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O salário mínimo como um direito fundamental social do preso

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17/03/2011 às 09:56

Resumo:


"Não se pode contratar apenas um braço; uma pessoa inteira vem junto com ele".


Peter Druckegir


- O salário mínimo é um direito fundamental garantido pela Constituição a todos os trabalhadores, sem distinção de tipo de trabalho ou local de atuação.
- A remuneração justa aos presos trabalhadores é essencial para a efetivação de direitos sociais, como o salário mínimo e a proteção à família.
- A garantia do salário mínimo para os presos é uma forma de o Estado cumprir sua função de guardião da dignidade e liberdade dos detentos, evitando a exploração e promovendo a justiça social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

"Não se pode contratar apenas um braço; uma pessoa inteira vem junto com ele".

Peter Druckegir

Introdução

O presente trabalho visa discutir os fundamentos da garantia constitucional ao salário mínimo como direito de todos os cidadãos que desempenham uma atividade laborativa, sob a perspectiva de um direito fundamental assegurado por lei.

Ele focalizará, especificamente, o trabalho desenvolvido pelos reclusos em unidades penitenciárias que, ao prestarem serviços internamente, devem ter garantido como remuneração o piso previsto no texto constitucional. Paralelo a isso, o direito a remuneração justa a ser recebida pelo preso será discutido como um meio de garantir a dignidade da sua família.

O texto tem como objetivo mostrar o papel do poder público no que se refere ao desrespeito à garantia constitucional da dignidade humana e da família.


O conceito de trabalho

A trajetória histórica do conceito de trabalho sustenta-se numa exaltação que até mesmo estar desempregado é se sentir alheio a algo que pode dar sentido à vida. A exaltação ao trabalho tornou-se tão forte que, para muitos, o ócio e até mesmo o lazer, quando praticados, vêm acompanhados de sentimento de culpa [01].

Na idade média prevaleceu o regime trabalhista de servidão. Um fundamento para o exercício desse regime foi a interferência dos dogmas religiosos. Enquanto o catolicismo considerava o trabalho uma penitência para o pecado e uma oportunidade para a redenção divina, o protestantismo, no século XVI, o tratava não só como meio de obter riqueza, mas também como forma de servir a Deus, pois mantinha à distância o ócio e a luxúria [02]. O Sermão da Montanha faz uma alusão direta ao tema: "Olhai os lírios dos campos, não trabalham nem fiam".

Segundo Paulo Sérgio do Carmo [03], o nazismo e o fascismo usaram a força para dominar a classe trabalhadora no século XX. O Estado assumiu as rédeas da economia e, consequentemente, interveio no dia-a-dia do trabalhador com a preocupação de conter a luta de classes e impor a "harmonia" entre patrões e empregados. A ideologia da reeducação pelo e para o trabalho prevê transcendentais castigos para os menos conformistas.

Atualmente a visão social do trabalho é que ele preenche o vazio deixado pelo repouso. Hoje se cultua a constante atividade. O consumismo, a abundância e o sucesso profissional são aspectos essenciais para a inclusão social. Já o desemprego e a inatividade geram um sentimento de derrota no indivíduo. Ao longo da História o trabalho se transformou em ação produtiva, ocupação e, para muitos, algo gratificante em termos existenciais" [04].

A palavra "trabalho", de origem controversa, remete ao latim tripalium, nome do instrumento formado por três estacas utilizado para manter presos bois ou cavalos difíceis de ferrar [05]. Etimologicamente [06] significa, dentre outras, aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim.

A supervalorização do trabalho se dissemina por todos os estratos sociais. Uma parte da população acredita que a imposição de trabalhos forçados nas prisões seria uma forma de atenuar a criminalidade. Para a polícia, há algumas décadas, a carteira de trabalho chegou a ser o principal documento válido, o que só vem perdendo eficácia diante dos índices de desemprego [07].


A visão histórica do trabalho no cárcere

Em sua obra Vigiar e punir, Michel Foucault [08] entende que o trabalho é definido, junto com o isolamento, como um agente da transformação carcerária. E isso desde o código de 1808 [...] quando queriam fazer da prisão ou um exemplo para o público ou uma reparação útil para a sociedade. Várias polêmicas esclarecem a função que se empresta ao trabalho penal. A questão salarial foi tema da discussão. A remuneração pelo trabalho dos detentos na França levantava a questão de que se a retribuição recompensa o trabalho na prisão é porque esta não faz realmente parte da pena; e o detento não pode recusá-lo.

No caso dos presos, eles não dispõem de meios suficientes para conquistar uma vaga de trabalho fora da prisão. Estando a sua liberdade restringida pelo Estado em função do cumprimento de uma sentença penal condenatória, não lhe resta alternativa senão recorrer ao poder público em busca da garantia efetiva do direito ao exercício do trabalho. Saliente-se que no Brasil o direito ao trabalho não é exercido em todas as unidades prisionais. O Estado não dispõe de uma política uniforme de acesso a esse direito e, quando ocorre, é de forma incipiente.

Os mais recentes dados oficiais do Ministério da Justiça, segundo a revista Veja [09], registraram em outubro exatos 498.500 presos [...]. O Brasil já tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás de Estados Unidos, China e Rússia. No quesito superlotação, o Brasil é vice-campeão mundial. Só perde para a Bolívia [...]. O crescimento da população carcerária foi de 450%, nos últimos vinte anos. Espanha cresceu 116%, Holanda foi 113%, China é de 31%. A população carcerária é bastante considerável e, portanto, merece maior atenção.

O trabalho exercido por alguns presos nas penitenciárias se dá em troca de remuneração e de remição de pena [10], que é o pagamento de parte da pena com o tempo trabalhado. Eles podem prestar serviços administrativos ou burocráticos para o Estado e prestações de serviços gerais para os particulares. Quando é prestado em prol do Estado os reclusos têm direito a remição da pena; se prestam serviços para o particular podem receber remuneração e remição, cumulativamente. E, como antes, a remuneração a ser recebida pelos presos ainda continua sendo objeto de discussão.

Vinicius Brant [11] afirma que indústrias estabelecidas deslocam parte de suas atividades manufatureiras para os cárceres. Para elas, não se trata de evitar a concorrência, mas de reduzir custos, principalmente encargos trabalhistas. A "gorjeta" paga aos presos é um simples disfarce da escravidão, dado que, na visão comum, eles não estão propriamente trabalhando, mas fazendo laborterapia ou se reeducando para que se transformem em pessoas normais [12]. Brant completa que

"Do ponto de vista das relações internas de trabalho, é inevitável concluir que a execução das tarefas por encomenda tende a favorecer a criação de mecanismos mercantis que no mundo exterior seriam considerados extremamente primitivos. Um preso que já foi patrão declarou ter abandonado a atividade por considerar que "já se foi o tempo do trabalho escravo [...] [13]".

Ao se questionar os motivos que justificam tal discriminação, a história remete a um cenário que denota uma explicação. A escravidão no regime prisional é acusada por Washington Luiz de Campos [14], a qual, segundo ele, ocorre de forma velada. O Estado patrocina todo o aparato e garante-a. É monopólio da mão de obra. Os serviços são quase gratuitos. Nem em proporções mínimas existe o desejo de dar ao preso o que lhe pertence. Não é esse o verdadeiro direito de trabalho nas prisões. A justiça social continua ignorada nas penitenciárias [...].

O primeiro Hospital Geral para o internamento dos desvalidos foi criado na França, no século XVII. Efetivamente tratava-se de uma "casa de correção, onde os 400 internos de mão-de-obra barata eram obrigados a trabalhar sob supervisão cerrada. Esse tipo de instituição se disseminou por toda a Europa [...]" [15]. Nelas, os presos deveriam levantar às cinco horas da manhã; às seis começava o trabalho obrigatório, que terminava às oito e quinze da noite, com uma hora de intervalo para o almoço. Não recebiam salário, mas um prêmio em dinheiro ao final do ano ou no momento em que deixavam a instituição. [16]

Foucault verificou que era indiferente o fato de serem essas instituições convento, prisão, hospital psiquiátrico, escola ou quartel. Ele generalizou como fábricas sem salários, "onde o tempo do operário é inteiramente comprado". Os ambientes eram de reclusão total, onde as autoridades procuravam estabelecer, por meio de regras formais e explícitas, uma total regulamentação da vida diária de seus habitantes [17].

A obrigatoriedade do trabalho para os condenados pelo sistema penal secular assentou-se muito tempo na suposição de "pena", no sentido etimológico do termo: como castigo, o trabalho deveria ser penoso, não remunerado, monótono. Das galés às pedreiras, o trabalho não tinha utilidade para o indivíduo que o praticava, exceto a de pagar a dívida contraída com a sociedade. Beccaria exerceu muita influência nas Declarações dos Direitos de 1789 e 1793; julgava que a transformação dos condenados em "bestas de carga" era um meio mais eficaz de dissuasão e de expiação dos crimes do que a própria pena de morte [18].

Ao conhecer o estatuto [19] que regia a Penitenciária de São Paulo, o qual datava de 1913, foi possível enumerar algumas normas que subordinavam os detentos, as quais demonstram na prática os ideais históricos dos trabalhos desenvolvidos no cárcere. Eis:

a)O artigo primeiro previa trabalho obrigatório com oito horas diárias de duração;

b)A remuneração, segundo o art. 4º, recebia o nome de pecúlio e era depositado em uma caixa específica, cuja movimentação era feita pela administração prisional;

c)Deveria sempre obedecer, sem "observações ou murmúrios", aos encarregados de sua vigilância e direção, executando tudo o que lhe era prescrito no regulamento e no regimento interno, sem que pudesse se comunicar com outro mesmo durante o exercício das atividades. Enquanto cumpria a pena só seria chamado e conhecido por um número. O trabalho que lhes fossem ordenados não poderia ser recusado, sob pretexto algum (artigo 12).

d)Ao Estado cabia o direito de confiscar integralmente o pecúlio do preso que fugisse ou a parte necessária para "pagar" à unidade os custos pessoais gerados com a sua permanência (artigo 32).

Na prática do trabalho, o trabalhador sucumbe-se em ser explorado. Além dele, são condenados também os direitos às legislações trabalhistas e previdenciárias. Nesses moldes [20], o trabalho no cárcere acaba sendo um vazio, inútil tanto do ponto de vista do trabalhador, como dos objetivos propostos pela organização do sistema.

Sendo forçado ou escravo, o trabalho é irracional tanto do ponto de vista de sua utilidade como no de sua retribuição por um salário. O contexto pode ser condensado por Heleno Fragoso (1980:31): "se o condenado é obrigado ao trabalho e se por ele recebe remuneração ínfima, que a ele não corresponde, é óbvio que o trabalho é castigo e se integra no esquema punitivo. [21]"

No caso dos encarcerados, não lhes restam alternativas senão exercer as opções únicas de labor existentes no cárcere e sob as condições que a eles se impõem. Além da burocracia, a recompensa financeira abaixo do mínimo estipulado por lei certamente farão do trabalho um dominador dele enquanto ser humano. Assim, a perda da autonomia em suas atividades fará com que o trabalhador não se reconheça mais como o responsável pelo produto do trabalho realizado, tampouco possa garantir a dignidade que a sua família não foi condenada a perder, juntamente com a sua sentença condenatória.


A ação afirmativa como garantia de proteção aos direitos sociais

Dirley afirma que uma sociedade com justiça social "depende fundamentalmente de como se atribuem direitos e encargos e das oportunidades econômicas e condições sociais que existem nos seus vários setores [22]". O que caracteriza esses direitos é a sua dimensão positiva, ou seja, a possibilidade de exigir do Estado a sua intervenção para atender as crescentes necessidades do indivíduo.

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Não obstante as discussões acerca dos direitos sociais, eles continuam promovendo lides judiciais, as quais são objetos de reconhecimentos e efetivas garantias dos direitos positivados. Os tentáculos do Estado não os alcançam na sua plenitude. Os indivíduos têm a prerrogativa de exigir do Estado a intervenção judicial com o propósito de protegê-los contra a ação de terceiros que visem violá-los. Porque a simples positivação de um texto legal não é sinônimo de proteção efetiva do direito fundamental. Queiroz [23] sustenta que "antes esse âmbito de protecção vem garantido através da actuação dessa legislação. Nisto consiste, o "dever de protecção" jurídico-constitucional, que deve ser pressuposto quer pela administração pública quer pelo poder judicial".

Nos EUA observa-se uma ampla aplicação de ações afirmativas que visam integrar setores da sociedade às diversas estruturas do Estado e da iniciativa privada. As ações afirmativas aplicadas pelos norte-americanos atingem programas de inserção das minorias no mundo dos negócios, ações voltadas para a saúde, educação, trabalho, etc.

Geralmente as ações afirmativas são aplicadas em direitos consagrados pela ordem constitucional vigente, sempre buscando equilibrar a igualdade de oportunidades para todos. Segundo Barbosa, elas

"são fruto de decisões políticas oriundas do Poder Executivo, com o apoio, a vigilância e a sustentação normativa do Poder Legislativo; do Poder Judiciário, que além de apôr sua chancela de legitimidade aos programas elaborados pelos outros Poderes, concebe e implementa ele próprio medidas de igual natureza; e pela iniciativa privada. [24]"

No Brasil, a política de cotas na área de educação é amplamente aplicada e popularmente conhecida. Ela não tem apenas o objetivo de coibir a discriminação do presente, mas visa eliminar os efeitos do passado que insistem em se manter na atualidade. Segundo Joaquim Barbosa Gomes,

"as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego [25]".

O trabalho nas prisões, quando existe, não acompanha as preferências ocupacionais dos presos. As atividades oferecidas no cárcere necessariamente não correspondem ao perfil do mercado de trabalho no mundo exterior. Karl Marx considera que o trabalho é alienado "quando é parcelarizado, rotinizado, despersonalizado e leva o indivíduo a sentir-se alheio, distante ou estranho àquilo que produz [26]". Alguns presos entrevistados [27], pela limitação conhecida do mercado de trabalho, propuseram ações que poderiam ser entendidas como ações afirmativas para o sistema carcerário brasileiro. Como exemplo pode-se citar a criação de empresas públicas especiais para alocá-los e a implantação do sistema de quotas de empregos nos serviços públicos ou privados, reservadas a ex-detentos.

Vinicius Caldeira Brant [28] observou que embora muitos façam cursos profissionalizantes dentro da cadeia, é grande o descrédito por parte dos empresários pelo treinamento recebido. "Os cursos, em geral programados para algo em torno de cem horas de atividade, são vistos como "prendas" ou como "fábrica de diplomas", cuja vantagem maior está em figurar no prontuário, para efeito de vantagens processuais.

A proteção e a promoção da dignidade do ser humano constituem um objetivo constitucional de primeira ordem. O direito a igualdade legitima o tratamento igual na medida em que as pessoas se igualam e desigual, na medida das suas desigualdades, pois todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

As normas constitucionais definidoras de direitos sociais são direitos subjetivos e obrigações e, como tais, reclamam um papel mais ativo e renovado do Poder Judiciário em caso de omissões inconstitucionais [29].


O salário mínimo como direito fundamental social do trabalhador

O direito ao trabalho é um dos direitos sociais capitulados no artigo 6º da Constituição Federal, assim como o são, entre outros, o direito à educação, saúde, moradia e ao lazer. Eles são conhecidos como direitos fundamentais sociais e surgem quando, "em uma sociedade de relações mais complexas, já não bastavam como direitos fundamentais os direitos à vida, à liberdade e à propriedade [30]". O atributo "fundamental" de determinado direito é alicerçado pela necessidade em que ele se consagrou como tal, observado o seu período histórico.

Por sua importância e especificidade na concretização do bem estar social do ser humano, o direito ao trabalho tem suas garantias estendidas no artigo 7º da Constituição Federal. Ele prevê proteção contra despedida arbitrária, seguro-desemprego, fundo de garantia do tempo de serviço, irredutibilidade do salário, aposentadoria, remuneração especial do trabalho noturno e extraordinário, décimo terceiro salário, participação nos lucros, salário-família, duração máxima de carga horária, repouso semanal, férias, licenças, proteções, adicionais para o trabalhador e sua família, seguros e avisos prévios, além de dispositivos que buscam impedir o tratamento desigual ao trabalhador no exercício da sua atividade.

Tais direitos, em face da função de defesa que dispõem, são considerados liberdades sociais. Como tais, eles reclamam uma abstenção por parte dos seus destinatários, não dependendo de quaisquer prestações positivas para serem desfrutados [31].

Além destes, o mesmo artigo 7º da Constituição prevê a garantia de um salário mínimo para todos os trabalhadores, tenham eles ou não vínculo empregatício, garantindo igualdade de direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, prestadores de serviços a terceiros públicos ou privados. É o que se observa nos incisos IV, V, VII e XXXIV que seguem:

Art. 7º, CF:

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

[...]

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

[...]

XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Dirley da Cunha Júnior defende que "[...] os direitos fundamentais não passam de direitos humanos positivados nas Constituições estatais [32]". Por outro lado, os direitos humanos têm como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos [33], os quais representam a estrutura basilar de uma sociedade democrática que prima pela convivência social justa e digna. Salienta que "são fundamentais porque sem eles a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, não sobrevive [34]".

Sendo um direito social e, portanto, um direito fundamental do ser humano, a garantia de um salário mínimo por serviços prestados é condição para uma existência digna. Barcellos trata dos direitos fundamentais como direitos centrais, em "conseqüência da centralidade do homem e da sua dignidade [35]". Queiroz [36] configura os direitos sociais como direitos fundamentais, isto é, reconhecidos por normas de estalão constitucional.

A pessoa humana, na situação mais degradante em que se encontre, deve ter o seu direito a dignidade humana respeitado pelo Estado e pelos particulares que as submeter, sob qualquer circunstância. O bem-estar do homem e da família são fins a serem perseguidos pelo Estado, conforme enuncia o art. 226, CF [37]. Sendo um fim, o Estado é o meio pelo qual o homem satisfaz os seus direitos. A família, por sua vez, goza de proteção a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem [38], considerada como o núcleo natural e fundamental da sociedade, tendo direito à proteção da sociedade e do Estado. O preso enquanto família também não pode ser desconsiderado, além de outros fatores, pela numerosa população carcerária existente no Brasil. Mais de dois terços dos presos que chegam às unidades são casados, seja legal ou consensualmente [39].

O alcance constitucional da instituição familiar dependerá do valor ou proteção jurídica que a ela é dispensada. Dirley entende que o Estado "só existe e só se justifica se respeitar, promover e garantir os direitos fundamentais do homem. Ele nasce exatamente pela necessidade de dar proteção aos direitos fundamentais [40]".

Ao estender o pensamento de proteção para o âmbito trabalhista, Andrés Botella Giménez considera-o, de mesmo tanto, digno de proteção constitucional.

"La idea de que el trabajo es un bien jurídico necesitado de tratamiento especial – escribe Alonso Olea – plenea sobre las declaraciones de las constituciones contemporáneas, por otro lado fuertemente influídas por las declaraciones y pactos internacionales de derechos humanos, muy insistentes sobre este punto" [41].

Quando se fala de um direito ao trabalho, pela amplitude de alcance, a expressão se reporta aos direitos, proteções e garantias mencionados nos artigos 6º e 7º da Constituição. Implica, acima de tudo, num direito de livre escolha do trabalhador pela natureza da relação trabalhista em que se encontre. Contudo, quando se faz referência à situação específica do preso, é possível vislumbrar-se a expressão "direito ao trabalho" como um direito subjetivo a um posto de trabalho [42].

A íntima vinculação dos direitos fundamentais sociais com a concepção adotada pela Constituição revela o Estado brasileiro como um Estado Democrático e Social de Direito [43]. Com a vedação do retrocesso, o Estado Social assume uma feição peculiar, sendo uma de suas vertentes a não eliminação de normas jurídicas que representem avanço social. Considerando que a Constituição não estabelece qualquer distinção na aplicabilidade das suas normas garantidoras fundamentais aos destinatários reclusos em unidades prisionais, a efetivação e proteção dos direitos sociais continuam sendo um problema político a ser enfrentado pelo Estado Social e Democrático de Direito. Ainda que a função de um texto constitucional seja estabelecer vinculações mínimas aos agentes políticos, a promoção dos direitos fundamentais como promotor da justiça social ainda continua requerendo a intervenção estatal através do Judiciário para garantir a sua eficácia.

Sendo os enunciados das normas de direitos sociais vagos e indeterminados não impede, de forma alguma, segundo Dirley [44], a sua aplicação direta e imediata, o que, aliás, está expressamente determinado na Constituição Federal, sendo função própria do Poder Judiciário determinar o alcance, in concreto, de preceitos normativos.

Contrariamente, Jorge Reis Novais [45] admite não ser possível delimitar, a partir das normas constitucionais de direitos sociais, salvo raras exceções, um conteúdo suficientemente preciso que permita concluir qual a prestação ou dever a que o Estado está juridicamente obrigado. Entende caber ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opção políticas decorrentes do princípio democrático, determinar específica e concretamente no domínio de cada direito social o que fica o Estado juridicamente obrigado a fazer e o que pode o particular exigir judicialmente.

No caso dos presidiários que desempenham atividade laborativa nas penitenciárias é claro o papel do Estado de guardião da dignidade e liberdade daqueles detentos. Como tal, esse mesmo Estado deve ser o fiscal das relações trabalhistas por eles desempenhadas em função da condição de vulnerabilidade em que os encarcerados se encontram. A garantia de pagamento de um salário mínimo como a todos os outros trabalhadores deve ser uma marca a abolir o conhecido pecúlio ou a gorjeta, cujos valores não obedecem a limites e se camuflam em boa vontade do particular.

O parágrafo 1º do art. 5º da Constituição Federal garante a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, não estabelecendo qualquer diferença ou exceção. Tanto os particulares quanto os poderes públicos [46] estão no mesmo grau de submissão, estando estes últimos, segundo Barcellos, submetidos à Constituição pela limitação imposta pelas normas jurídicas no exercício do seu poder.

O salário mínimo como disposição constitucional, é um norma jurídica que goza de normatividade e superioridade hierárquica no sistema jurídico, devendo produzir efeitos no mundo dos fatos, desfrutando da imperatividade própria do Direito através do comportamento ativo do agente contratante [47].

Entretanto, a Constituição não aponta de forma específica que políticas públicas devem ser aplicadas em cada caso. Com isso a aplicação acaba sendo ignorada pelos agentes públicos e pela sociedade como um todo, tendo em conta sua compreensão política, ideológica ou filosófica do que significa o texto constitucional.

Em suma, a efetividade desses direitos sociais, especificamente no que se refere ao recluso pelo Estado em unidades próprias ou por ele gerenciadas, deverá ser tratada no âmbito de políticas públicas. As políticas públicas, segundo Barcellos [48], são indispensáveis para a garantia e a promoção de direitos fundamentais. Por ser o salário mínimo uma garantia continuada, sistemática e de abrangência coletiva, as políticas públicas que visam a sua efetividade devem se estabelecer através de ações contínuas.

Para Cristina Queiroz [49] a efetividade desses direitos não depende unicamente da institucionalização de uma ordem jurídica nem tão pouco de uma mera decisão política dos órgãos politicamente conformadores. A compreensão do texto constitucional e a conquista da ordem social pela justa distribuição dos bens será resultado de uma luta a ser alcançada de modo progressivo. Convém afirmar que os fatos acontecem antes da positivação de normas. O modo reiterado de ação do ser humano legaliza atos por meio do judiciário. Nem sempre a ausência de uma lei implica num julgamento improcedente de determinada expectativa. O julgador supre a falta do legislador no momento que julga os casos que a ele se apresentam.

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Sobre o autor
Webster de Oliveira Campos

Bacharel em Direito,Licenciado em Matermática, mestrando em família na sociedade contemporânea- Universidade Católica do Salvador/BA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Webster Oliveira. O salário mínimo como um direito fundamental social do preso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2815, 17 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18702. Acesso em: 22 dez. 2024.

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