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A prisão processual, a fiança, a liberdade provisória e as demais medidas cautelares.

Comentários à Lei nº 12.403/11

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18/05/2011 às 09:59
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V – DA PRISÃO DOMICILIAR

O novo Capítulo IV passa a ter uma nova epígrafe – Da Prisão Domiciliar, espécie de medida cautelar consistente no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Não se trata de novidade em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o art. 117 da Lei de Execução Penal [59].

Esta medida cautelar também (e não somente) poderá servir como substitutiva da prisão preventiva quando o agente for maior de oitenta anos (por que não se estabeleceu idade igual ou superior a sessenta anos, coerentemente com o sistema? Veja-se o disposto no art. 1º., da Lei nº. 10.741/2003 – Estatuto do Idoso); quando estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave; quando sua presença (física, moral ou psicológica) for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade (por que não se estabeleceu a idade até doze anos incompletos, também coerentemente com o sistema? Veja-se o disposto no art. 2º., da Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente) ou com deficiência, e, por fim, se for gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Esta substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar somente será deferida se houver prova idônea dos requisitos acima referidos, sendo um direito subjetivo público do indiciado ou acusado se preenchidas as exigências legais, passível de ser garantido por meio de habeas corpus.

Importante ressaltar, interpretando-se de maneira conjugada os arts. 317 e 318 que a prisão domiciliar não é meramente uma medida cautelar substitutiva da prisão preventiva, podendo ser determinada de maneira autônoma, consoante os requisitos gerais previstos no art. 282. [60]


VI – DAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES

Também com nova epígrafe está o Capítulo V – Das Outras Medidas Cautelares, englobando os arts. 319 e 320 e acabando definitivamente com a previsão legal (e inconstitucional) da prisão administrativa. Neste Capítulo estão previstas outras medidas cautelares diversas da prisão preventiva e da prisão domiciliar.

A primeira delas consiste no comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades. A segunda é a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.A terceira é a proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (esta medida será cabível, especialmente, quando se tratar de crime praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, contra descendentes, ascendentes, irmãos etc.).

A quarta trata da proibição de se ausentar da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (aqui, é preciso atentar para aqueles casos em que o indiciado ou réu trabalhe em local muito próximo de seu domicílio, como nas regiões metropolitanas das grandes cidades; neste caso, impor esta medida, convenhamos, não é nada razoável). Caso a proibição seja de se ausentar do País, a medida cautelar deverá ser comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de vinte e quatro horas.

A quinta é o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos (aqui não se trata exatamente de uma medida cautelar privativa da liberdade, como a prisão cautelar, mas sim restritiva da liberdade).

A sexta consiste na suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Evidentemente que esta medida acautelatória deve ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administração pública, contra a ordem econômico-financeira, fiscais, previdenciários ou contra a economia popular.

Igualmente a internação provisória do acusado pode ser decretada nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração (risco concretamente demonstrado e não meramente presumido, mesmo porque a única presunção admitida pela Constituição é a de inocência). Portanto, é preciso que fique claro na decisão o periculum libertatis. Ademais, a internação provisória deve ser em Hospital de Custódia e Tratamento, jamais em estabelecimento prisional comum.

A oitava medida cautelar é a liberdade provisória com fiança (nas infrações afiançáveis, óbvio), com as seguintes finalidades: a) assegurar o comparecimento a atos do processo; b) evitar a obstrução do seu andamento; c) em caso de resistência injustificada à ordem judicial; a liberdade provisória com fiança poderá ser cumulada com outras medidas cautelares. Adiante, trataremos mais minudentemente da matéria.

E, por fim, temos a previsão da monitoração eletrônica, que não chega a ser novidade em nossa legislação, pois os arts. 122, 124, 146-B, 146-C e 146-D da Lei de Execução Penal já a disciplinam.

Entendemos que esta medida cautelar deve ser usada com bastante parcimônia [61] e exclusivamente para evitar o encarceramento provisório, mesmo porque, como afirma Denise Provasi Vaz, "ela não é capaz de evidenciar qualquer reiteração criminosa por parte do condenado nem sua eventual falta de adaptação social." Ademais, "é intuitiva a ideia de que um equipamento atrelado ao corpo em tempo integral afeta o estado psicológico da pessoa e impede a superação da lembrança da má conduta, prejudicando sua readaptação. Constitui, ainda, forma de cumprimento de pena incidente sobre o próprio corpo do condenado." [62]

A propósito, estudando o monitoramente eletrônico no Canadá, Marion Vacheret e Josiane Gendrou concluíram negativamente em relação à sua adoção naquele País. Segundo elas, "a visibilidade de mídia desta medida é desproporcionada em relação ao lugar que ela ocupa no plano penal. Do mesmo modo, o seu valor acrescentado é extremamente limitado senão inexistente em razão da sua ausência de impacto tanto nas taxas de encarceramento como sobre a reincidência". [63]

François Fevrier, ao analisar a medida no sistema francês, adverte-nos que "a aplicação de um dispositivo de monitoramente eletrônico requer certamente uma reflexão ética e social prévia; pressupõe, além disso, uma definição muito clara dos objetivos de política penal e penitenciária para acompanhamentos, o seu nível de satisfação esperado bem como os seus efeitos perversos." [64]

Estudando esta mesma medida nos Estados Unidos, Steven W. Becker, afirma: "Se o monitoramento eletrônico for escolhido como uma opção deve ser empregado com o consentimento do detento, pois ele pode ter uma carga substancial de invasão, estigma e potenciais riscos de saúde, dependendo do dispositivo de monitoramento usado. (...) embora a tecnologia possa fornecer à Polícia ferramentas novas e eficientes na luta contra o crime, tais inovações também são sujeitas a abuso no sistema de justiça penal, como demonstrado pelos exemplos dos Estados Unidos. Espera-se que essas experiências sirvam como aviso, assim como uma ajuda, para se moldar soluções sensatas e práticas para o desafio do monitoramento eletrônico no Brasil." [65]

Em relação a estas medidas cautelares, entendemos que uma observação deve ser feita: como é possível a decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento injustificado de outra medida cautelar, é perfeitamente cabível a utilização do habeas corpus para combater uma decisão que a aplicou. Como se sabe, o habeas corpus deve ser também conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Logo, se a medida cautelar foi abusiva (não necessária), cabível a utilização do habeas corpus que visa a tutelar a liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica sobre a matéria, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida "contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir." [66]

Para Celso Ribeiro Bastos "o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal." [67] Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar. [68]

Questão interessante é a da detração penal em caso de cumprimento de medida cautelar diversa da prisão provisória ou domiciliar. Neste aspecto, Pierpaolo Cruz Bottinio afirma que "a previsão de novas medidas cautelares, diferentes da prisão, apresenta situações inéditas sobre a detração. (...) Aqui seria adequada ao menos de uma compensação, um desconto na pena de prazo ao menos proporcional à gravidade da cautelar aplicada." [69] Para estes casos, entendemos cabível, por analogia in bonam partem, a aplicação dos arts. 8º. e 66 do Código Penal, servindo o cumprimento da medida cautelar como causa obrigatória da atenuação da pena, quando não possível a sua compensação nos termos do art. 42 do Código Penal.


VII – DA LIBERDADE PROVISÓRIA, COM OU SEM FIANÇA

O Capítulo VI continua a tratar da liberdade provisória, com ou sem fiança. Neste Capítulo foram modificados os arts. 321 a 325, os arts. 334 a 337 e o art. 341, os arts. 343 a 346, além do art. 350.

Dispõe o primeiro dos artigos que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código (acima referidas) e observados os critérios constantes do art. 282. Aqui, extingue-se a possibilidade da concessão da liberdade provisória sem fiança e sem qualquer obrigação para o indiciado ou acusado (por ser o crime inafiançável e não caber a prisão preventiva).

Pela nova disposição do art. 322, a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos; nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em quarenta e oito horas. Caso a autoridade policial recuse ou retarde a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o Juiz competente, que decidirá em quarenta e oito horas

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A lei estabelece como crimes inafiançáveis, em consonância com a Constituição Federal, os crimes de racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, hediondos e os cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Ademais, independentemente do crime praticado, não será, igualmente, concedida fiança: a) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 (ver adiante); b) em caso de prisão civil (alimentante faltoso); c) em caso de prisão militar; d) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder entre um a cem salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a quatro anos e de dez a duzentos salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos. Nada obstante tais limites, se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser dispensada na hipótese do art. 350 (ver adiante), ser reduzida até o máximo de dois terços ou ser aumentada em até mil vezes. A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória.

Determina-se como finalidade da fiança (o dinheiro ou objetos dados) o pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado, mesmo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110, Código Penal).

Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal).

Considerar-se-á quebrada a fiança quando o acusado, regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; quando deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo ou descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; se resistir injustificadamente a ordem judicial ou, por fim, se vier a praticar nova infração penal dolosa. Neste caso, caso seja injustificado o quebramento, o acusado perderá metade do valor prestado, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. No caso de quebramento de fiança, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. Neste caso, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória (sem fiança), sujeitando-o, porém, às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do Código (não alterados), além de outras medidas cautelares, se for o caso. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, o Juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente (ver observação sobre a figura do assistente no processo penal) ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único do Código de Processo Penal. 

É preciso, no entanto, que interpretemos este dispositivo à luz do direito ao silêncio (constitucionalmente assegurado) e o de não auto-incriminação, ou seja, é possível que o não comparecimento do réu ou indiciado deva-se ao seu direito de não produzir prova contra si mesmo, opção que, obviamente, não poderá prejudicá-lo (não comparecer a uma acareação ou a um reconhecimento de pessoa, por exemplo). Neste sentido, conferir o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92, assim como o Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. A prisão processual, a fiança, a liberdade provisória e as demais medidas cautelares.: Comentários à Lei nº 12.403/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2877, 18 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19131. Acesso em: 5 nov. 2024.

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