Artigo Destaque dos editores

Ministério Público e o controle penal da corrupção.

A Promotoria Anticorrupção (FERDERC) na Espanha: do modelo formal ao modelo construído

Exibindo página 3 de 4
19/03/2010 às 00:00
Leia nesta página:

Conclusão

A consolidação no campo jurídico-penal do entendimento de que o direito pode se constituir em um dos mecanismos de controle de condutas, potencializado pela sua forte penetração no campo político, estimulou debates sobre a especialização das organizações que integram o sistema de justiça para afrontar determinadas questões sociais com grande visibilidade na mídia, tais como a corrupção e a criminalidade econômica.

A criação da Promotoria Anticorrupção na Espanha insere-se nesse contexto e permite interpretações distintas a partir do modelo formal (organização-resposta) e construído (organização-construção) (Croizier e Friedberg, 1992). Por um lado, a retórica permeia o discurso político que defende o fortalecimento do órgão e um maior grau de independência para atuação da Promotoria especializada. Por outro lado, a investigação dos casos que afetam membros e aliados do governo acirrou o interesse em incrementar os mecanismos de controle hierárquico no MP espanhol, o que levou à modificação do EOMF, possibilitando o afastamento do promotor-chefe da FERDERC e uma limitação da capacidade de investigação dos promotores de justiça (necessidade de que seja cientificado o investigado e limitação, em 6 meses, do prazo para investigação, cuja prorrogação depende de autorização expressa do procurador-geral) (Machado, 2005, pp. 333-334). Em síntese, a pesquisa evidencia a dificuldade em se aferir o suposto papel da organização no controle penal da corrupção e da criminalidade econômica. A diminuição dos níveis de percepção da corrupção na Espanha não correspondem necessariamente à diminuição das práticas corruptas (Gualdoni, 21 de out. 2004, p. 12).

Além disso, a atuação da Promotoria depende da provocação de terceiros, o que evidencia a debilidade dos mecanismos de comunicação com órgãos de controle, tais como o tribunal de contas. A iniciativa da imprensa e dos partidos políticos, fonte relevante para o início das investigações, depende de fatores que os promotores avaliam como extra-jurídicos. Na prática, a Agencia Tributaria é responsável pela maioria das noticias criminis que originam as investigações, o que levou o órgão a atuar predominantemente na repressão de crimes fiscais.

Na interação interorganizacional, um dos pontos altos do modelo é o relacionamento entre funcionários de distintas especialidades. A proximidade com a Polícia estimulou a articulação de formas de atuação conjunta e possibilitou, na prática, potencializar as investigações sob comando do MP. A interação com a Polícia não está marcada pela disputa por quotas de poder: a tradicional subordinação funcional da Polícia ao Judiciário e ao MP não gera demandas de mais autonomia entre os policiais. A valorização, na prática, do trabalho da Polícia, representada como o "olho da rua" e verdadeiro profissional da investigação, parece consolidar a imagem de sintonia entre promotores e policiais. Na investigação do poder local (Barcelona), a existência de distintas polícias (nacional e autonômica) enseja ao promotor de justiça margem de ação para escolha dos profissionais adequados, segundo a peculiaridade do caso a ser investigado.

De forma análoga ao que identifiquei no Brasil, o poder político também é avaliado de forma negativa pelos promotores de justiça que integram a FERDERC (Machado, 2005). A descrição do papel a ser desempenhado pelo MP, contudo, difere substancialmente.

No Brasil, a legitimidade do MP para a defesa dos interesses difusos e coletivos resultou da aprovação de leis que implementaram o procedimento previsto para a tutela coletiva. Na Espanha, o papel de defensor dos interesses públicos e dos direitos dos cidadãos está relacionado diretamente à persecução penal. A diversificação das áreas de atuação e a reorientação das prioridades da organização contra a delinqüência econômica e a corrupção são construídas internamente como estratégias de defesa dos mencionados interesses públicos.

Os promotores de justiça espanhóis (entrevistados) revelam-se, contudo, em sua maioria, céticos em relação ao controle punitivo da corrupção e da delinqüência econômica. Seria fundamental, assim, criar mecanismos de controles preventivos sobre os pontos mais frágeis do sistema político e econômico. São várias as sugestões, desde reformas legislativas sobre as formas de financiamento dos partidos políticos até o incremento dos mecanismos de controle sobre a contratação pública e as operações financeiras das empresas.

Incrementar a transparência das operações econômicas e financeiras e sobre as atividades relacionadas ao Estado é parte da estratégia de "luta" contra os delitos econômicos relacionados à corrupção. Nos relatos de alguns dos entrevistados são mencionadas as ingerências do Executivo sobre o procurador-geral. A inexistência do monopólio da ação penal no modelo espanhol é, assim, avaliada pelos promotores de justiça como aspecto positivo do sistema processual penal. A possibilidade de acionar o Judiciário, por meio da ação popular, foi um instrumento bastante utilizado durante os escândalos na década de 90. Teria permitido superar a inércia ou a oposição do próprio procurador-geral em relação aos processos que afetavam diretamente os interesses do governo.


Referências

ALBERTI, Adriana. (1996), "Political corruption and the role of public prosecutors in Italy". Crime, Law and Social Change, 24: 273-292.

ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. (1997) "La corrupción en el banquillo. Jurisdicción penal y crisis del Estado de Derecho", in LAPORTA, Francisco L. e ÁLVAREZ, Silvina. (Eds.). La Corrupción política. Madri, Alianza Editorial, 211-234.

BERGALLI, Roberto. (1996), "Control social y sistema penal", in BERGALLI, Roberto. Control social punitivo. Sistema penal e instancias de aplicación (Policía, Jurisdicción y Cárcel). Barcelona, Bosch, pp. 1-5.

BERGALLI, Roberto e SUMNER, Collin. (1997), Social Control and Political Order: european perspectives at the end of the century. London, SAGE.

BOURDIEU, Pierre. (1987), Choses dites. Paris, Les Éditions de Minuit.

_____ (1994), Raisons pratiques: Sur la théorie de l’action. Paris, Éditions du Seuil.

_____ (2001), Poder, derecho y clases sociales. Trad.: Maria José Bernuz Beneitez (capítulos II e IV), Andrés García Inda (prólogo e capítulo I), Maria José Ordovás (capítulo V) e Daniel Oliver Lalana (capítulo III). 2. ed. Bilbao, Editorial Desclée de Brower.

BRUTI LIBERATI, Edmondo. (2000), "The Fight against Fraud and Corruption in the European Union: OLAF and the Prospect of a European Public Prosecutor", in ALVAZZI DEL FRATE, Anna e PASQUA, Giovanni (Eds.). Responding to the challenges of corruption. Acts of the International Conference. Milan, 19-20 November 1999. Publication n. 63, Roma/Milán: United Nations Interregional Crime & Justice Research Institute, Centro Nazionale di Prevenzione e Difesa Sociale e International Scientific and Professional Advisory Council of the United Nations Crime Prevention and Criminal Justice Programme, 117-119.

BUSTOS GISBERT, Rafael. (2000), "La corrupción de los gobernantes: responsabilidad política y responsabilidad penal", in FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. (Coord.) (2000). La corrupción: aspectos jurídicos y económicos. Salamanca, Ratio Legis, 33-38.

CAPELLER, Wanda (1999), "Schengen: son impact sur les acteurs locaux du contrôle". Droit et Société, 42-43: 265-285.

CROIZIER, Michel e FRIEDBERG, Erhard. (1992), L''acteur et le système. Paris, Éditions du Seuil.

DE LA CUADRA, Bonifacio. Jueces para la Democracia cree que el cese de Villarejo es una depuración política. El País, Madri, 12 jul. 2003, p. 17.

DEL BARRIO, Ana. Villarejo pregunta si el Gobierno "tiene miedo" a investigar la trama de Madrid. El Mundo, Madri, 8 jul. 2003, p. 10.

Diccionario de la Lengua Española. (2001), Real Academia Española. 21ª ed., Madri, Espasa Calpe.

DÍEZ, Anabel. El PSOE propone que el Senado nunca se disuelva y que se elija separado del Gobierno. El País, Madri, 28 dez. 2003, p. 22-24.

EKAIZER, Ernesto. (1996), Vendetta. Barcelona, Plaza & Janes.

_____ Crisis en la Comunidad de Madrid. "Puedo investigar si querella el PP, pero no si lo hace el PSOE". El País, Madri, 26 jun. 2003, p. 17.

ELLIOTT, Kimberly Ann. (2002), "A corrupção como um problema de legislação internacional: recapitulação e recomendações", in ELLIOTT, Kimberly Ann (Org.). A corrupção e a economia global. Tradução de Marsel Nascimento Gonçalves de Souza. Brasília, Editora Universidade de Brasíllia, 255-339.

GARDINER, John A. e LYMAN, Theodore. (1993), "The Logic of Corruption Control", in HEIDENHEIMER, Arnold J., JOHNSTON, Michael, LEVINE, Victor T. (Eds.). Political Corruption: a Handbook. 3rd printing, New Brunswick/London, Transaction Publishers, 827-840.

GONZÁLEZ AZNAR, Jorge. (2002), Evaluación sobre la corrupción en España. Barcelona, Fundació Carles Pi i Sunyer d’Estudis Autonòmics i Locals.

GUALDONI, Fernando. Las obras públicas y la financiación de los partidos, principales vías de la corrupción. El País, Madri, 21 out. 2004, p. 12.

INFORME de Evaluación sobre España. (2001), GRECO (Groupe d’Etats contre la corruption). Consejo de Europa, in GONZÁLEZ AZNAR, Jorge. Evaluación sobre la corrupción en España. Barcelona, Fundació Carles Pi i Sunyer d’Estudis Autonòmics i Locals, 23-55.

JIMÉNEZ VILLAREJO, Carlos. (2001), "Control de la administración pública por los tribunales de Justicia (en el ámbito penal)", in Jueces para la Democracia. Información y Debate, 42: 18-25.

_____ La neutralización del Ministerio Fiscal. El País, Madri, 26 abril 2003, p. 24.

JOHNSTON, Michael. (1999), "A Brief History of Anticorruption Agencies", in SCHEDLER, Andreas; DIAMOND, Larry e PLATTNER, Marc F. The Self-restraining State: Power and Accountability in New Democracies. London, Lynne Rienner, 217-226.

LASCOUMES, Pierre. (2000), Corrupciones. El poder frente a la Ética. Tradução de José Miguel Marcén. Barcelona, Edicions Bellaterra

MACHADO, Bruno Amaral. (2004a), Immigration, social complexity and the justice system in Spain: the role of the State General Prosecution Office. Paper apresentado na Common Session: Criminal Justice System in Front of War, Terrorism and Immigration. Barcelona, 19th, 20th and 21st April, 2004.

_____ (2004b), Límites y Perspectivas de una investigación socio-jurídica en Fiscalías (hecha por un fiscal). Paper apresentado no Workshop "Experiencia y Horizontes en la Investigación socio-jurídica". Instituto Internacional de Sociología Jurídica de Oñati. Organizado por Manuel Calvo, Laura Gomes Pardos e Eva Maria Lopez Valencia.

_____ (2004c), "Weber y la racionalidad del control punitivo contemporáneo", in RIVERA BEIRAS, Iñaki. Mitologías y discursos sobre el castigo. Historias del presente y posibles escenarios. Barcelona, Anthropos, 147-166.

_____ (2005), Ministerio Público: modelos institucionales y construcciones sociales. Una investigación sobre Brasil y España. Tese de doutorado bilíngüe. Programa de Doutorado em Sociologia Jurídico-penal da Universidade de Barcelona.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

MARIN, Manuel. Cardenal promoverá a Antonio Salinas como nuevo fiscal jefe de Anticorrupción. ABC, Madri, 5 jul. 2003, p. 17.

MELOSSI. Dario. (1992), El Estado del control social. Trad.: Martín Mur Ubasart. México, Siglo veintiuno.

Memoria Correspondiente al año 1997. (1998), Fiscalía Especial Para la Represión de los Delitos Económicos Relacionados con la Corrupción (FERDERC). Madri.

Memoria Correspondiente al año 1998. (1999), Fiscalía Especial Para la Represión de los Delitos Económicos Relacionados con la Corrupción (FERDERC). Madri.

Memoria Correspondiente al año 1999. (2000), Fiscalía Especial Para la Represión de los Delitos Económicos Relacionados con la Corrupción (FERDERC). Madri.

Memoria Correspondiente al año 2002. (2003), Fiscalía Especial Para la Represión de los Delitos Económicos Relacionados con la Corrupción (FERDERC). Madri.

Memoria Elevada al Gobierno de S. M. Presentada al Inicio del Año Judicial por el Fiscal General del Estado Excmo. Sr. D. Jesús Cardenal Fernández. (1997), Madri, Imprenta Nacional del Boletín Oficial del Estado.

Memoria Elevada al Gobierno de S. M. Presentada al Inicio del Año Judicial por el Fiscal General del Estado Excmo. Sr. D. Jesús Cardenal Fernández. (1998), Madri, Imprenta Nacional del Boletín Oficial del Estado.

Memoria Elevada al Gobierno de S. M. Presentada al Inicio del Año Judicial por el Fiscal General del Estado Excmo. Sr. D. Jesús Cardenal Fernández. (1999), Madri, Imprenta Nacional del Boletín Oficial del Estado.

Memoria Elevada al Gobierno de S. M. Presentada al Inicio del Año Judicial por el Fiscal General del Estado Excmo. Sr. D. Jesús Cardenal Fernández. (2003), Madri, Imprenta Nacional del Boletín Oficial del Estado.

NELKEN, David. (1994), "White-Collar Crime", in NELKEN, David. White-Collar Crime. The International Library of Criminology, Criminal Justice and Penology. Aldershot/Brookfield/ Singapore/Sydney, Dartmouth, 73-110.

NILSSON, Hans G. (2001), "¿El principio o el fin del Fiscal Europeo?". Revista del Ministerio Fiscal, 9: 198-222.

PÉREZ, Manel e HORCAJO, Xavier. (1996), J. R. El tiburón. Madri, Temas de hoy.

PUJAS, Véronique. (2000), "Les pouvoirs judiciaires dans la lutte contre la corruption politique en Espagne, en France et en Italie". Droit et Societé, 44/45: 41-60.

RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás. (2000), "Los sistemas procesales penales frente al reto de controlar la corrupción", in FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo (Coord.). La corrupción: aspectos jurídicos y económicos. Salamanca, Ratio Legis, 73-78.

SAINZ DE ROBLES, Federico C. (1994), "Fiscales contra la corrupción. Un hallazgo inesperado del gobierno". Tapia: 3-6.

SALAS, Luis. (1997), "La Normativa y el Papel de la Contraloría en la Lucha contra la Corrupción en la América Latina", in GÓMEZ COLOMER, Juan-Luis e GONZÁLEZ CUSSAC, José-Luis. La Reforma de la Justicia Penal. Estudios en Homenaje al Prof. Klaus Tiedemann. Castelló de La Plana, Publicacions de la Universitat Jaume I.

SANTOS, Boaventura de Sousa. (2002), "Direito e democracia: a reforma global da justiça", in PUREZA, José Manuel; FERREIRA, António Casimiro (Orgs.). A teia global: movimentos sociais e instituições. Porto, Afrontamento, 125-176.

SHAPIRO, Susan P. (1994), "Collaring the Crime, not the Criminal: Reconsidering the Concept of White-Collar Crime", in NELKEN, David. White-Collar Crime. The International Library of Criminology, Criminal Justice and Penology. Aldershot/Brookfield/Singapore/Sydney, Dartmouth, 11-30 (publicado anteriormente no American Sociological Review, 1990, 55: 346-365).

SPECK, Bruno Wilhelm. (2000), "Mensurando a corrupção: uma revisão de dados provenientes de pesquisas empíricas", in Cadernos Adenauer "Os custos da corrupção". São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, 10: 9-45.

SUTHERLAND, Edwin H. (1940), "White-Collar Criminality". American Sociologica Review, 5, 1: 1-12.

_____ (1945), "Is "White Collar Crime" Crime?". American Sociological Review, X, 1-6: 132-139.

TIEDEMANN, Klaus. (1995), "Presente y futuro del Derecho Penal Económico: discurso de investidura del doctor H. C. (mult) Klaus Tiedemann", in ARROYO ZAPATERO, Luis; ASÚA BATARRITA, Adela; BACIGALUPO ZAPATER, Enrique et alli. Hacia un Derecho Penal Económico Europeo: Jornadas en honor del Profesor Klaus Tiedemann. Madri, Boletin Oficial del Estado, 29-42.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Bruno Amaral Machado

Promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Bruno Amaral. Ministério Público e o controle penal da corrupção.: A Promotoria Anticorrupção (FERDERC) na Espanha: do modelo formal ao modelo construído. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2452, 19 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14538. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos