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Monitoramento eletrônico de presos.

Pena alternativa ou medida auxiliar da execução penal?

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09/01/2011 às 13:55
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INTRODUÇÃO

Diferentemente do que preconiza a Lei de Execuções Penais – ao fixar a finalidade preventivo-especial positiva como critério reitor da pena – o sistema penitenciário brasileiro tem, reiteradamente, afrontado as idéias de reinserção social, submetendo o preso a tratamento indiscutivelmente degradante, desumano e dessocializador, durante a fase de cumprimento de sua reprimenda.

A falência do sistema penitenciário hoje é um fato inconteste, não só pela precariedade de suas instalações, como pelo caráter essencialmente punitivo que a pena assumiu, posto que a prevenção e a repressão da criminalidade devem se filiar à idéia de ressocialização, conforme determinado pela própria Lei de Execuções Penais, em seu artigo 1°.

Neste contexto, o presente estudo visa enfocar o monitoramento eletrônico como uma eficiente alternativa à prisão, atendendo à ânsia de humanização das penas, posto que se constitui em uma importante ferramenta, que pode, verdadeiramente, colaborar com o processo de ressocialização do condenado, evitando submetê-lo aos efeitos indeléveis que são causados pela patente inutilidade do sistema penitenciário brasileiro, conforme configuração atual.

Como metodologia foi utilizada a pesquisa bibliográfica, possuindo como referência a Lei de Execução Penal, bem como doutrinas de diversos autores, artigos de revistas internacionais, além de pesquisa documental em jurisprudências. Tivemos ainda o cuidado de visitar a cidade de Guarabira, sede de um projeto-piloto do monitoramento, onde entrevistamos usuários desta tecnologia.

A presente monografia é dividida em sete capítulos. O primeiro capítulo traz o embasamento teórico, que é um breve estudo acerca das finalidades da pena, desde a época do Absolutismo até a postura adotada atualmente, enquadrando o monitoramento eletrônico de presos no fim da prevenção especial positiva da pena.

No segundo capítulo falamos sobre a crise enfrentada neste momento por nosso sistema penitenciário, e como esta deficiência é o reflexo da necessidade cogente de adoção de uma política que adote penas alternativas ao encarceramento, dentre elas a vigilância eletrônica.

Já no terceiro capítulo, discorreremos sucintamente sobre os procedimentos adotados na Execução Penal, apenas conceituando-os para facilitar o entendimento de como o monitoramento eletrônico pode ser utilizado no cumprimento das penas privativas de liberdade.

O quarto capítulo, por sua vez, traz o conceito de monitoramento, mostrando ainda seu surgimento, emprego em outros países, experiências no Brasil e os sistemas de tecnologia que são utilizados para o controle via monitoramento.

O quinto capítulo diz respeito às possibilidades de aplicação deste dispositivo como mecanismo auxiliar de cumprimento de penas já existentes: nos casos de progressão aos regimes aberto e semi-aberto, na ausência de estabelecimento adequado para cumprimento da reprimenda e prisão domiciliar; bem como pena autônoma, alternativa ao encarceramento.

O sexto capítulo dedica-se a apreciação da regulamentação da matéria em nosso ordenamento e quais as possíveis alternativas de aplicação face os Projetos de Lei em trâmite.

Ao final, no sétimo capítulo, é feita uma análise dos argumentos contra e a favor do emprego desta tecnologia, a partir da exposição de questões levantadas na comunidade acadêmica, incluindo doutrinadores residentes em países que já utilizam o monitoramento.

Impende ressaltar ainda, antes de adentrarmos no trabalho propriamente dito que a problemática pode resumir-se a definição da natureza jurídica do monitoramento eletrônico e seu enquadramento legal, como pena alternativa ou medida auxiliar da execução penal.


Capítulo 1 Teorias sobre a finalidade da pena

Inicialmente, teceremos breves comentários acerca das principais teorias sobre a finalidade da pena [01], sem adentrarmos por demais na questão, posto que não é o objetivo primordial deste estudo mostrar o desenvolvimento histórico e filosófico da pena através dos tempos, mas sim compreendermos qual o papel do monitoramento eletrônico e em qual concepção teórica este se encaixa.

1.1.Teoria Retributiva ou Absoluta

De acordo com os preceitos da Teoria Retributiva, a culpa do delinqüente deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, ou seja, o culpado deve ser castigado por ter cometido um crime, já que a pena preocupa-se apenas com o evento passado.

Vê-se que em tal concepção, a pena não tem um fim, mas sim que é um fim em si mesma, justificando-se pelo fato de equilibrar o mal do crime com o mal da reprimenda aplicada, remetendo-nos à idéia de pena como vingança, que é a expressão mais rudimentar de justiça. [02] Acompanha nosso conceito acerca da teoria o ilustre professor Bitencourt:

[...] segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a Justiça. A pena tem como fim fazer Justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto. [03]

Esta teoria se desdobra em três perspectivas: uma religiosa, uma jurídica e uma ética.

Com a primeira, voltamos ao Estado Absolutista (séc. XVI), quando na figura do rei, além do gestor do Estado, tinha-se o representante divino na terra, o qual, ao aplicar a pena, estava cumprindo a vontade de Deus, que exigia o sacrifício do criminoso para salvação de sua alma.

A crítica feita aqui é no mesmo sentido das palavras de Santo Agostinho, apud Albergaria "O homem e o pecador são coisas distintas. Dar morte ao culpado, para castigar o pecado, é perder o homem". [04]

Para Bitencourt, após o enfraquecimento do Absolutismo e a ascendência da burguesia, o papel da pena, embora mantendo o caráter retributivo, passa a se justificar "na necessidade de restabelecer a vigência da ‘vontade geral’, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinqüente". [05]

Nesta conotação jurídica defendida por Hegel (1770-1831), o delito passa a ser compreendido como a negação do Direito [06], e a pena é justamente o instrumento que vem restabelecer a "ordem jurídica quebrada". [07]

Já Kant (1724-1804), embora também defendesse a retribuição através da imposição de uma pena, justificava a compensação sob um aspecto ético, defendendo a aplicação da pena pela simples transgressão ao ordenamento . [08]

Em que pese a falta de preocupação com alguma finalidade preventiva da pena, o pensamento esposado por estes pensadores merece destaque, uma vez que a partir de suas concepções foram traçadas as primeiras vertentes no que diz respeito a devida proporção entre a culpabilidade e a medida da pena.

Temos, contudo, que esta noção é afastada quando falamos no monitoramento de presos, haja vista que este não se trata propriamente de um instrumento de punição, mas sim de reinserção do apenado na sociedade, como veremos adiante.

1.2. Teorias Relativas

1.2.1. Preventiva Geral

Como revela o seu próprio nome, a teoria preventiva geral, disseminada, principalmente, por Feuerbach (1804-1872), apregoa que a pena serve como instrumento político-criminal [09] para impedir ou evitar a prática de delitos por parte de toda a coletividade.

Logo, a possibilidade de aplicação de uma pena "ameaça" a sociedade operando no inconsciente dos indivíduos [10], porquanto através da certeza de punição, os possíveis delinqüentes restariam intimidados e ainda haveria um fortalecimento da credibilidade do Estado perante a comunidade no tocante a eficiência da aplicação de suas normas. Tais concepções resultam da divisão desta teoria em prevenção geral negativa e positiva, respectivamente.

Esta idéia se difunde no período do Iluminismo (séc. XVII e XVIII), quando "substituiu-se o poder físico, poder sobre o corpo, pelo poder sobre a alma, sobre a psique". [11]

1.2.1.1 Negativa

A noção negativa da prevenção geral não vê mais o castigo como o fim precípuo da pena. Admite-se que é um mal necessário, mas não repreende para punir, mas sim para intimidar. Ou seja, a pena deve evitar a prática de delitos antes mesmo de ser aplicada, inibindo o cometimento de crimes só pelo fato de existir.

Kant critica as bases desta teoria, pois para ele

A pena jurídica, poena forensis, não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade [...] porque jamais um homem pode ser tomado como instrumento dos desígnios de outro, nem ser contado no número das coisas como objeto de direito real". [12]

Afasta-se, assim, da medida da culpabilidade, visto que a quantidade da pena a ser aplicada não se relaciona com o delito praticado, e sim com a impressão que cause na coletividade a ponto de coibir a prática de crime semelhante.

1.2.1.2 Positiva

Nesta perspectiva, a intimidação fica em segundo plano, e então a pena passa a objetivar o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade [13]. A prevenção geral positiva pode ser compreendida em duas concepções: uma fundamentadora e outra limitadora. A primeira, é bem definida por Zaffaroni e Pierangelli:

[...] a prevenção geral positiva desvincula a pena da função protetora de bens jurídicos na medida em que define o delito não como lesão desses bens, mas como expressão simbólica de falta de lealdade ao Direito que põe em questão a confiança institucional no sistema. Destarte, a preservação do sistema antepõe-se aos valores, direitos e garantias do indivíduo. [14]

De outra senda, na limitadora no que diz respeito à área de atuação estatal, temos que:

En este entendimento, los postulados de esta teoría consideran que la aplicación de la pena no se justifica simplemente porque tiene que intimidar la sociedad o promover la resocialización del delincuente. Estos fines no deben ser la preocupación primera de la pena. Lo principal es si la actividad punitiva se produce dentro de un campo donde se ejerce un control formalizado. [15]

Podemos, então, perceber a limitação do poder do Estado através do controle exercido pela pena nesta perspectiva preventiva geral positiva.

1.2.2 Teoria Preventiva Especial

A teoria preventiva especial preocupa-se em intimidar diretamente o delinqüente, para evitar a reincidência, deixando de lado, desta vez, os demais membros da sociedade. Nesse sentido, necessária a transcrição da lição de Bitencourt:

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O interesse jurídico-penal já não será o de restaurar a ordem jurídica ou a intimidação geral dos membros do corpo social. A pena, segundo esta nova concepção, deveria concretizar-se em outro sentido: o da defesa da sociedade. O delito não é apenas a violação à ordem jurídica, mas, antes de tudo, um dano social, e o delinqüente é um perigo social (um anormal) que põe em risco a nova ordem. [16]

É de se verificar que a preocupação desta corrente teórica se dirige concretamente à pessoa do condenado tentando provocar neste efeitos inibidores que venham a dissuadi-lo de no futuro voltar a delinqüir ou de reeduca-lo.

1.2.2.1 Positiva

Representa o intento ressocializador, reeducador do criminoso, quando este for considerado "corrigível", pois aqui o que se buscar é incutir valores morais, tido como adequados pela sociedade, no delinqüente. Ou seja, a pena é proposta para readaptar ou reinserir o apenado no meio externo. A teoria baseia-se na premissa de que, em preparando o delinqüente para seu retorno à comunidade, este não voltará a cometer outros crimes. A distinção feita por Caffarena, apud Albergaria, mostra-se oportuna neste contexto:

Reeducar consiste em compensar as carências do recluso em face do homem livre, oferecendo-lhe oportunidade para que tenha acesso à cultura e ao desenvolvimento integral de sua personalidade. Distingue ressocialização penitenciária da reinserção social. A ressocialização penitenciária é reinserção social, mas quando esta não é possível, entra em jogo a reeducação. Reinserção é o processo de introdução do indivíduo na sociedade. É favorecer diretamente o contato ativo recluso-sociedade. [17]

Damásio de Jesus aponta como características das penas que obedecem a este modelo a reinserção social como finalidade; a posição secundária da vítima; a progressão na execução da pena de acordo com o comportamento do preso; e a manifestação do Estado Social neste tipo de pena. [18]

É nesse sentido que devemos conceber a idéia do monitoramento eletrônico de presos, posto que, conforme veremos, este é um instrumento que visa, precipuamente, promover o cumprimento de reprimendas trazendo o apenado o mais próximo possível da sociedade. Tal medida facilita, e mais, contribui, para que o monitorado, desde o momento em que se encontra sob a custódia do Estado, possa interagir diretamente com a comunidade em que vive, o que reflete diretamente em seu retorno ao convívio externo, haja vista que neste período de monitoramento o preso já pôde exercer alguma atividade ocupacional, a qual poderá dar continuidade após o cumprimento da pena, bem como interagir com sua família e amigos.

Devemos ainda atentar que tal concepção preenche os requisitos preconizados pela LEP, descritos na Exposição de Motivos:

Item 14:

Sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, curva-se o Projeto, na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica doutrinária, ao princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar a "proteção dos bens jurídicos" e a reincorporação do autor à comunidade. [19]

Impende ressaltar ainda que atualmente, esta idéia vem sendo alvo de imensas preocupações tanto teórica quanto no campo prático.

1.2.2.2 Negativa

A prevenção negativa, por sua vez, subdivide-se em dois objetivos, o de intimidação e de inocuização dos criminosos, dos que são intimidáveis, ou não, respectivamente, para que não voltem a praticar crimes.

No caso da intimidação, a proposta é que o criminoso enfrente uma pena que se mostre suficiente para desestimulá-lo ao cometimento de novos crimes, de forma que no momento em que o delinqüente tencione cometer outro delito, deixe de fazê-lo em virtude sofrimento experimentado anteriormente. Denota-se, então, que não há liame entre a pena e a gravidade do fato, mas sim com a personalidade do criminoso, tornando-se, portanto, inviável, ante a impossibilidade de fixação da proporção de suplício necessário ao sujeito para que este não se sinta mais incitado a praticar novos crimes.

Já para aqueles que a reeducação ou a atemorização não se mostrasse eficaz, a teoria da prevenção especial apresenta a inocuização como finalidade da pena. De acordo com a teoria preventiva negativa, o delinqüente, isolado dos demais membros da sociedade não teria mais como praticar novos crimes. Como toma por objeto os presos considerados insuscetíveis de ressocialização, a segregação seria perpétua, posto que nunca deixariam de oferecer perigo à sociedade.

A partir do ponto de vista de que trata o presente estudo, descartamos esta concepção de finalidade, posto que o monitoramento por si só não é capaz de intimidar grandes criminosos, uma vez que a pena pode, no máximo, exercer alguma influência sobre o delinqüente ocasional, como bem assevera Albergaria. [20]

1.3. Teoria Mista

Em um primeiro momento, a corrente mista buscou reunir os aspectos benéficos das demais teorias, o que foi duramente criticado, uma vez que não se tratava de uma teoria propriamente dita, mas da junção de outras concepções, razão pela qual não possuía identidade própria, além do que

[...] aumenta o âmbito de aplicação da pena, que se converte assim em meio de reação apto a qualquer emprego. Os efeitos de cada teoria não se suprimem entre si, absolutamente, mas, ao contrário, se multiplicam. [21]

Ulteriormente, adotou-se outra vertente com a Teoria Dialética da União, formulada por Roxin [22], na qual os fins da pena variam de acordo com o estágio da norma. [23]

Na primeira etapa (cominação) há apenas a ameaça abstrata de aplicação da penalidade, logo

Prevalece a prevenção geral [...] sem a compreensão dessa apenas como intimidação e ameaça , ampliando seu verdadeiro alcance aos que não precisam ser intimidados, informado sobre os contornos do proibido, preservando a vida do ordenamento jurídico, fortalecendo a consciência jurídica e cumprindo o princípio da legalidade". [24]

Uma vez transgredida a norma penal, passa-se a aplicação da pena, quando, preponderantemente vigora a retribuição que "em suas bases teóricas, seja através da culpabilidade ou da proporcionalidade (ou de ambas ao mesmo tempo) desempenham um papel (máximo e mínimo) das exigências da prevenção". [25]

Nesta fase podemos ainda perceber sinais de prevenção especial positiva, que começa a mostrar-se quando há, por exemplo, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e/ou multa, nos casos prescritos em lei. [26]

Ao final, na execução, o intento ressocializador se sobressai e a pena assume um caráter preventivo especial.

A tríade funcional da pena é adotada em nosso ordenamento, como podemos observar do posicionamento de diversos doutrinadores, dentre eles Delmanto, para quem "a pena deve ser individualizada conforme o necessário e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado, bem como à ressocialização do condenado (art. 1º, LEP) [27] e Nucci, segundo quem "o caráter primordial da pena, é castigar o crime (reprovação), dando exemplo à sociedade (prevenção). Haveria de constar, também, a função socioeducativa da sanção penal". [28]

Feitas tais considerações, enquadrando a finalidade do monitoramento na Teoria Preventiva Especial da Pena, passemos a uma análise crítica do momento pelo qual passa nosso sistema carcerário, que revela a urgência de medidas alternativas ao encarceramento, dentre as quais se encontra o monitoramento eletrônico de presos.


Capítulo 2 Crise penitenciária brasileira e a necessidade de implementar medidas alternativas ao cárcere

Uma questão que vem sendo cada vez mais debatida seja na mídia, no judiciário ou na comunidade em geral é a condição desumana a que está submetido o preso nas penitenciárias brasileiras.

Fatores como a superlotação e a distribuição inadequada de presos dentro da própria prisão atuam, lamentavelmente, dentro dos limites territoriais do cárcere, não apenas como óbices à ressocialização do condenado, senão, também, como elementos propulsores da preocupante violência (física e moral), constantemente exercitada nos presídios (inclusive pelos próprios apenados, uns contra os outros).

Tem-se nas prisões brasileiras um ambiente propício para a deflagração de disputas internas, entre grupos rivais, que se confrontam, sem qualquer cerimônia ou respeito ao Estado organizado, em busca de prestígio interno ou até mesmo do próprio comando do território carcerário. Este dado é revelador da flagrante impotência do Estado Democrático de Direito de manter, preservar e controlar o seu corroído e naufragado sistema penitenciário, que, progressivamente, vem cedendo espaço ao império primitivo da violência e da lei dos mais fortes.

Junte-se ainda à completa falta de higiene, alta incidência de doenças como AIDS, hepatiite e sífilis, e teremos a funesta realidade a que estão inseridos os atuais presos recolhidos ao cárcere no Brasil, a qual é ilustrada fielmente por Leal:

Prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade; prisões infectas, úmidas, por onde transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; prisões onde vivem em celas coletivas, imundas e fétidas, dezenas de presos, alguns seriamente enfermos, como tuberculosos, hansenianos e aidéticos; prisões onde quadrilhas controlam o tráfico interno da maconha e da cocaína e firmam suas próprias leis; prisões onde vigora um código arbitrário de disciplina, com espancamentos freqüentes; prisões onde detentos promovem uma loteria sinistra, em que o preso ‘sorteado’ é morto, a pretexto de chamarem a atenção para suas reivindicações; prisões onde muitos aguardam julgamento durante anos, enquanto outros são mantidos por tempo superior ao da sentença; prisões onde, por alegada inexistência de local próprio para a triagem, os recém-ingressos, que deveriam submeter-se a uma observação científica, são trancafiados em celas de castigo, ao lado de presos extremamente perigosos. [29]

Tal descrição, que revela o que ocorre na realidade em nossos presídios, vai de encontro ao que garante a Lei de Execuções Penais, quando prevê a classificação (art. 5º) e assistência (art. 10) aos presos e internados. Brilhante ainda é a colocação do ilustre Eugenio Raúl Zaffaroni, para quem:

La prisión o ‘jaula’ es una instituición que se comporta como una verdadeira máquina deteriorante: genera una patología cuya característica más saliente es la regresión, lo que no es difícil de explicar. El preso o prisioneiro es llevado a condiciones de vida que nada tienen que ver con las del adulto; se le priva de todo lo que usualmente hace el adulto o no conoce. Por otra parte, se le lesiona la autoestima em todas las formas imaginables: pérdida de privacidad y de su proprio espacio, sometimiente a requisas degradantes.

[30]

Segundo informações disponibilizadas pelo Departamento Penitenciário Nacional [31], em junho do corrente ano o Brasil possuía 381.112 presos/internados, enquanto que contava com apenas 277.847 vagas para acondicioná-los, sem contarmos com aqueles que não foram capturados [32] (mais de 350 mil).

Só na Paraíba, a título de informação, o déficit é de 3.470 vagas [33], o que representa aproximadamente um desfalque de 40,2%, indicando a necessidade gritante de medidas a serem adotadas no sentido de equilibrar o número de apenados e vagas nos presídios.

O Brasil detém a oitava maior população carcerária do mundo, sem considerar ainda os mandados de prisão expedidos e não cumpridos, pois se considerassem o número de possíveis presos, a colocação do nosso país poderia chegar até a terceira posição mundial.

Tendo em vista que o desenvolvimento do sistema penitenciário não evolui nas mesmas proporções que a população carcerária, a situação tomou dimensões tão graves que em abril do corrente ano foi elaborado o Plano Diretor do Sistema Penitenciário, instrumento que possui como objetivo solucionar a crise carcerária no país, resultante da parceria entre o Governo Federal, através do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, e as vinte e sete Unidades da Federação, através dos órgãos responsáveis pela administração penitenciária.

Entre as 22 metas estabelecidas no referido plano, a de maior importância para este trabalho é a de número 10: "META 10 (PENAS ALTERNATIVAS) - LEP, art. 147 a 155: Fomento à aplicação de penas e medidas alternativas à prisão". [34]

Denota-se a partir daí a importância que ganham os meios alternativos face ao encarceramento. Desta forma, o investimento em penas alternativas mostra-se imprescindível, na medida em que desafoga as cadeias, não constrange o preso de menor periculosidade ao cárcere, e ainda representa economia aos cofres públicos, posto que, segundo dados do DEPEN, a média nacional o custo mensal da manutenção de um preso em regime fechado é de R$ 1.000,00 (hum mil reais). Já no caso do monitoramento eletrônico, o gasto é de aproximadamente R$ 700,00 (setecentos reais) por mês [35], por apenado monitorado, valor este que tende a cair à medida que houver mais inclusos no programa.

Como bem assevera Albergaria:

As medidas alternativas resultaram da crise das penas privativas de liberdade, sobretudo das penas de curta duração. Permitem que o condenado cumpra a pena junto à família e no emprego, com as restrições necessárias à sua educação e proteção da sociedade. Eliminam a contaminação carcerária, diminuem a superpopulação prisional e suprimem a contradição, segurança e reeducação. [36]

É importante observar que, cada vez mais, as medidas alternativas à pena de prisão assumem relevante papel no contexto do ordenamento jurídico brasileiro e mundial. Isto porque, tais medidas cumprem, efetivamente, a finalidade preventivo-especial, evitando o contato de preso de menor periculosidade com criminosos mais experientes, contribuindo para desafogar as prisões.

Diante deste contexto, o monitoramento eletrônico mostra-se uma alternativa eficaz ao aprisionamento, podendo ser considerado um importante instrumento no processo de ressocialização do condenado, o qual será poupado dos efeitos catastróficos causados pela patente inutilidade do sistema penitenciário brasileiro, conforme configuração atual.

Antes, porém, faremos um apanhado acerca de alguns dos conceitos dos procedimentos adotados na Execução Penal, para facilitar a compreensão de como a vigilância eletrônica pode incidir diretamente no cumprimento das reprimendas privativas de liberdade.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELA-BIANCA, Naiara Antunes. Monitoramento eletrônico de presos.: Pena alternativa ou medida auxiliar da execução penal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2748, 9 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18126. Acesso em: 22 dez. 2024.

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