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A celeuma do direito à aposentadoria especial aos servidores públicos.

O caso especial dos policiais e militares dos Estados

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15/01/2011 às 10:21
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Qual a posição dos tribunais sobre a aposentadoria especial no setor público nas atividades de risco ou sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física?

Resumo: O presente estudo traz ao leitor a exposição de uma linha evolutiva do pensamento dos tribunais em torno da questão da previdência do setor público, especificamente no que toca à aposentadoria especial nas excepcionais situações das atividades de risco e aquelas exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Palavras-chave: Aposentadoria especial. Policiais civis. Militares dos Estados. Mandado de Injunção. Uniformização de jurisprudência.

Abstract: This study brings the reader the exposure of an evolutionary line of thought of the courts on the issue of welfare of the public sector, specifically with regard to the special retirement in exceptional situations of risk activities and those carried out under special conditions that are harmful to health or integrity.

Key-words: Special retirement. Police. Military Police. Injunctive. Uniform jurisprudence.

Sumário: Introdução. 1 A evolução do tema no Supremo Tribunal Federal: idas e vindas... 2 O posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: idêntico vai e vem... 3 Considerações finais: a competência legislativa de iniciativa reservada e a uniformização da jurisprudência. Referências bibliográficas.


Introdução

Quando concluíamos o mestrado em Direito Público na Universidade de Franca (2004), a convite do Prof. Dr. Antônio Cláudio da Costa Machado [01] começamos as pesquisas para publicação de uma obra bastante arrojada: uma Constituição Federal comentada artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, inciso por inciso, alínea por alínea. Sendo uma obra coletiva, coordenada pela Profa. Dra. Anna Cândida da Cunha Ferraz [02], o esforço foi gigantesco, notadamente à medida que nos coube trabalhar com o "Capítulo VII – Da Administração Pública" [03] (artigos 37 a 43), a que se vincula todo um emaranhado de normas legais e administrativas afetas aos direitos, deveres e prerrogativas dos servidores públicos, tema objeto de constantes debates nos tribunais e de freqüentes alterações legislativas, regulamentares e, até mesmo constitucionais (v.g. as produzidas pelas Emendas Constitucionais nº 3, 11, 18, 19, 20, 34, 41 e 42).

Finalizada a obra em agosto de 2004 e remetida à editora, logo em 05 de julho de 2005 é promulgada a Emenda Constitucional n. 47, gerando necessidade novos estudos e revisão da obra, até então no prelo. No final do ano de 2009 a obra é encerrada e publicada em 2010 (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa [Coord]. Constituição Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. São Paulo: Manole, 2010), sendo sua segunda edição lançada em 2011.

Essa exposição nos pareceu pertinente, pois foi a partir de todo esse trabalho de pesquisa de nossa lavra é que já havíamos nos debruçado sobre a questão disposta no o § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal: as hipóteses de aposentadoria especial aplicáveis aos servidores públicos.

No preparo de nosso primeiro pré-texto, quando ainda não promulgada a Emenda Constitucional nº 47, de 2005, assim ainda dispunha o § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal:

§ 4° É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

Nossos comentários à época foram então:

O dispositivo ainda não se acha regulamentado, carente da edição da exigida lei complementar. A título de analogia, trazemos à colação os critérios que, no regime geral de previdência, são estabelecidos pela Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, ainda em vigor após várias alterações. Sobredita norma dita que aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nela, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício; a concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. O rol de atividades e sua classificação como insalubre, perigosa ou penosa, vem em quadro anexo ao Decreto nº 53831, de 25 de março de 1964, bem como no artigo 60, do Decreto nº 83080, de 24 de janeiro de 1979 (Regulamento dos Benefícios da Previdência Social). Oportuno consignar que o tempo de exercício de atividade penosa, insalubre ou perigosa, sob regime celetista anterior ao serviço público, deve ser recebido a título de contagem recíproca, conforme entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, valendo aqui a transcrição do v. acórdão: "As turmas que integram a Egrégia Terceira Seção têm entendimento consolidado no sentido de que o servidor público, que, sob regime celetista, exerceu atividade considerada penosa, insalubre ou perigosa, tem direito à contagem especial desse período, a despeito de ter, posteriormente, passado à condição de estatutário. Precedentes." (STJ - REsp. 490.513-SC – 5ª. Turma – Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 08.04.2003)

Na necessária revisão do texto em 2009, já tínhamos nova norma a interpretar [04]; agora, surgiam novos elementos que nos levaram a agregar àqueles primeiros comentários os seguintes:

A tendência aqui impressa busca, cada vez mais, aproximar e dar um tratamento isonômico aos regimes de previdência pública e regime geral, tanto que a chamada Lei Geral da Previdência Pública (Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998), que dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal, determina, ainda que os regimes próprios de previdência social dos servidores não podem conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, com as ressalvas constitucionais, e declara que esse § 4º não tem aplicação imediata, já que dependente de lei complementar federal, vedando a concessão de qualquer espécie de aposentadoria especial (artigo 5º e seu parágrafo único, com redação dada pela Medida Provisória n. 2.187-13, de 24 de agosto de 2001, ainda vigente nos termos do artigo 2º, da Emenda Constitucional n. 32). Em recente decisão o STF reforçou essa tese (ADI 3.817, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.11.08, Informativo 528). (ver comentários no inciso III deste parágrafo). P. 334

[...] A matéria ainda não se acha regulamentada, mas tramita no Senado o Projeto de Lei Complementar n. 68, de 2003. Registre-se que a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Previdenciário dos Servidores Públicos) já reserva benefício compensatório àquele que trabalhe exposto a risco de vida (Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo). O STF já enfrentou o problema da mora legislativa, pela via de mandado de injunção, relativamente àqueles cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (Mandado de Injunção n. 721-7/DF, DJ 30.11.2007, Ementário n. 2301-1; ver comentários no inciso III deste parágrafo); naquele "case" a Corte pode lançar mão da analogia ao regime geral de previdência que prevê balizas para a aposentadoria especial naqueles casos, contudo, em se tratando de "atividades de risco" a simetria não é tão precisa, pois nenhum dos regimes já disciplinou o tema. 335

[...] Na lacuna normativa que dê efetividade ao mandamento constitucional, o STF em julgamento do Mandado de Injunção n. 721-7/DF (DJ 30.11.2007, Ementário n. 2301-1), relatado pelo Ministro Marco Aurélio, reconhecendo a lacuna normativa e a mora legislativa, concedeu aposentadoria especial ao impetrante, fazendo uso de analogia ao que dispõe o Regime Geral da Previdência Social, nos termos do que dispõe o artigo 57 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991: "Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".

Exatamente esse precedente do Supremo Tribunal Federal (Mandado de Injunção nº 721-7/DF), de que à época falávamos, foi o estopim para que, nos anos seguintes, os tribunais fossem bombardeados, por servidores públicos e militares dos Estados, com mandados de injunção e mandados de segurança e a administração pública com requerimentos buscando o direito à aposentadoria especial garantida pelo § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal, porém não regulamentado.

O presente estudo traz ao leitor a exposição de uma linha evolutiva do pensamento dos tribunais em torno da questão da previdência do setor público, especificamente no que toca à aposentadoria especial nas excepcionais situações das atividades de risco e aquelas exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.


1 A evolução do tema no Supremo Tribunal Federal: idas e vindas...

Eis o nascedouro de toda a celeuma: em 29 de abril de 2005 – antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 47 – Maria Aparecida Moreira, servidora do Ministério da Saúde lotada na Fundação das Pioneiras Sociais "Sara Kubitschek", situada em Belo Horizonte (MG), por seu advogado Márcio Honório de Oliveira e Silva impetrou o Mandado de Injunção nº 721-7/DF contra o Presidente da República, sustentando mora legislativa regulamentadora do § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal, que disciplinasse aposentadoria especial no caso de profissão insalubre. Em 30 de agosto de 2007 o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou procedente o pedido e determinou que, enquanto inexistente norma reguladora, fosse empregada a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral da Previdência Social):

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

Um breve parêntese dentro do tema: num primeiro momento o episódio havido no Distrito Federal, a que nos reportaremos, não revelaria forte ligação com o tema em questão, mas ao final acabou por ser, utilizando a expressão de Celso Antônio Bandeira de Mello, a "pedra de toque" do problema. Ocorre, em 26 de outubro de 2006, a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 3.817) pela Governadora do Distrito Federal, Maria de Lourdes Abadia, sustentando que a Lei Distrital nº 3.556, de 18 de janeiro de 2005, especificamente por seu artigo 3º, após alterações operadas por emendas da Câmara Legislativa, teria elastecido o direito à aposentadoria especial a servidores policiais cedidos a outros órgãos da Administração Pública nos seguintes termos:

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Art. 3º. Será considerado como de efetivo exercício de atividade policial o tempo de serviço prestado pelo servidor das carreiras policiais civis da Polícia Civil do Distrito Federal, cedido à Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos Poderes da União e do Distrito Federal, até a data da publicação desta Lei.

Alegava a autora que, a despeito da inconstitucionalidade formal, revelada por se tratar de lei ordinária e não lei complementar como determina o pela afronta direta ao § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal, a norma padecia igualmente por inconstitucionalidade material, na medida em que permitiria contagem de tempo para aposentação especial, mesmo àqueles que estivessem afastados de atividades de risco, como se exige o inciso II da mesma norma constitucional, cuja norma regulamentadora seria a recepcionada Lei Complementar Federal nº 51, de 1985. Em 13 de novembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da norma distrital e, ao proclamar a recepção da Lei Complementar Federal nº 51, de 1985, reconhecer sua constitucionalidade nos termos do voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia, do qual vale aqui destacar:

O art. 1º da Lei Complementar Federal n. 51/1985 que dispõe que o policial será aposentado voluntariamente, com proventos integrais, após 30 (trinta) anos de serviço, desde que conte pelo menos 20 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial foi recepcionado pela Constituição da República de 1988. A combinação desse dispositivo com o art. 3º da Lei Distrital n. 3.556/2005 autoriza a contagem do período de vinte anos previsto na Lei Complementar n. 51/1985 sem que o servidor público tenha, necessariamente, exercido atividades de natureza estritamente policial, expondo sua integridade física a risco, pressuposto para o reconhecimento da aposentadoria especial do art. 40, § 4º, da Constituição da República: inconstitucionalidade configurada. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Em 13 de dezembro de 2007 o Investigador de Polícia do estado de São Paulo, Creuzo Scapim, impetrou perante o Supremo Tribunal Federal o Mandado de Injunção nº 795-1/DF em que, aos 15 de abril de 2009, o tribunal, por unanimidade, seguindo o voto da relatora, Ministra Cármen Lúcia, assentou aos policiais civis, diante da mora legislativa em regulamentar o § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal, se aplicasse como critério para aposentadoria especial aquele definido no artigo 57 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral da Previdência Social); fica evidente que a Eminente Ministra não tomou em contra a lei que na ADI nº 3.817 (Lei Complementar Federal nº 51, de 1985) tivera por norma regulamentadora do questionado § 4º, do artigo 40 da Constituição Federal. Assim restou assentado no voto condutor da Ministra Cármen Lúcia:

12. O impetrante demonstra ser policial civil do Estado de São Paulo, contando mais de 36 anos de serviço averbado para fins de aposentadoria (fl. 5). Comprova, ainda, que o indeferimento do seu pleito administrativo para exercer o direito constitucionalmente previsto à aposentadoria especial em razão da atividade exercida baseou-se, como antes mencionado, na alegação de ausência de norma regulamentadora do art. 40, § 4º, da Constituição da República. [...] 16. Desta forma, reconhecidas a mora legislativa e a necessidade de se darem eficácia às normas constitucionais e efetividade ao direito do Impetrante, proponho como solução para integrar a norma constitucional garantindo-se a viabilidade do direito que lhe é assegurado no art. 40, § 4º, da Constituição brasileira, a aplicação ao caso, no que couber e partir da comprovação dos dados perante a autoridade administrativa competente, do art. 57 da Lei n. 8.213/91. (grifos no original).

Daí em seqüência, uma semana após esse último precedente de Cármen Lúcia, em 22 de abril de 2009, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao julgar o Mandado de Injunção nº 895, em que fora autor o policial civil André Ortiz Junior, num primeiro momento lhe deu concedeu a injunção, reconhecendo a mora legislativa e determinando, em razão disso, a aplicação das regras da aposentadoria especial do Regime Geral da Previdência Social (25 anos); disse então o Ministro:

Ora, bem examinada a questão

, constato que, de fato, não existe lei regulamentadora do direito à aposentadoria especial em razão de atividade exercida exclusivamente sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física, prevista no § 4º do art. 40 da Constituição Federal, como admitiu a própria Advocacia-Geral da União. [...] Isso posto, concedo a ordem em parte para, nos termos do Parecer do Ministério Público, reconhecer o direito do impetrante de ter o seu pleito à aposentadoria especial analisado pela autoridade administrativa competente, à luz do art. 57 da Lei 8.213/91, considerada a falta do diploma regulamentador a que se refere o art. 40, § 4º, da Constituição Federal. Publique-se. Brasília, 22 de abril de 2009. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – Relator. (grifo nosso).

Pouco depois, em 7 de maio de 2009, o Ministro Eros Grau, relator do Mandado de Injunção nº 824, em que figurou como impetrante o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e Ministério Público da União no Distrito Federal - SINDJUS/DF, seguiu o mesmo precedente, aduzindo:

Havendo, portanto, sem qualquer dúvida, mora legislativa na regulamentação do preceito veiculado pelo artigo 40, § 4º, a questão que se coloca é a seguinte: presta-se, esta Corte, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia? [...] A mora, no caso, é evidente. Trata-se, nitidamente, de mora incompatível com o previsto pela Constituição do Brasil no seu artigo 40, § 4º. [...] Na Sessão do dia 15 de abril passado, seguindo a nova orientação jurisprudencial, o Tribunal julgou procedente pedido formulado no MI n. 795, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, reconhecendo a mora legislativa. Decidiu-se no sentido de suprir a falta da norma regulamentadora disposta no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, aplicando-se à hipótese, no que couber, disposto no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, atendidos os requisitos legais. Foram citados, no julgamento, nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes: o MI n. 670, DJE de 31.10.08, o MI n. 708, DJE de 31.10.08; o MI n. 712, DJE de 31.10. 08, e o MI n. 715, DJU de 4.3.05. Na ocasião, o Tribunal, analisando questão de ordem, entendeu ser possível aos relatores o exame monocrático dos mandados de injunção cujo objeto seja a ausência da lei complementar referida no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil. Julgo parcialmente procedente o pedido deste mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício, pelos substituídos neste mandado de injunção, do direito consagrado no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.213/91. (grifo nosso).

Todavia, o Ministro Ricardo Lewandowski, oito meses após, em 14 de dezembro de 2009, sensível aos argumentos levantados em Agravo Regimental pelo governo do Distrito Federal ainda daqueles autos do Mandado de Injunção 895, reviu totalmente sua decisão, desta feita para reconhecer que os servidores policiais já teriam garantida aposentadoria especial, pela Lei Complementar Federal nº 51/1985, aos 30 anos de serviço, dos quais 20 sejam em serviço policial; dizia agora o Ministro:

Bem examinados os autos

, entendo que o agravo merece acolhida. Isso porque o mandado de injunção não é a via correta para alcançar o desiderato pretendido pelo Impetrante. Com efeito, dispõe o art. 5º, LXXI, da Constituição, que: ‘conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania’. Ora, no caso dos autos há norma que regulamenta a aposentadoria especial para os policiais civis (Lei Complementar 51/1985). Assim, se há norma regulamentadora, não há que falar na ausência que permite o ajuizamento dessa garantia constitucional. Isso posto, dou provimento ao agravo, para negar seguimento ao mandado de injunção (MI 895 AgR/DF, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, decisão monocrática. DJE 29.1.2010). (grifo nosso novamente).

A despeito de que não se dera conta da Lei Complementar Federal nº 51/1985 ao julgar o Mandado de Injunção nº 795-1/DF, em 15 de abril de 2009, quando seu voto convencera o tribunal e conduzira à decisão unânime, agora mais incisiva e apresentando fundamentação mais atenta, em 19 de abril de 2010, a Ministra Cármen Lúcia julga o Mandado de Injunção nº 2.696 [05], impetrado pelo Delegado de Polícia Federal João Carlos de Albuquerque Valença, e para tanto agora lança mão da Lei Complementar Federal nº 51/1985:

9. Por comprovadamente exercer atividade de risco, o Impetrante tem direito à aposentadoria especial nos termos do inc. II, do art. 40, § 4º, da Constituição da República. Contudo, as circunstâncias específicas as quais se submete já foram objeto de regulamentação pela Lei Complementar 51, de 20 de dezembro de 1985. A lei complementar necessária à integração normativa do art. 40, § 4º, inc. II, da Constituição da República, viabilizadora do direito à aposentadoria especial pelo exercício de atividade de risco por policial, não apenas existe, mas teve sua recepção reconhecida pelo Supremo Tribunal, pelo que tem eficácia e deve gerar os efeitos nela previstos. [...] 13. Diante da existência de lei complementar que estabelece critérios diferenciados para a aposentadoria especial do servidor policial, inviável o presente mandado de injunção, uma vez que não está caracterizada a lacuna legislativa necessária ao seu cabimento. 14. Pelo exposto, nego seguimento ao mandado de injunção (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 19 de abril de 2010.

Assim revistos os fundamentos jurídicos que versam sobre o tema, nessa nova esteira, em 20 de agosto de 2010, o Ministro Gilmar Mendes, julgando o Mandado de Injunção nº 1993/DF, impetrado pelo policial civil Eduardo Bernardes Vieira, reafirmou que aos policiais civis já é assegurada aposentadoria especial nos termos da art. 1º da Lei Complementar 51/1985 [06]. Ressaltou o Ministro Gilmar Mendes que o tema já fora resolvido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 3.817), de relatoria da mesma Ministra Cármen Lúcia, já em 2 de abril de 2009, e citou os referidos precedentes denegatórios de lavra Ministro Ricardo Lewandowski e Ministra Cármen Lúcia. Na mesma data Gilmar Mendes [07], no Mandado de Injunção nº 773, impetrado em 03 de outubro de 2007 pelo Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo – SINDPESP, repete os mesmos argumentos para deixar claro o descabimento de aplicação das regras do Regime Geral da Previdência Social às categorias policiais e a inexistência de lacuna legislativa, posto que a Lei Complementar nº 51/85 foi recepcionada pela Constituição de 1988 e vige em sua plenitude já assegurando regra especial de aposentadoria aos servidores dessa atividade de risco:

Essa orientação tem sido aplicada por Ministros desta Corte para negar seguimento a casos de mandado de injunção impetrados por policiais, em razão da inexistência de omissão legislativa. Nesse sentido, citem-se as seguintes decisões monocráticas: MI-AgR 895, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 1º.2.2010; e MI 2.696, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 3.5.2010. [...] No presente caso, verifico que o direito constitucional que os substituídos do impetrante pretendem exercer – aposentadoria especial (art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição) – está regulamentado pelo inciso I do artigo 1º da Lei Complementar 51/1985, recepcionada pela Constituição de 1988. Portanto, não havendo omissão legislativa a ser sanada, o presente writ é manifestamente incabível. Ante o exposto, nego seguimento ao presente mandado de injunção (art. 21, § 1º, do RI/STF). Publique-se. Brasília, 20 de agosto de 2010. Ministro GILMAR MENDES – Relator.

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Sobre o autor
Azor Lopes da Silva Júnior

Doutorando em Sociologia (UNESP), Mestre em Direito (UNIFRAN), Professor de Direito Penal e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Azor Lopes. A celeuma do direito à aposentadoria especial aos servidores públicos.: O caso especial dos policiais e militares dos Estados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2754, 15 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18282. Acesso em: 24 nov. 2024.

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