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Análise crítica e comparativa entre as medidas de salvaguarda e as de antidumping previstas no GATT

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1- Introdução

Neste breve trabalho acadêmico procurar-se-á realizar uma análise crítica e comparativa entre as medidas de salvaguarda, previstas no artigo XIX do General Agreement on Tariffs and Trade ou Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1947), e as medidas antidumping, que estão dispostas no artigo VI do mesmo documento.

Para tanto, far-se-á, primeiramente, uma apresentação geral do conceito de salvaguarda e antidumping no que tange às práticas comerciais vinculadas ao GATT. Em seguida, buscaremos comparar os dois institutos, verificando algumas de suas diferenças e semelhanças. Mais à frente tentaremos mostrar como funcionam os mecanismos de salvaguarda e antidumping no Brasil. E, para finalizar, teceremos uma rápida crítica aos institutos.


2- Considerações gerais sobre salvaguardas e antidumping

Podemos dizer que as medidas de salvaguarda são normas de caráter urgente aplicadas contra as importações de determinados produtos, independentemente de sua procedência, e que podem, somente, ser aplicadas durante o prazo necessário para prevenir ou reparar o dano causado e facilitar o restabelecimento da indústria doméstica.

Como previsto no artigo XIX do GATT, a parte contratante poderá, nesses casos, suspender a obrigação no todo ou em parte, ou retirar ou modificar a concessão de tarifas reduzidas. Na prática, isso se traduzirá em medidas como a elevação de tarifas além dos níveis consolidados e o estabelecimento de restrições quantitativas às importações desse determinado produto.

Já o dumping pode ser definido como sendo a exportação de produtos a um preço inferior ao seu valor normal, numa situação com dano ou ameaça de dano constatada à indústria doméstica, ou de retardo ao estabelecimento da indústria do setor similar ao referido produto e que haja, comprovadamente, uma relação de causalidade entre o dano ou retardo e a prática do dumping. Então, para que possamos afirmar a existência de um dumping é preciso que comprovemos estes três elementos: a existência do dumping, o dano ou retardo à indústria local do país importador e o nexo de causalidade entre dumping e dano ou retardo.

Quando há uma situação configurada de dumping surge o direito ao antidumping, que pode ser entendido como a possibilidade de agir contra essas práticas comerciais desonestas. O efeito prático produzido pelo antidumping previsto no GATT é a cobrança de uma taxa de antidumping, que deverá ser calculada em função da diferença entre o preço de exportação do produto e o valor normal das vendas deste produto, ou de um similar, no seu país de origem, ou, caso não exista um "preço doméstico", ao preço mais alto para o produto similar para exportação para qualquer outro país ou ao custo de produção do produto no país de origem, adicionado de uma margem para as despesas com custos de venda e lucro.

A utilização das medidas de antidumping deve estar vinculada à pesquisas e estudos verificando, detalhadamente, as vendas passadas do produto em questão e o cálculo de custos do país sob suspeita de dumping. Caso fique comprovado que a margem de dumping praticado é irrelevante, ou se a quantidade de produtos importados com dumping for insignificante para o seu mercado, a medida antidumping será imediatamente suspensa.


3- Comparação entre as medidas de salvaguarda e antidumping

Embora tanto as medidas antidumping quanto as de salvaguarda tenham um viés protecionista e proponham um aumento no custo de exportação do produto, elas são bem distintas em suas finalidades.

Enquanto as medidas antidumping têm como principal objetivo o combate às práticas desleais no comércio, as salvaguardas não têm, pois nas salvaguardas as práticas comerciais em questão são leais, embora também acarretem em prejuízo ou retardo à indústria doméstica. Podemos também dizer que as salvaguardas são mais transparentes que as medidas antidumping e possuem menos requisitos para a sua aplicação.

Outra diferença entre esses dois institutos é que as salvaguardas são aplicadas conforme a cláusula da Nação Mais Favorecida, isto é, as medidas adotadas são aplicadas a todos os países indistintamente. Já as medidas antidumping são aplicadas aos produtores específicos somente.

Além disso, as salvaguardas têm uma duração máxima de três anos de aplicação, que se forem prorrogados deverão ser acompanhados de medidas compensatórias ao país cujas exportações foram afetadas.


4- Salvaguardas e antidumping no âmbito interno

No Brasil, o órgão que detém a coordenação sobre a utilização dos mecanismos de salvaguarda e antidumping, de acordo com o Decreto nº 4.732, de 10 de junho de 2003, que regula sobre as suas competências, é a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), que integra o Conselho do Governo.

A CAMEX dispõe, em seu próprio site na internet, de formulários que servem como ponto de partida para a investigação de dumping ou da necessidade da utilização de medidas de salvaguarda para a defesa comercial.

Um exemplo da adoção de medidas de salvaguarda pela CAMEX foi contra a China, sobre os produtos têxteis. Segue um trecho da notícia da regulamentação dessa salvaguarda, publicada no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no dia 22 de junho de 2005:

"(...) No caso dos têxteis, após o término do prazo de consultas preliminares, caso não seja atingido um acordo, será aberta uma investigação e haverá um prazo para consultas formais junto ao governo chinês por 90 dias. Durante este período de três meses, a China deverá aplicar automaticamente uma auto-restrição de exportação de seus produtos, de forma que não ultrapasse em 7,5% a média dos 14 meses anteriores (6% para o caso de fibras de lã).

O secretário da Camex afirmou também que o dano aos setores poderá ser causado tanto pelo aumento súbito de importações como também por ações de terceiros países. ‘Caso um outro país adote a salvaguarda e haja um desvio deste comércio para o Brasil, isto também pode ser usado para comprovar o dano’, informou Mugnaini.

Segundo o texto aprovado hoje, a salvaguarda para têxteis terá validade de um ano, sendo que o setor pode entrar com nova petição solicitando outra salvaguarda de um ano. Para as salvaguardas transitórias, o prazo é de dois anos, com prorrogação de mais um, mediante petição".

Já a adoção de medidas antidumping pode ser exemplificada com a seguinte notícia, veiculada no mesmo site da anterior, no dia 25 de março de 2009:

"A Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou hoje (25/3), no Diário Oficial da União, duas resoluções que aplicam direito antidumping sobre as importações brasileiras de acrilato de butila, quando originárias dos Estados Unidos, e pneus para bicicleta indianos. As medidas, que foram aprovadas ontem na reunião do Conselho de Ministros do órgão, realizada no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), entram em vigor a partir de hoje.

A Resolução Camex nº 15, de 24 de março de 2009, encerra a investigação e aplica o direito antidumping definitivo, por um período de até cinco anos, sobre as importações brasileiras de acrilato de butila (NCM 2916.12.30), originárias dos Estados Unidos. Os valores do mecanismo de defesa comercial foram estipulados por empresa produtora ou exportadora, da seguinte maneira: Arkema Inc., US$ 0,08/kg (oito centavos de dólar por quilograma); The Dow Chemical e Union Carbide Corporation, US$ 0,24/kg; e Rohm and Haas Company, US$ 0,19/kg. A alíquota cobrada de demais produtores ou exportadores dos EUA será de US$ 0,42/kg. A medida exclui o produto com teor de pureza igual ou superior a 99,8%, comercializado em frascos de vidro de até 2,5 litros.

O acrilato de butila é um insumo destinado à fabricação de resinas e dispersões acrílicas e seus derivados, que por sua vez, são utilizados na formulação de tintas imobiliárias, tintas industriais, vernizes e adesivos, entre outros.

Nas importações brasileiras de pneus para bicicleta, oriundos da Índia (NCM 4011.50.00), passam a incidir alíquota específica de US$ 0,08/kg (oito centavos de dólar por quilograma). Esta foi a medida da Resolução Camex nº 16, de 24 de março de 2009, que restabeleceu a aplicação do direito antidumping definitivo sobre as importações desse produto. Com essa determinação, fica revogada a Resolução Camex nº 2 de 2004, que tratava da suspensão desse mesmo direito".


5- Análise crítica sobre as medidas de salvaguarda e antidumping

As medidas de salvaguarda configuram-se como medidas protecionistas, mas que não são tão predatórias quanto podem ser as de antidumping, por serem mais transparentes, públicas, possuírem trâmites que impeçam o desvirtuamento de sua utilização, e propiciarem menos discricionariedade e mais uniformidade na interpretação de suas normas. Funcionam como um "remédio" temporário contra importações que, mesmo sendo lícitas e permitidas, causam prejuízo à indústria doméstica.

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Vale destacar que ao longo dos anos as medidas de salvaguarda vêm sendo pouco utilizadas, se comparadas às demais medidas de defesa comercial. A justificativa para essa baixa utilização é muito subjetiva, mas parece claro que a necessidade de negociar concessões para compensar a salvaguarda e a utilização do princípio da nação mais favorecida faz com que, em certos casos, se opte por utilizar os mecanismos antidumping.

As medidas antidumping são, na realidade, de eficácia muito contestada. Isso posto que embora na teoria o artigo VI do GATT faça certo sentido, na prática a realidade observada é bem diferente.

A verdade é que o instrumento do antidumping é usado em um volume muito grande (só o Brasil já iniciou mais de 150 processos de investigação de dumping), e isso não se deve somente ao aumento da prática de dumping, mas pelo aumento de empresas e países que utilizam esse instituto como medida de proteção de mercado.

O antidumping funciona como um oxigênio extra às empresas grandes que começam a perder mercado para empresas menores que conseguem oferecer preços mais baixos, pois apesar de saberem que não há uma situação de dumping e que vão perder, futuramente, a causa, elas conseguem ganhar um precioso tempo e muitas vezes prejudicam, através do processo de antidumping, a empresa concorrente a ponto dela fechar antes do processo ser concluído. Isso ocorre devido a lentidão dos processos que julgam o dumping e, principalmente, por causa da existência de uma taxa prévia ao julgamento (medida provisória), que é paga pelo sujeito da possível prática de dumping até a data da decisão judicial.

Um exemplo dessa prática desonesta, ainda que legal, ocorreu no ano de 2005, quando os criadores de camarão do Brasil e de cinco outros países foram atingidos por uma ação antidumping − impetrada por duas associações de pescadores dos Estados Unidos − alegando que esses países vendiam o produto a preços injustos, ou seja, abaixo daqueles do mercado interno, para ganharem espaço no mercado estadunidense. Tal medida representou, nesse mesmo ano, uma queda de 19,5% em volume de exportação do camarão brasileiro, pois com a taxa antidumping, o produto brasileiro teve um aumento no custo e perdeu competitividade.

As investigações de antidumping com o único intuito de prejudicar as empresas de menor porte apenas prejudicam a relação entre importadores e exportadores, que tendem a perder a confiança nas transações comerciais internacionais, o que pode causar um prejuízo para determinados setores da economia. Ainda mais atualmente, quando atravessamos por um momento de incertezas na economia e, conseqüentemente, com uma maior tendência protecionista, as medidas antidumping só aumentariam o protecionismo, dificultando a recuperação econômica.

No entanto, cabe ressaltar que nem todos os países compactuam com o uso malicioso das medidas antidumping. O Brasil e a Austrália, por exemplo, são um dos países com a maior taxa percentual entre o número de ações antidumping iniciadas e o número de medidas definitivas tomadas, pois utilizam, na maioria das vezes, o antidumping na sua forma correta.


6- Conclusão

Podemos dizer que o artigo do antidumping é bastante controverso (existem muitas pessoas que defendem até a sua revogação), pois teoricamente faz sentido, mas, na prática, é de aplicação muito problemática. As medidas antidumping, na realidade, mais prejudicam as negociações honestas do que ajudam na eliminação de situações reais de dumping, funcionando essencialmente como um instrumento protecionista, servindo como obstáculo ao livre fluxo comercial.

Por outro lado, apesar de ainda ser possível melhorá-lo, o artigo de salvaguardas possui um saldo geral relativamente positivo, servindo como prova de que nem todas as medidas de defesa comercial são necessariamente protecionistas, pois, na verdade, as salvaguardas funcionam como uma recuperação temporária da indústria nacional para voltar mais fortalecida e competitiva às disputas comerciais.


BIBLIOGRAFIA:

CARVALHO, Marina Amaral Egydio de. A proliferação das investigações antidumping e o Brasil. Revista Autor, São Paulo. Disponível em: <http://www.revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=312&Itemid=38>. Acesso em: 17 jan. 2011.

GATT. Wikipedia, Finlândia. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/General_

Agreement_on_Trade_in_Services>. Acesso em: 17 jun. 2011.

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Sobre o autor
Ciro Fernandes Rodrigues Baltar

Quartanista em Direito na UFRJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BALTAR, Ciro Fernandes Rodrigues. Análise crítica e comparativa entre as medidas de salvaguarda e as de antidumping previstas no GATT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2858, 29 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18997. Acesso em: 17 abr. 2024.

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