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Princípio da instrumentalidade substancial das formas e o ativismo judicial

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13/02/2011 às 13:43
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Palavras-Chave: Invalidades Processuais. Instrumentalidade das Formas. Nulidades de Fundo. Natureza Substancial. Efetividade. Ativismo Judicial.

Resumo: O presente artigo trata das invalidades processuais, defendendo o redimensionamento do princípio da instrumentalidade das formas, com o intuito de fazê-lo incidir sobre as nulidades de fundo (absolutas), quais sejam os "pressupostos processuais" e as condições da ação. Para tanto, demonstrar-se-á a necessidade da constante aferição do binômio "prejuízo X finalidade", ressaltando a importância do papel do magistrado como agente ativo e transformador na evolução da ciência jurídica.

Sumário: 1. Centralidade da Constituição Federal. 2. Papel do Princípio da Instrumentalidade das Formas no Estado Democrático de Direito. 3. Teoria das Invalidades: espécies de nulidade. 4. Feição Substancial do Princípio da Instrumentalidade: incidência sobre as nulidades de fundo. 5. Considerações Finais. 6. Referências.


1.Centralidade da Constituição Federal

Em época de pós-positivismo, de ativismo judicial, de preponderância de valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana, princípio basilar, donde emanam todos os demais, não mais são toleradas pela sociedade a justiça tardia e a tutela ineficaz do Estado. A população clama por resposta producente. Em vista disso, acompanhando a evolução do processo, revelando a glamourosa fase do neo-processualismo, está o valor da justiça a propulsionar o trabalho dos operadores do direito e a nortear os anseios dos jurisdicionados, cada vez mais conscientes de seus valores.

Com as profundas mudanças que ocorreram nos últimos vinte anos no âmbito do sistema jurídico do mundo e do Brasil, em particular, a Constituição Federal passou a ocupar uma posição de maior destaque. Além da supremacia formal, característica dos textos constitucionais vigentes até então, passou a ter peso também a supremacia axiológica, valorativa, da Constituição Federal. Ultrapassada a visão eminentemente positivista, deu-se maior enlevo à normatividade dos princípios. Dessa maneira, houve certo desapego da subordinação irrestrita ao texto legislado para reconhecer a força normativa dos princípios.

A Constituição acomodou-se ao centro do sistema jurídico, reclamando uma interpretação de todas as leis a partir de suas diretrizes. Assim, qualquer leitura da legislação infraconstitucional passou a ter como parâmetro a Constituição Federal, de modo a eliminar do sistema aquilo que não fosse condizente com ela, o que se denominou "filtragem constitucional" [01].

Em vista dessa mudança de paradigma, várias conseqüências surgiram, dentre elas a defesa de um maior ativismo judicial. Em outros tempos, o magistrado era mero repetidor da lei positivada, não tendo nenhum papel criador, sob pena de tal conduta ser considerada ilegal. Hodiernamente, o Judiciário deixa de ter uma função puramente técnica para revelar-se um verdadeiro poder político, de criação e integração das leis.

Com efeito, o ativismo judicial é manifestado nas situações de contração do Legislativo, em que não é possível, através da aplicação genuína da lei, conceder a merecida tutela judicial. Nesses casos, compete ao Judiciário fazer a integração das leis, contemplando-as com valores e princípios norteadores da Constituição, procurando, através de uma interpretação ampla, concretizar os valores nela delineados, adequadamente ao caso.

Daí porque a importância do papel do juiz no desenrolar da atividade judicial. O que antes se resumia à reprodução desenfreada da legislação, atualmente se reveste em atividade que possui maior amplitude e, por consequência, de maior relevância. Não há mais espaço para indolência intelectual. Muitas vezes os magistrados se deparam com casos que não se subsumem ao que vem disposto na lei, ou, com outros nos quais a sua cega aplicação prejudicaria os litigantes, importando em decisão inadequada, fruto de um formalismo injusto. O processo vai além de mero instrumento necessário à concretude do direito positivo, pois que às vezes não é possível que a lei seja aplicada inconscientemente ao caso que vem à baila, ou por ser desatualizada, inadequada ou mesmo pela existência de múltiplas interpretações, fatores que exigem do juiz a sensibilidade e responsabilidade necessárias ao lidar com a questão.

Com o advento do Estado Democrático, e, portanto, com a nova visão que o Direito passou a desfrutar, chega-se à conclusão de que ele não é um sistema fechado de normas, em que estas devem ser reproduzidas tais como estão no ordenamento, sem qualquer adequação ao caso concreto. Isso porque as hipóteses de incidência da lei nunca são as mesmas. Ainda que as situações sejam semelhantes, os sujeitos diferem, e, com eles, diversas vicissitudes constituem suas variantes. Tem o juiz o dever de modelar a conjuntura do que lhe é apresentado processualmente, ao sistema normativo, de maneira a ajustar cada caso à solução que lhe parece equânime, sem fugir, é certo, dos contornos da legalidade.

Não se trata, obviamente, de menosprezar o texto legislado – tão grande é a sua importância para a segurança jurídica, garantia e resguardo dos mais diversos direitos - mas, sim, de ressaltar a força que têm os princípios no âmbito do nosso sistema jurídico. O juiz não pode dispensar o formalismo processual de acordo com a sua vontade e conveniência. A solução da problemática consiste em encontrar o equilíbrio entre a justiça da decisão e o formalismo moderado, usado em sua condição de instrumento. Não se nega o valor do procedimento nem a importância da ordem processual, diga-se uma vez mais. Tanto é assim que sobreleva em prestígio o papel do contraditório, da ampla defesa e de outros mecanismos que permitem o comprometimento e participação do jurisdicionado, acautelando-se todas as suas garantias constitucionais. Aliás, o que se busca é justamente a materialização destas garantias. Evidencia-se que a legislação está acobertada pelo manto principiológico, que estabelece a sua diretriz e conduz os seus valores. A incidência dos princípios é cogente, traduz a vontade do legislador, o espírito da lei; logo, ignorá-los constituiria ato atentatório ao sistema.

Como foi dito, o ordenamento não é compacto, um modelo de reprodução sistemática e irresponsável de leis. Da mesma forma, o processo não é um fim em si mesmo. E os princípios, além de nortearem todo o conjunto normativo, têm premente a sua aplicação quando há lacuna legislativa ou ambigüidade de interpretação, como meio de não deixar silente o apelo do jurisdicionado. Vemos, assim, que eles constituem uma margem "flexível" da legislação, ora sobressaindo-se mais, ora menos, a depender do grau de expressividade da lei e da amplitude de incidência dela ao caso sub judice. Os princípios permitem a modelagem necessária, quando as regras de direito processual já não se mostram suficientes ao desfecho da querela.


2.Papel do Princípio da Instrumentalidade das Formas no Estado Democrático de Direito.

Dentro desse contexto, nada mais coerente do que exaltar, no campo processual, o princípio da instrumentalidade das formas, mormente em sua feição substancial, associada à efetividade, procurando satisfazer de maneira célere – sem deixar de ser responsável – aos que suplicam o auxílio do Poder Judiciário na solução de seus litígios. Tal princípio proclama o desapego exagerado ao formalismo como meio de afastar óbices ao desenvolvimento do processo e alcance do escopo da jurisdição. De todos os princípios processuais, este é o que melhor reflete a evolução dos tempos e mais bem representa os valores do Estado Democrático de Direito, por primar pela busca da tutela jurisdicional efetiva.

O apego desmedido à formalidade e à literalidade do texto positivado vai de encontro ao intuito do processo, que busca fornecer uma tutela jurisdicional tempestiva e imparcial. O dever quase que imprudente de repetição imoderada da lei é capaz de gerar situações bizarras, em que se dá menos importância ao alvo a ser atingido e mais prestígio à arma utilizada. Em outras palavras, a forma se sobrepõe ao resultado, numa manifesta inversão de valores. Deve-se atentar que nem sempre a desobediência de dada regra importa em prejuízo, vez que aquela não existe por si só, desprovida de valor, como se letra morta fosse. A regra ali está para o alcance de determinado objetivo e, sendo este atingido, quer em consonância com as suas disposições, quer com o seu descumprimento, o processo desempenhou a sua função. Obviamente que nessa trajetória não podem ser desrespeitados quaisquer direitos constitucionais, sob pena de se proferir uma decisão maculada pela injustiça.

Na tentativa de formalização a qualquer custo, aliada à mentalidade retrógrada de alguns operadores do direito, o sistema, muitas vezes, põe em segundo plano a concessão e a efetividade da tutela judicial. A meta que se visou atingir com o uso das melhores ferramentas foi sobreposta por estes mesmos instrumentos de proteção. O apego desmedido a modelos pré-estabelecidos traduz a negação da justiça, deixando de ser um processo de resultado para ser um processo de meio. Assim, o princípio da instrumentalidade das formas surge como maneira de privilegiar a finalidade do ato, não sem a observância do procedimento legal, mas fazendo deste apenas e tão somente um expediente para se alcançar o objetivo. Nas palavras do insigne professor Cândido Rangel Dinamarco:

Sem transformar as regras formais do processo num sistema orgânico de armadilhas ardilosamente preparadas pela parte mais astuciosa e estrategicamente dissimuladas do caminho do mais incauto, mas também sem renegar o valor que têm, o que se postula é, portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir além de suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia científica, mas nada mais do que instrumento [02].

Ninguém se socorre do Judiciário senão para ver satisfeita ou, melhor dizendo, efetivada a sua pretensão. De nada (ou quase nada) adiantaria ter certo direito declarado se ele não pudesse ser realizado na prática, a menos, é claro, de ser o caso de ação meramente declaratória, em que o único objetivo é certificar a existência ou a inexistência de uma situação jurídica. Mas, em outros casos (v.g., ações constitutivas e ações de prestação), nos quais, além da certificação do direito, trazem, desde o início, a possibilidade de sua execução o impedimento ao seu cumprimento sucumbiria a pretensão do demandante. Ter-se-ia a estranha e desagradável sensação de ganhar causa estéril, o que nada contenta, nem satisfaz.

É para a efetividade que convergem todos os reclamos dos jurisdicionados. E não é só: fluem no sentido da efetividade, também, todos os esforços dos legisladores e aplicadores do direito. Nesse sentido, o princípio da instrumentalidade das formas defende a relativização das formas em benefício e no resguardo do que é conveniente e necessário, visto não haver nulidade sem prejuízo.

Ainda que faltantes algum dos atos do processo, se o fim foi alcançado, não se pode questionar a sua validade. Isso é formalismo exacerbado, que dificulta a missão jurisdicional. Por outras palavras, o que se busca é uma aproximação, cada vez maior, do direito processual ao material (adequação objetiva), já que este é servido por aquele. Esses dois planos do direito têm mútua serventia, seus papéis são complementares, numa relação denominada por Carnellutti de "Teoria Circular dos Planos Material e Processual". O processo é instrumento de aplicação do direito material, é o modo pelo qual este pode ser cumprido.

Um dos mecanismos que serve de aproximação entre esses dois planos é, pois, o princípio da instrumentalidade das formas. A teoria das nulidades, trazida pelo CPC, ensina-nos que a falta de determinado ato processual não enseja a nulidade do processo, se o mesmo tiver alcançado o seu objetivo sem prejuízo às partes, reforçando a idéia de que o processo é um meio, e não um fim em si mesmo. O art. 244 do CPC assim dispõe:

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Art. 244: Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

Incentiva-se a concessão da tutela, que vai além da simples prestação jurisdicional. Esta se resume à atividade, ao movimento da máquina judiciária no sentido de prestar algum provimento, o qual nem sempre é obtido. Quando esse intento é frustrado, a jurisdição não atingiu o seu escopo. Houve a prestação, mas não a tutela (leia-se: análise do mérito – que pode ser pela procedência ou improcedência do pedido). A união entre o plano material e o plano processual possibilita que a maioria dos pronunciamentos judiciais seja de mérito.

Por se pretender sempre a efetiva concessão da tutela judicial é que se busca a prolação de sentenças definitivas. Só estas analisam a questão de fundo e dão, em regra, resposta ao jurisdicionado, ao contrário das sentenças terminativas, que não definem a lide. Ao se anular determinado processo por defeito ou falta de algum ato, está-se proferindo uma sentença terminativa. Quando isso ocorre, os litigantes têm que ingressar novamente em juízo, depois de corrigida a falta, para ter direito à tutela jurisdicional. Assim, quando se extingue o processo por falta de pressuposto processual ou condição da ação, não foi concedida a tutela, aqui compreendida como análise meritória, embora tenha havido atividade judiciária.

Mas, evidentemente, o julgamento do mérito só tem importância se o direito material envolvido puder ser cumprido. Assim, a tutela judicial eficaz envolve o direito a uma sentença definitiva escoltada pelos meios capazes de conceder a sua efetividade. É bem verdade que o caminho que se percorre entre o apelo do demandante a uma prestação jurisdicional e a prolação de uma decisão é longo e tortuoso. Não é tão óbvio dizer que se houve sentença definitiva, então houve tutela, embora isso seja o comumente esperado. Ocorre que, muitas vezes, a sentença definitiva demora tanto a ser concedida, que, quando o é, perde a relevância que tinha. E, como se sabe, justiça tardia não é justiça. A tutela precisa ser, antes de tudo, eficaz e adequada. Ela dever ser fornecida a contento, tempestivamente. Não só uma decisão, mas uma decisão eficaz! Para alcançá-la, devemos transcorrer todo o procedimento, o qual se incumbe de fornecer as vias apropriadas para a pacificação social.

Sabe-se que o desiderato de todo processo é a análise do mérito e a prestação da tutela judicial. Nesse sentido, conclui-se que a sua extinção sem o exame da questão de fundo, motivada pela presença de algum defeito implica o malogro do seu objetivo e, por isso, deve ser vista como ultima ratio, providência excepcional, por fugir ao seu destino natural e desejado.


3.Teoria das Invalidades: Espécies de Nulidade.

Nessa linha de raciocínio, a teoria das nulidades trazida pelo Código de Processo Civil deve ser utilizada com a devida atenção, tudo para que sejam evitados maus resultados e preservadas ou aproveitadas situações que não acarretem danos. Afinal, o escopo do processo é a pacificação com justiça. Uma vez tendo avocado para si a incumbência da resolução dos conflitos, vedando a autotutela, o Estado se impôs a responsabilidade pelo apaziguamento social, razão pela qual deve fazer uso de todos os meios legais e adequados para o alcance desta finalidade.

De acordo com os vícios que podem ocorrer ao longo do processo, as nulidades classificam-se em dois tipos, segundo a orientação da professora Teresa Wambier [03], quais sejam: a) nulidades de fundo (natureza substancial), que abrangem os pressupostos e as condições da ação e b) nulidades de forma, que são as demais nulidades do processo. Essas últimas podem ser absolutas, se cominadas em lei, ou relativas, se não cominadas. Nas absolutas, o juiz pode decretá-las de ofício, a qualquer tempo, não necessitando da provocação das partes. Já as nulidades relativas não podem ser conhecidas de ofício pelo magistrado, recaindo sobre elas o efeito da preclusão. Quanto às nulidades de fundo, considera-se que elas sejam sempre absolutas, não podendo ser alvo de convalidação.

A fim de aclarar o que ora nos propomos a defender, façamos uma breve abordagem acerca da teoria da ação. As condições da ação são três: legitimidade para a causa, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Segundo a teoria eclética (Liebmann), perfilhada pelo Código de Processo Civil Brasileiro, o direito de ação é desvinculado da existência de um direito material. Tal teoria apenas apregoa a dependência do direito de ação ao preenchimento daquelas condições, as quais são aferíveis a partir das afirmações narradas pelo autor na petição inicial (teoria da asserção ou da prospettazione), devendo o juiz tomar tais considerações como verdadeiras. Não se trata, até aí, de um juízo de mérito da questão, mas, tão só, de juízo de admissibilidade acerca do cumprimento das ditas condições. Na falta de uma delas, o processo é extinto liminarmente, sem exame de mérito, por carência da ação.

Quanto aos pressupostos processuais, Didier explica que "são todos os elementos de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia do procedimento". Dividem-se em:

a)Pressupostos de existência:

a.1) Subjetivos : juiz e partes

a.2) Objetivos: existência da demanda

b)Requisitos de validade:

b.1) Subjetivos: juiz e partes

b.2) Objetivos: intrínsecos – respeito ao formalismo; e extrínsecos ou negativos – perempção, litispendência, coisa julgada, convenção de arbitragem, etc.


4.Feição Substancial do Principio da Instrumentalidade: incidência sobre as nulidades de fundo.

Tradicionalmente, a teoria das invalidades processuais só é aplicada às nulidades de forma, desde que sejam relativas. Não se fala em invalidade quando o erro recair sobre as condições da ação e os pressupostos processuais (nulidades de fundo). Isso porque, de acordo com o artigo 244, CPC: "Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade". Assim, se a nulidade não vier prevista na lei, incidirá o princípio da instrumentalidade e, portanto, o ato poderá ser convalidado. Essa é a interpretação literal do dispositivo. A contrario sensu, estando a nulidade expressamente apontada na lei, ou seja, sendo ela absoluta, o ato processual não poderá ser aproveitado, e o vício deve ser declarado de ofício pelo juiz, dispensando a provocação das partes. Por este prisma, defende-se que as nulidades absolutas não estariam circunscritas ao âmbito de aplicação daquele princípio.

Com todo o respeito aos que seguem essa linha de orientação, tal restrição não tem sentido de existir e só faz tormentosa a intenção de provimento jurisdicional. Conforme prescreve o artigo 154 do CPC, "os atos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial". Destarte, o propósito do princípio da instrumentalidade das formas é garantir o resultado, mesmo que a forma não tenha sido aquela estabelecida em lei, independentemente de a nulidade formada alcançar os pressupostos/condições da ação ou demais atos processuais. Assim é porque qualquer desses elementos contribui para a formação do todo, que é o processo; e se o todo foi concebido sem qualquer dano, é indiferente o ponto em que ocorreu a nulidade. É essa a essência do princípio em comento.

Existe o argumento de que a teoria das nulidades não pode incidir sobre as nulidades absolutas pelo fato de estas traduzirem o interesse público e, portanto, ser bem jurídico indisponível às partes. Entretanto, lembremos que é possível haver maior prejuízo do interesse público quando da anulação do ato do que da tentativa de seu aproveitamento, e isso, sem dúvida, deve ser ponderado na análise de cada caso. Qualquer que seja a situação, o bom senso necessita imperar.

Como bem explica o professor Didier, o processo é uma unidade dentro do qual existem várias outras unidades, que são os atos do procedimento. Deste modo, explica o mestre que a teoria das invalidades deve ser aplicada não só ao conjunto, mas, também, a cada uma de suas unidades, as quais têm a sua própria individualidade. "Não só ao cardume, mas também aos peixes", ilustra.

Há invalidade do procedimento (conjunto de atos) e invalidade de cada um dos atos do procedimento. É importante essa constatação.

A nulificação do procedimento atinge o processo como um todo e está relacionada ao não preenchimento dos requisitos de admissibilidade do processo ("pressupostos processuais" e condições da ação). São os chamados vícios de fundo, segundo a conhecida classificação de Teresa Wambier. Inadmissibilidade é o nomen iuris da sanção de invalidade do procedimento ou do ato postulatório.

(...)

Admite-se que o magistrado possa, não obstante um defeito do procedimento (falta de um "pressuposto processual" de validade ou de uma condição da ação), em certos casos (ressalvados o impedimento/suspeição, se a parcialidade ocorrer em favor do réu, e a incompetência absoluta), ignorando-o, avançar no mérito e rejeitar a pretensão do demandante. Isso não causaria qualquer prejuízo ao demandado, muito ao contrário [04].

Esse entendimento é de bastante relevância, na medida em que os pressupostos processuais não são requisitos para que o processo seja formado. Este já existe. Os pressupostos têm relação com o direito material, com a análise do mérito. Qualquer avaliação que se faça acerca deles é a própria análise de mérito. Mesmo que não sejam preenchidos, o juízo nem sempre estará impedido de julgar a causa. Somente a falta de pressuposto que se constitui em nome do interesse público poderia obstar a análise do mérito. Se o mérito beneficia o réu, a ausência do pressuposto que lhe protege não impede o juiz de proferir sentença de improcedência.

Também no caso das condições da ação, há quem apregoe a sua exclusão como categoria jurídica (Didier), argumentando que qualquer análise acerca de seu preenchimento é, sim, análise de mérito. Isso reforça a alegação de quem defende a incidência da teoria das nulidades também sobre as condições da ação.

A bem da verdade, é complicado dissociar tais condições do direito material deduzido em juízo. Um exemplo bastante elucidativo trazido pelo professor Didier ajuda a compreender. Vejamos: é o caso de uma ação de alimentos para uma criança cuja genitora afirma ser filho do demandado. Consideremos, pela teoria da asserção, que a postulante tem legitimidade para a causa e, portanto, a condição da ação foi devidamente atendida. Entretanto, com o desenrolar do processo, por meio de provas, restou demonstrada a ausência do vínculo de filiação. Assim, ocorrerá a extinção da causa por improcedência do pedido, e não por carência da ação, apesar de a ilegitimidade para a causa ter sido o fator que a ocasionou. Ao contrário, se tal circunstância fosse comprovada de plano, ou seja, se o demandado desse prova, antes da análise do mérito, de que não é o verdadeiro pai, a ação seria extinta motivada pela ausência de uma condição da ação (ilegitimidade da parte), e não por improcedência da demanda. Repare que o mesmo fato põe cabo a ação por motivações diversas e com conseqüências absurdamente diferentes, a depender do momento em que se constata a veracidade do mesmo. No primeiro caso, há formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão da questão com os mesmos fundamentos, enquanto no segundo, não.

Nesse sentido, considerando que as condições da ação e os pressupostos do processo constituem uma parte do todo, sugere-se que o princípio da instrumentalidade das formas também a eles se aplique. Em busca da maximização da efetividade, alguns autores (Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Wambier, Fredie Didier, José Miguel Garcia Medina) vêm defendendo a ampliação do seu conceito de maneira a alcançar não só as nulidades de forma, mas, também, as de fundo. Seria a horizontalização da incidência do sobredito princípio, conferindo um caráter substancial ao seu conteúdo. Afinal, se o conjunto não foi prejudicado, não há porque desfazê-lo apesar de uma ou outra de suas unidades não sair como manda o figurino. Dessa maneira, seriam evitados desperdícios processuais, situações nas quais um ato poderia ser perfeitamente aproveitado, mas, por força do formalismo excessivo, acaba sendo descartado. Isso acarreta atraso, insegurança jurídica e descrença no sistema. Segue-se o pensamento do professor Cândido Dinamarco:

No exame do processo a partir de um ângulo exterior, diz-se que todo o sistema não vale por si, mas pelos objetivos que é chamado a cultuar; e depois, em perspectiva interna, examinam-se os atos do processo e deles diz-se o mesmo. Cada um deles tem uma função perante o processo e este tem funções perante o direito substancial, a sociedade e o Estado. Além disso, os objetivos particularizados dos atos processuais convergem todos à garantia da equilibrada participação dos sujeitos, donde a consecução de cada um deles só constitui válida exigência na medida em que disso dependa o nível indispensável de participação no processo [05].

A convergência para a efetividade que se tem dado ao rumo do processo, com redimensionamento do princípio da instrumentalidade das formas pode ser verificada, sem qualquer esforço, em alguns dispositivos do Código processual. A título de exemplo, lembremos que esse documento dispõe que a falta de citação não enseja a extinção do processo se esta falta for suprida pela presença espontânea do réu. Isso facilmente pode ser interpretado como a extensão do princípio da instrumentalidade sobre as condições da ação, atingindo a sua feição substancial.

O que se deve lembrar é de verificar sempre o prejuízo causado e a finalidade visada, fazendo um confronto entre estes dois elementos. Não só quando a lei não for cumprida, mas, também, quando ela for devidamente observada. Isso porque há casos em que, mesmo se atentando para todas as formalidades legais, o processo não atinge o resultado almejado. Nesse caso, pode o juiz mandar refazer o ato se perceber que houve alguma restrição nas garantias dos litigantes. Esta é outra faceta do princípio que estamos estudando e revela, ainda, a evolução da visão processualista contemporânea.

Atentemos também para o fato de que nem sempre a nulidade de fundo pode ser aproveitada, com a conseqüente incidência do princípio da instrumentalidade substancial das formas. Assim como nas nulidades de forma, toda e qualquer nulidade só pode ser reparada ou ignorada quando a sua presença necessariamente não inquinar o processo nem frustrar o seu objetivo. Por exemplo, quando se registra a ocorrência de alguns dos requisitos negativos de validade, como a coisa julgada e litispendência, não se pode admitir o aproveitamento do processo. Esses elementos obrigatoriamente devem estar ausentes para o que processo seja válido.

Observa-se que, antes de tudo, faz-se necessário o uso da ponderação e verificação da possibilidade de ocorrer prejuízo para, só então, decidir-se acerca da convalidação ou não do vício formado, desde que o objetivo tenha sido alcançado. O respeito ao procedimento e às garantias processuais são fatores tão importantes quanto à efetividade e celeridade. Uns não excluem os outros. Tudo pode e deve ser prestado de forma harmoniosa e visto dentro de um contexto bem maior, seguindo o escopo da jurisdição.

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Sobre a autora
Márcia Pessoa Toscano

Advogada/ Aluna da Especialização do Curso de Processo Civil e Gestão do Processo da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOSCANO, Márcia Pessoa. Princípio da instrumentalidade substancial das formas e o ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2783, 13 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18482. Acesso em: 22 dez. 2024.

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