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O bullying e a responsabilidade civil do estabelecimento de ensino privado

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15/04/2011 às 11:26
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3.DO BULLYING E DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.1.As classificações de responsabilidade civil

Segundo a jurista MARIA HELENA DINIZ, [43] a responsabilidade civil admite três classificações. Pode ser classificada quanto ao seu fato gerador, em relação ao seu fundamento e relativamente ao agente:

- Quanto ao seu fato gerador, a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual. A contratual origina-se no não cumprimento de um contrato. A responsabilidade extracontratual resulta da violação de um dever jurídico geral de abstenção.

- Em relação ao seu fundamento, a responsabilidade pode ser subjetiva ou objetiva. A subjetiva é fundada na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa. A responsabilidade objetiva encontra a sua justificativa no risco.

- Relativamente ao agente, a responsabilidade pode ser direta ou indireta. A direta é proveniente da própria pessoa imputada. A responsabilidade indireta vem de ato de terceiro, vinculado ao agente, de fato animal ou de coisa inanimada sob sua guarda.

Diante das classificações quanto ao fundamento de responsabilidade civil, CARLOS ROBERTO GONÇALVES esclarece que "o código civil brasileiro, malgrado regule um grande número de casos especiais de responsabilidade objetiva, filiou-se como regra a teoria ‘subjetiva’. É o que se pode verificar no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano." [44] É o que verificaremos com mais detalhes na próxima seção, ao tratarmos da responsabilidade civil nos casos de bullying sob as normas do novo Código Civil.

3.2.O bullying e a responsabilidade no Código Civil de 2002

Encontramos em um artigo dos Professores NICOLAU JR. e NICOLAU um interessante esboço histórico da responsabilidade civil:

No início da civilização, a ocorrência de um dano gerava na vítima uma idéia de vingança para com o agressor, ou seja, a justiça era feita pelas próprias mãos. Limitava-se a retribuição do mal pelo mal, como pregava a pena de talião, olho por olho, dente por dente. Esta prática, na realidade, apresentava resultados extremamente negativos, pois acarretava a produção de um outro dano, uma nova lesão, isto é, o dano suportado pelo seu agressor, após sua punição. Posteriormente, surge o período da composição a critério da vítima, ainda sem se discutir a culpa do agente causador do dano. Num estágio mais avançado o Estado toma as rédeas, e proíbe a vítima de fazer justiça pelas próprias mãos, estabelecendo a obrigatoriedade da composição, a partir de uma indenização pecuniária. Durante esse período, cria-se uma espécie de tabela que estabelece o quantum equivalente a um membro amputado, à morte etc. No ano de 572 da fundação de Roma, um tributo do povo, chamado Lúcio Aquílio, propôs e obteve a aprovação e sanção de uma lei de ordem penal, que veio a ficar conhecida como Lex Aquília, [...] O Direito francês aperfeiçoou as idéias românicas [...] Surge o Código de Napoleão e, com ele, a distinção entre culpa delitual e contratual. A partir daí, a definição de que a responsabilidade civil se funda na culpa, propagou-se nas legislações de todo o mundo. Com o advento da Revolução Industrial, multiplicaram-se os danos, e surgiram novas teorias inclinadas sempre a oferecer maior proteção às vítimas. Sem abandonar a Teoria da Culpa, atualmente vem ganhando terreno a Teoria do Risco, que se baseia na idéia de que o exercício de atividade perigosa é fundamento da responsabilidade civil (artigo 927 par. único do Código Civil). Isto significa que a execução de atividade que ofereça perigo possui um risco, o qual deve ser assumido pelo agente, ressarcindo os danos causados a terceiros pelo exercício da atividade perigosa. (grifos dos autores). [45]

O vocábulo "responsabilidade" surgiu do verbo latino respondere, que designava o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. O termo "civil" refere-se ao cidadão, considerado nas suas relações com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos e obrigações a cumprir. [46]

Hoje, o conceito de responsabilidade não é consensual entre os doutrinadores. Enquanto uns conceituam com base na culpabilidade, outros se inclinam para o descumprimento de uma imposição legal. Encontramos na obra de MARIA HELENA DINIZ o conceito de responsabilidade civil mais abrangente:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. [47]

O desembargador SERGIO CAVALIERI FILHO conceitua responsabilidade mais tecnicamente, sob a ótica do dever jurídico:

Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. [48]

Essa violação se dá pelo ato ilícito que é "praticado com infração ao dever legal de não violar direito e não lesar a outrem." [49] conforme encontramos no Código Civil:

Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Os bullies, com os seus atos agressivos e danosos, violam os direitos de suas vítimas. Diversos direitos tutelados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente são atingidos com essa prática lesiva. Em especial, violam-se também os direitos da personalidade como a intimidade e a honra. Os direitos personalíssimos existem desde o nascimento, permanecem por toda a vida e ninguém deve infringi-los. [50] Ao ser violada a sua integridade psíquica e constatando-se o dano, a vítima pode exigir a sua reparação, conforme encontramos disposto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal:

Constituição. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O dano psíquico experimentado pela vítima de bullying "exsurge tão-somente como expressão sinônima de ‘dano moral’, em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações desagradáveis e importunantes, [...]." [51] A 7ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo levou em consideração esse sofrimento ao decidir:

Ementa. O ressarcimento do dano moral é inteiramente cabível, ainda porque albergado na nova Constituição da República, e porque, em rigor, encontra guarida na própria regra geral consagrada no art. 159 do CC [atual art. 186] Na espécie, foram atingidos direitos integrantes da personalidade do apelante, tendo ocorrido o ‘sofrimento humano’, que rende ensejo à obrigação de indenizar. Patente a ofensa não só à integridade física, como também ao sentimento de autoestima da vítima, também merecedor da tutela jurídica. Concretiza-se, em resumo, a hipótese de ofensa a um direito, ainda que dela não decorrido prejuízo material. [52]

Porém, como bem esclarece SERGIO CAVALIERI FILHO, "o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade." [53] Encontramos também em sua obra que:

por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais. Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. [54]

Apesar do posicionamento acima exposto, o que nos induz a concluir que, segundo o eminente jurista, não haveria a necessidade de se comprovar a afetação psicológica do dano moral, a parca jurisprudência nacional sobre bullying ainda não se posicionou pacificamente sobre o caso, como se pode observar nos julgados abaixo:

Ementa. Direito civil. Indenização. Danos morais. Abalos psicológicos decorrentes de violência escolar. Bullying. Ofensa ao princípio da dignidade da pessoa. Sentença reformada. Condenação do colégio. Valor módico atendendo-se às peculiaridades do caso. Cuida-se de recurso de apelação interposto de sentença que julgou improcedente pedido de indenização por danos morais por entender que não restou configurado o nexo causal entre a conduta do colégio e eventual dano moral alegado pelo autor. Este pretende receber indenização sob o argumento de haver estudado no estabelecimento de ensino em 2005 e ali teria sido alvo de várias agressões físicas que o deixaram com traumas que refletem em sua conduta e na dificuldade de aprendizado. Na espécie, restou demonstrado nos autos que o recorrente sofreu agressões físicas e verbais de alguns colegas de turma que iam muito além de pequenos atritos entre crianças daquela idade, no interior do estabelecimento réu, durante todo o ano letivo de 2005. É certo que tais agressões, por si só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização seria do colégio em razão de sua responsabilidade objetiva. Com efeito, o colégio réu tomou algumas medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para solucionar o problema, tendo em vista que as agressões se perpetuaram pelo ano letivo. Talvez porque o estabelecimento de ensino apelado não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social, sobretudo no caso de crianças tidas como "diferentes". Nesse ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, primeiro, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere, e, depois, em instituições como a escola. No dizer de Helder Baruffi, "neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania". (grifo nosso). [55]

Ementa. Agravo de instrumento contra ato do juiz que indeferiu a produção de prova pericial em vítima de assédio moral e bullying, sob o fundamento de que a mesma seria desnecessária ao deslinde do feito. Rejeição da preliminar argüida pelo agravado, vez que o descumprimento da norma do artigo 526 do Código de Processo Civil, não lhes ocasionou prejuízo. Necessidade de realização da prova pericial psicológica e estudo social por perito de confiança do juízo tendo em vista a natureza da lide. Decisão monocrática, com fulcro no artigo 557, §1º, do Código de Processo Civil, dando provimento ao recurso. (grifo nosso). [56]

Sendo assim, é prudente que toda ação indenizatória por bullying seja instruída com documentos médicos e laudos psicológicos comprobatórios da afetação psíquica da vítima, além de todas as provas necessárias que comprovem a ofensa à sua dignidade.

Outra questão que gostaríamos de tratar aqui é a seguinte: diante da incapacidade dos agressores, quem integraria o pólo passivo da ação de indenização por dano moral?

Sabemos que, nos casos de bullying escolar, normalmente o aluno é vítima de seus próprios pares que, em sua maioria, têm menos de dezesseis anos de idade. Sendo assim, os responsáveis pela vítima lesada não poderiam propor uma ação de indenização em face desses agressores, pois, por serem absolutamente incapazes, não poderiam integrar o pólo passivo desta demanda. Tendo em vista essa impossibilidade jurídica, poderiam ser responsabilizados pelos danos causados à vítima os pais desses agressores ou as pessoas responsáveis pelo estabelecimento de ensino?

Vejamos o que diz RUI STOCO sobre a responsabilização dos incapazes:

Se o agente que praticou a ação ou omissão causadora do dano for menor de 16 anos de idade, será considerado absolutamente incapaz ou inimputável (CC, art. 3º, I), sendo certo, contudo, que, nos termos do art. 928 do CC, responderá pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. [...] O novo Código Civil, rompendo com o sistema anterior, estabeleceu a responsabilidade subsidiária ou secundária do incapaz, pois responsáveis imediatos pela reparação serão os pais, tutores e curadores. [57]

O professor ROBERTO SENISE LISBOA também esclarece que "o sistema subjetivista admite a chamada responsabilidade indireta, que é aquela que recai sobre o responsável por conta de ato praticado por outra pessoa, a título de representação ou preposição." [58] Sendo assim, inicialmente poderia haver o entendimento de que os pais seriam os responsáveis pelos atos ilícitos dos filhos. O poder familiar os obriga a orientar e disciplinar devidamente a ponto de que fosse evitado esse comportamento antissocial:

Código Civil. Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; [...] VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

O magistério de JOSÉ DE AGUIAR DIAS ilustra bem a responsabilidade do(s) pai(s) em educar seus filhos no seu mais amplo sentido:

Quando se cogita da responsabilidade paterna, tem-se em vista o inadimplemento real ou presumido dos deveres que ao pai corre em relação ao menor. Esses deveres são de duas ordens: a) assistência, que não é só a material, traduzida na prestação de alimentos e satisfação de necessidades econômicas, mas também moral, compreendendo a instrução e a educação, esta no seu mais amplo sentido; b) vigilância. Na primeira categoria se entende incluída a obrigação de propiciar ao menor, ao lado da prestação de conhecimentos compatíveis com as suas aptidões e situação social e com os recursos do pai, o clima necessário ao seu sadio desenvolvimento moral, inclusive pelo bom exemplo. A vigilância é o complemento da obra educativa, e far-se-á mais ou menos necessária, conforme se desempenhe o pai da primeira ordem de deveres. Esses os motivos por que se presume a responsabilidade do pai. Um filho criado por quem observe à risca esses deveres não pode ser autor de injusto prejuízo para outrem. [59]

Porém, considerando o que dispõem os incisos I e IV do artigo 932 do CC, os donos de estabelecimento de ensino também seriam responsáveis pela reparação civil:

Código Civil.Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; [...] IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; [...]. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

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Sobre a transferência da responsabilidade dos pais para o estabelecimento de ensino, nos ensina os professores NICOLAU JR. e NICOLAU:

Durante o período em que o aluno se encontra sob os cuidados da escola e dos educadores ocorre um hiato no efetivo exercício da guarda por parte dos pais, até porque, durante esse tempo, o próprio acesso dos pais ao interior da escola não é permitido com naturalidade e de bom grado. Dessa forma, os atos praticados pelos alunos dos quais venha a resultar danos a outrem ou, até mesmo, a outros alunos, resulta na responsabilidade indenizatória da própria escola. [60]

Com fulcro no inciso I do artigo 932 do Código Civil, entendeu a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pela responsabilização dos pais num caso de bullying onde o filho menor teria criado, no PC da residência dos pais, uma página na internet para ofender um colega de classe:

Ementa. Apelação. Responsabilidade civil. Internet. Uso de imagem para fim depreciativo. Criação de flog. Página pessoal para fotos na rede mundial de computadores. Responsabilidade dos genitores. Pátrio poder. Bullying. Ato ilícito. Dano moral in re ipsa. Ofensas aos chamados direitos de personalidade. Manutenção da indenização. [...] PC do ofensor. [...] A prática de bullying é ato ilícito, haja vista compreender a intenção de desestabilizar psicologicamente o ofendido, o qual resulta em abalo acima do razoável, respondendo o ofensor pela prática ilegal. Aos pais incumbe o dever de guarda, orientação e zelo pelos filhos menores de idade, respondendo civilmente pelos ilícitos praticados, uma vez ser inerente ao pátrio poder, conforme inteligência do art. 932, do Código Civil. Hipótese em que o filho menor criou página na internet com a finalidade de ofender colega de classe, atrelando fatos e imagens de caráter exclusivamente pejorativo. Incontroversa ofensa aos chamados direitos de personalidade do autor, como à imagem e à honra, restando, ao responsável, o dever de indenizar o ofendido pelo dano moral causado, o qual, no caso, tem natureza in re ipsa. [...] Apelos desprovidos. [61]

No entanto, num julgado da 10ª Câmara Cível no Tribunal do mesmo Estado, encontramos a responsabilização do estabelecimento de ensino e da educadora pela agressão sofrida por um aluno que estava sob os seus cuidados:

Ementa. Apelação civil. Responsabilidade civil. Responsabilidade do estabelecimento do ensino. Agressão entre menores. Falta de cuidado da educadora e da escola. Agravo retido. Denunciação da lide. Tratando de responsabilidade fundada no artigo 932, inciso IV, do código civil, não procede a denunciação da lide, haja vista a inexistência de direito de regresso do estabelecimento de ensino contra os pais do causador do dano. Ilegitimidade passiva da professora. Sendo a educadora responsável pela vigilância aos menores que se envolveram na agressão, tem legitimidade para responder por danos decorrentes do evento. Tendo a educadora e a escola faltada com o cuidado necessário na guarda dos alunos da turma maternal, cujos antecedentes indicavam a presença de um aluno com histórico de brigas, devem responder pelos danos causados pela agressão (e não agressividade) verificada. Dano moral puro. [...] Apelações providas, em parte. Agravo retido desprovido. Decisão unânime. [62]

JOSÉ DE AGUIAR também entende que o educador poderá ser responsabilizado solidariamente com o estabelecimento de ensino, malgrado isso não esteja expresso no art. 932 do CC:

No direito francês, cogita-se expressamente da responsabilidade dos professores e mestres de ofício. Ao passo que o nosso art. 932 do Código Civil de 2002, tal qual o revogado art. 1521 do Código Civil de 1916, não faz referência a educadores. Nem por isso se advogará com bom êxito entendimento diferente, porque a nossa fórmula é mais geral: a idéia de vigilância é mais ampla do que a de educação, devendo entender-se que essas pessoas respondem pelos atos dos alunos e aprendizes, durante o tempo que em sobre eles exercem vigilância e autoridade. Os danos por que respondem são, ordinariamente, os sofridos por terceiros, o que não quer dizer que os danos sofridos pelo próprio aluno ou aprendiz não possam acarretar a responsabilidade do mestre ou diretor do estabelecimento. [63]

Sendo assim, tanto o administrador quanto os professores da escola poderão estar sujeitos aos tipos de culpa descritos na doutrina de CARLOS ROBERTO GONÇALVES:

A culpa em eligendo é a que decorre da má escolha do representante ou preposto. In vigilando é a que resulta da ausência de fiscalização sobre pessoa que se encontra sobre a responsabilidade ou guarda do agente. [...] A culpa in omittendo decorre de uma omissão, só tendo relevância para o direito quando haja o dever de não se abster. (grifo do autor). [64]

Infere-se das doutrinas acima expostas que apesar dos pais serem responsáveis pela educação de seus filhos no sentido mais amplo do termo, o dever de vigilância transfere-se para o estabelecimento de ensino a partir do momento em que os infantojuvenis estiverem sob a sua responsabilidade e cuidado. Depreende-se também que a omissão desses responsáveis foi determinante para a ocorrência de bullying em seu estabelecimento.

No entanto, CARLOS ROBERTO GONÇALVES acrescenta que:

O art. 933 do novo Código Civil dispõe, todavia, que as pessoas mencionadas no art. 932 (pais, tutores, empregadores etc.) "ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos". Não mais se indagará, portanto, para condenar as referidas pessoas a indenizar, se agiram com culpa in vigilando ou in eligendo, pois respondem objetivamente, isto é, independentemente da culpa, pelos atos dos terceiros mencionados. (grifo do autor).

A responsabilidade objetiva observada neste artigo é uma das exceções, considerando a predominância da culpa no Código Civil.

Toda a análise da responsabilidade civil empreendida nesta seção foi feita com base no Código Civil. Na seção seguinte, pautaremos a nossa análise na relação de consumo, existente entre o estabelecimento de ensino privado (fornecedor de serviço) e o aluno (consumidor), através do seu representante, que os submete ao Código de Defesa do Consumidor.

3.3.O bullying e o Código de Defesa do Consumidor

3.3.1.A definição de consumidor e fornecedor

Na lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, ou Código de Defesa do Consumidor, encontramos as seguintes características de consumidor:

CDC. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Verifica-se então que, de acordo com o caput do artigo supracitado, ao utilizar como destinatário final a prestação de serviço educacional, o aluno vítima de bullying pode ser considerado consumidor.

Sabemos também que, nessa relação de consumo, o consumidor é a parte vulnerável e por isso deve ser atendido em suas necessidades. [65] Sobre a vulnerabilidade do consumidor CLAUDIA LIMA MARQUES explica que:

a vulnerabilidade é mais um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação. [66]

O aluno vítima de bullying se enquadraria também na interpretação jurídica de consumidor mais restritiva e tradicional da doutrina brasileira: a interpretação finalista. O professor BRUNO MIRAGEM esclarece que o elemento característico da interpretação finalista é:

o fato de não haver a finalidade da obtenção de lucro em razão do ato de consumo, nem de implemento a uma determinada atividade negocial, assim como a completa exaustão da função econômica do bem, pela sua retirada do mercado. Nesta visão, o consumidor seria aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço para satisfação de interesse próprio ou de sua família. Seria, portanto, o não profissional, não especialista, a quem o direito deve proteger. [67]

Podemos então concluir, que, sem sombra de dúvida, o aluno se enquadra no que foi caracterizado pela lei e pela doutrina como consumidor.

Vejamos agora como o art. 3º da lei nº 8.078/90 conceitua fornecedor:

CDC. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. [...] § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Ao lermos o artigo citado acima, perceberemos que conceituar fornecedor é mais simples do que consumidor, "sobretudo porque junto com a noção ampla conferida pelo legislador, a pessoa física ou jurídica que forneça um produto ou um serviço no mercado de consumo na maioria das vezes exercerá uma atividade profissional, habitual e voltada ao lucro." [68] Sendo assim, fica claro que a prestação de serviço mediante remuneração do estabelecimento de ensino privado o caracteriza como fornecedor.

Destacamos aqui que, conforme exigência do § 2º do artigo 3º, a ligação entre o aluno, através do seu representante, e o estabelecimento de ensino deve, necessariamente, se dar mediante remuneração para que fique caracterizada a relação consumerista. Quanto à opção pela expressão "remunerado" no lugar de "oneroso" CLAUDIA LIMA MARQUES esclarece que:

significa uma importante abertura para incluir os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto é, quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos, por exemplo, no transporte gratuito de idosos), ou quando ele paga indiretamente o "benefício gratuito" que está recebendo (com a catividade e os bancos de dados positivos de preferências de consumo e de marketing direcionado, que significam as milhas, os cartões de cliente preferencial, descontos e prêmio se indicar um "amigo" ou preencher um formulário). [69]

Mesmo com essa amplitude relativa ao termo escolhido, se o estabelecimento de ensino for remunerado pelo crédito educativo fica descaracterizada a relação de consumo, conforme julgamento encontrado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que pela sua 2ª Turma decidiu:

Ementa. Administrativo. Crédito educativo. Natureza jurídica. Código de Defesa do consumidor. Na relação travada com o estudante que adere ao programa do crédito educativo, não se identifica relação de consumo, porque o objeto do contrato é um programa de governo, em benefício do estudante, sem conotação de serviço bancário, nos termos do art. 3º, § 2º, do CDC. Contrato disciplinado na Lei 8.436/92, em que figura a CEF como mera executora de um programa a cargo do Ministério da Educação, o qual estabelece as normas gerais de regência e os recursos de sustentação do programa. Recurso especial desprovido. [70]

Depois de tratarmos de todos os esses precedentes abordaremos na próxima seção os deveres e direitos pertinentes aos protagonistas da relação de consumo.

3.3.2.A segurança e a qualidade como deveres do fornecedor

A disposição normativa constante no artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor trata de um dever fundamental do fornecedor, o dever de segurança:

CDC. Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Esse dever, que foi estabelecido pelo legislador tendo em conta a sociedade de risco em que nós estamos inseridos, é negligenciado quando o pai (consumidor) percebe que seu filho foi vítima de bullying estando sob os cuidados do estabelecimento de ensino (fornecedor).

O estabelecimento de ensino tem o dever de garantir a segurança esperada de seus serviços sob pena de poder ser responsabilizado pelos danos decorrentes da falha dessa garantia. Sobre essa questão, o magistério de SERGIO CAVALIERI FILHO esclarece:

Que dever impõe a lei ao fornecedor de produtos e serviços? Quando se fala em risco de consumo, o que se tem em mente é a idéia de segurança. O dever jurídico que se contrapõe ao risco é o dever de segurança. Risco e segurança são elementos que atuam reciprocamente no meio do consumo, como vasos comunicantes. Onde houver risco terá que haver segurança. Quanto maior o risco, maior será o dever de segurança. [...] Portanto, para quem se propõe fornecer produtos e serviços no mercado de consumo a lei impõe o dever de segurança; dever de fornecer produtos seguros, sob pena de responder independentemente de culpa (objetivamente) pelos danos que causar ao consumidor. Aí está, em nosso entender, o verdadeiro fundamento da responsabilidade do fornecedor. (grifo do autor). [71]

Para o Ministro ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN, essa proteção deveria ter como fundamento algo que estivesse um patamar acima dos critérios estabelecidos. Sendo assim, a proteção devida ao consumidor deveria estar alicerçada na qualidade, e não apenas na segurança. Tal pensamento ensejou na construção da Teoria da Qualidade, descrita assim pelo Ministro:

No direito do consumidor é possível enxergar duas órbitas distintas – embora não absolutamente excludentes – de preocupações. A primeira centraliza suas atenções na garantia na incolumidade físico-psíquica do consumidor, protegendo sua saúde e segurança, ou seja, preservando sua vida e integridade contra os acidentes de consumo provocados pelos riscos de produtos e serviços. A segunda esfera de inquietação, diversamente, busca regrar a incolumidade econômica do consumidor em face dos incidentes (e não acidentes!) de consumo capazes de atingir seu patrimônio. [72]

Considerando que ao possibilitar a ocorrência de bullying em seu estabelecimento o prestador de serviço não cumpriu com o dever de segurança, ou garantia de qualidade, esperada pelo aluno e seu representante, faremos agora uma exposição dos principais pontos referentes à responsabilização pelo fato de serviço prestado ao consumidor.

3.3.3.A responsabilidade pelo fato do serviço

O professor BRUNO MIRAGEM conceitua esse tipo de responsabilidade no contexto brasileiro da seguinte forma:

A responsabilidade civil pelo fato do produto ou do serviço consiste no efeito de imputação ao fornecedor, de sua responsabilização em razão dos danos causados, em razão de defeito na concepção ou fornecimento de produto ou serviço, determinando seu dever de indenizar pela violação do dever geral de segurança inerente a sua atuação no mercado de consumo. No direito brasileiro, o regime de responsabilidade distingue-se em razão do dever jurídico violado pelo fornecedor. A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de segurança, ou seja, quando o produto ou serviço não oferece a segurança que o consumidor deveria legitimamente esperar. (grifo do autor). [73]

O caput do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor afirma que o fornecedor responderá, "independentemente da existência de culpa", ou seja, objetivamente, pela reparação dos danos causados ao consumidor. [74]

NICOLAU JR. e NICOLAU discorrem sobre esse fato no seu artigo:

Sabe-se que a responsabilidade do estabelecimento privado de ensino, após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, não se apresenta mais como responsabilidade indireta do educando, mas sim, como responsabilidade objetiva direta, com esteio no artigo 14, do CDC. O dever do fornecedor (colégio) de prestar serviços seguros a seus consumidores (alunos) funda-se no fato do serviço o não no fato do preposto ou de outrem, como outrora era entendido. Desse modo, para se aferir a responsabilidade pelos danos sofridos pelo autor, faz-se premente apenas a verificação da existência de conduta, seja ela comissiva ou omissiva, do nexo causal e do dano alegado, sem se perquirir sobre qualquer elemento subjetivo. [75]

Quanto ao nexo causal entre a conduta do responsável pelo defeito do serviço e o dano sofrido pelo aluno, não será exigida em juízo ao representante do aluno nenhuma prova mais elaborada sobre o ocorrido. O ônus da prova é do estabelecimento de ensino e ao consumidor só caberá provar "a chamada prova de primeira aparência, prova de verossimilhança, decorrente das regras da experiência comum, que permita um juízo de probabilidade." [76]

Sobre a importância do nexo causal esclarece SERGIO CAVALIERI FILHO:

Mesmo na responsabilidade objetiva é indispensável o nexo causal. Esta é a regra universal, quase absoluta, só excepcionada nos raríssimos casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral, o que não ocorre no Código do consumidor. Inexistindo relação de causa e efeito, ocorre a exoneração da responsabilidade, conforme enfatizado em várias oportunidades. [77]

A irresponsabilidade do fornecedor por não haver nexo causal está prevista no § 3° do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor: "O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."

A primeira hipótese que exclui a responsabilidade do fornecedor é a comprovação da inexistência de defeito na prestação de serviço. Nos casos de bullying, caso o estabelecimento queira se beneficiar dessa excludente, ele deverá comprovar que à época do incidente ele ofereceu ao consumidor a segurança que era esperada. Para ilustrar esse fato, segue abaixo o julgamento da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

Ementa. Relação de consumo. Estabelecimento de ensino. Prestação de serviço de tutela de menor. Alegação de abalos psicológicos decorrentes de violência escolar. Prática de bullying. Ausência de comprovação do cometimento de agressões no interior do estabelecimento escolar. Adoção das providências adequadas por parte do fornecedor. Observância do dever de guarda. Falha na prestação do serviço não configurada. Fatos constitutivos do direito da autora indemonstrados. Manutenção da sentença. Recurso desprovido. [78]

A outra possibilidade de excludente de responsabilidade do estabelecimento de ensino seria a comprovação da culpa exclusiva da vítima, fato esse que ficou demonstrado numa ação de dano moral julgada pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa. Dano moral. Pedido fundado na alegação de que os réus teriam injuriado a autora e a agredido fisicamente. Ausência de prova concreta a esse respeito. Documento subscrito pela diretora do estabelecimento de ensino que sugere haver sido a autora quem iniciou o entrevero. Não caracterização da responsabilidade do instituto de ensino, porquanto agiu de forma diligente quando do desentendimento entre seus alunos. Não configuração de dano moral. Apelo desprovido. [79]

Quanto a não responsabilização por culpa exclusiva de terceiro, devemos observar que "a posição de terceiro, neste sentido, é admitida a todo aquele que, não participando da cadeia de fornecimento, realiza conduta que dá causa ao evento danoso de modo independente da conduta do fornecedor ou do defeito." [80] Essa independência de conduta do fornecedor não se observa quando, sob a guarda e vigilância dos responsáveis pelo estabelecimento de ensino, um aluno é agredido por um terceiro que por qualquer motivo tenha invadido aquelas dependências. É o que foi decidido pela 1ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e pela 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa. Responsabilidade civil. Estabelecimento de ensino. Agressão física. Dano moral. Estudante agredido fisicamente no recinto do estabelecimento escolar. Quebra do dever de vigilância sobre o acesso de elementos estranhos ao corpo discente. Dever também de velar pela preservação de integridade física dos alunos, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados. Sentença de primeiro grau mantida por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. [81]

Ementa. Responsabilidade civil. Aluno matriculado em estabelecimento de ensino oficial, morto por indivíduos que invadiram a escola no período de aulas. Danos morais e patrimoniais. Verbas devidas. Omissão do Estado em zelar pela segurança dos alunos. Prejudicando o recurso da Fazenda. Recurso dos autores parcialmente provido. Ao receber o estudante, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou da rede particular para as atividades curriculares, recreação, aprendizado e formação escolar, a entidade de ensino fica investida no dever de guarda e preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus pupilos, que possa resultar do convívio escolar. [82]

Apesar das excludentes por caso fortuito e força maior não estarem previstas no Código de Defesa do Consumidor, BRUNO MIRAGEM esclarece que boa parte da doutrina consumerista e da jurisprudência tem entendido que

só é considerada excludente da responsabilidade do fornecedor o chamado caso fortuito externo, ou seja, quando o evento que dá causa ao dano é estranho à atividade típica, profissional, do fornecedor. Apenas nesta condição estará apta a promover o rompimento do nexo de causalidade, afastando totalmente a conduta do fornecedor como causadora do dano sofrido pelo consumidor. [83]

Depois de tratarmos das excludentes de responsabilidade do fornecedor, verificaremos como o Código de Defesa do Consumidor disciplina a proteção contratual do consumidor, proibindo a "cláusula de não indenizar", tendo em vista o vínculo contratual existente entre o aluno e a escola.

O contrato de prestação de serviço educacional, em regra, é por adesão. Isso significa que as cláusulas contratuais são pré-estabelecidas pelo estabelecimento de ensino, não podendo o representante do aluno dispor sobre as mesmas, cabendo a ele aceitá-las ou não no ato da contratação do serviço. Caso o aluno seja lesionado na escola por atos de bullying, as cláusulas contratuais constantes no contrato que impossibilitem, exonerem ou atenuem a obrigação de indenizar do fornecedor são vedadas e, portanto, nulas de pleno direito, conforme verificamos nos artigos 25 e 51 do Código de Defesa do Consumidor:

CDC. Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; [...].

Essa vedação legal decorre de interesses públicos e sociais relevantes, é o que inferimos das palavras do Promotor LEONARDO ROSCOE BESSA:

O inciso I do art. 51, ou seja, a vedação de cláusula limitando ou excluindo o dever de indenizar nas relações de consumo, decorre naturalmente do fato de as normas do Código de defesa do consumidor serem "de ordem pública e interesse social" (art. 1º) e, portanto, inafastáveis por disposição contratual. O dispositivo abrange tanto os direitos e indenizações decorrentes dos vícios do produto e do serviço (arts. 18 a 25), como as hipóteses indenizatórias relativas ao fato do produto e do serviço (acidentes de consumo), previstas nos arts. 12 a 17. O art. 25 do CDC reforça, mais uma vez, a vedação de qualquer estipulação contratual que exonere ou diminua a obrigação de indenizar decorrente de fato ou de vícios dos produtos e serviços, [...]. [84]

Sendo assim, não resta dúvida de que "a indenização derivada do fato do produto ou do serviço não pode ser excluída contratualmente. [...] Não vale, portanto, a "cláusula de não indenizar". [85]

Para encerrar devidamente essa análise da responsabilidade civil na relação de consumo, não poderíamos esquecer de abordar o instituto da prescrição, onde "o direito da parte fica privado da ação que o assegura." [86]

A prescrição está regulada no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor:

CDC. Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. (grifo nosso).

Esse é o prazo que o representante do aluno vítima de bullying tem para ingressar no judiciário a fim pleitear uma indenização pelas agressões sofridas pelo infantojuvenil. Depois desse prazo, essa pretensão à reparação pelos danos sofridos prescreve.

Sobre o início da contagem do prazo, BRUNO MIRAGEM esclarece que:

a norma brasileira foi clara ao estabelecer que o termo inicial se dá quando houver o conhecimento do dano e de sua autoria. Trata-se, portanto, do conhecimento efetivo, não o suposto ou exigível em dadas e incertas circunstâncias. Da mesma forma, note-se que não basta ter conhecimento do dano, mas é necessário também que conheça a sua autoria, o que importa saber para efeito de determinar contra quem exercerá sua pretensão reparatória. A prescrição como fenômeno extintivo da pretensão sustenta-se no conhecido adágio romano, dormientibus ius non sucurrit (o direito não socorre aos que dormem). No caso, tratou o legislador do CDC de estabelecer a certeza da possibilidade real de exercício da pretensão (consciência do dano e de sua autoria), para então estabelecer critério de início da fluência do prazo prescricional. (grifos do autor). [87]

Considerando o que foi exposto acima, convém destacar que, no caso de bullying, a autoria que precisa ser identificada não está especificamente relacionada com os alunos agressores, mas sim com o estabelecimento de ensino onde ocorreu o fato lesivo. No caso em estudo, é a conduta omissiva do estabelecimento de ensino que o faz autor.

No Código Civil, no inciso V do § 3º do artigo 206, em caso de pretensão de reparação civil, o prazo prescricional é menor do que o previsto pela lei consumerista: 03 (três) anos. Essa diferença é criticada pelo Professor RUI STOCO nos termos seguintes:

Ora, se se estabelece o prazo prescricional de cinco anos para manifestar a pretensão de reparação dos danos causados por fato do produto ou do serviço (CDC, art. 27) e para as ações de responsabilidade civil contra as pessoas jurídicas de direito público (Fazenda Pública), nada justifica que, para as ações da mesma natureza, fincadas na lei civil codificada, o prazo seja de apenas três anos. A previsão de prazo menor, em detrimento da vítima, resvala no princípio constitucional da isonomia posto que "ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio." [88]

Apesar de ter sido criticada acima, essa diferença de prazo prescricional entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil não prejudica em nada o consumidor, já que ele será favorecido com o maior prazo contido na lei especial.

Após percorrermos esta monografia tratando de algumas questões que julguei importantes referentes ao bullying escolar, aos direitos dos infantojuvenis e a responsabilidade civil, convido o leitor para um último ponto de reflexão desta monografia: a responsabilidade civil subsidiária do Estado em ações indenizatórias que tratam de Educação.

Iniciaremos a nossa reflexão com a visão do constituinte de 1988 sobre educação. Verifica-se nos artigos constitucionais transcritos abaixo que a educação é um direito social e um dever do Estado:

Constituição. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com o dever de ser promovida e incentivada, pela sociedade, tendo em vista o pleno desenvolvimento humano, a educação é imprescindível para garantir a realização de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. [89]

O Promotor de Justiça CARLOS CEZAR BARBOZA faz a seguinte afirmação diante da importância da educação na Constituição Federal: "A imprescindibilidade dos serviços educacionais para a formação humana e para o corpo social e o reconhecimento do Estado de que a prestação de tais serviços se arrola entre os direitos sociais e é obrigação sua, caracterizam-nos como serviços públicos, no sentido próprio. [90]

A afirmação do Promotor supracitado de que os serviços educacionais são serviços públicos só seria correta se levássemos em conta apenas a prestação do serviço educacional feita pelo Poder Público. Porém, sabendo que a prestação de serviços educacionais em nosso país não é uma função privativa do Estado, [91] qual seria a natureza jurídica do serviço prestado pelas instituições de ensino privado? Serviço público ou serviço privado?

Prevalece entre os doutrinadores brasileiros de Direito Administrativo a classificação da natureza jurídica da prestação de serviço das escolas particulares como serviço privado. Vejamos como exemplo, o posicionamento de dois grandes administrativistas:

- MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: "A educação é um serviço não exclusivo do Estado e considerado serviço público impróprio porque fica sujeito a autorização e controle do Estado, com base em seu poder de polícia. Por atenderem as necessidades coletivas, são considerados serviços públicos; mas impropriamente públicos, porque falta um dos elementos do conceito de serviço público, que é a gestão, direta ou indireta, pelo Estado." (grifo nosso). [92]

- JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO: "O objeto da parceria entre o Poder Público e instituições do setor privado reside no desempenho de atividades de caráter social que têm singularidade especial. Se executadas diretamente pelo Poder Público, enquadrar-se-ão como serviços públicos; se exercidas diretamente por pessoas do setor privado, serão caracterizadas como atividades privadas, porque prescindem do instituto da delegação e admitem desempenho pelo setor privado, lucrativo ou eminentemente social." (grifo nosso). [93]

Ao pesquisarmos um pouco mais sobre a questão, verificamos que também concluem, como José dos Santos Carvalho Filho, pela natureza de serviço privado: José Cretella Júnior, [94] Celso Antônio Bandeira de Mello, [95] Odete Medauar, [96] Alexandre Santos de Aragão [97] e Paulo Modesto. [98]

Apesar de haver quase um consenso entre os doutrinadores de que a natureza do serviço prestado pelas escolas particulares é de serviço privado, não foi dessa forma que entendeu o Supremo Tribunal Federal, conforme podemos observar no julgamento transcrito abaixo:

Ementa. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Nº 6.584/94 do Estado da Bahia. Adoção de material escolar e livros didáticos pelos estabelecimentos particulares de ensino. Serviço Público. Vício formal. Inexistência. Os serviços de educação, sejam os prestados pelo Estado, sejam os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. Tratando-se de serviço público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação, rigorosamente acatar as normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo Estado-membro, no exercício de competência legislativa suplementar (§2º do art. 24 da Constituição do Brasil). Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente. (grifo nosso). [99]

Caso a natureza jurídica da prestação de serviço educacional privada seja considerada de serviço público, como julgou o Supremo Tribunal Federal, poderia o Estado ser responsabilizado subsidiariamente com base no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal, [100] quando o estabelecimento de ensino privado for considerado insolvente para indenizar a vítima de bullying?

Este trabalho monográfico não tem a pretensão de prestar esclarecimentos sobre esse questionamento, pois se trata de um tema extremamente complexo para ser tratado satisfatoriamente por uma pessoa que se julga leiga no assunto. Ao abordar a questão, tive apenas o propósito de lançar uma semente para, quem sabe, buscar uma resposta no futuro, quiçá num próximo trabalho científico.

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Sobre o autor
Marcelo Magalhães Gomes

Serventuário do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Marcelo Magalhães. O bullying e a responsabilidade civil do estabelecimento de ensino privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2844, 15 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18907. Acesso em: 24 abr. 2024.

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