Resumo: Pode-se dizer que, desde tempos imemoriais, o asilo político é um direito das gentes. Herodoto relata, em seus "Nove Livros da História", que na corte Persa havia vários espartanos, alguns dos quais acompanharam Dario na sua campanha grega (RIBEIRO, 2007, p.01). Desde 1648, com a Paz de Westfália, que deu fim a Guerra dos Trinta Anos, os embaixadores e suas respectivas embaixadas têm preservadas sua integridade e sua prerrogativa extraterritorial. Tamanha é a segurança que mesmo Adolf Hitler respeitou os diplomatas da Inglaterra em Berlim, permitindo que houvesse passe livre ao embaixador para chegar a seu país e sem apropriar-se da embaixada (REZEK, 2000, p.191). O Brasil, país que aceita a concessão de asilo político, passa por muitos questionamentos acerca dos interesses advindos das concessões aos solicitantes. Há casos em que o Estado, de prontidão, se sensibiliza e confere o beneficio. Todavia, em outros casos, até mais brandos, o Brasil se nega a conceder ao solicitante o asilo político. Destarte, pergunta-se: qual seria o real impulso na concessão, pelo Brasil, do asilo político? Através de estudos de caso, tentar-se-á responder ao questionamento em tela.
1. Conceito de Asilo Político
Antes de adentrar na questão sobre a legalidade da concessão do asilo político, faz-se necessário tecer conceituações para melhor justificar a necessidade de concessão do mesmo. Portanto, poder-se-á dizer que asilo político é o abrigo de estrangeiro que está sendo perseguido por outro país, por razão de dissidência política, por delitos de opinião, ou por crimes que tem ligação com a segurança do Estado, contudo não podem configurar quebra do direito penal comum (ANNONI, 2002, p.57).
Impende ressaltar que a concessão do asilo político não é obrigatória para nenhum Estado.
Pois bem, existem duas espécies de asilo, quais sejam o asilo político territorial e o diplomático. O asilo político é territorial e o Estado poderá outorgá-lo ao estrangeiro que tenha cruzado a fronteira, colocando-se no âmbito espacial de sua soberania, e neste plano solicitou tal benefício. Neste cerne, resta fazer a distinção entre os asilos existentes no ordenamento internacional.
1.1. Asilo territorial
O asilo territorial nada mais é que a aceitação de um estrangeiro, em território em que o país exerce sua soberania, no afã de proteger a liberdade ou até mesmo a vida do asilado que se encontra em situação de grave risco no seu país de origem dado o desenvolvimento de convulsões sociais ou políticas. É modo ilibado e acabado de asilo político, sendo aceito em toda sociedade internacional.
Engloba uma edificação consuetudinária dos países latino-americanos desde o século XIX. O próprio Estado brasileiro é signatário da concessão de asilo político participando, inclusive, da convenção de Caracas sobre o Asilo Territorial, assinada na capital da Venezuela no início de 1957. Através da referida convenção, o Brasil extrai fundamento de validade para embasar a prática desta espécie de asilo a estrangeiros.
Ademais, o asilo territorial está também aprovado através da leitura do art. 14, §§ 1° e 2° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948, p.01):
"§ 1° todo homem, vitima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. § 2° Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimadamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das nações unidas."
Observe-se, neste diapasão, que o Brasil está autorizado legalmente para a concessão de asilo político ao estrangeiro, desde que preenchidas aqueles requisitos referentes à natureza do crime. Assim, como na América Latina, em toda parte do mundo, o deferimento do asilo é inquestionável.
1.2. Asilo diplomático
Insta esclarecer, ainda, a conceituação prática do asilo diplomático, que é uma é modalidade provisória e precária do asilo político. Diferentemente do asilo territorial, no asilo diplomático o Estado concessor do asilo o defere, ao perseguido, fora do seu território, isto é, no território do próprio Estado em que o individuo é perseguido. Os espaços, dentro do próprio território onde é concedido a asilo diplomático, abarcam aqueles que estão isentos da jurisdição desse Estado. Não são apenas as embaixadas, mas também se podem englobar as representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares (SCAGLIA, 2009, p.33).
Ressalte-se que esses lugares são dotados de liberdade à atuação jurisdicional do Estado perseguidor em acordo com o princípio da inviolabilidade territorial defendido pela teoria do direito internacional.
Evidentemente, essa espécie de asilo nunca é em definitiva, haja vista representar significativamente apenas um estágio provisório, um elo para o asilo territorial. Importante observar que, como prevê a Declaração Universal dos Direitos do Homem através do seu artigo XIV, o direito a asilo não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente causada por crimes de direito comum ou por realizações contrárias aos propósitos e princípios das nações unidas.
Mencionando acerca do asilo diplomático, constata-se Convenção de Havana (1928), a Convenção de Montevidéu (1933) e a Convenção de Caracas (1954), em que texto é mais abrangente que aqueloutras (SCAGLIA, 2009, p.35).
Na Convenção de 1954, em Caracas, que definiu sobre asilo diplomático de 1954, onde o Brasil é signatário, prevê no artigo VII, que em caso de urgência, "será concedido o asilo diplomático (…) pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com garantias". Mencionado artigo justifica-se, haja vista que o asilo diplomático tem a finalidade na concessão do asilo político, configurado quando o asilado encontra-se em território do Estado concedente (SCAGLIA, 2009, p.35).
1.3. Distinção de refúgio e asilo político
O instituto do asilo não pode ser confundido com o do refúgio, mesmo que muitas vezes isso ocorra entre variados textos internacionais. O status de refugiado ocorre não em razão de uma perseguição política (como é o caso do asilo político), porém é caracterizado a partir da perseguição por motivos de raça, religião ou de nacionalidade, ou mesmo pela participação em determinado grupo social ou por possuir determinada opinião política. A motivação que enseja as situações de asilo político e refúgio é distinta, ou seja, enquanto aquela se aplica em situações de perseguição de modo nitidamente mais individual, esta tem por causa determinantes situações que atingiram sempre uma coletividade (REZEK, 2000, p.198).
Ademais, o controle de normas do refúgio é efetivado através de um organismo internacional conhecido como ACNUR - Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados. Enquanto que o asilo estabelece ato discricionário do Estado que concede o beneficio no uso do exercício de sua soberania.
Portanto, não se pode admitir confusão entre os dois termos internacionais, já que o objeto de estudo, asilo político, refere-se à solicitação de proteção a um país dada à prática de crime político.
2. Previsão Legal do Asilo Político.
Nosso país foi construído com uma sucessão na concessão de asilos políticos. Ainda na época do Brasil colônia, se pode ter relatos de asilo, obviamente precário, em momentos de conflitos entre portugueses e indígenas, como quando Tibiriça exilou-se entre os portugueses e ajudou-os a derrotar os Tamoios em Piratininga (no mesmo local onde João Ramalho havia se isolado entre as índias e concebido vasta prole).
Pois bem, a legislação internacional, subscrita pelo Brasil, salvaguarda os direitos da personalidade e o artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, é clara quanto ao direito de requerer asilo (1948, p.01):
"Artigo 13°1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país."
Já a Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual o Brasil também faz parte, assevera não somente o direito ao asilo político como também veda, expressamente, a expulsão de estrangeiros (1969, p.01):
Artigo 22º - Direito de circulação e de residência
1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as disposições legais.
2. Toda pessoa tem direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio.
3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, em uma sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivo de interesse público.
5. Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional nem ser privado do direito de nele entrar.
6. O estrangeiro que se ache legalmente no território de um Estado Parte nesta Convenção só poderá dele ser expulso em cumprimento de decisão adotada de acordo com a lei.
7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com as convenções internacionais.
8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.
9. É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros.
A Carta Magna pátria, confirma os Tratados de Direito Internacional em que o Brasil é parte prevê em seu texto (1988, p.01):
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
Omissis.
X: concessão de asilo político.
Assim, a constituição pátria defende, inquestionavelmente, a concessão de asilo político em seu território. Todavia, impende ressaltar que, embora reconhecido internacionalmente como direito fundamental, o asilo político não deve, nem pode, ser imposto a um Estado, já que deve ser encarado como um exercício de soberania.
Também se faz importante tecer outra observação quanto a este instituto que a não vinculação da concessão do asilo diplomático ao asilo territorial. Assim, o simples fato do Estado deferir ao indivíduo o primeiro tipo de asilo não o obriga a recebê-lo em seu território nacional. Apenas o que se pode afirmar é que, após a concessão do asilo diplomático pelo Estado, as chances dele conceder o asilo territorial ao solicitante são maiores.
Destarte, diante do exposto alhures, infere-se que, ao Brasil, cabe a ampla liberdade de conceder ou indeferir qualquer solicitação de asilo político, sem qualquer prejuízo ante as organizações internacionais.
3. Do devido processo legal
Muitos questionamentos são realizados quando o assunto orbita a concessão ou não dos referidos asilos políticos. Algumas concessões são, de prontidão, concedidas mesmo que o caso aparente não preencher os fundamentos do asilo, enquanto que outros casos de requerimento são negados, mesmo que perfunctoriamente, hajam motivos convincentes para sua concessão.
Destes fatos, surge uma curiosidade: seria, o Brasil, concessor de asilo político apenas quando estes se fizerem sadios às relações diplomáticas com outros países, já que pode utilizar da liberalidade para a concessão do mesmo? Ou seria realmente cumpridor das normas de regime internacional, deferindo ou não os asilos quando vislumbrado as ferramentas necessárias ao seu deferimento?
Através dos casos observados a partir dos últimos asilos concedidos e indeferidos no Brasil, tentar-se-á inferir qual a verdadeira intenção brasileira na utilização do instituto ora analisado.
O Brasil já é conhecido, desde tempos remotos, como um lugar em que a concessão dos asilos é alcançada com maior facilidade que em outros lugares. Pois bem, já na década de 80 do século passado, os diplomatas brasileiros divergiram com a diplomacia inglesa por causa de um criminoso conhecido como Ronald Biggs que estava foragido após o assalto, em 1963, de um trem do correio inglês, que recolhia depósitos de bancos da Escócia e os levava para Londres. Roubou 631 mil e 784 libras, equivalente a 220 milhões de reais. Biggs conseguiu fugir da prisão para o Brasil, após passar pela Austrália e Panamá, onde viveu por muitos anos. Todavia, Biggs acabou preso por sua própria culpa, já que acreditou num acordo com a polícia inglesa, que prometeu, em troca de sua entrega, libertá-lo em curto prazo. Porém não foi o que aconteceu, pois ele se entregou e cumpre hoje pena de prisão perpétua em Londres (AZEVEDO, 2009, p.01).
Recentemente, o governo brasileiro acaba de deferir asilo político a um terrorista italiano que foi condenado à prisão perpétua, conhecido com Cesare Battisti. Battisti foi condenado à prisão perpétua em seu país pela pratica de quatro assassinatos que ocorreram entre 1977 e 1979, quando liderava um grupo terrorista denominado Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Assevere-se que nada atenua os seus crimes, haja vista que a Itália vive, desde aquela época, em pleno Estado democrático de Direito. Destarte, foi julgado segundo o processo democrático e, por fim, foi considerado terrorista. A Carta Maior de 88 em seu artigo 5º, incisos XLIII e XLIV considera o terrorismo e a tortura, como ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Portanto, é crime hediondo, inafiançável e imprescritível, e insuscetível de graça ou anistia (AZEVEDO, 2009, p.01).
Todavia, o ministro de Justiça, Tarso Genro, ignorou a legislação constitucional, já que Battisti recebeu, no inicio de 2009, o animus de refugiado político no Brasil.
Um caso recente, também, ocorrido no Brasil, foi a concessão de asilo diplomático a Manuel Zelaya, presidente deposto e exilado de Honduras, que regressou ao seu país, e encontra-se, neste momento na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Apesar de Zelaya não ter apresentado um pedido formal de asilo político ao Brasil o fato de Zelaya ter se abrigado na embaixada brasileira já caracteriza concessão provisória de asilo. No caso Zelaya afastam-se os elementos configurativos do refúgio. Pois bem, o caso de Zelaya reúne as condições de asilo diplomático previstas nas convenções latino-americanas, parecendo, neste caso, que o Brasil realmente concedeu um asilo cometido pela prática de crime político, como prevê as disposições internacionais (2009, p.01).
Todavia, o caso supra mencionado parece não ser a praxe brasileira quanto à concessão de asilo político. É interessante destacar que o ministro Tarso Genro, defensor das razões humanitárias, negou asilo, recentemente, a dois boxeadores cubanos que, em 2007, após o Panamericano, no Rio, pediram para refugiar-se neste país, já que receava perseguições em Cuba. Todavia, inexplicavelmente, o governo brasileiro, devolveu-os a Fidel Castro, que os encarcerou. Ou seja, o Estado brasileiro ignorou as regras internacionais necessárias à concessão de asilo político, pois tratou os cubanos como se não fossem titulares de direitos internacionais (AZEVEDO, 2009, p.01).
Caso os cubanos representassem o Brasil na Corte Internacional de Justiça ou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, se em Cuba eles tivessem liberdade suficiente para questionar a decisão do Brasil, possivelmente o país seria condenado.
Pois bem, diante dos fatos narrados, fica questionável a intenção brasileira quanto à concessão do asilo político. Parece, por fim, haver mais interesses políticos e diplomáticos entre os países concedentes ou não do asilo, do que a observância das características necessárias à definição de crime político.
REFERÊNCIAS
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