimento." [16] (grifo aditado)

Em suma, de acordo com os precedentes supramencionados, decidiu-se que o alcance do dispositivo restringe-se às sentenças fundadas em norma inconstitucional (controle concentrado ou difuso, mesmo que pendentes de resolução do Senado Federal), assim consideradas as que aplicaram: a) norma declarada inconstitucional; b) norma em situação tida por inconstitucional; ou c) norma com um sentido tido por inconstitucional.

Os precedentes prevêem, ainda, que os embargos rescisórios podem ser interpostos em face de sentenças executivas lato sensu, tais as de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer (art. 461, CPC) e de cumprimento da obrigação de entrega de coisa certa (461-A, CPC). Esse entendimento restou positivado no art. 475-L, §1º, do CPC.

Ademais, restou decidido que não cabem os embargos com fundamento no parágrafo único do art. 741 contra sentença transitada em julgado anteriormente à vigência da MP 2.180-35/01, em respeito ao direito adquirido e à coisa julgada. Da mesma maneira, a Corte entende que se o trânsito em julgado da sentença exequenda for anterior à publicação da decisão do STF, não lhe será aplicável o dispositivo em questão, sob pena de violação da coisa julgada.

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Sobre a autora
Hamanda Rafaela Leite Ferreira

Procuradora do Estado da Paraíba. Especialista em Direito Processual e pós-graduanda em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Hamanda Rafaela Leite. Impugnação e embargos à execução de título judicial inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2263, 11 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13488. Acesso em: 25 abr. 2024.

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