III - SEM A PRÁTICA DE ATO ILÍCITO DOLOSO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA NÃO CONFIGURA-SE O TIPO LEGAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
Para fins de comprovação da improbidade administrativa, é indispensável que haja o elemento subjetivo na conduta caracterizado pelo dolo do agente público, [20] pois do contrário não ocorrerá, nem em tese, ato ímprobo.
Esse posicionamento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, da necessidade de identificação do dolo, para se concluir pela presença do elemento subjetivo do tipo legal a orientar a conduta ímproba, impede que se estabeleça a figura jurídica do dano presumido ao erário público, proveniente de enriquecimento ilícito.
Ora, a variação patrimonial a descoberto não é ilícito funcional, mas poderá advir da prática de ato ilícito, como decidido pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça: [21] "Administrativo. Mandado de Segurança. Servidor Público. Abertura de Sindicância. Direito-dever da Administração. Movimentação financeira superior a patrimônio e renda declarados. Indícios de irregularidades. Justa Causa. Ordem denegada. 1. A abertura de sindicância constitui direito-dever da Administração que, em tese, não fere direito líquido e certo do servidor. Inteligência do art. 143 da Lei 8.112/90 e art. 11, inc. II, da Lei 8.429/92. 2. Tendo em vista os princípios da boa-fé e da segurança jurídica e, ainda, a repercussão negativa na esfera funcional, familiar e pessoal do servidor público, mostra-se indispensável a necessidade de justa causa para a abertura de sindicância ou processo disciplinar. 3. Havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público mostra-se incompatível com a renda e patrimônio declarados, cabe à autoridade competente apurar a suposta irregularidade, porquanto dela pode originar a prática de ilícito administrativo. 4. Segurança denegada." –[g.n.]-.
Nesse sólido posicionamento da 3ª Seção do STJ, foi pacificado o entendimento de que havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público mostra-se incompatível com a renda e patrimônio declarados, deve a autoridade administrativa apurar a suposta irregularidade, "porquanto dela pode originar a prática de ilícito administrativo". Isso porque, não é tipo infracional disciplinar a movimentação financeira incompatível com a situação funcional de servidor público, mas poderá advir da função pública, quando diretamente demonstrado um ato comissivo ou omissivo ilícito praticado no exercício ou em decorrência do munus profissional.
Isso porque, a responsabilidade civil, penal e administrativa do servidor está vinculada ao exercício irregular de suas atribuições (artigo 121, da Lei nº 8.112/90) e como tal é exigida a violação de seus deveres e obrigações, devidamente explicitados pela Lei acima referida, em seus artigos 116, 117 e 132.
Sobre a responsabilidade disciplinar do servidor público averbamos: [22] "A responsabilidade disciplinar do servidor público é aquela verificada no exercício de seu cargo de provimento efetivo ou provisório, que incorra na prática de ato ilícito, por ação ou omissão."
Nesse sentido, o artigo 124 da Lei nº 8.112/90, estabelece que a responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado pelo servidor público no desempenho do cargo ou função.
Apesar de ser dificílima a coleta da prova direta de recebimento de vantagem econômica por parte do servidor público no desempenho de seu munus público, é dever do poder público produzir tal prova, posto que o tipo legal previsto no artigo 9º, inciso VII, da Lei nº 8.429/92 exige, para sua configuração o elemento subjetivo do tipo, o dolo, resultante da prática de ato funcional imoral e devasso.
Não basta para a Administração Pública presumir que a variação patrimonial incompatível com a renda auferida no cargo ou função pública é decorrente da prática de um ilícito funcional, ela possui o dever de provar de forma direta que houve o favorecimento de outrem, ou que o exercício corroído, abusivo ou imoral da função pública trouxe para o servidor público vantagens financeiras, de forma a contribuir para com o seu enriquecimento ilícito.
Essa obrigação da Administração Pública fica ainda mais evidente quando se constata que o disposto no artigo 143, da Lei nº 8.112/90 impõe a abertura de investigação disciplinar, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, quando a autoridade "tiver ciência de irregularidade no serviço público". Ou seja, a irregularidade não é a variação patrimonial incompatível com a renda recebida pelo servidor, mas sim o exercício irregular de sua função, capaz de proporcionar-lhe, através de benefício direto ou indireto para terceiros, o enriquecimento ilícito.
E para não deixar a menor margem de dúvida, o artigo 148, da Lei nº 8.112/90 define o processo administrativo disciplinar como: "o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido."
Após a leitura e interpretação acurada do acima transcrito artigo 148, da Lei nº 8.112/90, fica demonstrado que o enriquecimento ilícito do servidor público, terá, por obrigação legal, que ter relação direta com as atribuições do seu cargo, pois do contrário não estará presente o elemento subjetivo do tipo, o dolo, necessário para a subsunção de sua conduta no artigo 9º, inciso VII, da Lei nº 8.429/92.
Isso porque, na aplicação das penalidades no processo administrativo disciplinar "[...] serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais." (art. 128, da Lei nº 8.112/90).
Dessa forma, torna-se obrigatório para o poder público demonstrar qual foi o ato ilícito praticado no exercício do cargo ou da função, ou em decorrência do mesmo, os danos que dele provieram, para que seja aplicada a regra da proporcionalidade quando da imposição da sanção disciplinar.
Ausente uma causa administrativa disciplinar, por não ser explicitada a conduta funcional irregular, bem como o dano ao erário, não há razoabilidade na imputação objetiva de enriquecimento ilícito presumido, decorrente de variação patrimonial incompatível.
A presunção de que houve enriquecimento ilícito decorrente do exercício da função pública é imoral e fere a regra de razoabilidade, porquanto a responsabilidade pela variação patrimonial elevada não decorrente de um ilícito praticado no exercício da função pública, exclui a responsabilidade disciplinar e geral do servidor público contribuinte do imposto de renda, ocorrendo uma possível infração tributária ou penal, sendo essa última decorrente de uma sonegação fiscal, se for a hipótese do caso concreto.
Jamais a sanção administrativa imposta poderá representar um ato arbitrário e ilegal, contrário ao fundamento legal de sua própria validade, porquanto deverá guardar correlação com a prova direta produzida no processo respeitada a regra de proporcionalidade da infração ("exercício irregular da função pública") praticada pelo servidor público.
No processo administrativo disciplinar vigora o princípio da tipicidade, como corolário do princípio da legalidade, porquanto a Constituição Federal estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX). Mesmo direcionado para o direito penal, o princípio da tipicidade passou a ter ampla aplicação em todo o ius puniendi do Estado, inclusive no processo administrativo disciplinar.
E na improbidade administrativa a tipicidade vem interligada à indispensabilidade da demonstração do elemento subjetivo da conduta, que é o dolo. [23]
Sem que haja e fique demonstrada uma conduta dolosa praticada pelo servidor público no exercício de sua função, ou em decorrência da mesma, não há como se presumir o dano ao patrimônio público. [24]
Sobre o tema, magistral é a lição do Ministro Luiz Fux: [25] "1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: (a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); (c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 3. A improbidade administrativa está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente público, do que decorre a conclusão de que somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo (artigo 10, da Lei 8.429/92). 4. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, sendo certo, ainda, que a tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8429/92) exige a prova de sua ocorrência, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido. Precedentes do STJ: REsp 805.080/SP, PRIMEIRA TURMA, DJe 06/08/2009; REsp 939142/RJ, PRIMEIRA TURMA, DJe 10/04/2008; REsp 678.115/RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 29/11/2007; REsp 285.305/DF, PRIMEIRA TURMA; DJ
13/12/2007; e REsp 714.935/PR, SEGUNDA TURMA, DJ 08/05/2006; (...)."
Em sendo assim, é de se destacar que torna-se absolutamente necessário a demonstração da existência do nexo de causalidade entre a possível prática de ato funcional ilícito e a verificação de um patrimônio incompatível com a renda do servidor público, visto que a Comissão Disciplinar não possui poderes para usurpar a competência tributária da Receita Federal e fazer um verdadeiro "lançamento tributário", constituindo crédito fiscal contra o investigado, com a finalidade de demonstrar uma única prática de exercício irregular na função pública.
IV - INEXISTÊNCIA DE "IMPROBIDADE TRIBUTÁRIA" NA ESFERA DO DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA FINS DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO:
Ausente uma causa legítima (justa causa) para a instauração e desenvolvimento do processo administrativo disciplinar, que não demonstre o exercício irregular praticado pelo agente público, quando investigado, mas que prende-se somente ao resultado de uma auditoria patrimonial, que a todo custo tenta apontar equívocos tributários do servidor contribuinte, constantes na sua declaração de rendas, ou na movimentação bancária; entretanto, não compete à Comissão Disciplinar constituir o crédito tributário ou rever as respectivas declarações de rendas, utilizando-as como provas contra o investigado, por total incompetência funcional.
E essa incompetência funcional decorre de dois fatores. O primeiro aspecto está vinculado à ausência de competência legal da persecução disciplinar de investigar servidor público que não tenha cometido irregularidade no âmbito do serviço público (elemento subjetivo do tipo legal para a configuração do ato ímprobo), na forma do artigo 143, da Lei nº 8.112/90. Trata-se da justa causa para iniciar-se o processo administrativo disciplinar.
Quanto a esse fato já ficou bem nítido, a necessidade da demonstração na conduta do investigado da comprovação do elemento subjetivo do tipo legal, qual seja, o dolo; portanto, deve praticar o ilícito de modo doloso (elemento subjetivo do tipo do artigo 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92), capaz de legitimar a acusação de enriquecimento ilícito, visto ser essencial à caracterização da improbidade administrativa.
Sobre esse tema, já existe a devida sedimentação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, como já declinado alhures e reafirmado nos seguintes julgados: " (...) 1. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento pela imprescindibilidade do elemento subjetivo para a configuração do ato de improbidade administrativa. 2. "As duas Turmas da 1ª Seção já se pronunciaram no sentido de que o elemento subjetivo é essencial à configuração da improbidade: exige-se dolo para que se configurem as hipóteses típicas dos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culpa, nas hipóteses do art. 10" (REsp 479.812/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, DJe 27/9/10). 3. O aresto impugnado reformou a sentença e entendeu pela não consumação do ato de improbidade do art. 11, II, da Lei 8.429/92 em face da ausência de dolo na conduta (fl. 1.383e). Assim, estando o acórdão recorrido em perfeita consonância com a jurisprudência deste Tribunal, incide, na espécie ora em exame, a Súmula 83/STJ. 4. Agravo regimental não provido." [26] e "(...) 3. "A jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que se faz necessária a comprovação dos elementos subjetivos para que se repute uma conduta como ímproba (dolo, nos casos dos artigos 11 e 9º e, ao menos, culpa, nos casos do artigo 10), afastando-se a possibilidade de punição com base tão somente na atuação do mal administrador ou em supostas contrariedades aos ditames legais referentes à licitação, visto que nosso ordenamento jurídico não admite a responsabilização objetiva dos agentes públicos." (REsp nº 997.564/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, in DJe 25/3/2010). 4. Agravos regimentais providos." [27]
Não se presume a má-fé e muito menos o dolo (elemento subjetivo do tipo legal) sub oculis, visto que eles devem estar presentes na conduta do agente público que pratica o delito em tela e não em atos da vida privada do servidor público, v.g., entrega de sua declaração de rendas.
Por sua vez, a segunda incompetência da esfera disciplinar decorre do que vem descrito no artigo 142, do CTN, visto competir privativamente à autoridade administrativa tributária constituir o crédito tributário pelo lançamento, "assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente."
Dessa forma, quando a Comissão Disciplinar invade a competência exclusiva da Receita Federal para fiscalizar a declaração de rendas do servidor público investigado e estabelecer irregularidades fiscais/tributárias, induzindo a um pseudo enriquecimento ilícito quando verificado um patrimônio a descoberto, ou variação patrimonial superior a renda declarada, sem que seja apontada uma irregularidade funcional, ocorre, de modo ilegal, o abuso de poder em relação a persecução disciplinar, em face da ausência de justa causa.
Sem o nexo de causalidade, consistente na ação e resultado em relação a prática de um ato ilícito funcional, a Comissão Disciplinar não possui poderes para efetuar o "lançamento tributário", com base na declaração de rendas do servidor investigado, por ser tal ato privativo da autoridade fazendária.
Aliás, sobre o tema, o artigo 147, do CTN dispõe, litteris: "Art. 147 - O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, - quando um ou outro, na forma da legislação tributária presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensável à sua efetivação."
Em sendo assim, a Comissão Disciplinar, sem a demonstração de infração disciplinar, não pode, nem em tese, arvorar-se em autoridade tributária para devassar a vida fiscal e bancária do servidor público investigado, em total violação constitucional, para demonstrar uma variação patrimonial incompatível com a renda de servidor público e, via de consequência, fiscalizá-lo tributariamente, a ponto de constituí-lo em patrimônio a descoberto ou qualquer outra irregularidade tributária.
Somente a autoridade fazendária é que pode fiscalizar, através da expedição do Mandado de Procedimento Fiscal - MPF, o servidor contribuinte, que caiu na "malha" ou em algum critério objetivo estabelecido pelo fisco, em face ao princípio da isonomia tributária.
Em momento algum a lei outorga poderes para a Comissão Disciplinar fiscalizar as declarações de rendas do servidor público, para fins de possível verificação da prática de ato de improbidade administrativa "tributária", descrita no tipo legal de enriquecimento ilícito (art. 9٥, da Lei nº 8.429/92).
Isso porque, a competência para fiscalizar, lançar, glosar e etc., é indelegável da Receita Federal e não da Comissão Disciplinar. Além do mais, a Comissão Disciplinar apenas possui poderes para investigar o exercício irregular do cargo ou da função pública do servidor, e não arrogar-se a qualidade de fiscal tributário.
Na prática vem ocorrendo essa grave distorção de funções, onde a Receita Federal confunde a esfera tributária com a disciplinar, independentemente de suas atribuições legais.
Não resta dúvida que, embasado por uma Auditoria Patrimonial, antecedente a instauração do PAD, após ter obtido a autorização judicial para investigar a vida fiscal ou bancária do servidor, é lícito ao Poder Público, após a aludida conclusão, fazer o juízo de admissibilidade e preconizar pela abertura do processo administrativo disciplinar.
Isso porque, a variação patrimonial incompatível com a função pública do servidor pode dar causa a prática de ato ilícito funcional.
Contudo, na realidade, a Comissão Disciplinar não se desincumbe de demonstrar o exercício irregular da função pública do servidor investigado, e sem competência legal, se torna o verdadeiro "fiscal tributário". Quase sempre as Comissões Disciplinares descambam para a presunção de dano ao patrimônio público quando estabelecem o enriquecimento ilícito do servidor investigado, sem que haja o devido nexo de causalidade da conduta do servidor contribuinte, com a sua função pública.
Essa situação, embora usual, é ilegal e fere o plasmado do princípio da legalidade, porquanto o poder disciplinar não pode ser irresponsável ao ponto de violar a regra de competência, e imputar a qualquer custo a figura do enriquecimento ilícito presumido (inexistente na LIA), sem a demonstração do elemento subjetivo do tipo, que é o dolo, e da existência do mesmo na conduta do servidor investigado (vontade livre e consciente de concretizar as características objetivas do tipo legal).
Constatado um incorreto uso do poder julgador administrativo disciplinar como na situação descrita, ocorre a desproporcionalidade da sanção imposta, tendo em vista que "a punição administrativa há de se nortear, porém, segundo o princípio da proporcionalidade, não se ajustando à espécie a aplicação de penalidade para um tipo não previsto na lei de enriquecimento ilícito presumido, desatrelado da função pública." [28]
O julgamento do processo administrativo disciplinar não pode pautar-se em ato desproporcional ou arbitrário, sob pena de nulidade, como preconizado pelo STJ: [29] "(...) 1. O Poder Judiciário pode e deve sindicar amplamente, em mandado de segurança, o ato administrativo que aplica a sanção de demissão a Servidor Público, para verificar (a) a ocorrência dos ilícitos imputados ao Servidor e, (b) mensurar a adequação da reprimenda à gravidade da infração disciplinar, não ficando a análise jurisdicional limitada aos seus aspectos formais. 2. A previsão legal da possibilidade de o agente administrativo superior agravar a pena sugerida pela Comissão Processante tem limite na ocorrência de contrariedade à prova dos autos; fora dessa hipótese, se afrontarão, abertamente, as garantias processuais na via administrativa; a compreensão da atividade de agravamento de sanção deve ser temperada com limite rígido, para que não se abra a porta ao arbítrio da autoridade hierárquica, que, ao final, aplica a sanção administrativa. 3. A materialização do dever-poder estatal de punir deve estar compatibilizada com os preceitos fundamentais que tutelam a dignidade da pessoa humana, de sorte que o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar não pode consubstanciar ato arbitrário pautado em presunções subjetivas, mas deve sempre estar calcado em prova robusta e coerente, assegurando a aplicação do princípio da segurança jurídica às partes. 4. Os danos materiais e morais derivados de uma punição injusta ou desproporcional ao ato infracional cometido são insuscetíveis de eliminação, por isso a imposição de sanção disciplinar está sujeita a garantias muito claras, entre as quais avulta de importância a observância da razoabilidade e proporcionalidade entre a conduta imputada e a sanção aplicada. 5. Neste caso, a autoridade superior não apontou objetivamente que a Comissão Processante teria concluído por apenação destoante das provas dos autos; na verdade, o agravamento da sanção (de detenção para exclusão da Corporação) se deu apenas com base na gravidade do comportamento inadequado, violador da ética e disciplina, que devem fazer parte da honra militar. 6. Não obstante a orientação que apregoa não repercutir a sentença penal, ainda que absolutória, no Juízo Cível, não se pode desprezar o fato de que sequer foi instaurado qualquer procedimento criminal em relação ao ilícito imputado ao Militar, reforçando a desproporcionalidade entre a sanção aplicada e a conduta a ser punida, que, frise-se, também constitui ilicitude punível na seara penal (porte ilegal de arma de fogo). 7. Recurso parcialmente provido para anular o ato de exclusão do recorrente da Polícia Militar de Pernambuco, determinando sua imediata reintegração, remanescendo a aplicação da sanção sugerida pela Comissão Processante, em seu grau mínimo, a dizer, detenção por 21 dias." –[g.n.]-.
Em seu magistral voto, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, baseando-se na doutrina, arremata: "11.Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério do Professor MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS: (...) No processo administrativo disciplinar do século XXI, não vigora mais o absoluto e irrestrito discricionarismo da Comissão Disciplinar e da Autoridade administrativa julgadora, pois a margem de escolha e de oportunidade da decisão, como já aduzido, devem observar obrigatoriamente os elementos jurídicos objetivos previstos em Lei. Por mais grave que seja a acusação imputada ao servidor acusado, o seu julgamento deve ser justo e imparcial, totalmente adstrito ao plasmado da verdade real. A Administração Pública possui a relevante função de julgar as condutas infracionais de seus servidores, acarretando com isso sérios reflexos em suas vidas profissionais e pessoais e, em assim sendo, possui o dever ser inteiramente fiel às provas produzidas na fase da instrução e aos fatos que foram legalmente demonstrados no processo administrativo disciplinar (Lei nº 8.112⁄90 Interpretada e Comentada, Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União, Rio de Janeiro, América Jurídica, 2008, pp. 1247). 12. Com efeito, a materialização do dever-poder estatal de punir administrativamente os seus Servidores deve estar compatibilizada com os preceitos fundamentais que tutelam a dignidade da pessoa humana. Os danos materiais e morais derivados de uma punição injusta ou desproporcional ao ato infracional cometido são insuscetíveis de eliminação, por isso a imposição de sanção disciplinar está sujeita a garantias muito claras, entre as quais avulta de importância a proporcionalidade entre a conduta e a sanção." –[Itálico nosso]-.
Dessa forma, não há que se falar em punição de servidor público por uma pseudo improbidade administrativa tributária, desatrelada da prática de ato ilícito funcional.