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União estável de idoso(a) e o regime de separação obrigatória de bens: possibilidades e incongruências

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29/12/2010 às 10:15
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3REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS: DOUTRINAS

3.1Comentários iniciais

Logicamente, antes de se discutir as possibilidades e incongruências de aplicação do regime de separação obrigatória de bens na união estável de pessoa idosa, torna-se mister verificar como se encontra a discussão doutrinária a respeito do art. 1.641, inciso II, no âmbito do próprio casamento, dado que numa leitura apriorística – atendo-se à literalidade do referido dispositivo combinado com o art. 1.725, que compreende somente um dos enfoques a respeito da questão – esta regra seria destinada exclusivamente às relações matrimoniais. Sendo assim, antes de se prosseguir, convém aqui apresentar o teor dos referidos artigos:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

[...]

II – da pessoa maior de sessenta anos [...]

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. [124]

Feito isso, emergem algumas questões relevantes, a saber: como é interpretado o art. 1.641, II na situação do idoso que constitui matrimônio e em que medida a respectiva exegese poderia se refletir na hipótese do idoso que opte pela união estável? Quais as limitações, possibilidades e incongruências da aplicação do referido dispositivo neste último caso? A regra do art. 1.725 de per se afastaria eventuais dúvidas sobre o regime de bens aplicável também no caso de união estável de idoso?

Ao analisar a aplicação do regime de separação legal (obrigatória), na forma disposta no art. 1.641, II, CC, verificam-se na doutrina pelo menos duas interpretações conflitantes, cabendo destacar: 1) contrária ao dispositivo – Maria Berenice Dias, Paulo Luiz Netto Lobo, Sílvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira, Silmara Juny Chinelato; 2) favorável ao dispositivo – Washington de Barros Monteiro, Regina Beatriz Tavares da Silva, Inácio de Carvalho Neto e Érika Harumi Fugie.

É interessante observar que Maria Berenice Dias e Paulo Luiz Netto Lobo são defensores da equiparação entre os institutos da união estável e do casamento sob o argumento de que ambos têm a mesma proteção constitucional do Estado, pois compõem o gênero entidade familiar e qualquer tratamento diferenciado, como se discutiu alhures, implicaria afronta ao princípio da igualdade. Com base nesta premissa defendida pelos referidos doutrinadores, é que nos firmamos para iniciar a problematização da presente pesquisa, qual seja, a união estável de idoso e o regime de separação obrigatória de bens. Por outro lado, estes doutrinadores são totalmente contrários à aplicação do art. 1.641, II do Código Civil no âmbito do casamento, como se verá mais adiante.

Já para alguns doutrinadores, o casamento e união estável são institutos diferentes, de modo que a Constituição Federal prevê a possibilidade de conversão do primeiro no segundo e, fazendo coro com Sílvio Rodrigues e Venosa, entendem que o casamento é um negócio jurídico, enquanto a união estável é um fato jurídico. Nessa corrente identificam-se doutrinadores como Caio Mário da Silva Pereira, Washington de Barros Monteiro, Inácio de Carvalho Neto e Érika Harumi Fugie, só que estes três últimos são defensores da aplicação do art. 1.641, II do Código Civil, sendo que Monteiro entende aplicável inclusive na união estável.

Naturalmente não se pretende aqui avançar o debate sobre a questão envolvendo a equiparação da união estável e do casamento, porque não é o escopo desta pesquisa. Além disso, haveria de se abrir um leque enorme de pontos sob perspectiva não apenas jurídica, mas lógica e ontológica, os quais seriam inviáveis para discorrê-los neste espaço e tempo. Apesar disso, ressalte-se, há de se considerar, mesmo que a título de pressuposto desta pesquisa, a equiparação dos referidos institutos, especificamente, no que tange à união estável de idoso e o regime de separação obrigatória de bens – possibilidades e incongruências. Neste ponto nos inclinamos para o posicionamento genérico tratado por Maria Berenice Dias e Paulo Luiz Netto Lobo a respeito do tema.

3.2Doutrina contrária ao art. 1.641, II, CC

De modo geral, na primeira "corrente" os doutrinadores criticam o dispositivo 1.641, II, CC, por considerá-lo uma afronta a princípios constitucionais consagrados, como o da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade. Nesse sentido, cabe aqui apresentar uma ponderação de Paulo Luiz Netto Lobo, citado por Carlos Roberto Gonçalves, que além de incisiva, abrange aspectos que também são questionados por doutrinadores que adotam esta mesma linha de análise, in verbis:

[...] a hipótese é atentatória do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por reduzir sua autonomia como pessoa e constrangê-la à tutela reducionista, além de estabelecer restrição à liberdade de contrair matrimônio, que a Constituição não faz. Conseqüentemente, é inconstitucional esse ônus. [125]

Os doutrinadores contrários ao referido dispositivo argumentam, ainda, que não há fundamentação científica para aceitar a restrição imposta aos maiores de 60 anos, visto que estas pessoas chegam à maturidade de conhecimentos de vida pessoal, familiar e profissional, motivos pelos quais, devem ser prestigiadas quanto à capacidade de discernimento por si mesmas. Nessa linha de fundamentação verifica-se em Silmara Juny Chinelato, citada por Carlos Roberto Gonçalves, o seguinte comentário, in verbis:

A plena capacidade mental dever ser aferida em cada caso concreto, não podendo a lei presumi-la, por mero capricho do legislador que simplesmente reproduziu razões de política legislativa, fundadas no Brasil do início do século passado. [126]

Nesse sentido, há a posição de Maria Berenice Dias que se mostra também contrária ao disposto no art. 1.641, II, CC, mesmo porque, firmando-se em Érica Verícia de Oliveira Canuto, entende a autora que o regime de separação obrigatória no casamento não é procedente, afrontando o Estatuto do Idoso e trata-se de uma espécie de sanção. Nas suas palavras:

[...] A limitação da vontade, em razão da idade, longe de se constituir em uma precaução (norma protetiva), se constituiu em verdadeira sanção [...] Em todas as outras previsões legais que impõem a mesma sanção ao menos existem justificativas de ordem patrimonial, ou seja, consegue-se identificar a tentativa de proteger o interesse de alguém. Com relação aos idosos, há presunção absoluta de senilidade. De forma aleatória e sem buscar sequer algum subsídio probatório, o legislador limita a capacidade de alguém exclusivamente para um único fim: subtrair a liberdade de escolher o regime de bens quando do casamento [...] [127]

Nesse ponto, cabe destacar que Dias é contrária à aplicação do referido dispositivo no âmbito do casamento e não admite interpretação analógica na união estável. A autora reforça o seu posicionamento contrário à aplicação analógica do art. 1.641, II, CC, na união estável evocando a decisão de Agravo de Instrumento do TJRS, em que se encontrava na condição de relatora, in verbis:

União estável – Regime de bens. Não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens previsto no art. 258, parágrafo único, do CC [art. 1641 do CC 2002], ainda que os conviventes sejam maiores de 60 anos, seja porque a legislação própria prevê o regime condominial, sendo presumido o esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na vigência do relacionamento, seja porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos ou excepcionais (TJRS, 7ª. C. Cív., AI 700047179115, rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 14.08.2002). [128]

Assim, para Maria Berenice Dias, há uma vantagem da união estável comparativamente ao casamento no que se refere ao regime de bens, que ocorre na hipótese de um dos companheiros ou ambos apresentarem idade acima de 60 anos, já que a lei, segundo ela, não impõe separação obrigatória de bens para união estável e não caberia interpretação analógica. No casamento na mesma situação, prossegue a autora, é imposto o regime de separação legal (art. 1641, II), apesar de se mostrar contra esta regra e nas suas palavras "[...] Essa limitação, no entanto, não existe na união estável, não cabendo interpretação analógica para restringir direitos". [129] Entende-se que essa concepção unilateral de Dias sobre a equiparação desvirtua o sentido que se tem por entidade familiar, como se verá a seguir.

Verifica-se que a interpretação dada por Dias ao disposto no art. 226, caput, § 1º, § 3º e § 4º, da Constituição Federal de 1988, com vistas a adotar a equiparação da união estável ao casamento, contempla somente as "prerrogativas" e direitos [!], como se analisou alhures, não cabendo restringir, no caso, os direitos do idoso que constitui união estável. Neste aspecto, entende-se como contraditório o posicionamento de Maria B. Dias, visto que, apesar de determinadas críticas doutrinárias ao disposto no art. 1.641, II, CC, esta regra continua vigente e pode ser evocada para o idoso que constitui casamento. Então, se é aplicável ao casamento a regra, não haveria motivo para afastá-la na união estável de pessoa maior de 60 anos, por força do pressuposto da equiparação de ambos os institutos que a própria autora defende, senão incorreria em afronta ao princípio constitucional de igualdade insculpido no art. 5 caput.

Quanto ao posicionamento contrário à aplicação do art. 1.641, II, CC, no casamento e muito menos estendê-lo à união estável convém deixar claro desde logo que se distancia, prima facie, da interpretação dada por Maria Berenice Dias, a qual resgata a Súmula 377 do STF [130] para rebater o dispositivo em pauta. Destaca ainda, a Autora, que a adoção do regime de separação obrigatória de bens implica enriquecimento ilícito, pois nessa hipótese, não somente os bens particulares adquiridos antes do casamento não se comunicam, bem como os aquestos, que são adquiridos durante a convivência. Note-se que a idéia de equiparação dos institutos defendida por Maria Berenice Dias, neste caso, não seria aplicável, consoante afirmação abaixo transcrita:

A restrição à autonomia da vontade, não admitindo sequer a comunhão de bens adquiridos durante a vida em comum, levou o STF a editar a Súmula 377 [...] Nítido o conteúdo ético do enunciado, que de forma salutar assegura a meação sobre o patrimônio construído durante o matrimônio, gerando a impossibilidade da ocorrência de enriquecimento injustificado. [131]

De acordo com Caio Mário, não há razão para a existência do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, quer de natureza econômica ou moral, já que eventual desconfiança de constituição de casamento por interesse alheio à affectio maritalis pode ocorrer em qualquer faixa etária. In verbis:

[...] Esta regra não encontra justificativa econômica ou moral, pois que a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão de subsistir. Se é certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nestas faixas etárias, certo também que em todas as idades o mesmo pode existir. [132]

Caio Mário evoca julgado do TJ/MG que teve como relatora a Des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, em que a doação feita por uma pessoa idosa ao seu cônjuge foi considerada válida, já que foi respeitado o limite da legítima. Note-se que o Código Civil não restringe contrato de doação feito especificamente por idoso (a), desde que observadas as disposições gerais sobre o tema – art. 538 e seguintes. De qualquer modo, segue teor do julgado:

[...] alargar o sentido da norma prevista no artigo 1.641, II, do Código Civil para proibir o sexagenário, maior e capaz, de dispor de seu patrimônio da maneira que melhor lhe aprouver, em atentado contra a sua liberdade individual. A aplicação da proibição do cônjuge, já de tenra idade, fazer doação ao seu consorte jovem, deve ser aplicada com rigor naquelas hipóteses onde se evidencia no caso concreto que o nubente mais velho já não dispõe de condições para contrair matrimônio, deixando claro que este casamento tem o único objetivo de obtenção de vantagem material. (TJ/MG – Ap. 1.0491.04.911594-3/001, Rel. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, DJ de 29.03.2005). [133]

Mais adiante Caio Mário reforça:

A limitação da vontade, em razão da idade, impondo regime de separação obrigatória de bens, longe de se constituir uma precaução (norma protetiva) se constitui em verdadeira incoerência [...]. [134]

Em relação à Súmula 377 do STF na situação do regime de separação obrigatória de bens, Caio Mário indica alguns julgados do STJ a partir de 2002 que têm caminhado na direção de aplicar a referida súmula sem necessidade de provar o esforço comum na partilha, tendo como fundamentação a participação direta e indireta na construção do patrimônio que se enraíza na solidariedade, ou seja, a comunhão de vida em sua plenitude. Nesse sentido, o autor cita uma decisão do STJ sob a relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a saber:

[...] as Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte assentaram que para os efeitos da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união. Na verdade, para a evolução jurisprudencial e legal, já agora com o art. 1.725 do Código Civil de 2002, o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros. (STJ – 3ª. Turma – Resp. nº 736.627/PR, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 01.8.2006, p. 436). [135]

Ao comentar o regime de separação obrigatória de bens nas situações em que um dos nubentes tem mais de 60 anos, entende Paulo Lobo que é uma regra inconstitucional por ir de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, visto que diminui a autonomia da pessoa e a constrange a uma intervenção do Estado, ferindo inclusive a liberdade de constituir o matrimônio. O autor ainda evoca o enunciado 261 da III Jornada de Direito Civil de 2004, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, cujo teor afasta a obrigatoriedade da utilização do regime de separação de bens aos maiores de 60 anos, caso o casamento tenha se concretizado após relacionamento em união estável estabelecida antes dessa idade. [136]

Segundo Lobo, mesmo na hipótese do casamento ser constituído no regime de separação obrigatória de bens, poderia o cônjuge com idade acima de 60 anos doar bens ao outro cônjuge, observando-se a parte da legítima, dado o princípio da livre disposição de patrimônio. Para isso, cita o autor a seguinte jurisprudência:

TJMG, Ap. 1.0491.04.911594-3/001, 2005: Alargar o sentido da norma prevista no art. 1.641, II, do CC para proibir o sexagenário, maior e capaz, de dispor de seu patrimônio da maneira que melhor lhe aprouver, é um atentado contra sua liberdade individual. [137]

Na visão de Lôbo, continua vigente a Súmula 377 do STF, o que na prática, torna o regime de separação obrigatória em regime parcial de bens, que incluiria também os bens adquiridos por doação ou testamento, ficando incomunicável somente o patrimônio adquirido antes do casamento. Só ocorreria a separação absoluta de bens, prossegue o autor, se houvesse um pacto antenupcial firmado pelos nubentes, com o qual tornaria incomunicável o patrimônio adquirido antes e após o relacionamento matrimonial. [138]

Dessa forma, entende Paulo Lôbo que diante da manutenção dos efeitos da Súmula 377 do STF, a qual gera efeitos práticos do regime de comunhão parcial de bens, não seria plausível a existência do regime de separação obrigatória na forma disposta no art. 1.641, II, CC. Segundo o autor, Orlando Gomes já havia demonstrado a incoerência de tal intervenção estatal. Por outro lado, Paulo Lôbo indica uma decisão recente do TJSP que se manifesta contrária à aplicação da Súmula 377, a saber:

Inventário – Pretensão de herdeiro necessário à meação em numerário depositado – Regime de separação legal – Não aplicação da Súmula 377 do STF – Necessidade de comprovação, pela via autônoma, de que o bem foi adquirido por meio de esforço comum, de modo a se operar, eventualmente, a comunicação – Agravo não provido (TJSP, AgI 373.874-4/9-00, 2005). [139]

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No entendimento de Nader, permanece aplicável a Súmula 377 do STF para as hipóteses de separação obrigatória de bens, na forma definida no art. 1.641, II, porque o motivo que ensejou a referida súmula ainda é razoável, isto é, minimizar os efeitos da obrigatoriedade do regime de bens e nesse sentido, o dispositivo do Código Civil não teria o condão revogá-la ou invalidá-la. Destaca, ainda, o autor, que a aplicação da Súmula 377 seria somente para os casos de separação legal de bens e não para o convencional. In verbis:

Embora a Lei Civil defina a separação de bens como o regime legal obrigatório à vista de uma das hipóteses do art. 1.641, a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal estabelece: ‘No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento’. Note-se que a Súmula não condiciona a comunicação dos bens à participação de ambos os cônjuges na sua aquisição. Sob a vigência do atual Código, a Súmula continua aplicável, pois permanece a razão determinante, ou seja, o propósito de amenizar os efeitos da imposição legal [...] Atente-se que a comunhão dos aquestos se verifica apenas no regime legal obrigatório, não no convencional [...]. [140]

Esta distinção que Nader faz em relação ao regime de separação de bens obrigatória e convencional para efeito de aplicação da Súmula 377 fundamenta-se também em julgado daquele Tribunal, que se transcreve a seguir:

Estipulado expressamente, no contrato antenupcial, a separação absoluta, não se comunicam os bens adquiridos depois do casamento. A separação pura é incompatível com a superveniência de uma sociedade de fato entre marido e mulher dentro do lar [...]. (REsp. nº 83.750/RS, STJ, 4ª. Turma, rel. Min. Barros Monteiro, j. em 19.08.1999, pub. Em 29.11.1999, DJ, p. 165). [141]

É curioso observar que, recentemente, de forma inédita, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, formulou uma tabela para clarificar os casos de sucessão de cônjuge sobrevivente nas diversas espécies de casamento. No julgado REsp 992.749, a 3ª. Turma do STJ entendeu que o cônjuge na situação de separação convencional de bens não se enquadra como herdeiro necessário e não podendo, portanto, concorrer com os descendentes. Com isso, o disposto no art. 1.829, inciso I, do Código Civil, conteria um gênero de regime de separação de bens, do qual são espécies: a separação obrigatória e a convencional. [142]

Quanto ao regime de bens na união estável, Paulo Lobo afirma ser aplicável o regime de comunhão parcial de bens, inclusive para pessoas acima de 60 anos, muito embora no casamento nesta última hipótese, por força do art. 1.641, II e contrariamente ao que pensa o autor, tem sido utilizado o regime de separação obrigatória de bens. Argumenta o autor que no ordenamento brasileiro não se pode interpretar normas restritivas de direito por uma forma extensiva. In verbis:

Não se aplica à união estável o regime legal obrigatório de separação de bens, previsto no art. 1.641 do Código Civil, porque diz respeito exclusivamente ao casamento. É cediço no direito brasileiro que norma restritiva de direitos não pode ter interpretação extensiva [...]. [143]

Analisando o disposto no art. 1.725 combinado com o Projeto n. 6.960/2002, Sílvio de Salvo Venosa se mostra cético sobre virtual aplicação do art. 1.641, II na união estável de idoso, mesmo porque este doutrinador entende que o instituto da união estável e do casamento são bem diferentes. Nesse sentido, cabe aqui mencionar as questões apresentadas por Venosa sobre as dificuldades de aplicação analógica do art. 1.641, II na união estável de idoso:

O tantas vezes mencionado Projeto nº 6.960/2002 sugeriu a introdução de duas novas normas a esse dispositivo (art. 1.641???). No § 2º, traz a seguinte redação: ‘Aplica-se à união estável o regime da separação de bens nas hipóteses previstas no art. 1.641, inciso I e II’. A idéia é fazer com que a situação de fato se aproxime tanto quanto possível ao casamento, não se outorgando prerrogativas mais amplas à situação de fato da união estável em detrimento do casamento. Esse desiderato é tanto quanto mais difícil em sua normatização justamente porque é um estado de fato e, como tal, de forma natural, permite maior liberdade aos partícipes [...] Impor o regime de separação legal obrigatória (afronta às causas suspensivas; pessoas maiores de 60 anos e hipóteses nas quais há necessidade de suprimento judicial para o casamento) à união estável apresentará obstáculos fáticos de difícil solução na prática, em que pese a boa intenção do legislador, a principiar pela definição da data exata em que começou a convivência com contornos de união de fato. [144]

É interessante assinalar que entre os doutrinadores contrários ao disposto no art. 1.641, II, CC, identifica-se posição divergente sobre a vigência da súmula anteriormente mencionada, a exemplo de Sílvio Rodrigues, que é favorável ao regime de separação de bens na sua forma convencional e não à separação obrigatória, segundo o qual houve evolução ao se omitir a regra do art. 259 do Código anterior [145], ensejando superação da Súmula 377 do STF, in verbis:

[...] E assim já não se admite venham prevalecer os princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos na constância do casamento. A separação obrigatória passa a ser um regime de efetiva separação dos bens. [146]

Em que pese esta posição a respeito da Súmula 377, Sílvio Rodrigues critica o disposto no art. 1.641, II, CC, por entendê-lo restritiva à liberdade da pessoa e intervir de forma inadmissível e sem fundamentação jurídica, por envolver indivíduo maior e capaz, in verbis:

Tal restrição se mostra atentatória da liberdade individual. A tutela excessiva do Estado sobre pessoa maior e capaz decerto é descabida e injustificável. Aliás, talvez se possa dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais de quem a detém. Não há inconveniente social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário ou uma sexagenária ricos se casem pelo regime da comunhão, se assim lhes aprouver. [147]

Já na concepção do atualizador da obra de Sílvio Rodrigues, Francisco José Cahali, seria mais plausível que o novo Código tivesse admitido na situação de idoso como regime legal o da separação de bens, possibilitando, em contrapartida, a firmação de pacto por outro regime se de interesse dos nubentes, ou, ainda, a faculdade destes escolherem livremente o regime, por meio de autorização judicial. No entanto, seria vedado o regime da comunhão universal. No atual contexto, em que se verifica a tendência de elevação da população de idosos, possibilitando mais de um relacionamento afetivo nessa faixa etária, a idéia surge como uma alternativa interessante a ser aprofundada, in verbis:

Em qualquer das hipóteses, a proteção se daria no silêncio dos nubentes, submetendo o casal ao sugerido na lei. Porém, em qualquer das soluções propostas, com maior ou menor cautela e intervenção do Estado, valoriza-se a iniciativa do cônjuge em subordinar-se a outros regimes, no exercício da plena capacidade civil para dispor sobre seus bens que as pessoas com mais de 60 anos ainda mantêm, preservando assim a autonomia da vontade. [...] Ainda, outra opção seria vedar apenas o regime da comunhão universal, principalmente ao se considerar que a separação obrigatória, no sistema anterior, em muito se assemelhava à comunhão parcial por interpretação jurisprudencial [148]

Dessa forma, o doutrinador Francisco José Cahali apresenta três alternativas ao disposto no art. 1.641, II, CC, a fim de minimizar a excessiva tutela do Estado, a saber: 1) tornar o regime de separação obrigatória de bens para o casamento constituído com pessoa acima de 60 anos, como regime legal. Neste caso, o silêncio dos nubentes a respeito dos efeitos patrimoniais do casamento implicaria a adoção do regime de separação obrigatória, a exemplo do que ocorre na comunhão parcial atualmente; 2) ou então os nubentes poderiam realizar um pacto antenupcial para adotar outro regime livremente; 3) ou mediante autorização judicial, os nubentes poderiam estabelecer livremente o regime de bens, exceto o da comunhão universal, como se disse alhures.

A alternativa um, prima facie, mostra-se plausível e minimiza a tutela do Estado, de modo a restabelecer a autonomia de vontade dos nubentes. Quanto à alternativa dois, não está claro se a realização de pacto para outro regime poderia contemplar inclusive o regime de separação convencional, o qual, na sua forma pura, aqui tomando emprestado um conceito de Washington de Barros Monteiro [149], teria o mesmo efeito da separação obrigatória de bens regrada no art. 1.641, II, CC. Mesmo porque o próprio Cahali afirma que "o regime da separação obrigatória tem as mesmas características e efeitos da separação convencional. Aliás, é o que diz a lei: é obrigatório o ‘regime da separação de bens no casamento’(art. 1641)" [150] Verifica-se que há necessidade de aprofundamento da proposta. Em relação à opção três, não estão claros os procedimentos judiciais para viabilizar a adoção do regime de bens escolhido pelos nubentes e em que condições isso seria acionado.

Contudo, a proposta de Cahali só seria aplicável na hipótese do idoso que constituísse casamento, já que o doutrinador segue a mesma linha de Sílvio Rodrigues em relação às diferenças entre os institutos do casamento e da união estável.

É oportuno registrar que se encontra em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado 209/2006 de autoria do Senador José Maranhão, em que se propõe a revogação do inciso II do artigo 1.641 do Código Civil – que define o regime de separação obrigatória de bens no casamento da pessoa maior de sessenta anos – sob a justificativa de ser "uma intervenção abusiva do Estado na instituição familiar, como também uma evidente violação, de caráter discriminatório", ensejando afronta ao princípio constitucional de dignidade da pessoa humana insculpido no inciso III do art. 1º. Da mesma forma, a exposição de motivos do referido projeto destaca também violação aos preceitos constitucionais consubstanciados nos incisos I e X do art. 5º e no art. 226, os quais remetem à liberdade de constituir uma família. Firmando-se na doutrinadora Silmara Juny Chinelato, rebate-se a suposição de que a pessoa acima de sessenta anos teria uma capacidade de raciocínio e de discernimento comprometidos,o que em última análise feriria o princípio da dignidade da pessoa humana. [151]

Nessa mesma linha de raciocínio, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto do Estatuto das Famílias nº 2.285/2007, de autoria do deputado federal Sérgio Barradas Carneiro – projeto apensado ao PL 674/2007, do deputado Cândido Vaccarezza – em que foi suprimido o disposto no inciso II do art. 1.641 do Código Civil sob a fundamentação de que sua aplicação enseja discriminação e fere a dignidade dos nubentes, mesmo porque a própria Súmula 377 do STF já vem reduzindo a amplitude do referido dispositivo. Cabe aqui mencionar a exposição de motivos do Projeto 2.285/2007, que conta com a participação do IBDFAM:

[...] Por seu caráter discriminatório e atentatório à dignidade dos cônjuges, também foi suprimido o regime de separação obrigatório, que a Súmula 377 do STF tinha praticamente convertido em regime de comunhão parcial. Definiu-se, com mais clareza, quais os bens ou valores que estão excluídos da comunhão parcial, tendo em vista as controvérsias jurisprudenciais e a prática de sonegação de bens que devem ingressar na comunhão. [152]

Verificou-se recentemente que no andamento do processo legislativo referente ao PL 674/2007, continua acatada a proposta de supressão do regime de separação obrigatória de bens, implicando a exclusão do contido no inciso II do art. 1.641 do Código Civil.

Em acórdão do TJRS de 2007, foi afastada a pretensão do apelante na condição de inventariante (herdeiro) no sentido de buscar a aplicação analógica do art. 1.641, II CC de união estável estabelecida entre a companheira sobrevivente e seu ascendente, no período de 03.11.1999 e 21.11.2004, momento em que este veio a falecer. Com o objetivo de afastar a meação de bens, o apelante alegara que a união estável fora constituída quando o de cujus contava com 62 anos de idade, enquadrando-se tanto na hipótese do dispositivo citado acima quanto no art. 258, § único, inciso II, CC/ 1916, vigente à época do início do relacionamento.

O Tribunal indeferiu o pleito sob a fundamentação de que os dispositivos em tela afrontam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na forma do art. 1º, inciso III. Além disso, tais regras ferem o direito e garantia fundamental da igualdade de todos diante da lei, sem distinção de qualquer espécie, o que inclui também a questão da idade. A decisão do Tribunal reforça, ainda, que não poderia se admitir aplicação analógica do art. 1.641, II CC na união estável por uma regra básica do Direito que orienta não haver incidência de norma legal quando restringir direitos, in verbis:

Ainda que a anterior regra contida no art. 258, parágrafo único, II, do CC/16, tenha sido recepcionada no novo Código Civil, no art. 1.641, II, que impõe o regime obrigatório da separação de bens à pessoa maior de sessenta anos, ela se apresenta absolutamente inconstitucional porque atenta contra o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana esculpido no art. 1.º, III, da CF, bem como contra o direito e garantia fundamental de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, onde deve necessariamente se enquadrar a idade [...] E ainda que se entendesse de modo diverso do ora defendido, o precitado artigo não poderia ser aplicado analogicamente à união estável porque é regra básica do Direito que a aplicação analógica de um determinado dispositivo legal não tem incidência quando restringir direitos [...] E incidindo o regime legal da comunhão parcial de bens à união estável em discussão, por força do que dispõe o art. 1.725 do CC/02, corolário lógico é o direito de meação da autora sobre os bens onerosamente adquiridos na sua vigência, conforme reconhecido na sentença. [153]

Não obstante a fundamentação plausível desta corrente doutrinária, a qual certamente tem influenciado parte significativa da jurisprudência, não é demais recordar que o tema tem se tornado ultimamente mais controvertido, inclusive com julgados do STJ favoráveis à aplicação analógica do art. 1.641, II, CC, na união estável, como se verá mais adiante.

3.3Doutrina favorável ao art. 1.641, II, CC

Quanto aos doutrinadores favoráveis à aplicação do art. 1.641, II, verifica-se em Washington Monteiro de Barros um dos defensores mais incisivos, para o qual o regime de separação obrigatória de bens apresenta a seguinte configuração: "Eis o regime em que cada cônjuge conserva exclusivamente para si os bens que possuía quando casou, sendo também incomunicáveis os bens que cada um deles veio a adquirir na constância do casamento". [154] Fica patente em Monteiro uma concepção de regime de separação de bens absoluta, não se comunicando os bens anteriores e nem posteriores à constituição do casamento.

Ao tratar especificamente do regime de separação legal, art. 1.641, II, CC, Monteiro ressalta o seu aspecto protetivo, esclarecendo que é usual limitação à liberdade da pessoa no ordenamento jurídico pátrio, de forma que no caso em análise busca-se resguardar os interesses do próprio idoso e de seus familiares oriundos do relacionamento anterior. Entende-se que a afirmação de Monteiro sobre o dispositivo representa uma contraposição ao que defende Sílvio Rodrigues a respeito da mesma questão, em especial a parte final, in verbis:

[...] é preciso lembrar que o direito à liberdade, tutelado na Lei Maior, em vários incisos de seu art. 5., é o poder de fazer tudo o que se quer, nos limites resultantes do ordenamento jurídico. Portanto, os limites à liberdade individual existem em várias regras desse ordenamento, especialmente do direito de família, que vão dos impedimentos matrimoniais (art. 1.521, I a VII), que vedam o casamento de certas pessoas, até a fidelidade, que limita a liberdade sexual fora do casamento (art. 1.566, I). É de salientar-se que não pode o direito de família aceitar que, se reconhecidos os maiores atrativos de quem tem fortuna, um casamento seja realizado por meros interesses financeiros, em prejuízo do cônjuge idoso e de seus familiares de sangue. [155]

Monteiro, firmando-se em Josaphat Marinho, destaca a condição e situação de fragilidade do idoso no aspecto afetivo, o que certamente gera riscos de cunho patrimonial na constituição de relacionamento tanto para o próprio idoso quanto para seus descendentes. O autor destaca as idéias de cautela e de proteção subjacentes ao dispositivo, de forma a impedir o famoso "golpe do baú", in verbis:

Como bem justificou o Senador Josaphat Marinho na manutenção do art. 1641, II, do atual Código Civil, trata-se de prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, considerando a idade dos nubentes. É de lembrar que, conforme os anos passam, a idade avançada acarreta maiores carências afetivas e, portanto, maiores riscos corre aquele que tem mais de sessenta anos de sujeitar-se a um casamento em que o outro nubente tenha em vista somente vantagens financeiras. Possibilitar, por exemplo, a opção do regime da comunhão universal de bens, num casamento assim celebrado, pode acarretar conseqüências desastrosas ao cônjuge idoso, numa dissolução inter vivos de sua sociedade conjugal, ou mesmo a seus filhos, numa dissolução causa mortis do casamento. [156]

A defesa da aplicação do art. 1.641, II, CC, por Monteiro, é extensiva à união estável, segundo o qual as mesmas restrições presentes no casamento devem também ser respeitadas naquele instituto, o que, entende-se como uma equiparação para efeito do artigo em discussão. Note-se que o conceito de união estável para este doutrinador "é a relação lícita entre um homem e uma mulher, em constituição de família, chamados de partícipes desta relação de companheiros" [157]. Mais adiante o autor esclarece os motivos da existência do dispositivo, como a semelhança dos institutos e o aspecto teleológico de tal regra e sua localização entre as disposições gerais dos regimes de bens, que é de proteger os idosos e terceiros, evitando-se, com isso, artimanhas para desvirtuar as normas de regime de separação legal, in verbis:

Também se aplica à união estável o art. 1.641, II, do Código Civil, por ser outra disposição geral do regime de bens, segundo a qual é obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa com mais de sessenta anos. [...] Não faria qualquer sentido a lei tratar diversamente a pessoa que se casa com causa suspensiva ou com mais de sessenta anos, submetendo-a obrigatoriamente ao regime da separação de bens, e aquela que passa a viver em união estável, nas mesmas circunstâncias, já que a finalidade protetiva da lei é a mesma para ambos os casos. Além disso, seria muito fácil burlar as normas sobre o regime da separação obrigatória de bens; bastaria que quem estivesse sob causa suspensiva ou com mais de sessenta anos, para evitar aquele regime, em vez de casar-se, passasse a viver em união estável.

Ressalta, ainda, Monteiro que o regime de separação legal serve de mecanismo para impedir qualquer tipo de subterfúgio para burlar a lei, como doação feita por sexagenário à consorte, nas suas palavras:

Finalmente, cabe ajuntar ainda que os nubentes ficam irrestritamente sujeitos ao regime da separação, nos casos citados, independentemente de pacto antenupcial. Seus efeitos são incontornáveis mediante doações de um cônjuge ao outro [...] Se imposta por lei a separação, não se permite às partes iludir a proibição legal por meio dessas liberalidades (donatio propter nuptias), que anulam completamente o preceito, gerando verdadeira comunhão de fato [...] [158]

É interessante atentar para o fato de Monteiro se posicionar contra a equiparação dos institutos da união estável e do casamento, como se verificou anteriormente. Por outro lado, para efeito de adoção de regime de bens de pessoa acima de 60 anos que constitua uma das referidas entidades familiares, o autor se mostra favorável à igualdade de tratamento, especificamente, ao contido no art. 1.641, II do Código Civil.

Segundo Regina Beatriz T. da Silva, atualizadora da obra de Monteiro, desde a redação inicial do disposto no inciso II do art. 1.641 do Código Civil, ocorreram algumas alterações, entre elas a diferenciação da idade do homem e da mulher para caracterização do regime obrigatório de bens, a fim de adequar ao disposto no art. 5º, inciso I da Constituição Federal, que prevê igualdade entre os sexos. De forma semelhante, foi suprimida a parte final da referida regra (art. 1.641, II), que mencionava "sem a comunhão de aquestos", com isso estaria vigente a Súmula 377 do STF, na interpretação de alguns doutrinadores, in verbis:

[...] Em outra emenda, realizada na fase final de tramitação do projeto perante a Câmara dos Deputados, foi alterado o caput do dispositivo, para suprimir a sua parte final: sem a comunhão de aquestos, constando da respectiva justificativa que, ‘em se tratando de regime de separação de bens, os aquestos provenientes do esforço comum devem se comunicar, em exegese que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa, estando sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 377)’. [159].

Mais adiante, Beatriz destaca que a redação original do projeto, que tinha sido aprovado no Senado Federal, proibia claramente a comunicação dos bens adquiridos durante o casamento, no regime obrigatório de separação de bens. Contudo, na etapa final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, foi excluída a proibição, ou seja, a expressão "sem a comunhão dos aquestos". Segundo a autora, a referida exclusão teve por fundamentação o contido na Súmula 377 do STF, a fim de evitar o locupletamento ilícito daquele que detém os bens em seu nome, apesar de tê-los adquirido mediante esforço comum. [160]

Por outro lado, Beatriz adota posição diferente de doutrinadores que acatam essa interpretação, qual seja a vigência da Súmula 377 do STF, pois, segundo ela, é necessária análise sistemática do Código Civil sobre a questão a fim de se evitar tratamento diferenciado para as mesmas situações fáticas. Nesse sentido, prossegue a autora, a hermenêutica do art. 1.725 que define, a princípio, a aplicação do regime de comunhão parcial de bens na união estável, deveria ser combinada com o art. 1.523 e 1.641, todos do Código Civil. Destacando-se que este último artigo encontra-se nas Disposições Gerais do referido diploma legal. Dessa forma, reforça Beatriz, seria inaceitável aplicar o regime de separação obrigatória de bens para as pessoas que se casam (nas situações art. 1.641, I e II) e comunhão parcial de bens para quem constituir união estável nas mesmas hipóteses (art. 1.641, I e II). In verbis:

[...] Por meio de interpretação sistemática, conclui-se que o art. 1.641, I e II, segundo o qual é obrigatório o regime de separação de bens das pessoas que se casam com inobservância das causas suspensivas e da pessoa maior de sessenta anos, alcança não só o casamento, mas também a união estável, porque consta das disposições gerais do regime de bens, que se aplicam ao regime da comunhão parcial, regime este que, consoante dispõe o art. 1.725, regula as relações patrimoniais na união estável. [161]

Para Beatriz, ao se admitir que devam ser aplicadas as regras do regime da comunhão parcial na união estável, no que couberem, conforme art. 1.725 do Código Civil, torna-se mister adotar uma exegese de integração para analogia de situações semelhantes, in verbis:

Ao estabelecer que se aplicam à união estável, no que couberem, as regras da comunhão parcial, devem ser consideradas as regras constituídas por disposições especiais (arts. 1.658 a 1.666) e disposições gerais (arts. 1.639 a 1.657). [162]

Reforçando a idéia de se fundamentar a questão a partir de hermenêutica sistemática, buscando o máximo de equidade em situações concretas equivalentes, Beatriz pondera:

[...] Na união estável deve ser aplicado o regime da separação obrigatória de bens, consoante art. 1.641, I e II, diante de causa suspensiva e da idade maior de sessenta anos do companheiro ou da companheira, já que esse artigo consta das disposições gerais do regime de bens, que se aplicam ao regime da comunhão parcial, regime este que, consoante dispõe o art. 1.725, regula as relações patrimoniais na união estável. [163]

Diante dos conflitos indicados anteriormente, prossegue Beatriz, foi proposta alteração do artigo 1.725 do Código Civil, mediante o PL nº 276/2007, que mais adiante se analisará, reapresentado pelo Deputado Léo Alcântara. A última ação do projeto, ocorrida em 30.09.2009, consistiu na designação do Deputado Régis de Oliveira como relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. A proposta introduz o seguinte parágrafo:

§ 2º Aplica-se à união estável o regime da separação de bens nas hipóteses previstas no art. 1.641, incisos I e II. [164]

Conforme Beatriz, a proposta de manter o inciso II do art. 1.641 pelo Senador Josaphat Marinho fundamentou-se não na suspeita de casamento por interesse ou num espírito patrimonialista, mas em precaução legislativa visando os interesses das pessoas idosas e de suas famílias. [165]

Nessa mesma linha de defesa da aplicação do art. 1.641, II, CC, no casamento, estão Inácio de Carvalho Neto e Érika Harumi Fugie, para os quais o principal fundamentado é exatamente proteger o nubente que se encontra nessa condição, no caso, idoso, in verbis:

No primeiro caso (inciso I, art. 1.641, CC), a imposição justifica-se como penalização aos cônjuges que infringiram impedimentos (posto que meramente proibitivos; nos demais (inciso II e III, art. 1.641, CC), o objetivo do legislador é a proteção de um deles. [166]

Em relação à Sumula 377 do STF, que é um dos fundamentos utilizados pelos doutrinadores contrários à aplicação do art. 1.641, II, CC, conforme abordado anteriormente, Carvalho Neto e Fugie, assinalam que na última revisão do novo Código, foi excluído do Projeto o enunciado "sem a comunhão de aquestos", contido no caput, permitindo deixar inequívoco que na separação legal não se comunicam os bens adquiridos durante o casamento. Com isso, prosseguem os autores, a referida súmula perderia seu efeito. Os autores questionam, preliminarmente, a constitucionalidade formal da exclusão do referido enunciado, pois estaria contrariando os propósitos da revisão redacional, após aprovação plenária do Projeto, in verbis:

Mas não nos parece que se tenha pretendido (e nem seria possível tal pretensão em sede de revisão redacional) alterar a orientação legal para admitir a comunicação dos aquestos, pois o regime é de separação total de bens e qualquer comunicação de bens neste regime constituiria exceção à regra da incomunicabilidade, dependendo de texto expresso em lei. [...] Ademais, como não repetiu o novo Código a regra do art. 259 do antigo, que servia de base à Súmula, esta deve ser tida por revogada independentemente da interpretação que se dê ao dispositivo comento. [167]

Rebatendo as críticas de Margareth Zanardini, que é contrária à aplicação do art. 1.641, II, CC, por considerá-lo preconceituoso em relação aos idosos, pois estes têm plena capacidade intelectual e discernimento para optar por qualquer regime de bens, Carvalho Neto e Fugie, entendem que a questão não se refere à capacidade ou preconceito sobre os idosos, mas de buscar protegê-los de situações de risco para seus patrimônios e na suas palavras:

Mas, data vênia, não lhe assiste razão. Como dissemos, a razão da disposição nada tem a ver com preconceito ou falta de capacidade; trata-se de proteção ao idoso contra casamentos interessados exclusivamente nos seus bens, evitando-se o denominado ‘golpe do baú’. [168]

Convém salientar que Carvalho Neto e Fugie são contrários à idéia de equiparação entre união estável e casamento, para isso, buscam diferenciar ambos os institutos como espécies do gênero entidade familiar e cada um apresentando suas peculiaridades, como se indicou alhures. Por outro lado, não se conseguiu captar no posicionamento dos autores se a diferenciação de tratamento para ambos os institutos abrange também as restrições do art. 1.641, II, CC. De qualquer modo, é oportuno repetir citação dos autores, na qual fica evidenciada a posição que adotam sobre os institutos:

Note-se que, nem a Constituição, nem a Lei da União Estável (Lei 9.278/96), nem o novo Código Civil, equiparam a união estável ao casamento. Trata-se de falsa idéia, posto que muito difundida, a que considera união estável e casamento a mesma coisa. São duas espécies do mesmo gênero (família – ou entidade familiar, como chama a Constituição), mas espécies diferentes, embora tenham muitas semelhanças, justamente por pertencerem ao mesmo gênero. Assim, não têm que ter, necessariamente, os mesmos efeitos e semelhantes disposições; pode a lei, atendendo às peculiaridades de cada espécie, regulá-las diversamente. [169]

Cabe registrar que, contrariamente às propostas do Projeto do Senado 209/2006 e do Projeto de Lei do Estatuto das Famílias (PL 2.285/2007), ambos apresentados anteriormente, encontra-se em tramitação também no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 276/2007 de autoria do Deputado Leonardo de Alcântara, em que, entre outras proposições, há a de manutenção do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, só que elevando a idade para setenta anos. Além disso, fundamentando-se em Regina Beatriz Tavares da Silva, propõe-se a aplicação do regime de separação de bens tanto no casamento quanto na união estável, cujo nubente ou companheiro (a), respectivamente, possua idade igual ou superior a setenta anos. A justificativa é de que não há sentido para tratamento diferenciado nestas duas hipóteses, deixando a entrever que outro posicionamento violaria o disposto no art. 5º caput da Constituição Federal. [170]

Também está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 108/2007 de autoria da Deputada Solange Amaral, que propõe a elevação da idade de 60 anos para 70 anos, constante no art. 1.641, II do Código Civil. De forma geral, a motivação se pauta pelo aumento da expectativa de vida dos brasileiros.

Num julgado do TJSC de 2009, houve decisão unânime no sentido de aplicar por analogia o regime de separação obrigatória de bens na união estável composta por pessoa idosa. Neste caso, o companheiro sobrevivente pleiteou a partilha de bens sob a alegação de que constituíra união estável e formara patrimônio com a apelada no período de 1980 a 2004, momento em que esta veio a falecer. O referido Tribunal argumentou que a Constituição Federal no seu art. 226, § 3º possibilita a conversão da união estável em casamento, o que evidencia certa primazia deste último em relação ao primeiro. Nesse sentido, a aplicação do regime parcial de bens para união estável de idoso seria uma regalia incompatível para este instituto, haja vista que na hipótese do idoso constituir um casamento teria que adotar o regime obrigatório de separação de bens, conforme se verifica a seguir:

Contudo, a Constituição Federal em seu art. 226, § 3º, coloca a união estável 'em plano inferior ao do casamento', 'tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele' (cfr. a interpretação do STF, no MS nº 21.449/SP, Rel. Min. Octavio Galotti, DJ 17/11/1995, p. 39206, RTJ 163-01/116), pelo que a primeira não pode conferir mais direitos do que o segundo. Por isso, o art. 5º da Lei 9.278/96 deve ser interpretado conforme a Constituição, razão pela qual não se pode aplicar o regime de bens nele previsto a todo e qualquer tipo de união estável, sob pena de se conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento civil, como demonstrado na hipótese acima, em evidente contradição com a finalidade determinada pela Constituição Federal.

Além disso, interpretação diversa acabaria por favorecer a fraude à lei, pois um casal de sexagenários poderia optar pela união estável ao invés de casar-se, para com isso escapar da imposição legal ao regime de separação obrigatória de bens previsto no art. 258, parágrafo único, inciso II, do CC/1916 e no art. 1.641, II, do Código Civil atual.

Assim, quando um dos conviventes já é sexagenário ao início da união estável (ou quando se dá entre sexagenários), deve ser observado o regime de separação obrigatória de bens (...). [171]

Na decisão acima, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina evoca a Súmula 377 do STF destacando que sua aplicação analógica na lide, ou seja, em união estável envolvendo sexagenária exige-se a prova da aquisição de bens comuns dos companheiros sob pena de inviabilizar o pleito, o que veio a ocorrer nesta demanda. Cabe aqui transcrever este trecho do julgado:

Assim, conforme visto, a mencionada Súmula 377 do STF somente tem aplicação quando possa ser comprovada a soma de esforços de ambos os cônjuges/companheiros para a aquisição dos bens adquiridos e, nesta hipótese, haveria a comunicação dos aqüestos; note-se que tal não ocorre nos presentes autos, conforme já se viu acima, devendo ainda ser destacado que os bens que estão em nome somente da extinta foram adquiridos com recursos exclusivos desta, ou seja, não houve participação do autor nas despesas decorrentes da compra.

É interessante observar que no referido julgado o argumento se firma basicamente em evidenciar a supremacia do instituto do casamento quando comparado à união estável, de modo que aplicar o regime de separação obrigatória de bens para o primeiro e adotar o regime de comunhão parcial de bens no segundo, tratando-se de idosos, demonstraria dissonância em relação ao disposto no art. 226, § 3º. Ora, no julgado não é explanada a condição especial do (a) idoso (a), a qual foi admitida em Estatuto próprio, independentemente do seu estado civil. Entende-se que a equiparação para efeito de regime de bens em ambos os institutos, quando um dos nubentes ou companheiros se encontrar na condição/situação (especial) de idoso (a), poderia justificar a aplicação analógica do art. 1.641, II, CC e não pelo fato de existir primazia de um instituto sobre o outro.

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Sobre o autor
Robson Gonçalves Dourado

Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília; Pós-Graduado em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Pós-Graduado em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo Uniceub; Bacharel em Direito pelo Uniceub-DF; MBA em Marketing pela FGV-DF; Licenciado em História pelo Uniceub-DF; Advogado; Colaborador na Defensoria Pública do DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOURADO, Robson Gonçalves. União estável de idoso(a) e o regime de separação obrigatória de bens: possibilidades e incongruências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2737, 29 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18130. Acesso em: 14 nov. 2024.

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