Resumo:O presente trabalho analisa a polêmica e intrigante questão da qualificação jurídica da autoridade coatora em sede mandamental. Na tentativa de evidenciar o verdadeiro papel do coator no processo de mandado de segurança, o estudo enfrenta a celeuma da sujeição passiva do writ constitucional, apresentando fundamentos e conseqüências de sua aferição.
Palavras-chave:Mandado de segurança – Autoridade coatora – Sujeito passivo – Natureza jurídica.
Abstract: The present work analyzes the controversial and fascinating question of the legal qualification of compulsory authority in the mandamus issue. Attempting to evidence the true purpose of the compulsory in the process of mandamus, this study faces the outcry of the passive subjection of constitutional writ, presenting fundaments and consequences of its gauging.
Keywords: Writ of mandamus – Compulsory authority – Passive personality – Legal nature.
Sumário: Introdução – 1. Mandado de segurança e a teoria geral do processo: compatibilidade – 2. Posição jurídica da autoridade coatora em sede mandamental: breves reflexões – 3. O coator não é sujeito passivo da relação processual do mandado de segurança: fundamentos e conseqüências – 4. Conclusão – Bibliografia.
Introdução
Não há, na seara processual, tema que provoque tamanha discussão e controvérsia como o mandado de segurança. Seja pela sua origem conturbada, seja pela sua natureza constitucional, ou seja, ainda, pela sua especificidade técnico-procedimental, certo é que as nuanças envolvendo a ação mandamental apresentam linhas prático-teóricas diversas e conflitantes, de modo a tornar o mandado de segurança um dos mais apaixonantes assuntos da dogmática processual.
Nessa perspectiva, dá-se ênfase, neste momento, à calorosa questão envolvendo a autoridade coatora no processo de mandado de segurança. Qual seria, efetivamente, o seu papel? Verdadeira parte passiva na demanda de segurança ou mero representante em juízo da pessoa jurídica de direito público (ou que lhe faça as vezes) a qual pertence?
A questão não é simplesmente teórica e semântica, sendo que a opção por uma ou outra corrente enseja conseqüências distintas. Assim, se chegarmos à conclusão de que a autoridade coatora responsável pelo ato abusivo é o sujeito passivo legítimo da ação mandamental, conseqüentemente sua indicação errônea acarretaria extinção do processo sem julgamento de mérito, pela carência da ação. Ao revés, vislumbrando-se o coator como mero representante em juízo do ente jurídico a qual pertence, sua indicação equivocada ocasionaria tão-somente defeito da inicial, com possibilidade de aditamento.
Não é só. Conferindo à autoridade coatora a condição de parte passiva na demanda, a notificação que lhe é dirigida e as informações por ela prestadas consubstanciariam, por regra, nos fenômenos da citação e da contestação, o que diversamente se daria caso considerássemos o constritor simples informante do processo mandamental.
Pois bem. Foi pensando na tentativa de oferecer singelas contribuições para a solução dessas dificultosas indagações que embrionou o presente trabalho.
1. Mandado de segurança e a teoria geral do processo: compatibilidade
Discorrer sobre o mandado de segurança é adentrar na "(...) maior criação jurídica brasileira dos presentes tempos e talvez até do século" (Barbi, 1986, p. 71). A despeito do considerável lapso temporal decorrido entre as sábias palavras do autor e o atual momento da literatura jurídica pátria, não se pode olvidar da pertinência e atualidade que ainda soam tais dizeres.
Aliás, a juventude do mandado de segurança está umbilicalmente ligada "(...) à incontornável necessidade de se ter um remédio processual célere e eficaz para proteção de direitos que ostentem suficiente grau de certeza (ao menos no que toca a seu suporte fático) e que estejam sendo ameaçados e/ou lesados por atos de autoridade" (Puoli, 2002, p. 422).
Como lembra Teresa Arruda Alvim Wambier (2002, p. 788) "o mandado de segurança é o expediente de quem dispõem os particulares, cujo objetivo é justamente o de reconduzir aos parâmetros da legalidade os atos das autoridades públicas".
Sem prejuízo do espeque constitucional do mandado de segurança, que serve como verdadeiro vetor interpretativo das problemáticas que o assolam, não se pode perder de vista a sua natureza processual, sobretudo por ser um instrumento apto a engrenar a marcha procedimental em busca da efetiva tutela pretendida.
Nesse ínterim, não se pode olvidar da conclusiva lição de Sérgio Ferraz (2006, p. 33), para quem "o mandado de segurança é uma ação, e ação de conhecimento. Como tal, insere-se na teoria das ações, dela haurindo suas coordenadas fundamentais".
Na verdade, a própria "(...) inserção do mandado de segurança na tradição do processo brasileiro evidencia não ser possível sustentar que sua disciplina jurídica seja estanque, incomunicável com a do processo civil em geral" (Talamini, 2002, p. 313).
Com efeito.
A ação de mandado de segurança nada mais é do que uma modalidade de demanda judicial, inclusa, indubitavelmente, na teoria geral das ações e, por conseguinte, na teoria geral do processo. Sua peculiaridade deve-se, primordialmente, à sua técnica procedimental célere e eficaz, o que, todavia, não a afasta da dogmática processual civil.
Tamanha é a persistência em se estudar o mandado de segurança despido da sistemática processual, que já se insurgiu Didier Jr. (2002, p. 368): "talvez já tenha passado da hora de os processualistas voltarem seus olhos e mentes para o mandado de segurança enquanto procedimento especial, analisando-o de acordo com a teoria geral do processo".
E não é por menos.
A tendência de desvincular o mandamus do âmbito normativo do processo civil não se exaure nas condições da ação e na posição jurídica da autoridade coatora no mandado de segurança. Não. Tal celeuma é constantemente vislumbrada, a exemplo do que também se dá na aplicabilidade dos recursos e na contagem dos prazos em sede mandamental.
Não é por outra razão que Barbosa Moreira (1993, p. 75), em brilhante passagem, bem asseverou: "(...) esse instituto [mandado de segurança] não é um monstrum sem parentesco algum com o resto do universo, uma singular esquisitice legislativa, uma peça exótica, uma curiosidade a ser exibida em vitrina ou em jaula para assombro dos passantes". É, na verdade, segundo o festejado jurista carioca, "(...) uma ação, uma espécie de gênero bem conhecido e familiar, cujas peculiaridades, sem dúvida dignas de nota, não a desligam do convívio das outras espécies, não a retiram do contexto normal do ordenamento jurídico, não a condenam a degredo em ilha deserta".
2. Posição jurídica da autoridade coatora em sede mandamental: breves reflexões
A controvérsia acerca da correta sujeição passiva na relação processual do mandado de segurança acentuou-se com o advento da Lei 1.533/1951, culminando, outrossim, em profundas investigações a respeito da qualificação jurídica da autoridade coatora e dos atos processuais que lhe cercam.
Oportuno salientar-se que, desvendar a posição jurídica de um instituto nada mais é do que aferir a sua essência, atribuindo-lhe adequada classificação jurídica, a fim de que se possa identificar as conseqüências prático-legais brotadas de tal mister.
Sobre essa celeuma, aliás, Fredie Didier Jr. (2002, p. 369) já afirmou que "o epicentro da discussão está na qualificação da situação processual da autoridade coatora; para uns, a própria parte passiva, para outros, mero sujeito especial do processo".
Nesse diapasão, tendo em vista a etiologia das discussões atinentes à relação processual em sede mandamental (com a edição da revogada Lei 1.533/1951), bem como a necessidade do correto enquadramento da autoridade coatora no processo mandamental, reputa-se de bom alvitre a exposição de um breve escorço histórico a respeito do tema.
Como visto, a origem do instituto mandamental remonta à Carta Política de 1934, estipulando, em seu art. 113, item 33, que "o processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa jurídica de direito público interessada".
Por sua vez, no plano infraconstitucional, incumbiu à Lei 191/1936 regular o writ of mandamus,que previu, além da notificação da inicial à pessoa jurídica interessada (art. 8.º, § 1.º, b) [01] a citação do coator para apresentação da defesa (art. 8.º, § 1.º, a).
Entretanto, a despeito da utilização do termo citação pela Lei 191/1936, bem observou o Min. Sepúlveda Pertence, em voto proferido no julgamento da Rcl 367-1/DF, j. 04.02.1993: "Não obstante a equívoca referência legal à citação do coator, contraposta à simples comunicação da demanda à pessoa jurídica, logo em seguida – MS 248, 10.06.1936, Ataulpho de Paiva, Arq. Jur. 40/97 – a Corte Suprema não teve dúvida em repor as coisAs e, se5s devidos lugares, repudando esselcial a audiência do ente público, mas não as informações (...)".
Tanto é verdade que o Diploma Processual Civil retrógrado (CPC/1939T não hesitou em corrigir as impropriedades semânticas da legislação infraconstitucional então vigente, mandando "notificar o coator" e "citar o representante judicial, ou à falta, o reresentante legal da pessoa jurídica de direito público interessada" (art. 322, I e II, Dec.-lei 1.608/1939).
Nota-se que, num primeiro momentO, inexistiam äiscussões relevAndes acercada polaridade passiva no processo mandamental, ao passo que a legislação encontrava-se em consonância com as regras do sistema processual brasileiro, legitimando, no pólo passivo da demanda mandamental, a pessoa jurídica de direito público.
A mixórdia somente atinge seu auge com o advento da Lei 1.533/1951, mormente em razão de esta prever, em seu art. 7.º, apenas a notificação da autoridade coatora para prestar informações, quedando-se inerte quanto à citação da pessoa jurídica que suportará os efeitos de eventual concessão da segurança, conforme se vislumbra do excerto transcrito:
"Art. 7.º. Ao despachar a inicial o juiz ordenará:
I – que se notifique o coator do conteúdo da petição, entregando-lhe a segunda via apresentada pelo requerente, com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 15 (quinze) dias, [02] preste as informações que achar necessárias.
(...)"
Recentemente, ainda, o legislador pátrio teve a oportunidade de colocar um fim à controvérsia, mas não o fez. Isto porque a recente Lei 12.016/2009 (DOU 10.08.2009), ao sistematizar a disciplina do mandado de segurança individual e coletivo, não alterou de modo substancial a redação do art. 7.º, I, da revogada Lei 1.533/1951, permanecendo-se silente quanto à eventual citação da pessoa jurídica interessada.
Com efeito, a aparente imprecisão técnica do legislador não deve sobrepor-se à sistemática processual pátria.
A formulação jurídica da autoridade coatora começa a ser desvendada a partir do próprio conceito legal estabelecido pelo art. 1.º, § 1.º, da Lei 1.533/1951, que alicerçava o Mandado de Segurança, ao taxar como autoridade "os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções" (redação dada pela Lei 9.259/1996).
Conforme se vislumbra, o próprio texto normativo trazia em seu bojo a expressão "representantes", evidenciando que a autoridade coatora, como órgão do ente público, não atua em nome próprio, mas sim como organismo intelectual da pessoa jurídica, que, em derradeira análise, consubstancia-se no próprio Estado.
Veja-se que uma análise mais detalhada acerca da correta caracterização jurídica da autoridade coatora passa, indubitavelmente, pela dicotomia entre pessoa física e pessoa jurídica.
Aliás, não é de hoje que se conhece a diferenciação entre as pessoas física e jurídica. Tratada pelo Código Civil nos arts. 40 e ss., a pessoa jurídica supõe uma organização de pessoas e/ou bens, haja vista que, como ficção legal que a é, somente interage com o mundo orgânico por intermédio de seus (re)presentantes.
Ora, quando o (re)presentante age em nome da pessoa jurídica, como acontece no processo de mandado de segurança, certo é que a esta pertencem os direitos e obrigações assumidas, devendo, por conseguinte, figurar como parte em eventual demanda decorrente do ato praticado (correspondente ao ato lesivo a direito líquido e certo do impetrante, no caso específico do mandado de segurança).
Nessa linha, Roberto Eurico Schmidt Júnior (1995, p. 21) sustenta que "(...) ato de autoridade é ato de pessoa física. Em conseqüência, somente a pessoa física pode ser a coatora, ainda que sempre representando o Estado, uma autarquia ou entidade jurídica com funções delegadas pelo Poder Público".
Nota-se não pairar dúvidas a respeito de que a autoridade coatora consubstancia-se na pessoa física que, titularizando um ente público ou com delegação de função pública, atuando em nome deste, pratica um ato abusivo e lesivo a um direito líquido e certo de um jurisdicionado.
Nada obstante, a despeito da assertiva de que o coator age em nome da pessoa jurídica a que vincula, dúvidas ainda subsistem quanto à correta adequação jurídica da autoridade coatora. Enquanto Cassio Scarpinella Bueno (2004, p. 22) afirma não haver nada de errado em se considerar o coator como representante [03] da pessoa jurídica a que faz parte, haja vista que "todo agente, em última instância, não faz nada que não agir em nome da pessoa jurídica à qual é vinculado", Marlon Alberto Weichert (1999, p. 140), por sua vez, assevera ser a autoridade coatora uma "presentante em juízo da pessoa jurídica".
Conforme Cassio Scarpinella Bueno (2004, p. 21): "A autoridade é convocada para prestar as ‘informações’ de que trata o art. 7.º, I, da Lei 1.533/1951, na qualidade de ‘representante’ judicial da pessoa jurídica a que pertence. Não tutela, assim, direito seu ou exclusivamente seu, porque seu agir corresponde ao agir da pessoa a cujos quadros está vinculada".
Entretanto, sem prejuízo da relevante diferenciação entre presentante e representante, [04] certo é que, neste trabalho, ambas as figuras caminham juntas para o sustento da vertente doutrinária que nega a qualidade de ré à autoridade coatora, porquanto, em sede mandamental, pressupõem a existência de uma ficção jurídica em atuação.
Com efeito, maiores minúcias de tal dialética refletir-se-ão sobre a questão da representação judicial das entidades públicas em juízo, com a observância da capacidade postulatória. Logo, para melhor análise do exposto, oportuno tecer breves comentários acerca das regras atinentes à representação.
Nos moldes da sistemática há tempos já adotada pelo Código de Processo Civil, em seu art. 12, [05] a Constituição Federal de 1988, nas palavras de Sérgio Ferraz (1993, p. 45), "põe uma pá-de-cal na controvérsia", quando incumbe, em seus arts 131 e 132, a representação judicial das pessoas jurídicas de capacidade política à Advocacia-Geral da União, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, bem como às Procuradorias dos Estados, Municípios e Distrito Federal.
É justamente nessa tendência que o art. 3.º da revogada Lei 4.348/1964, [06] com redação dada pela Lei 10.910/2004, previa: "Os representantes judiciais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou de suas respectivas autarquias e fundações serão intimados pessoalmente pelo juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, das decisões judiciais em que suas autoridades administrativas figurem como coatoras, com a entrega de cópias dos documentos nelas mencionados, para eventual suspensão da decisão e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder".
Em comento à redação do dispositivo citado, aliás, Scarpinella Bueno (2004, p. 200) arriscava dizer, e, a nosso ver, com razão, que "(...) ela é suficiente para que, vez por todas, o entendimento de que a autoridade coatora possa ser ‘ré’ no mandado de segurança seja afastado".
Pois bem. Embora a recente Lei 12.016/2009 tenha previsto expressamente, em seu art. 29, a revogação da Lei 4.348/1964, a regra insculpida no art. 3.º desta lei foi substancialmente reproduzida. Seu conteúdo encontra referência, agora, no novo art. 7.º, II, c/c o art. 9.º, da Lei 12.016/2009.
Nota-se que, a partir do momento em que se exige a ciência, pelos representantes judiciais dos entes públicos, da instauração de um processo mandamental, bem como das decisões judiciais em que suas autoridades figurem como coatoras, está-se, de certa forma, negando ao coator a qualidade de parte, eis que caberá àqueles, e não a este, a defesa do ato tido como ilegal.
É certo, portanto, que, a despeito de tratar-se de mero presentante em juízo da pessoa jurídica a que pertence, a autoridade coatora possui a função de prestar informações sobre a matéria de fato atinente ao objeto do mandamus, cabendo a representação judicial e conseguinte defesa da pessoa jurídica aos possuidores de capacidade postulatória e legitimados dos arts. 131 e 132 da CF/1988.
Nesta linha de raciocínio, considerando a autoridade coatora um mero informante anômalo do processo mandamental, ao contrário do que afirma Antônio Cláudio da Costa Machado (2003, p. 70), para quem "a notificação corresponde apenas a uma nomenclatura diferente, utilizada pela Lei do Mandado de Segurança, para identificar o ato citatório do sujeito passivo do writ", [07] esta notificação do coator deve ser entendida como mera informação da ilegalidade praticada ao agente coator, tendo em vista que, não raras vezes, o ato lesivo é decorrência de práticas moralmente legítimas por parte do servidor público, além do fato de que caberá a este, quando for o caso, a prestação específica de fazer ou não fazer objeto do mandado.
Embora também adepto à corrente que vê a pessoa jurídica a que pertence o coator como verdadeira parte passiva no mandado de segurança, parece, data maxima venia, um tanto quanto engenhosa a afirmação do ilustre Agrícola Barbi (2000, p. 156-157) ao dizer que "o coator é citado pela forma de notificação (...)" [08] de modo que "a omissão da lei quanto à citação separada à pessoa jurídica de direito público não deve ser entendida como erro, mas sim como vontade de simplificar o processo (...)".
Sem prejuízo, ainda que se equivalha a notificação da autoridade coatora à sua citação, isso não tem, por si só, o condão de conferir-lhe legitimidade passiva, haja vista que há tempos o Código Processual Civil já autoriza a realização do ato citatório em pessoa diversa daquela que possui o status de parte processual na demanda.
É o que se dá, por exemplo, no art. 57 do CPC, que, ao tratar da oposição (intervenção de terceiros), prevê a citação dos opostos na pessoa dos seus respectivos advogados. Veja-se que, embora o causídico não seja parte na ação de oposição, em seu nome é que se dá a citação, reafirmando a dissociabilidade entre a parte processual na demanda e a pessoalidade da destinação do ato de citação.
Nada obstante, forçoso concluir, via de regra, pela imprescindibilidade da citação do ente jurídico a que pertence a autoridade coatora, sob pena da não-formação regular da relação jurídica processual da segurança. [09]
Bem contundente, dessa forma, a lição de Lúcia Valle Figueiredo (1991, p. 34): "Intima-se, apenas, o coator, para que preste suas informações, mas não a pessoa de direito publico. Esta deveria ser citada para ocupar sua posição no pólo passivo, estabelecendo-se, desta forma, firme distinção entre autoridade coatora e sujeito passivo no Mandado de Segurança".
Com efeito, não é despropositado ressaltar que a imperiosidade da citação em sede mandamental guardava espeque justamente no já referido art. 3.º da Lei 4.348/1964.
Isso porque, a despeito da equivocada terminologia legalmente utilizada (intimação), tal comunicação consubstanciava-se, efetivamente, em verdadeira citação.
Deveras, um instituto é classificado e conceituado por sua essência (substância), e não por sua aparência (terminologia erroneamente empregada). Logo, verificando-se que a natureza da suposta intimação não é nada mais do que dar ciência à parte de que contra si corre uma ação judicial, oportunizando-lhe a efetiva defesa, evidente que a referência do dispositivo legal é à citação (em seu sentido jurídico etimológico).
Ao que parece, referida intimação (ou, tecnicamente, citação) deveria ser preordenada não após a sentença que julga o mandado de segurança, mas sim após o juízo de cognição feito pelo magistrado acerca da impetração de um mandado de segurança. Assim, ainda que não se acate o pleito de liminar do impetrante, deveria o juiz ordenar, por meio dessa comunicação, a integração da relação jurídica pelo ente público, mormente porque daria ensejo à realização da defesa estatal.
Nesse aspecto, andou muito bem o legislador infraconstitucional ao prever, no art. 7.º, II, da Lei 12.016/2009, que o juiz ordenará, desde logo (já ao despachar a inicial), que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada. Tal disposição consubstancia-se, hoje, na imprescindível citação da parte passiva mandamental. Coerentemente, corrigiu-se a imprecisão da legislação antiga, que acaba por condicionar a comunicação da impetração de um mandamus ao ente estatal apenas após uma decisão judicial em que sua autoridade figurasse como coatora.
Por tudo o que se infere, ainda que se coincida a autoridade coatora com o representante legal do ente moral interessado, não deve a notificação fazer as vezes da citação e as informações as da contestação. Isso porque possuem finalidades distintas. A triangularização da relação processual dá-se com a citação da pessoa jurídica e não com a notificação do coator. Por mais, as informações atinam-se aos fatos, inclusive com presunção de veracidade, conquanto a contestação é meio de defesa, pressupondo parcialidade.