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A delação premiada e os institutos despenalizadores em paralelo aos juizados especiais criminais

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17/05/2011 às 20:15
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3 Teoria economicista dos delitos e das penas

A Criminologia, ciência que estuda os vários aspectos do crime, buscou, ao longo da história, encontrar causas para a criminalidade. Neste quadro, desenvolveu-se o paradigma da reação social, formulando a noção de labelling approach. Tal paradigma tem como tese central a idéia de que o desvio e a criminalidade não são qualidades intrínsecas da conduta ou realidades pré-constituídas, mas "etiquetas" atribuídas a determinados sujeitos, por meio de complexos processos de interação social. Desse modo, não há o que se falar em criminalidade ou criminosos, mas sim em criminalização e criminalizados. [34]

Em sentido contrário, observa-se a Teoria Economicista, conhecida também por Teoria Economicista dos delitos e das penas, apresentando como maior idealizador Gary Becker, que demonstra a seguinte idéia:

Uma pessoa comete um delito se a utilidade esperada do mesmo excede a utilidade que poderia obter empregando seu tempo e outros recursos em atividades alternativas. Portanto, algumas pessoas se convertem em delinqüentes, não porque suas motivações básicas difiram das de outras pessoas senão porque seus benefícios e custos diferem [35].

Assim sendo, a teoria economicista de Gary Becker parte do pressuposto de que o Estado não tem interesse e nem oportunidades para acabar com a criminalidade, zerando-a por completo, uma vez que deve manter um nível suportável de criminalidade.

Em sua tese, Cláudio Guimarães trata a respeito da Teoria Economicista de Becker, atribuindo as penas - analogicamente interpretando - como um preço a ser pago pelas atividades ilícitas cometidas por indivíduos que visam afrontar os bens jurídicos defendidos pela sociedade e pelo Direito Penal. Neste sentido, este autor deixa claro, sobre tal teoria que:

[...] por se considerar a pena como equivalente a um preço que se deve pagar pela comissão de uma atividade ilegal deve-se constituir o sistema penal em um conjunto de mecanismos que, de maneira análoga a quaisquer outras atividades de natureza econômica, fixe preços que venham a inibir as atividades economicamente ineficientes (delitos), assim como, em seu revés, deve incentivar as transações que suponham o mínimo custo e a maior utilidade, fazendo o melhor uso possível dos recursos disponíveis para a manutenção da segurança dos cidadãos [36].

Por fim, pode-se estabelecer uma contraposição entre os fundamentos da teoria economicista de Gary Becker com a finalidade proposta pelos Juizados Especiais Criminais, uma vez que estes buscam a redução da utilização de penas de caráter privativo, e aquela (teoria) considera que o sistema penal deve possuir mecanismos que fixem preços -ou penas- para inibir os delitos, sendo, portanto, um confronto à criminologia crítica.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Juizados Especiais Criminais, através dos institutos despenalizadores (da transação penal e da suspensão condicional do processo), oferece formidável contribuição ao sistema processual-penal brasileiro, uma vez que garante agilidade da Justiça, fazendo com que o Estado prontamente apresente respostas à criminalidade, no que concerne aos crimes de menor potencial lesivo, sendo, portanto, verdadeiros balizadores e meios de saída para obstar a privação de liberdade, desnecessária em alguns casos. Tais institutos se diferenciam dos encontrados no Direito Comparado uma vez que, nestes, o órgão da persecução tem livre arbítrio para escolher as medidas que pretende adotar, enquanto que no ordenamento pátrio as propostas são feitas em audiência pública pelo MP, que se restringe a delitos considerados "menores".

A respeito da utilização da Delação Premiada para a redução de penas, pode-se afirmar que esta, diferentemente da Teoria dos Jogos, se relaciona com o Processual Penal brasileiro no que tange à aplicação de penas, uma vez que não permite a condenação de alguém com base única e exclusivamente na palavra de co-réu, garantindo ainda ao acusado o direito ao contraditório e ampla defesa. Já a Teoria, e conseqüentemente, o dilema do prisioneiro, atribui a condenação (e imposição de penas) do autor do fato a partir do momento em que outro acusado incriminá-lo, sem que aquele tenha direito a se defender.

Por fim, vale ressaltar que a aplicação da Teoria dos Jogos só seria possível em face dos institutos despenalizadores, como exemplo, a transação, visto que é direito subjetivo do autor do fato aceitar (ou não) a proposta oferecida pelo membro do Parquet. Assim, é possível afirmar que ambos estão em um "jogo", em que cada um desenvolve diferentes estratégias visando à melhor solução, buscando-se assim, o

equilíbrio de Nash, que, como analisado, nem sempre é eficiente.

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Notas

  1. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 576.
  2. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. op. cit. p. 577-578.
  3. NETO, Fernando da Costa Tourinho. FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 515.
  4. Idem. op. cit. p. 489.
  5. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. op. cit. p 576.
  6. GOMES, Marcus Alan de Melo. Culpabilidade e Transação penal nos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 83.
  7. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6ª ed. Saraiva, 2001, pág. 542
  8. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 709.
  9. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. op. cit. p. 579.
  10. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. op. cit. p. 590.
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  13. GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo. 2.ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 127.
  14. LIMA, 1999. p. 28
  15. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. op. cit. 590.
  16. Ibidem, p. 29.
  17. MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal. 2. ed. 3. reimpr. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2004, p.836.
  18. JESUS, Damásio de. Delação Premiada. Revista Justilex. Brasília, ano IV, n. 50, p. 26-27, fevereiro de 2006.
  19. BOLDT, Raphael. Delação premiada: o dilema ético. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 783, 25 ago. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7196>. Acesso em: 01 jun. 2007.
  20. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Penal. Habeas Corpus. HC nº 7526. Paciente: Noriel José de Freitas. Impetrante: Manoel Cunha Lacerda. Coator: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Marco Aurélio, Brasília, DF, 12 de agosto de 1997.
  21. D. R. De Vasconcelos. Análise de estratégias utilizando verificação formal de modelos. Tese de mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2003.
  22. CartaCapital, 18/09/2002, p. 12
  23. NEUMANN, J; MORGENSTERN, O. Theory of games and economics behaviour. Cambridge: Harvard University Press, 1972.
  24. OLIVEIRA, Sérgio Azevedo; CALDEIRA, Rosane. O problema do Dilema do Prisioneiro no Contexto de Teoria dos Jogos sob a forma de Java Applets. Departamento de Engenharia Elétrica, FEIS, UNESP. São Paulo.
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  35. Situação fática elaborada pelos alunos.
  36. RT, 572/239.
  37. Súmula 65 das "Mesas de Processo Penal" da USP.
  38. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo X Cidadania Mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 41-43.
  39. Tradução encontrada na tese de GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Análise Crítica ás Teorias Econômicas do Direito Penal. p. 781.
  40. GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Análise Crítica ás Teorias Econômicas do Direito Penal. p. 780.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Natália Lago. A delação premiada e os institutos despenalizadores em paralelo aos juizados especiais criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2876, 17 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19130. Acesso em: 20 abr. 2024.

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