SUMÁRIO: Introdução; 1 A Lei dos Juizados Especiais Criminais; 1.1 Institutos Despenalizadores; 1.2 Institutos do Direito Comparado; 2 O instituto da Delação Premiada e a Teoria dos Jogos; 2.1 Aplicação da Teoria dos Jogos; 3. Teoria economicista dos delitos e das penas; Considerações finais; Referências bibliográficas.
RESUMO
O presente artigo versa a respeito das possibilidades do oferecimento de transação penal e suspensão condicional do processo (institutos despenalizadores), destacando como estes se relacionam com a Lei nº 9.099/95, referente aos Juizados Especiais Criminais, bem como a conexão destes institutos com a "Teoria dos Jogos", no que tange à aplicação. Aborda-se, ainda, a atuação dos institutos despenalizadores do Direito Comparado, enfatizando suas origens e fundamentos. Ademais, faz-se um paralelo entre a Teoria dos Jogos e o Instituto da Delação Premiada, influenciado pela legislação italiana, e restabelecido na legislação brasileira com a Lei dos Crimes Hediondos, n. 8.072/90, art. 8º, parágrafo único. Por fim, destacar-se-á a concepção da teoria economicista elaborada por Gary Becker, confrontando-a com o entendimento da criminologia crítica.
PALAVRAS-CHAVE: Culpabilidade.Despenalizadores. Juizados. Teorias. Transação.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei nº 9099/95, surgem diversas modificações nos âmbitos penal e processual penal do ordenamento brasileiro. Tais mudanças se referem principalmente ao surgimento de medidas despenalizadoras, que garantem benefícios legais aos autores de delitos de menor potencialidade lesiva, de modo a resguardar e buscar a resolução dos conflitos de forma consensual.
Algumas teorias são difundidas dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e até mesmo fora dele, visando uma conexão com o Processo Penal, a fim de aprimorar o desenvolvimento e eficácia dos instrumentos inerentes a este ramo do Direito. Logo, algumas das teorias antigas e atuais servem como base para o desenvolvimento de uma tutela jurisdicional efetiva para os casos a que são aplicadas.
Da análise dos Juizados Especiais Criminais e seus institutos despenalizadores, passando pela Delação premiada em compatibilidade à Teoria dos Jogos, e Teoria Economicista aplicada ao Direito, questiona-se: é possível afirmar que a utilização de tais ferramentas no ordenamento jurídico brasileiro é válida, a ponto de manter um equilíbrio do sistema criminal existente?
1 A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Os Juizados Especiais Criminais foram instituídos com o surgimento da Lei n. 9099/95, sendo competentes no que tange a conciliação, ao julgamento e execução de infrações de menor potencial ofensivo.
De acordo com o art. 61 desta Lei, consideram-se como tais infrações: "(...) as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 01 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial". Posteriormente, com o advento da Lei n. 10259/2001 (referente aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal) houve uma ampliação do prazo máximo referente a pena, sendo este de 02 (dois) anos. A partir daí, as infrações de menor potencial ofensivo foram consideradas, de acordo com o art. 2º, parágrafo único, da Lei 10259/01, como: "(...) os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa".
Contudo, a Lei 11.313/2006 trouxe inovações a respeito do art. 61 da primeira lei citada, e do art. 2º da de 2001. Assim, atualmente considera-se que como crimes de menor potencial ofensivo os que "possuem pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa".
No que concerne a Lei dos Juizados Especiais Criminais, esta surgiu no contexto de um "movimento despenalizador", ou "desencarcerizador", visto que seus propósitos são justamente despenalizar as condutas [01], devido ao fato de que no contexto do Direito Penal, despenalizar não significa a inexistência de aplicação da pena, mas sim que haverá um abrandamento desta, de modo que se deve despenalizar sem descriminalizar.
Ademais, esta lei, além de inaugurar um modelo processual confrontante ao sistema penal condenatório, que visa a imposição de penas aos indivíduos que praticarem delitos, buscou garantir soluções para algumas infrações penais. Neste sentido, pode-se dizer que a partir deste novo modelo, o acusado participa da "escolha" da sanção estatal, bem como com a intervenção de advogado constituído ou designado pelo Estado.
O autor Eugênio Pacelli afirma, a respeito deste modelo consensual de Justiça e Processo Penal que, apesar da agilidade e eficiência idealizadas por parte dos Juizados de modo a satisfazer rapidamente os interesses conflitantes, há, porém, a possibilidade da existência de alguns riscos devido à informalidade, como por exemplo, o risco à liberdade individual, que deve ser observada no momento da imposição de pena privativa de liberdade, através da preservação do contraditório e da ampla defesa, bem como a necessidade de haver condenação judicial [02].
Assim, a realização da Justiça Penal será resguardada, devendo haver um "cuidado" desta, principalmente quando os órgãos do MP e Judiciário atuarem, sendo responsáveis pela administração dos Juizados.
Segundo as mudanças geradas pelas Leis supracitadas acerca do conceito e competência das "infrações de menor potencial lesivo", a doutrina indaga se os institutos da conciliação civil e transação penal podem se aplicar nas ações penais de competência originária dos Tribunais, uma vez que estes têm competência penal originária para processar e julgar determinadas pessoas, em razão da relevância de suas funções. Em que pese a esta problemática, observa-se o que estabelece o artigo 98, inciso I da Carta Magna, que contém a seguinte redação:
"a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".
A partir do artigo supracitado, pode-se afirmar que a Constituição não nega a aplicação dos institutos despenalizadores no âmbito dos Tribunais, de modo a evitar desigualdades em face do sistema penal, quando pessoas cometerem idênticas infrações. Neste mesmo sentido posiciona-se Tourinho Neto (apoiado por ampla doutrina), afirmando que deve haver essa aplicação:
[...] caso contrário, aqueles que respondessem a processos nos tribunais sofreriam uma discriminação negativa. Assim, apesar de não haver conciliadores, podem ser aplicados os institutos da transação penal e da suspensão do processo, visto que a aplicação desses institutos não cria confusão à ação originária [03].
Com relação à abrangência e conceituação das infrações de menor potencial ofensivo, estas últimas diretamente ligadas à concessão dos institutos despenalizadores, o mesmo autor afirma que:
[...] o parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001, por cuidar de norma de natureza penal, deve, realmente, ser aplicado ao Juizado Especial Estadual; e deve ter aplicação retroativa, porque o crime ou é ou não é de menor potencial ofensivo; se é, deve-se aplicar a nova lei mesmo para os crimes praticados anteriormente à sua vigência. Interpretação essa válida para os Juizados Especiais Estaduais ou Federais. Porém, parte do parágrafo único do art. 2º ‘para os efeitos desta Lei’ e o art. 20, que veda sua aplicação no Juizado Especial, são inconstitucionais, por contrariarem o art. 5º da Constituição Federal, quando esta afirma que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]’ [04].
O "movimento despenalizador" teve seu auge com o advento da Lei n. 9714/98, uma vez que esta veio ampliar à possibilidade de utilização das penas alternativas, visando afastar a imposição da pena privativa da liberdade [05]. Neste ínterim, considera-se que a aplicação dos institutos despenalizadores dos Juizados é uma exigência que deve ser observada, devido ao respeito à garantia individual do acusado, ou seja, da atuação do processo consensual, diante de infrações de menor potencial lesivo.
1.1 Institutos Despenalizadores
Dentre as várias medidas despenalizadoras, pode-se citar o instituto da Transação Penal, que é considerado, atualmente, como uma das formas mais importantes de despenalizar, sem descriminalizar, uma vez que este se liga à idéia de que a pena privativa de liberdade não deve ser a única solução ao sistema repressivo.
Tendo como finalidade conceituar e expor os objetivos desta medida, Melo Gomes explica:
[...] a transação penal constitui, assim como a transação civil, meio de se evitar o processo: entenda-se processo penal investigativo, segundo o rito estabelecido pelo Código e Processo Penal e por algumas leis especiais. Mas constitui, também, mecanismo de extinção do processo consensual previsto pela própria Lei dos Juizados Especiais Criminais. Em ambos os casos, produzirá efeitos em relação ao processo – investigativo ou consensual – refletindo, por conseguinte, como de outra forma não poderia ser, no exercício do direito de punir do Estado e no jus libertatis do autor do fato. Trata-se, por fim, de meio de extinção da lide penal" [06].
De acordo com o art. 76 da Lei 9099/95, a transação penal poderá ser proposta em casos de contravenção ou de crimes de ação penal pública (condicionada ou incondicionada), em que o Ministério Público vai recomendar, mediante o preenchimento de todos os requisitos constantes, a aplicação imediata da pena restritiva de direitos ou multas.
Sendo assim, o conceito utilizado pelo autor Fernando Capez coaduna-se a este entendimento, ao aduzir que "a transação consiste na faculdade do agente de dispor da ação penal, ocorrendo entre o Promotor e o autor do fato, de modo que aquele não irá promovê-la, sob certas condições". [07]
A partir do momento em que o autor do fato aceita a proposta da aplicação desta pena ou multa (composição dos danos), será ela reduzida a escrito e homologada pelo Juiz, mediante sentença irrecorrível, tendo ainda, eficácia de título que autoriza a execução forçada no juízo cível competente, conforme art. 74 da Lei 9099/95.
Considerando que o crime seja de ação penal privada ou pública condicionada à representação, havendo composição dos danos homologada, há renúncia ao direito de queixa ou representação por parte do ofendido, conforme parágrafo único do artigo supracitado, sendo que a renúncia é causa extintiva da punibilidade. Caso não haja composição, ou havendo (em crimes de ação pública incondicionada), o Promotor (ou o ofendido) poderá propor uma aplicação deste tipo de pena - não privativa de liberdade -, que poderá ser cumprida pelo autor do fato, de modo que este, ao concordar, terá o benefício estipulado pelo§4º do art. 76 desta Lei: "não será considerado como reincidente, não constará das certidões de antecedentes criminais e não se constituirá em título executório para atuar no cível" [08], sendo, portanto, bastante vantajoso para o mesmo.
No que tange aos crimes de ação penal privada, a doutrina diverge a respeito da aplicação deste instituto. Neste aspecto, vale demonstrar que a Jurisprudência considera a possibilidade dessa aplicação, sem suscitar, porém, a respeito de quem é o titular da mesma, Ministério Público ou Querelante:
A Lei n.º 9.099/95 aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada (RHC n.º 8.480/SP). E no mesmo sentido (HC n.º 33.929/SP; HC n.º 30443/SP; HC n.º 17601/SP; HC n.º 13.337/RJ).
Caso a proposta de transacionar não seja aceita ou não for cabível, há de se considerar que, nas ações penais públicas, não havendo necessidade de diligências e não for o caso de arquivamento, o MP irá formular denúncia oral, seguindo o rito do procedimento sumaríssimo, podendo inclusive requerer que o juiz encaminhe o feito para a Justiça Comum. Já em casos de ação penal privada, não há denúncia, mas sim queixa-crime.
Além deste instituto, a Lei n. 9099/95, veio a ter em seu bojo, através do art. 89, a possibilidade de o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, propor a suspensão do processo por um período determinado (entre 2 a 4 anos), em casos que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano. Porém, devem ser observados outros requisitos legais para o cabimento desta suspensão, tais como a hipótese de o autor do fato não estar sendo processado ou não ter sido condenado por outro crime.
Vale ressaltar que o aumento do prazo estabelecido pela Lei n. 10.259/01 (para dois anos de pena máxima prevista para os crimes de infração de menor potencialidade lesiva) não se aplica à suspensão do processo, uma vez que "não pode haver a criação de uma subordinação jurídica entre a transação penal e a suspensão condicional do processo" [09], haja vista suas diferentes características.
Quando o Ministério Público oferece denúncia, tendo elementos suficientes para tal, pede a suspensão do processo, devendo o denunciado se submeter a algumas condições. Decorrido o período de suspensão estabelecido pelo Ministério Público, sem que o denunciado tenha dado causa à revogação, extingue-se a punibilidade, e este retornará à sua condição de primário.
Por fim, cumpre dizer que ambos os institutos despenalizadores são direito subjetivo do autor da infração, visto que, o que determina o cabimento ou não de tais institutos é o preenchimento dos requisitos constantes na Lei 9099/95. Desta forma, se o MP se nega a propor a transação ou a suspensão do processo, deve fundamentar sua decisão que será submetida ao controle judicial [10], não havendo, neste âmbito, o que discutir a respeito de culpabilidade.
1.2 Institutos Do direito comparado
Ao fazer uma análise concernente às medidas despenalizadoras do Direito Comparado, tem-se três institutos importantes, quais sejam, o Plea Bargaining, o Guilty Plea, e o Non Contendere.
O Guilty Plea tem sua origem no direito anglosaxônico, sendo considerado um sistema negocial, através do qual o autor do fato deve confessar a culpa, diferentemente do Plea Bargaining, onde há possibilidade de se transacionar com o autor as circunstâncias fáticas do ilícito, sua qualificação jurídica e pena. [11]
A respeito disso, é equivocado afirmar que existem semelhanças entre o instituto da suspensão condicional do processo com o guilty plea, uma vez que este "consiste numa forma de defesa perante o juízo, em que o imputado admite que cometeu o fato a ele atribuído" [12], e no Brasil, o fato de o acusado ter antes concordado com a suspensão do processo não pode ser levado em conta para o efeito da culpabilidade." [13]
O Non Contendere originou-se no direito italiano, e se referia a garantia ao réu de silenciar-se perante o processo, de modo que não participasse do mesmo, uma vez que este só afirmava que não queria litigar, não se discutindo, portanto, a culpa.
O instituto despenalizador denominado plea bargaining derivou do Direito norte-americano, sendo instituído como uma medida de política criminal, ou seja, um instrumento de autocomposição de litígios. Neste sistema, adota-se a idéia de que a verdade deriva de uma decisão consensual negociada de forma sistemática, e por isso "ocorre uma ‘barganha’ entre a promotoria e a defesa em casos que o réu se declare culpado". [14]
Diferentemente do que ocorre na Lei 9.099/95, em que a recusa da propositura da transação ou de outros institutos por parte Ministério Público é considerado lesão a direito individual, devendo ser submetida ao controle judicial, o Plea Bargaining norte-americano é um modelo de justiça negociada, através do qual o órgão da persecução tem a livre escolha da medida a ser adotada, não ficando, portanto, restrito a medidas legais [15].
Neste sentido, o sistema norte-americano estabelece garantias, em forma de prêmios aos indivíduos que colaboram com a elucidação dos delitos, principalmente quando se tratam de crimes complexos. Este, porém, sofre críticas, devido a sua ampla garantia de soluções aos conflitos, por parte da Promotoria, da polícia e até do Poder Judiciário, com suas diferentes permutas. Ocorre que, apesar disto, tal instituto possui uma lógica una e inequívoca: a verdade pública é fruto de uma negociação explícita e sistemática entre as partes interessadas [16].
Afirma-se que nos países em que vige o common law, há uma verdadeira negociação entre defesa e acusado, conforme estabelece Maier:
O princípio regente da persecução penal nesses países: princípio da oportunidade – confere ao Ministério Público o poder de seleção e de condução do processo penal com ferramentas como plea bargaining e guilty plea, seguindo a linha do utilitarismo [17].
Por fim, pode-se dizer que, diferentemente do sistema adotado no Brasil, os do Direito Comparado buscam fazer com que a parte (autor do fato) aceite a culpa.
2.O INSTITUTO DA delação premiada e A teoria dos jogos
A delação premiada é um instituto antigo no Brasil. A respeito disso, Damásio de Jesus afirma:
[...] no Brasil, a delação premiada teve sua origem nas Ordenações Filipinas, que esteve em vigência de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. A parte criminal do Código Filipino constava no Livro V, Título CXVI, que tratava da delação premiada, sob o título "Como se perdoará aos malfeitores, que derem outros à prisão", que concedia o perdão aos criminosos delatores e tinha abrangência, inclusive, por premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios [18].
Atualmente, pode-se perceber sua inserção na Lei 11.343/2006, art. 41, se apresentando no ordenamento da seguinte maneira:
O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.
Ademais, além da garantia que possuirá o autor do fato (delator) caso for eficaz, acrescenta-se que os responsáveis por elucidar o crime cometido também se beneficiam, uma vez que podem resolvê-lo mais facilmente, bem como estabelece Damásio de Jesus:
[...] a Delação Premiada é a possibilidade que tem o participante ou associado de ato criminoso de ter sua pena reduzida ou até mesmo extinta, mediante a denúncia de seus comparsas às autoridades, permitindo o desmantelamento do bando ou quadrilha, ou ainda facilitando a libertação do seqüestrado, possível no caso do crime de extorsão. [19]
O próprio Supremo Tribunal Federal demonstra certa importância à Delação Premiada, afirmando que o provimento judicial mostra-se quando houver referencia a depoimentos que respaldam delação de co-réus: "[...] se a delação, isolada, não respalda condenação, de outro serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas" [20].
Assim sendo, percebe-se que a Delação, por si só, não é elemento suficiente para convencer o magistrado, e por isso deve ser acompanhada de outros elementos probatórios, a fim de proporcionar maior credibilidade ao que foi dito por um dos acusados, ou se apenas uma tentativa de redução de sua pena sem causar os fins almejados pela delação, quais sejam, o eficaz desmantelamento de grupo perigoso, como é o caso de quadrilha ou bando, ou a ajuda necessária ao órgão interessado pelas informações do acusado.
Considerando-se que os Juizados Especiais possuem competência para julgar e executar infrações de menor potencial ofensivo, deve-se observar a pena constante em cada tipo penal para estabelecer se compete a estes ou não. Assim sendo, afirma-se que a delação premiada se refere apenas a crimes cujas penas não se inserem na competência dos Juizados Especiais, bem como, tráfico de drogas, crime de quadrilha ou bando, extorsão mediante seqüestro, entre outros.
A respeito da Teoria dos Jogos, vale ressaltar, primeiramente, sua definição formal, que se estabelece como "a análise matemática de qualquer situação que envolva um conflito de interesses com o intuito de indicar as melhores opções que, sob determinadas restrições, conduzirão aos objetivos desejados" [21].
Partindo para o contexto histórico de seu desenvolvimento, considera-se que foi elaborada, inicialmente, por matemáticos que tinham como objeto de análise de probabilidades, que se dariam "através da simulação de diversas situações possíveis em que duas ou mais pessoas fossem submetidas às conseqüências, não só de suas próprias ações, mas também das ações dos outros" [22]. Ademais, consideravam que a vida em sociedade é um jogo estratégico, devendo ser modelada, matematicamente, através de ferramentas desta teoria.
A formalização da Teoria dos Jogos ocorreu com a publicação da obra "Theory of Games and Economic Behavior" (Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico), elaborada por John Von Neumann e Oskar Morgenstern, que alvitraram a existência de situações de conflito, tomada de decisões e desenvolvimentos de estratégia [23]. Neste sentido, os teóricos de jogos analisam o comportamento de determinados indivíduos e organizações, partindo do pressuposto de que as estratégias escolhidas por estes serão as mais racionais, e, por conseguinte, melhores.
Posto isso, cumpre dizer que os jogos estudados referem-se a objetos matemáticos bem definidos, de modo que "é preciso a caracterização de alguns elementos básicos, como os jogadores, o conjunto das regras do jogo, a estratégia utilizada, o resultado e a função de utilidade dos jogadores" [24].
Por fim, considera-se que a utilização de jogos é tida como estratégia para uma análise do mundo social, podendo, portanto, ser aplicada em diversos âmbitos da sociedade.
2.1 Aplicação da Teoria dos Jogos
De acordo com Fiani, existem dois tipos gerais de jogos estratégicos: o primeiro é denominado de simultâneo, através do qual cada jogador ignora as decisões dos demais ao tomar sua decisão, já o outro é o seqüencial, no qual os jogadores devem realizar seus movimentos em uma ordem predeterminada. [25]
No que se refere à competitividade dos jogadores, os jogos podem ser cooperativos e não-cooperativos:
[...] os jogos cooperativos são aqueles em que é possível o planejamento de estratégias em conjunto pelos jogadores. Já os jogos não-cooperativos são aqueles em que não é possível o planejamento de estratégias em conjunto, sendo que estes são considerados mais comuns. [26]
Atualmente, pode-se observar a aplicação desta teoria em diversos campos acadêmicos, dentre eles, o Direito, mais precisamente no que concerne ao Processo Penal, havendo uma relação entre a Teoria e o "Dilema do Prisioneiro", que consiste em um jogo não-cooperativo no qual os jogadores (no caso os acusados em um processo) defendem seus próprios interesses, montando estratégias para tentar se beneficiar.
O dilema do prisioneiro foi proposto por cientistas americanos, sendo, posteriormente, formulado por Albert Tucker,
professor da Universidade Princeton nas décadas de 40 e 50. Assim, partindo do pressuposto da existência da relação entre estes, deve-se observar a seguinte situação:. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir? [27]Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro
A respeito da aplicação da teoria dos jogos em conjunto aos institutos despenalizadores, deve-se observar o raciocínio do autor do fato no momento em que lhe é proposta a transação penal. Caso ele aceite, será beneficiando pelas vantagens já citadas, ou seja, não se submeterá a um processo, o que seria mais desgastante, e poderia ainda levá-lo a receber punições mais elevadas. Ademais, não haverá uma análise do mérito da questão, e por este motivo o autor não terá sua culpabilidade analisada.
Assim sendo, considera-se que a aceitação da transação penal por parte do autor do fato seria a escolha mais benéfica, no que diz respeito à teoria dos jogos. O mesmo ocorre em casos de suspensão, no qual o autor também não será submetido a processo. A diferença básica entre estes dois institutos ocorre no momento da aplicação, visto que a transação se aplica a delitos com pena máxima de dois anos, e a suspensão tem como pena mínima igual ou inferior a um ano.
Na teoria dos jogos, John Nash estabeleceu a existência de um "ponto de equilíbrio", considerado como um par de estratégias (cada uma é a melhor resposta à outra)" [28]. Tal equilíbrio pode ser exposto como:
"a combinação de estratégias que os jogadores preferencialmente devem escolher é aquela na qual nenhum jogador faria melhor escolhendo uma alternativa diferente dada a estratégia que o outro escolhe. A estratégia de cada jogador deve ser a melhor resposta às estratégias dos outros" [29].
Ao analisar este equilíbrio do ponto de vista da Teoria, a melhor alternativa para a resolução de um conflito seria que um "jogador" não dependesse do outro para atingir o fim desejado. Ocorre que neste dilema não há uma garantia de que ambos os jogadores ajam racionalmente, cooperando um com o outro, rejeitando, portanto, o acordo feito pela polícia. Assim, pode-se dizer que não há uma "resposta correta" a ser aplicada ao dilema, bem como não há equilíbrio no dilema dos prisioneiros, quando visto sob a ótica da Teoria dos Jogos, posto que, apesar da traição ser a Estratégia Dominante para um jogador, se ambos traírem serão presos.
Por fim, a melhor solução seria que ambos colaborassem (um com o outro), ficando, portanto, em silêncio. Desta forma, o Equilíbrio de Nash é a combinação das decisões [30], sendo a solução em que nenhum jogador pode agir unilateralmente, devendo agir da mesma forma, o que é difícil ocorrer, já que nenhum conhece o "movimento" do outro, sendo este equilíbrio a solução (ineficiente) ao Dilema, uma vez que nem sempre há uma coordenação dos atos de cada jogador.
Considerando o dilema do prisioneiro, através do qual dois indivíduos são acusados de um determinado crime, selecionamos o crime de ameaça como exemplo da possível aplicação desta teoria. Este crime, por ter sua pena de 1 a 6 meses de detenção ou multa, é passível de ser transacionado. Caso o autor do fato não aceite nenhum dos benefícios oferecidos pela Lei 9.099/95, o Ministério Público deverá denunciá-lo, fazendo, portanto, a proposta de suspensão do processo, caso preencha os devidos requisitos da sursis (art. 77 do Código Penal), uma vez que este, como já dito, é um direito subjetivo do denunciado.
A respeito da aplicação do crime de ameaça na Teoria dos Jogos, observa-se a seguinte situação fática:
Natália e Victor cometem o crime de Ameaça, constante no artigo 147 do Código Penal. Ao serem conduzidos à delegacia, e acusados por este tipo penal, são postos em salas separadas, ficando, portanto, incomunicáveis. Assim, o delegado propõe a cada um que ‘escolha entre confessar ou negar o crime’. Se nenhum confessa, ambos se submeterão a mesma pena, que é reduzida (pena mínima de um mês de detenção ou multa). Caso os dois se acusem mutuamente, terão uma pena maior (três meses detenção para cada um). Porém, caso um confesse e o outro negue, o que confessar será libertado, e o que negou será condenado ao dobro da pena que sofreria se houvesse cooperado com o parceiro (seis meses de detenção) [31].
Este exemplo, meramente exemplificativo, não se aplica, porém, ao sistema processual penal brasileiro, uma vez que, em crimes com penas reduzidas, observar-se-á o disposto pela Lei 9.099/95, no sentido de que o autor da infração tenha direito a transacionar com o Ministério Público, ou até mesmo usufruir da suspensão do processo.
No que diz respeito a relação entre a Delação e a Teoria analisada, utiliza-se, para entendimento, o questionamento de Adauto Suannes:
[...] assegurando a Constituição Federal ampla defesa, como poderá o contraditório tornar-se efetivo, se não se permite a presença de um co-réu ao interrogatório do réu que o acusa? Como falar-se em estar sendo obedecido o princípio, se ao defensor do co-réu imputado não se permite, através de reperguntas, procurar mostrar que o imputado está mentindo? [32]
Com tal afirmação, pode-se perceber que a aplicação da teoria dos jogos ao dilema do prisioneiro não é possível no ordenamento brasileiro, partindo do pressuposto que o co-autor da infração, ao ser imputado pelo outro possível autor, como único praticante do crime não teria direito a ampla defesa e contraditório, justamente por não poder participar do interrogatório do réu que o acusa.
Diferentemente disto é o que ocorre com a Delação Premiada, uma vez que "o interrogatório de co-réu, incriminando o outro, tem, com relação a este, natureza de depoimento testemunhal, devendo, por isso, se admitir reperguntas" [33], conforme entendimento exposto na RT, 706/328, 710/309. Assim sendo, apesar das características, não há relação entre o Instituto da Delação Premiada com o Dilema do Prisioneiro analisado sob a ótica da Teoria dos Jogos.