3 – A COMPATIBILIZAÇÃO DA PENHORA ON LINE COM O DIREITO À INTIMIDADE DO EXECUTADO
Em seu art. 5.º, inciso X, a Constituição Federal prescreve que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, declarando, assim, a intimidade como direito fundamental do cidadão.
José Afonso da Silva cita a definição formulada por René Ariel Dotti, segundo a qual a intimidade corresponde à "esfera secreta da vida do individuo na qual este tem o poder legal de evitar os demais". O eminente constitucionalista traz ainda o conceito extraído de Adriano de Cupis, que define a intimidade (riservatezza) como o modo de ser da pessoa consistente em deixar ao seu critério a exclusão do conhecimento de outrem daquelas informações que se refiram à sua pessoa [06], acepção em que abrange a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, o segredo profissional e os sigilos fiscal e bancário.
Assim, consoante ensina Alexandre de Morais, acompanhando o entendimento de Celso Bastos, as informações bancárias do cidadão constituem a intimidade do mesmo, sendo assegurando ao cidadão evitar que outras pessoas tenham conhecimento acerca de quanto dinheiro recebe por mês, como gasta seus recursos e outras informações do gênero.
Em outras palavras, o cidadão tem o direito fundamental à inviolabilidade do seu sigilo bancário, pois a partir da análise de tais informações por outras pessoas (e aqui inclui-se o Estado) seria possível a devassa em sua intimidade.
Caracterizar-se-á a violação à intimidade do cidadão por meio da quebra de seu sigilo bancário toda vez que das informações pessoais de sua vida financeira, expostas a outrem sem seu consentimento, se puder extrair indícios que apontem para sua forma intima de viver, ou seja, revelem aspectos de sua vida sobre os quais o cidadão tem o poder constitucional de evitar a intromissão e conhecimento de outras pessoas.
Exemplificativamente, pode ser configurada a quebra do sigilo fiscal do executado se suas as informações financeiras revelarem de onde ele obtém recursos pecuniários: imagine-se o constrangimento que poderia causar ao cidadão se outrem, analisando suas contas bancárias, deduz que o titular vive de doações ou é sustentado por terceira pessoa; ou como destina seu dinheiro, quando poderia ser indicado eventuais vícios e opção sexual do devedor (considere-se por exemplo a situação é que há várias indicações de pagamentos para empresa de sex shop, de produtos homossexuais, ou diversas transferências bancárias destinadas a pessoa condenada por tráfico de entorpecentes).
A questão que se coloca ao analisar a penhora on line à luz do direito à intimidade do devedor é a de se definir se a medida judicial representa violação constitucionalmente vedada ao aludido direito fundamental.
Nesse ponto, tem-se que a penhora on line não viola o direito à intimidade do executado, uma vez que a mesma se restringe a possibilitar ao credor e ao magistrado a notícia sobre eventual depósito de dinheiro em instituição financeira e seu montante, limitada essa última informação ao valor do crédito, circunstância que não se apresenta ofensiva ao referido direito constitucionalmente consagrado (que por sua vez, apenas seria desrespeitado caso se permitisse a terceiros a ciência das movimentações das contas do executado junto às instituições financeiras, como tais valores foram empregados ou quais foram seus beneficiados).
A forma de implementação da penhora on line não possibilita àqueles que têm acesso às informações bancárias do executado inferir qualquer conclusão sobre a intimidade do devedor, pois a informação se limita a mencionar se o mesmo possui dinheiro ou aplicações financeiras junto a instituições bancárias e apenas isso. De tal informação, logicamente não se pode extrair o modo de viver do executado em sua intimidade, de maneira que não se configura qualquer ofensa ao seu direito à intimidade.
3.2 – relativização do direito à intimidade do executado
A título de argumento, e considerando-se a natureza aberta da cláusula constitucional que declara o direito à intimidade, cujo conteúdo jurídico deve ser formatado pelo intérprete constitucional, convém afirma que mesmo que se considere violado o direito à intimidade do executado, a penhora on line ainda é juridicamente compatível com a Carta Constitucional brasileira, por ser possível a relativização do referido direito fundamental.
Assim, mesmo para aqueles que consideram que a penhora on line representa restrição ao direito à intimidade do cidadão não se pode impingir à penhora eletrônica a pecha de inconstitucionalidade, uma vez que ela representa a relativização de um direito fundamental do devedor em face do direito fundamental do credor à tutela jurisdicional célere e efetiva, lembrando-se que segundo nosso Direito Constitucional todos os direitos fundamentais possuem caráter relativo, encontrando nos demais direitos fundamentais consagrados na Carta Política seus limites de aplicação e de interpretação, conforme o princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas.
Ainda, há que se considerar por outro lado a especial natureza tributária do crédito cobrado por meio do procedimento de execução fiscal, através do qual a Fazenda Pública busca resgatar tributos inadimplidos, os quais se recolhidos seriam destinados ao custeio dos serviços públicos em sentido amplo, de responsabilidade do Estado. Aliás, por tal finalidade dos tributos, a doutrina moderna refere-se ao dever de pagar tributos como um dever fundamental do individuo [07] o que torna mais grave a conduta do devedor inadimplente dos mesmos, justificando e legitimando a relativização de seu direito à intimidade com a penhora on line com fundamento no princípio da indisponibilidade do interesse público, concretizado nesse caso com a previsão normativa de instrumentos processuais adequados à satisfação da pretensão executiva do credor tributário.
Por fim, cumpre ressaltar que a execução fiscal serve como meio de corrigir distorções verificadas no mercado concorrencial, no qual aqueles agentes econômicos que se evadiram do recolhimento dos tributos devidos dispõem de privilégios antijurídicos no exercício de suas atividades econômicas, uma vez que têm seu custo operacional reduzido com a sonegação fiscal, gerando a concorrência desleal e violando os princípios da ordem econômica insculpidos no art. 170 do Constituição Federal.
Destarte, a previsão da penhora on line como instrumento processual na execução fiscal não viola o direito à intimidade do executado, uma vez que somente a ordem judicial determina a pesquisa sobre a existência ou não de valores depositados ou aplicações financeiras em instituições bancárias.
Porém, mesmo que se entender que a penhora eletrônica relativize o direito à intimidade do devedor fiscal, sua previsão normativa e aplicação concreta é constitucional, eis que embasada em outros valores igualmente consagrados em nossa Constituição, como o princípio da tutela jurisdicional célere e efetiva, o princípio da indisponibilidade do interesse público e o princípio da livre concorrência.
4 - CONCLUSÃO
A penhora on line apresenta-se como mais um instrumento jurídico a disposição do exequente em execuções por quantia certa, consagrado no sistema processual pátrio a partir das reformas processuais recentes, as quais foram norteadas pelo princípio da satisfatividade do direito do credor.
Sua utilização na seara das execuções fiscais deve ser, com mais razão, aceita e difundida, haja vista os valores relevantes que estão em jogo, tais como a celeridade e efetividade na prestação da tutela jurisdicional, a indisponibilidade do interesse, e por corolário, dos créditos públicos e o restabelecimento da isonomia concorrencial entre os diversos agentes econômicos, eis que por meio do procedimento de execução fiscal o Estado busca receber, na maioria das vezes, quantias devidas a título de tributos que foram inadimplidos, propiciando aos sonegadores uma situação de privilégio antijurídico frente aos seus concorrentes que pontualmente cumpriram com suas obrigações fiscais.
Destarte, deve se dar ao instituto da penhora on line a interpretação que promova a maior aplicação possível dessa medida expropriatória, não condicionando sua realização à demonstração de insuficiência patrimonial do executado, tampouco deixando-o de utilizar por receio de pontuais problemas que possam vir a surgir em casos concretos específicos, como por exemplo na hipótese de bloqueio de quantia impenhorável ou de bloqueio simultâneo de duas ou mais contas bancárias, quando cada uma por si já é suficiente para satisfazer o crédito exequendo, ou eventual violação concreta à intimidade do executado que vai sofrer a pesquisa sobre os valores que possui depositados em instituições bancárias.
Tais situações podem e devem ser corrigidas pelo Poder Judiciário, da forma a se garantir a aplicação da penhora on line consoante o princípio constitucional da razoabilidade, não se consubstanciando em justificativa plausível para a restrição na aplicação desse instrumento de efetividade do processo executivo. Nesse sentido é a previsão normativa do § 2.º do art. 655-A do Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de o executado demonstrar a impenhorabilidade dos valores bloqueados em sua conta bancária.
Ademais, como alertam Marinoni e Arenhart:
"(...) o direito à penhora on line é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Lembre-se (...) que o direito de ação ou o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva tem como corolário o direito ao meio executivo adequado à tutela do direito material. Não há dúvida de que a penhora on line é a principal modalidade executiva destinada à execução pecuniária, razão pela qual não se pode negá-la ao exeqüente, argumentando-se, por exemplo, não ter o órgão judiciário como proceder a tal forma de penhora ou não possuir o juiz da causa senha imprescindível para tanto. Como é óbvio, qualquer uma destas desculpas constituirá violação do direito fundamental do exeqüente e falta de compromisso do Estado ao seu dever de prestar justiça de modo adequado e efetivo" [08].
Assim, reafirmando o exposto alhures, a penhora on line é cabível na execução fiscal, e como concretização de outros princípios constitucionais não deve ser obstada em face de alegações genéricas de violação ao direito à intimidade dos executados.
Referências Bibliográficas
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LENZA. Direito Constitucional Esquematizado. 12.ª ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21.ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2007.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007.
SILVA, José Afonso de. Direito Constitucional Positivo. 15.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1998.
THEODORO JR., Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
WAMBIER, Teresa; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à 2.ª fase da reforma do Código de Processo Civil. 2.º ed. São Paulo: RT, 2002.
VADE MECUM. São Paulo: Saraiva. 2008.
NOTAS
- Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. Editora. Atlas; 2007. Pág. 96.
- Direito Constitucional Ezquematizado. Pedro Lenza. Editora Saraiva. 2008. Pág. 636.
- Expressão latina que se refere à concessão de requerimento judicial sem oportunizar a manifestação da parte contrária.
- Curso de processo civil, volume 3: execução/Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 271.
- Confira-se exemplificativamente AgRg no Ag 1180635, AgRg no Ag 1050772 e AgRg nos EDcl no Ag 1000824 entre outros.
- Curso de Direito Constitucional Positivo. José Afonso da Silva. Ed. Malheiros. 15.ª ed. 1998. Pág. 210.
- Conforme expõe Leandro Paulsen, em seu Curso de Direito Tributário, explicando a teoria formulada por José Casalta Nabais.
- Curso de processo civil, volume 3: execução/Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007. Págs. 273/274.