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A adoção do interrogatório por videoconferência no sistema jurídico brasileiro

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09/03/2011 às 08:53
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2.INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 A inserção da audiência por videoconferência no Brasil e as críticas existentes

No início de 2009, com a edição da lei 11.900/2009 o Brasil deu um grande passo em prol da celeridade e maior eficácia dos processos no âmbito penal, adotou formalmente a implantação do interrogatório realizado mediante videoconferência, também chamado de interrogatório on line ou virtual.

Porém, embora somente com esta lei a inquirição do acusado com a utilização da tecnologia tenha sido regulamentada por uma lei de abrangência nacional, esta modalidade de interrogatório já era utilizada por alguns Estados brasileiros como São Paulo que tinha previsão pela lei estadual paulista n. 11.819 de 2005 (declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por vício de competência) e Rio de Janeiro, que regulamentou este ato pela lei estadual carioca n. 4.554 do mesmo ano.

Muitos doutrinadores levantaram uma bandeira contra a utilização do interrogatório on line.

Távora e Alencar têm posição contrária à utilização deste método de inquirição do acusado.

Para nós, o destino da nova Lei é idêntico àquela estadual, porquanto soa incompatível interrogatório por videoconferência com o sistema acusatório garantista positivado na Constituição do Brasil. No ponto, entendemos, com os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que há também inconstitucionalidade material do dito interrogatório por videoconferência, não se justificando a medida sequer em situação excepcional, devendo o Estado se precaver com outros meios para garantir a segurança das pessoas que participam do processo penal. Desse modo, a realização de interrogatório por videoconferência, ou até mesmo a oitiva da prova testemunhal, em algumas situações, como aquelas que levam à total imprestabilidade do ato pela não adaptação do depoente ao sistema, é vício que ensejará nulidade, devendo o órgão judicial afastar a norma que o autoriza (Lei n.º 11.900/2009), por inconstitucional, e nulificar o ato processual defeituoso. A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, aliás, decidiu, em oportunidade anterior, que a medida não se ajusta aos ditames do processo penal permeado que deve ser pelo princípio constitucional da ampla defesa, embora tenha admitido sua possibilidade em situações extremas, devidamente justificadas e desde que existente permissivo legal. [13]

Dentre os argumentos utilizados estava a inexistência de uma lei federal que tratasse da matéria, já que o artigo 22, inciso I da Constituição da República [14] exige que matérias de ordem processual sejam tratadas por leis federais, de competência privativa da União.

Até 8 de janeiro de 2009, tal tese estava correta, sem qualquer reparo a ser feito, pois mesmo que seja em prol de um avanço, não cabe aos Estados-membros desconsiderarem o texto da Constituição.

E foi esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal que em 2008 considerou a inconstitucionalidade da lei estadual do Estado de São Paulo.

Nesse sentido o informativo de jurisprudência número 526 do referido órgão:

O Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP, e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade formal da Lei paulista 11.819/2005, que previu a utilização de aparelho de videoconferência nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos — v. Informativo 518. Na espécie, o interrogatório do paciente, a despeito da discordância de sua defesa, realizara-se sem a presença do paciente na sala da audiência, por meio da videoconferência. Entendeu-se que a norma em questão teria invadido a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). Vencidos, em parte, os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que também consideravam caracterizada a inconstitucionalidade material do diploma examinado. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que indeferia o writ, por não vislumbrar vício formal, já que o Estado de São Paulo não teria legislado sobre processo, e sim sobre procedimento (CF, art. 24, XI), nem vício material, haja vista que o procedimento instituído teria preservado todos os direitos e garantias fundamentais, bem como por reputar não demonstrado qualquer prejuízo na realização do interrogatório do paciente. HC 90900/SP, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 30.10.2008. [15]

No entanto, com a edição da lei 11.900 de 2009 tal questão foi sedimentada, pois agora as leis estaduais inconstitucionais não precisarão mais ser utilizadas, pois há um diploma federal, que se diga que já era a muito esperado, regulando a matéria que agora consta no texto do próprio Código de Processo Penal, no artigo 185.

Os outros argumentos daqueles que desconsideram a validade do interrogatório on line por violar o direito de presença física do juiz no ato do interrogatório, distanciando juiz e réu, alegam ainda que se estaria violando o princípio da publicidade e ademais, seria um passo muito largo a utilização de uma tecnologia tão nova e insegura em um momento de tanta importância para o processo, ou seja, no principal momento para a defesa.

No que diz respeito ao princípio da publicidade tal alegação resta sem o menor fundo de verdade. As portas do fórum onde será realizada a audiência e onde estará presente o julgador estarão abertas para qualquer do povo que tenha interesse em acompanhar o andamento do feito, podendo estar presente quando as perguntas forem feitas ao acusado. Ao contrário, o receio que muitas pessoas têm de estar lado a lado com o réu com certeza será minimizado pois a presença deste será por meio da tecnologia o que fará que o acesso seja mais fácil dando uma maior ênfase ao caráter público do ato.

Quanto à presença do julgador no interrogatório cabe salientar que este é um direito do réu que inclusive está previsto em tratados internacionais que o Brasil é signatário como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica).

Eis a letra dos tratados, diz o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos:

Art. 9º – [...] 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência e a todos os atos do processo, se necessário for, para a execução da sentença.

Art. 14 – […] 3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

[...]

d) a estar presente no julgamento e a defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; a ser informada, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo, e sempre que o interesse da justiça assim exija, a ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;

[...]

Da mesma forma, assim prevê o Pacto de San Jose da Costa Rica:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

[...]

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

[...]

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

[...]

Da leitura do texto dos referidos tratados internacionais verifica-se que o que se exige é que réu e juiz tenham entre si um contato pessoal, o interrogatório por vídeo conferência não obsta este direito.

Deve-se ter em conta que tais tratados são da década de 60, não havendo qualquer possibilidade de uma previsão expressa a respeito do interrogatório on line, que só foi utilizado no mundo a partir de meados da década de 70.

O ministro Cezar Peluso do Supremo Tribunal Federal tem entendimento contrário à utilização deste tipo de interrogatório, pois entende que seria um ato mecânico e insensível. Disse ao proferir seu voto no julgamento do habeas corpus n. 88.914/ SP.

A perda do contato pessoal com os partícipes do processo torna, em termos de humanidade, asséptico o ambiente dos tribunais, fazendo mecânica e insensível a atividade judiciária. E, todos sabemos, "o exercício da magistratura é tarefa incomoda. Deve ser exercitada com todos os riscos inerentes ao magistério". E isso compreende observar a curial recomendação norteamericana de que cumpre aos juízes cuidarem de "smell the fear", coisa que, na sua tradução prática para o caso, somente pode ser alcançada nas relações entre presentes: [16]

Segue o emérito julgador: "Mais do que o modo de ver e ouvir o interrogatório é evento afetivo, no sentido radical da expressão. Assim como em sessão psicanalítica, é fundamental a presença física dos participantes em ambiente compartilhado" [17].

Com a devida vênia, entendo que não assiste razão ao Ministro e aos seus seguidores.

Os tratados citados, que também são arguidos em outro trecho do voto transcrito, exigem sim a presença do julgador, no entanto, tal presença pode ser realizada de forma física remota, que é a que ocorre quando atendidos os requisitos estipulados pela lei 11.900 de 2009.

A tecnologia ainda não chegou ao ponto de transmitir odores através de uma tela, o que se diga, não é imprescindível. Entretanto, já é possível que o juiz tenha consciência do estado de espírito do réu, de seu nervosismo com a utilização de uma aparelhagem que transmita uma imagem ampla do local onde está o inquirido e com um bom sistema de áudio transmitido em tempo real.

O Professor Luís Flavio Gomes é um fervoroso defensor da utilização interrogatório por videoconferência, tendo utilizado-o na sua prática do exercício da magistratura logo no início da sua disseminação no Estado de São Paulo. Refere que o argumento de que não haveria contato entre acusado e julgador não tem razão de ser.

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O argumento desfavorável mais repetido é o seguinte: com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na década de sessenta (do século XX) foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Eles falam em contato pessoal do acusado com o juiz. Esse contato "pessoal", naquela época (analógica) só podia ser físico. Hoje tais dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente, não analogicamente).

O sistema de videoconferência é uma nova forma de contato direto ("pessoal"), não necessariamente no mesmo local. Como sublinhou a Min. Ellen Gracie, "Além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório" [18].

Por fim, a última das críticas que se coloca é a insegurança da utilização desta forma de interrogatório, diante da importância deste ato para a defesa do acusado.

Não podemos esquecer que a videoconferência já é utilizada na maioria dos países desenvolvidos com grandes êxitos.

O vídeo-link foi adotado nos Estados Unidos no início da década de 80, tanto no âmbito federal como estadual, a fim de evitar o contato das vítimas com seus agressores. Na Itália a tele-audiência foi adotada em 1992, com o objetivo de coibir a máfia, sendo utilizada atualmente na oitiva de presos considerados perigosos.

Já na França foi em novembro de 2001 que o código de processo penal francês foi alterado para abarcar a utilização de meios eletrônicos na oitiva das testemunhas e interrogatórios dos réus. Da mesma forma o Tratado de Palermo e o Tratado de Roma, criador do Tribunal Penal Internacional também admitem a utilização dos meios eletrônicos para interrogatório.

Não bastassem estes exemplos esta modalidade de interrogatório é utilizada no Canadá, Austrália, Índia, Inglaterra, Espanha, Chile, dentre outros países.

Refutando o argumento de ser algo tão desconhecido, o Promotor de Justiça paulista Ronaldo Batista Pinto refere:

Uma das críticas que já se ouviu é a que se refere, com desprezo, ao fato do interrogatório on line constituir-se em uma criação nacional, posto que desconhecido na legislação estrangeira. Não parece correta essa informação. Segundo Marco Antonio de Barros, em artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da FMU (ano XVII, nº 25, 2003), "o Estatuto de Roma do Tribunal Pleno Internacional [...] apresenta dispositivos permitindo a produção de provas por meios eletrônicos: é o que se lê no artigo 68, nº 2, que versa sobre a proteção das vítimas e das testemunhas e sua participação no processo; e é o que se infere do artigo 69, nº 2, que diz ‘[...] de igual modo, o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou áudio...". Vale, nessa linha, que se confiram, novamente, as informações trazidas por Leandro Nalini, segundo o artigo acima mencionado. Destaca o autor: "Na Itália, esse recurso tecnológico começou a ser utilizado, com grande sucesso, no combate ao crime organizado. O objetivo do collegamento audivisivo a distanza, assim denominado naquele país, foi proteger as testemunhas da indústria mafiosa que ali se instalara. Também nos EUA, nos idos de 1983, o sistema da videoconferência entrou em operação nos processos de crimes de abuso de menores, permitindo-se a audiência à distância para que a vítima não sofresse intimidação e traumas psicológicos diante de um reencontro com o autor do crime, o denominado face to face". Interessante que o autor era, pelo menos à época em que publicado o artigo, presidente da Comissão de Informática da 33ª. Subseção da OAB/SP e, a despeito disso, assumiu corajosa posição que discrepa daquela defendida por seu órgão de classe. [19]

Sendo assim, não há como dar razão àqueles que negam a importância do interrogatório no sistema jurídico brasileiro.

2.2.As vantagens da audiência virtual e o procedimento utilizado

Como já foi dito existem inúmeras vantagens na utilização do interrogatório virtual.

A primeira das vantagens é a efetivação da garantia constitucional de uma razoável duração do processo.

Tal garantia está expressamente determinada na Constituição Federal em um dos incisos do art. 5º,quando trata dos direitos direitos e deveres individuais e coletivos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Com um processo mais ágil, haverá uma maior crença da sociedade no judiciário, da mesma forma, com o fim dos processos em um prazo mais exíguo a finalidade da pena de retribuição pelo mal efetuado será mais bem assimilada pelo condenado que não esperou tanto tempo para receber a punição pelo delito por ele praticado.

Mais uma vez, as lições de Ronaldo Pinto são esclarecedoras.

Ora, a inovação privilegia, principalmente, a celeridade do processo. Celeridade, que é preciso se ressaltar, não é benéfica apenas à sociedade, que tem uma resposta mais eficaz frente ao delito cometido, mas, principalmente, ao réu que, preso, vê sua situação mais rapidamente definida. As constantes delongas que assolam o regular andamento do processo, causadas, como já apontamos, por problemas no deslocamento dos réus presos (isso sem falar nas mega-operações organizadas para o transporte de acusados perigosos, onde até helicópteros são utilizados e enorme contingente de pessoal mobilizado), são evitadas com o interrogatório a distância [20].

Luiz Flávio Gomes, no ano de 2007 ainda, enfatizou a importância da utilização do interrogatório on line. Lembrou das vantagens de ordem econômica vinculada à utilização da tele-audiência.

Aqueles que refutam o uso da aludida tecnologia pela justiça brasileira apontam inúmeras críticas à inovação. De plano, conforme já salientado, se apegam à falta de previsão expressa no Código de Processo Penal que autorize essa forma de interrogatório. Valem-se, como um dos mais fortes argumentos, da determinação trazida pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no sentido de ser direito do réu preso se entrevistar na presença de um juiz. E, por fim, aludem a inconstitucionalidade da medida, por afronta ao princípio constitucional da publicidade (artigo 5º, LX, CF e artigo 792, CPP). Nessa linha, sustentam que uma tela ou aparelho de TV não podem simplesmente substituir o imprescindível contato físico entre o réu e o juiz.

Em contrapartida, segundo nosso entendimento, não vemos mal algum na utilização de inovações tecnológicas no âmbito da Justiça, ao contrário, isso constitui um considerável avanço, que até pode combater a sua clássica e tão criticada morosidade, desde que todas as garantias constitucionais dos acusados e das vítimas sejam devidamente preservadas. [21]

Não há dúvida de que a celeridade e a economia processual serão as vantagens mais latentes, no entanto, está claro que dentre esta garantia que será efetivada outras tantas terão sua vez. Haverá o fortalecimento dos princípios do juiz natural, publicidade, contraditório e ampla defesa.

O direito fundamental ao juiz natural, previsto no inciso LIII, do artigo 5º da Constituição Federal consiste na garantia de que todos os indivíduos sejam processados e julgados por um mesmo órgão do Poder Judiciário. Com a utilização da audiência telepresencial o número de cartas precatórias utilizadas diminuirão, sendo possível que o mesmo julgador que escutou os depoimentos seja aquele que irá proferir a decisão.

Quanto à publicidade, a violação deste princípio, conforme já foi debatido, ao invés de ser prejudicado com o aumento do uso da tecnologia no processo sofrerá um aprimoramento. Nada impede que as pessoas assistam a realização da audiência através de uma televisão, que poderá ser colocada em um local próprio para este fim no fórum, não prejudicando com interferências a atuação do julgador, dos defensores e do acusador e possibilitando que mais interessados assistam o ato, que quando realizado de forma no presídio ou no fórum, e não é transmitido limita-se à capacidade física da sala de audiências. Nesse mesmo sentido, aquele que está sendo interrogado terá mais liberdade para expressar sua versão dos fatos sem estar na mira de muitos curiosos.

É necessário referir ainda, que a realização desta modalidade de interrogatório poderá ser reprisada quantas vezes for necessário para que o contraditório e a ampla defesa sejam garantidos.

A garantia do contraditório indica que todas as partes deverão ter ciência de todos os fatos e atos ocorridos durante o processo e poderão, assim, manifestarem-se a respeito.

Da mesma maneira o direito à ampla defesa está assegurado, pois de acordo com o quinto parágrafo do artigo 185 do Código de Processo Penal, haverá direito de entrevista prévia com o defensor, em local reservado para que seja assegurado o sigilo, também será disponibilizada uma linha telefônica exclusiva e reservada (a qual será fiscalizada por corregedores) para o contato entre réu e advogado ou defensor e advogado. É necessário dois defensores para o réu – um no presídio e outro no fórum. Portanto, não há falar em violação do princípio da ampla defesa, pois a lei garantiu o direito de comunicação.

Com a faculdade de um processo mais ágil e econômico aqueles interrogatórios e depoimentos ocorridos longos anos depois da ocorrência do delito serão cada vez mais raros, resultando em um maior número de detalhes e fidelidade com o que ocorreu no momento do fato, possibilitando uma defesa mais coerente e eficiente.

Vê-se, portanto, que as vozes que ecoam afirmando que o interrogatório on line seria inconstitucional, pois as garantias processuais, conquistadas depois de muita luta, não poderiam ceder espaço diante da busca de mais rapidez e economia processual, não estão acertadas. A forma de interrogatório em análise tem o condão de tornar o processo penal mais célere e menos custoso, porém, sem deixar de lado os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal e os direitos humanos que são defendidos nos diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

No entanto, para que todas as benesses sejam alcançadas é necessário que os ditames elencados pelo legislador sejam fielmente seguidos.

A preferência será sempre pelos interrogatórios realizados com a presença do acusado no fórum ou então do deslocamento do julgador até o presídio, no entanto, em casos excepcionais, será admitido a inquirição telepresencial.

Nesse caso, o juiz deverá fundamentar a decisão que designa a realização desta modalidade de interrogatório, nos exatos termos do texto do Código de Processo Penal. Ademais é necessária a intimação das partes desta decisão com antecedência mínima de 10 dias da data escolhida.

As hipóteses que permitem a utilização da tecnologia de transmissão de imagem e som em tempo real na oitiva de réus e testemunhas, previstas no parágrafo 2º do artigo 185 do Código de Processo Penal, são taxativas, não podem, portanto, ser alargadas.

A primeira situação em que se admite o interrogatório por videoconferência esta prevista no artigo 185, parágrafo 2º, inciso I do Código Processual Penal. É possível esta modalidade como forma de prevenção à segurança pública, quando houver fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou então, também como prevenção à segurança pública, se houver fundadas razões para se desconfiar que o preso irá fugir durante o deslocamento.

Na primeira parte do inciso, embora se exija a suspeita de que o interrogado participe de organização criminosa não é necessário que o fato a ser discorrido no o ato processual seja tipificado na lei 9.034/1995, que trata dos procedimentos investigatórios sobre os ilícitos praticados por organizações criminosas. Ademais, é oportuno destacar que o dispositivo exige fundada suspeita, sendo assim, não é necessário condenação prévia e nem mesmo a existência de provas a respeito.

Quanto à possibilidade de fuga durante o deslocamento, com certeza esta será a razão de grande número de interrogatórios virtuais, principalmente nas cidades onde existem grandes facções criminosas.

Admite-se também a videoconferência para viabilizar a participação do réu no ato, caso esteja impossibilitado por enfermidade ou outra circunstância pessoal, como por exemplo, quando o réu está jurado de morte por desafetos seus ou familiares das vítimas, estas circunstâncias deverão estar vinculadas ao réu, não se enquadrando nesta hipótese a deficiência do serviço público para escoltá-lo.

Será possível ainda o interrogatório on line quando a presença direta do réu possa influenciar a testemunha ou a vítima.

Por fim, o inciso IV do mesmo artigo trata da faculdade de ser realizada a audiência por videoconferência quando existir gravíssima questão de ordem pública. Norberto Avena traz como situações que se encaixariam neste dispositivo.

Como exemplos que poderiam de situações que poderiam conduzir à aplicação do art. 185, §2.º, IV, estão o clamor social em torno do fato imputado ou da pessoa do réu preso, de tal forma que a sua presença em audiência possa importar em protestos populares, riscos de agressão física, ofensas morais etc.; e o grau de periculosidade do acusado, exigindo elevado contingente de policiais ou agentes para impedi-lo de eventuais agressões contra juiz, partes e servidores [22].

Essa é o ponto que tem levantado maiores discussões, até mesmo entre aqueles que são defensores da constitucionalidade da Lei 11.900/2009.

Este inciso abarca uma hipótese ampla demais, fazendo cair por terra a excepcionalidade do interrogatório por videoconferência, já que muitas situações poderão ser fundamentadas com este base legal.

O Delegado de Polícia Cabbete é preciso ao apontar o problema:

Concluiu-se que, se o legislador ia caminhando para um sistema de proporcionalidade e excepcionalidade a princípio aceitável, nos moldes do artigo 185, I a III, CPP, tropeçou desastrosamente no inciso IV do mesmo dispositivo ao trazer à cena a famigerada "questão de ordem pública", capaz de converter a exceção em regra e fulminar a proporcionalidade, face à sua plasticidade que abrigaria um sem número de hipóteses para a infração supostamente legitimada ao direito do réu de entrevistar-se pessoalmente com o seu julgador. [23]

Sendo assim, verifica-se que a adoção do interrogatório realizado por videoconferência foi um grande passo dado pelo legislador, ainda existem alguns pontos para serem aprimorados, mas nada que prejudique o avanço ocorrido com a Lei 11.900 de 2009.

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Sobre a autora
Diana Rodrigues da Costa

Advogada especialista em Direito Constitucional e Ciências Criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Diana Rodrigues. A adoção do interrogatório por videoconferência no sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2807, 9 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18615. Acesso em: 22 dez. 2024.

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