4. Créditos passíveis de aplicação do benefício de parcelamento legal
Constatada a criação do benefício de parcelamento legal no corpo normativo processual civil, recorda-se que referida codificação serve de sustento e suplemento para outras esferas do direito, para sua aplicação processual. Ponderada a aplicação supletiva do CPC, vale a reflexão sobre a possibilidade de concessão do benefício do art.745-A a outras áreas jurídicas.
Sabendo-se serem aplicadas as normas do Código de Processo Civil às matérias de direito civil, relembra-se que o benefício do art.745-A é aplicável às execuções por quantia certa contra devedor solvente, especificamente as execuções extrajudiciais. Sendo assim, nas hipóteses de execução por títulos extrajudiciais, observada a menção legislativa no art.585 do mesmo CPC, será permitida a aplicação do benefício de parcelamento a devedores em execução por créditos contratados em relações civis (art.585, II), no crédito decorrente de aluguel de imóvel e despesas de condomínio (art.585, V) e créditos bancários que sejam garantidos por hipoteca ou penhor (art.585, III). Incluem-se até mesmo créditos vinculados ao direito empresarial, observados os títulos de crédito como cheque, duplicatas, notas promissórias e demais títulos especiais5 cuja legislação lhes atribua natureza de título de crédito (art.585, I).
Ponto controverso se cria na hipótese de aplicação do benefício de parcelamento legal para o caso de execução de prestação alimentícia, posto tratar-se de modalidade especial executória prevista no Código de Processo Civil dos artigos 732 a 735. Apesar do art.732 fazer menção da aplicação supletiva das normas de execução comum à execução por alimentos, muito se comentou na doutrina sobre a aplicação do art.745-A diante da sua introdução pela lei n°11.382/2006.
Considerada a inicial divisão dos tribunais, estes entendem atualmente pela aplicação do benefício do parcelamento legal, sustentando o mesmo argumento de maior celeridade na solução do litígio diante do pagamento fracionado e a menor onerosidade ao patrimônio do devedor. Também, aduz-se que não há previsão legal de exclusão do benefício à aplicação em execução por prestação de alimentos, conforme ementa transcrita de julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - PROSSEGUIMENTO NOS TERMOS DO ART. 745-A DO CPC PARCELAMENTO - POSSIBILIDADE. - O prosseguimento da execução de alimentos nos termos do art. 745-A do CPC imprime garantia maior de satisfação do débito, visto que o fato de o executado ter efetuado o pagamento de 30% do quantum cobrado, já demonstra, por si só, que tem condições de arcar com o parcelamento proposto. - Sendo a execução de alimentos regulada pelo CPC, não se pode excluir de seu âmbito a incidência da norma questionada (art.745-A), que regula a possibilidade de parcelamento, este que, se descumprido, acarreta sanções compensadoras, inclusive multa." (Agravo de Instrumento n. 1.0572.08.019977-9/001, Rel. Des. Wander Marotta, data do julgamento 24.03.2009).
No mesmo diapasão dos argumentos anteriores, firma-se a crítica de estar o magistrado vislumbrando somente a proteção patrimonial do executado, fundado em uma ilusória celeridade, quando se releva a essencial tutela dos direitos do alimentando – em se tratando do caso específico da execução de alimentos.
Relevante questão de debate doutrinário se presta na dúvida sobre a aplicação do benefício de parcelamento do art.745-A do CPC aos créditos trabalhistas.
Conforme o art.769 da Consolidação das Leis do Trabalho, nos casos omissos caberá a aplicação do direito processual comum como fonte subsidiária do direito processual do trabalho. O mesmo artigo excepciona a hipótese de aplicação de norma incompatível com as normas específicas já previstas na CLT, em especial os artigos 876 a 892 daquele diploma.
A previsão de execução na CLT, nos termos do art.880, determina o pagamento da dívida em quarenta e oito horas, sob pena de penhora de bens do devedor. A importante diferença do rito comum de execução no processo civil será que na justiça do trabalho a execução seguirá de penhora, embargos a serem opostos no prazo de 05 dias (art.884, CLT), a avaliação de bens (art.887, CLT) e a sua arrematação em 10 dias (art.888, CLT).
Ironicamente, a justificativa dos tribunais da justiça do trabalho pela não aplicação do benefício do art.745-A do CPC se faz pelo mesmo princípio da celeridade que motiva sua aplicação em outros casos na justiça comum. Entretanto, enquanto a justiça do trabalho busca a solução rápida dos autos, a justiça comum crê ser a aplicação do parcelamento legal a própria solução da recuperação de crédito.
Em comprovação da incompatibilidade, transcreve-se a ementa de decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. região:
EMENTA: ARTIGO 745-A DO CPC. PROCESSO DO TRABALHO. INCOMPATIBILIDADE. Conforme o que está estipulado pelo artigo 880 da CLT, requerida a execução, será expedido mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas, ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora, não havendo que se falar, portanto, em aplicação do artigo 745-A do CPC ao Processo do Trabalho, nos termos do artigo 769 da CLT, em face da incompatibilidade existente, eis que não há permissão para o parcelamento da dívida trabalhista. (BRASIL, TRT-3ª. região. Agravo de Petição n°0048900-41.2006.5.03.0019, Rel. Bolívar Viégas Peixoto, Publicação 02/07/2010).
Causa espécie a disparidade de tratamento teórico pelos tribunais, que justificam na justiça trabalhista a não aplicação do parcelamento legal pela especialidade da norma. De toda forma, revela coerente a coexistência normativa e o afastamento da aplicação geral do Código de Processo Civil, desconsiderada a hipotética alegação de conflito de normas, nos termos do art.2º §2º da lei de introdução do código civil, Decreto-lei n°4.657/1942.
Entrementes, o argumento de especialidade da justiça do trabalho para a não aplicação da norma do parcelamento do art.745-A do Código de Processo Civil é importante ponto de reflexão para o objeto do debate deste artigo, em se tratando da especial aplicabilidade do mesmo instituto à Execução Fiscal.
5. A impossibilidade e possibilidade de aplicação do parcelamento legal do art.745-A do Código de Processo Civil em execuções fiscais
Fundados na novidade normativa da lei 11.382/2006, diversos magistrados de primeiro grau começaram a deferir o parcelamento do art.745-A do Código de Processo Civil no trâmite das Execuções Fiscais, conforme fosse requerido pelos devedores. Referida situação ocorreu tanto nas varas de fazenda pública da justiça estadual, quanto na 1ª. instância dos tribunais regionais federais.
Exemplo de concessão de benefício pelos tribunais, sendo esta confirmada pela também pela 2ª. instância, foi o julgamento do Agravo de instrumento n°156629 em março de 2008 pelo Tribunal Regional Federal da 2ª. Região (BRASIL, TRF-2ª. região, Agravo de instrumento n°2007.02.010082519, Rel. Francisco Pizzolante. Publicação 08/04/2008).
Similar à aplicação nas ações cíveis, o benefício de parcelamento legal passou a ser concedido nas execuções fiscais, sob o argumento de célere recuperação do crédito da Fazenda Pública. Inclusive, sustentaram sua aplicabilidade ao argumento do crédito inscrito em dívida ativa também constituir título executivo extrajudicial, conforme art.585 inciso VII, do Código de Processo Civil. Entretanto, esqueceram os magistrados de importantes pontos da teoria do Direito tributário, que seriamente veda a aplicação parcelamento legal nos termos do art.745-A do CPC.
Os créditos de dívida ativa da Fazenda Pública federal, estadual, distrital e municipal, são cobrados judicialmente através da lei n°6.830 de 22 de setembro de 1980, a Lei de Execução Fiscal. Apesar de contar com trinta anos de vigência, a lei ainda possui institutos e normas que influenciaram o processo civil, os quais somente foram adotadas nas reformas mais recentes, como é o caso da ordem de bens para penhora (art.11) e a prescrição intercorrente (art.40).
Ponto crucial no presente estudo, importa registrar que a execução fiscal prevê a cobrança em dívida ativa da fazenda pública tanto da dívida tributária quanto a não tributária (art.2º., §2º. LEF). Destarte, sejam dívidas decorrentes do não pagamento de tributo e obrigações tributárias acessórias ou dívidas de multas e contratos administrativos, todas serão exigidas pela mesma legislação de execução fiscal.
Sobre as dívidas tributárias, deve-se lembrar que a atividade de cobrança de tributo é plenamente vinculada, conforme art.3º do Código Tributário Nacional. Impõe-se se a exata exigência do crédito tributário nos termos da legislação em vigor. Por outro lado, em sendo o crédito de natureza não tributária, atenta-se ao dever de observância ao princípio da legalidade para com o respeito à previsão normativa para cobrança do referido crédito. O agente fiscal, o procurador fazendário e o magistrado são restritos à previsão legal para a correta recuperação do crédito de dívida ativa da fazenda pública.
Abordada a natureza do benefício do art.745-A do CPC como parcelamento, importa destacar a noção de parcelamento do crédito tributário conforme o próprio Direito Tributário.
Constitui o parcelamento caso de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, prevista no art.151 do Código Tributário Nacional. Especialmente, o parcelamento não figura do rol original de hipóteses de suspensão, sendo incluído somente em 2001 através da Lei Complementar n°104.
Comentada a confusão entre parcelamento e moratória em item anterior, identifica-se sua razão, posto anteriormente era o parcelamento concedido somente dentro da moratória, quando objetivada a finalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Criada a modalidade específica do parcelamento, incluiu-se no Código Tributário Nacional o art.155-A, com alterações pela Lei Complementar n°118/2005, cuja transcrição se verifica:
Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.
§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.
§ 2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória.
§ 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.
§ 4º A inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica.
Da norma de parcelamento no Código Tributário, destaca a necessária previsão de lei específica para a concessão de parcelamento. Referida exigência se presta pela natureza vinculada da cobrança do crédito tributário, bem como pela prevalência do princípio da indisponibilidade do interesse público (COSTA, 2009, p.243), posto que a Fazenda Pública deve receber seu crédito conforme originalmente estabelecido, sendo possível sua prorrogação somente com autorização legal e específica.
Somente mediante lei específica poderá ser concedido o parcelamento para crédito tributário. Por lei específica, compreende se tratar do corpo normativo editado por procedimento ordinário do Poder Legislativo municipal, estadual, distrital ou federal, com determinação expressa para permitir o parcelamento de tributos, especificando a natureza tributo e formas e garantias da concessão do benefício.
Neste sentido, ensinam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
Com efeito, cada ente federado deve ter uma lei específica para o parcelamento de seus créditos tributários em geral (uma lei ordinária que trate só desse assunto). Além dessa, cada ente federado deve ter outra lei específica sobre o parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial (da mesma forma, uma lei ordinária que trate só desse assunto). (ALEXANDRINO, 2006, p.255)
Demonstra-se clara a infração legal pelo magistrado ao realizar aplicação de parcelamento em face de uma norma de caráter geral como no caso do art.745-A do Código de Processo Civil, quando nem mesmo faz menção sobre a matéria tributária. Aliás, afasta-se qualquer permissão legal de uso de lei geral de parcelamento na falta de lei específica, vez que a única permissão do Código Tributário para tanto é em caso de devedores em recuperação judicial, conforme letra do art.155-A, §4º do CTN.
Seguidamente, observada a previsão do §2º. do art.155-A ao prever a aplicação subsidiária das normas sobre parcelamento, importa verificar que para a concessão do benefício caberia a observância ao art.152, inciso II, do CTN. Logo, valerá também ao parcelamento a determinação que a concessão em caráter individual somente poderá ser feita por despacho de autoridade administrativa fiscal. Primazia que não se aplica ao juiz de direito.
Inexiste autorização legal para o juiz de direito de realizar a concessão de parcelamento legal de crédito tributário, tampouco para firmar referida concessão de ofício. Importa denunciar a flagrante ilegalidade praticada pelo magistrado que, sem a observância de lei específica, prevê o parcelamento de crédito tributário sem revestir de competência necessária para tanto.
Entrementes, comenta-se que comumente as leis de parcelamento existentes vedam a possibilidade de negociação de crédito em execução fiscal. Quando muito, referido parcelamento se fará por meio de transação, consistindo de outro instituto previsto no Código Tributário Nacional (art.171), que também depende de lei específica para sua concessão.
Em caso de tributos federais, a exemplo, a previsão de parcelamento do crédito tributário deve seguir a legislação específica, a saber a lei n°11.941 de 27 de maio de 2009. Neste sentido, somente será possível o fracionamento de crédito tributário diante de deferimento administrativo por autoridade competente, para sua posterior apresentação judicial e suspensão da execução fiscal. Comenta-se, por oportuno, que na maioria das leis de parcelamento, veda-se comumente sua concessão para créditos de dívida ativa já em execução judicial pela Fazenda Pública.
Destarte, deve ser a concessão do benefício do art.745-A do CPC afastada de qualquer possibilidade de parcelamento de créditos tributários, face a sua flagrante ilegalidade da diretriz do Código Tributário Nacional. Ainda, denuncia-se a incompetência do juiz de direito para o deferimento do parcelamento específico ao contribuinte, nos termos do art.152, II do CTN.
No sentido de vetar qualquer pedido de concessão do parcelamento do art.745-A do CPC, julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. PARCELAMENTO DO DÉBITO. ART. 745-A DO CPC. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AJG. PARCELAMENTO É inaplicável às execuções fiscais de tributo o art. 745-A, do Código de Processo Civil, tendo em vista a existência da regulamentação especial do art. 155-A, do Código Tributário Nacional.
No mesmo diapasão, foram os julgados do Tribunal Regional Federal da 3ª. região, nos Agravos de Instrumento de números 200703000862051, 200803000410703 e 200903000055026. Todavia, apesar do entendimento começar a ser pacificado em segunda instância, magistrados de primeira instância desatentamente insistem em aplicar a concessão de ofício do benefício, em flagrante ilegalidade.
Prosseguida a análise da possibilidade de concessão do parcelamento legal do art.745-A do CPC à matéria de execuções fiscais promovidas pela Fazenda Pública, observa a questão para o parcelamento de créditos em dívida ativa de natureza não-tributária.
Comentado no presente artigo, a cobrança pela Fazenda Pública em execução fiscal presta à exigência de dívida ativa tributária e também a não-tributária, conforme art.2º., §2º. da Lei de Execução Fiscal. Assim, afastado o cabimento de concessão do parcelamento legal do código processual civil em caso de dívida ativa tributária, insta registrar a controversa possibilidade de sua concessão à dívida não-tributária, apesar da atual doutrina processual civil não fazer referida distinção (WAGNER JÚNIOR, 2009, p.651).
A dívida ativa não-tributária também exigida em execução fiscal pela Lei nº6.830/80 corresponde a créditos exigidos pela Fazenda Pública cuja natureza não seja vinculada ao conceito de tributo (art.3º, CTN), tratando-se de créditos decorrentes de contratos administrativos inadimplidos, suas respectivas penalidades e créditos adquiridos ou transferidos pela Fazenda Pública, quando provenientes de outros entes da administração pública indireta6.
Entrementes, impende lembrar que possuem legitimidade para a propositura de execução fiscal as autarquias federais, estaduais, distritais e municipais, bem como entidades a cujo crédito lhes seja resguardada a primazia de ajuizar conforme a lei de execução fiscal7.
Por não estarem firmados na restrição de parcelamento tributário prevista no Código Tributário Nacional, será possível a concessão do parcelamento legal do art.745-A do CPC aos créditos cuja natureza seja não-tributária, justamente por lhes ser aplicada a norma geral do código de processo civil (art.1º. LEF).
Assim, a exemplo, se eventual devedor é citado para o pagamento de multa administrativa exigida por autarquia ou agência reguladora federal, poderá no prazo para propositura de embargos8 realizar o depósito correspondente a 30% (trinta por cento) do valor da dívida em execução, requerendo seja-lhe concedido o benefício de parcelamento do saldo remanescente em até seis parcelas iguais, nos termos do art.745-A do CPC.