I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
A análise sobre o presente tema se faz necessária e urgente, até como um alerta, em decorrência de sua extrema gravidade, por presenciarmos, no exercício da advocacia, várias vezes violações constitucionais, abusos de autoridades, extrapolação dos limites legais, não observância dos princípios da ampla defesa, do contraditório e da transparência e desconsideração total do contido na defesa apresentada pelo Requerido(a), em se tratando do direito de investigar e de acusar; portanto, tais arbitrariedades, em especial, vêm ocorrendo no âmbito da Receita Federal do Brasil, onde o servidor que possui movimentação bancária e patrimonial tida como incompatível com a renda declarada possui sua conduta subsumida no descrito pelo artigo 9º, inciso VII, da Lei nº 8.429/92, mesmo que não tenha praticado qualquer ato funcional (omissivo ou comissivo) irregular no exercício do cargo ou da função pública.
Esse vem sendo o modus operandi das autoridades lotadas na Receita Federal do Brasil, com total violação de todos os dispositivos legais pertinentes de nosso ordenamento jurídico. Para essas autoridades não vige a busca da verdade real mas sim, ocorre um retrocesso a época da tão famigerada verdade sabida.
O servidor público lotado na Receita Federal vem sendo vítima de grave e inconcebível perseguição, pois para que seja instaurado o processo administrativo disciplinar faz-se necessário a existência de uma prova direta da prática de uma conduta irregular, bem como, da materialidade do fato, constatada no exercício ou em razão do vínculo público, pois do contrário haverá atipicidade de conduta (ou falta de justa causa para instauração do PAD).
Não resta dúvida que o servidor público ostenta também a posição de contribuinte do imposto de renda e qualquer irregularidade em sua declaração de rendas, tal qual, omissão de informações ou variação patrimonial a descoberto estará sujeito ao processo tributário (fiscalização) como qualquer outro contribuinte, sem nenhum privilégio ou tratamento discriminatório. Contudo, para que tal fato se direcione para a esfera disciplinar, é necessário, antes de mais nada, que seja demonstrado o nexo de causalidade (terceiro elemento do fato típico), [01] resultante de possíveis atos funcionais infracionais capazes de impulsionarem uma possível variação patrimonial incompatível com o cargo ou a função pública exercida pelo servidor(a). [02]
Caso ocorra a instauração de um PAD contra o servidor público, não poderá em hipótese alguma ocorrer o cerceamento do seu direito de defesa, em flagrante violação ao que vem estatuído no artigo 5º, LV, da CF, em decorrência de que ele se defende, desde a fase inicial de instauração no processo administrativo disciplinar, da descrição dos fatos que lhe são imputados em tese, e não da tipificação legal constante da Portaria inaugural.
Constatada a prática de uma irregularidade funcional, através de prova direta, com a comprovação inequívoca de sua autoria, bem como, da materialidade, por ocasião do juízo de admissibilidade do processo administrativo disciplinar, a Autoridade Administrativa competente determinará a instauração do processo. Sem esses requisitos, não há dúvida que faltará justa causa para iniciar-se a persecução disciplinar.
Contudo, na prática, com uma atuação sem qualquer observância aos dispositivos legais constantes da Lei nº 8.112/90 e de igual modo da Lei nº 8.429/92, a Receita Federal do Brasil vem instaurando inúmeros processos administrativos disciplinares sob o inconstitucional e ilegal fundamento de que ocorre "enriquecimento ilícito presumido" do Auditor Fiscal, quando ele é acusado de uma pseudo variação patrimonial a descoberto, sem que seja demonstrada uma única conduta funcional caracterizada, em tese, como ímproba.
Essa postura da Receita Federal do Brasil gera verdadeiro estado de insegurança e de permanente ilegalidade, resultado do abuso de poder do direito de se manejar um processo administrativo disciplinar, sem que seja, de forma minuciosa, descrita, em tese, a conduta funcional ilícita ou irregular do servidor público, lá lotado.
A instauração de processo administrativo disciplinar é obrigatória, quando demonstrado, por provas diretas, a prática de ato ilícito no exercício ou em decorrência do vínculo público do servidor investigado (art. 143, da Lei nº 8.112/90).
É a denominada e tão necessária "justa causa", que deve estar presente, para poder-se dar início à persecução disciplinar. Sem ela, é mais prudente que seja instaurado o procedimento de sindicância, para a busca de evidências em relação à autoria e materialidade de uma infração disciplinar, condições essenciais para a instauração do processo administrativo disciplinar.
Jamais uma suspeita, um indício, ou seja, uma prova indireta, poderá ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar contra o servidor público, pois para que isso ocorra há necessidade da comprovação do fato ilícito praticado através de uma prova direta, justamente porque o referido servidor possui o direito fundamental a intimidade, imagem, honra e inviolabilidade, bem como, de seus dados protegidos por cláusulas constitucionais rígidas, que somente se relativizam se houver uma justa causa.
Por outro lado, o enriquecimento ilícito do agente público, no exercício de seu cargo ou função pública, exige a demonstração inequívoca através de prova direta, além de outros elementos, da vontade livre e consciente do mesmo em praticar o disposto no referido tipo legal; em sendo assim, para a configuração do ilícito sub oculis (ou outro ilícito), necessita estar presente na sua conduta o elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo, e por tratar-se de um ato omissivo ou comissivo, não é admissível a mera "presunção" de variação patrimonial incompatível com a renda declarada (responsabilidade objetiva), como fundamento para a subsunção da conduta do servidor público no disposto pelo artigo 9º, inciso VII, da Lei nº 8.429/92. Observando-se que em nosso ordenamento jurídico pertinente, a responsabilidade deverá ser sempre subjetiva.
Apesar de tal fato ser inequívoco, ocorre que de forma inconstitucional e ilegal, com total abuso de autoridade, estão sendo instaurados vários processos administrativos disciplinares contra servidores lotados na da Receita Federal sem que estejam presentes e descritos de forma detalhada os fatos praticados na Portaria inaugural, com a tão necessária subsunção de suas condutas em um tipo legal, haja vista que é defeso por Lei a imputação da prática de uma infração administrativa a um servidor(a) fundamentada em responsabilidade objetiva, como se fosse o "corpo de delito" a variação patrimonial incompatível com a renda recebida pelo agente público, mas sem qualquer vinculação com o cargo ou a função pública exercida.
Para dar-se impulso ao início da persecução disciplinar há necessidade da presença de uma justa causa, capaz de respaldar a instauração do processo administrativo disciplinar contra o servidor público, uma vez que é absolutamente necessária, no mínimo, que sejam descritas detalhadamente as irregularidades praticadas no exercício do cargo ou da função pública, na forma do disposto pelo artigo 143, da Lei nº 8.112/90, em decorrência de que o(a) Requerido(a) se defende dos fatos descritos que lhe são imputados na fase de instauração e instrução do PAD, e somente após a fase do indiciamento é que ele se defenderá do contido no tipo legal, cuja prática lhe foi imputada.
Isso porque, é necessária a demonstração do ilícito funcional, praticado pelo servidor público, por intermédio de uma prova direta, porquanto a situação de mero contribuinte do imposto de rendas não pode ser confundido com o ilícito em questão, se não houver nexo de causalidade com o cargo ou função público exercidos, vinculados com a esfera disciplinar.
Aliás, o artigo 117, inciso X, da Lei nº 8.112/90 permite, inclusive, que o servidor público tenha atividade privada (participe de sociedade civil), exceto na qualidade de sócio gerente, o que reforça ainda mais a assertiva, que o pseudo ilícito tributário - quando identificado -, por si só não gera a responsabilidade funcional do mesmo.
Os fatos praticados pelo servidor público, que servem de fundamento para a instauração do processo administrativo disciplinar devem se subsumir necessariamente (a conduta do mesmo) em uma infração funcional, pois do contrário ocorrerá abuso do direito de investigação, bem como cerceamento do direito de defesa, pois o servidor investigado não poderá exercer os seus direitos constitucionais no PAD, sem que haja a demonstração de uma possível violação aos seus deveres ou obrigações estabelecidas no Estatuto do Servidor Público ao qual se vincula.
II - O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - ILEGALIDADE DE SE PRESUMIR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO:
A partir do mês de janeiro de 2003, o enriquecimento sem causa – até então construção da doutrina e da jurisprudência - passou a integrar a redação do artigo 884, do Código Civil, assim disposto: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
O enriquecimento injusto possui em sua origem um desequilíbrio patrimonial, que seria definitivo e real se não fosse coibido pelo ordenamento jurídico e, sobretudo, pela obrigação restituidora daquele que deu causa ao mesmo ou foi beneficiado ilegitimamente pelo empobrecimento alheio.
Transportado esse princípio para o âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, assim ficou redigido o texto do artigo 9º, inciso VII, da Lei nº 8.429/92: "Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público." –[negrito e g.n.]-.
Em sendo assim, não há como se presumir vantagem patrimonial indevida em razão do vínculo público, pois o princípio é inverso, imperando a presunção de inocência em favor do indivíduo/agente público.
Somente uma prova direta (inquestionável e extreme de dúvida) é que poderá elidir a presunção de inocência; Contudo, quando ocorre a prática de um ato ilícito por parte de um agente público e o referido ilícito estiver invencivelmente caracterizado, bem como, a sua materialidade, não há mais que se falar em presunção de inocência (que não mais poderá ser elidida), mas sim em condenação.
O nexo causal terá que estar obrigatoriamente presente, proveniente do enriquecimento ilícito do agente público vinculado ("em razão") única e exclusivamente ao cargo ou à função pública, sem presunções ou dúvidas. Justamente porque os doutrinadores entendem parecer não haver crime sem resultado. Não podendo olvidar-se que os crimes de mera conduta não possuem resultado.
Retornando a presunção do dano, demonstramos de forma plena e cabal, que o mesmo não se presume, e muito menos o enriquecimento ilícito, pois exige a necessidade e obrigação da restituição do indevidamente auferido, como aduzido anteriormente nos comentários a figura do empobrecido (Art. 884, do Código Civil).
Com relação a lesividade ao erário público, essa decorre necessariamente da prática de um ato ilícito, e não da presunção do mesmo.
É juridicamente impossível caracterizar/comprovar um dano decorrente da presunção de que houve enriquecimento ilícito do agente público. O enriquecimento ilícito deve estar inequivocamente presente no núcleo do ato ilícito (do tipo), demonstrando-se com a conduta ilícita do servidor público o elemento subjetivo do tipo, quanto o seu elemento objetivo. E conforme o caso o elemento normativo do mesmo.
De igual forma sem a demonstração do nexo de causalidade, não há que se falar na prática do enriquecimento ilícito por parte do agente público, e muito menos presumido.
A lesividade presumida no âmbito pecuniário, mercê da lesividade à ordem jurídica, é aquela que onera, sem benefícios, o erário público, em proveito próprio do agente público que deu causa a prática do ato ilícito dolosamente.
É essencial, portanto, que restem provados três requisitos simultâneos: a ilegalidade do ato impugnado, a lesão aos cofres públicos e o enriquecimento ilícito do agente público. [03]
O agente público no exercício de seu cargo ou função, não enriquece aleatoriamente, para tanto é necessário a prática de um ato lesivo ao erário público, salvo casos de enriquecimento não doloso, v.g., recebimento de uma herança, doação etc.
Nesse sentido, cita-se síntese do voto do Des. Fed. Olindo Menezes: [04] "[...] 1 – A Lei nº 8.429/92, de 02.06.1992, alude à indisponibilidade cautelar de ‘bens que assegurem o integral ressarcimento do dano’, no caso, de lesão ao patrimônio público, ou ‘acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito’, na hipótese de enriquecimento ilícito (art. 7º, parágrafo único), mas em qualquer das hipótese, é indispensável que haja razoável demonstração dos supostos danos, ou do enriquecimento sem causa; enfim, de indícios veementes de responsabilidade [...]." [aspas no original].
Segundo o posicionamento do Des. Fed. Tourinho Neto, sobre o tema sub oculis: [05] "[...] 1 – O enriquecimento ilícito se dá com o que se obteve com a prática dos atos de improbidade. Perde-se o que ganhou ilicitamente [...]."
Por fim, a Primeira Seção do STJ considerou ser indispensável a prova da existência de dano ao patrimônio público para que se tenha configurado o ato de improbidade, "inadmitindo o dano presumido", sendo "imprescindível, na avaliação do ato de improbidade, a prova do elemento subjetivo." [06]
Como demonstrado, através de decisões judiciais, o dano não se supõe, ou ele é decorrente de um ato ilegal, ou não há que se falar em enriquecimento ilícito presumido, em decorrência de que o caput do art. 9º, da Lei n. 8.429/92 estabelece o tipo legal vinculado ao exercício da função ou do cargo público do agente, o que significa dizer que ele deverá estar inequivocamente demonstrado e não presumido, sendo que: "A responsabilidade pelo ressarcimento deve ser proporcional aos atos praticados pelo causador do dano." [07]
A improbidade administrativa, mais do que um ato ilegal, pressupõe, necessariamente, a falta de boa-fé, através de um ato desonesto, [08] ou amoral, que deverá estar devidamente comprovado, por intermédio de uma prova direta, em decorrência de que é defeso a sua presunção, em face da inversão do princípio onde o ônus da prova é do Poder Público e não do acusado, ao qual milita constitucionalmente em seu favor o princípio da presunção da inocência, até que se demonstre o contrário.
Ratificando o que foi aduzido, muito próprio foi o julgado do TJ/MG que afastou a indenização sobre "suposto/remoto dano ao erário": "Indenização. Suposto/Remoto dano. Improcedência. Não se indeniza suposto dano ou dano remoto, incerto e eventual, mas somente aqueles diretos e efetivos, decorrentes, imediatamente, do ato omissivo/comissivo, culposo ou doloso imputado a outrem e cuja prova incumbe ao prejudicado demonstrar." [09]
Cabendo ressaltar que o ônus da prova dos fatos tidos, em tese, como irregularidades (Ilícitos) é da Administração Pública [10], no processo administrativo disciplinar.
Somente possui direito a uma reparação ou indenização o sujeito que demonstre de forma inequívoca um prejuízo decorrente de um dano indevidamente praticado por terceiros.
A presunção de um enriquecimento ilícito ou de um suposto dano viola dispositivos de nosso ordenamento jurídico, que não permite esse tipo de situação, justamente porque o enriquecimento ilícito ou o dano devem ser diretos e efetivos, sobejamente provados por intermédio de provas diretas e jamais remotas, incertas, supostas e presumidas, observando-se que tal ocorre inclusive, em prol da segurança jurídica.
Em pronunciamento extremamente oportuno a eminente Ministra Eliana Calmon, [11] em seu magistral voto no REsp. nº 621.415-MG, 2ª T., do STJ, manifestou-se no seguinte sentido: "O conceito de ato de improbidade não é fluido ou intuitivo".
Agrega-se a esse lúcido e jurídico posicionamento o do Ministro Castro Meira, que ao votar no citado REsp. nº 621.415-MG, explicitou bem a matéria aqui analisada: "Como se vê, na hipótese de enriquecimento ilícito (art. 9º), a ação de improbidade não será procedente se não houver prova da lesão (locupletamento sem causa do gestor público). Condenado o réu, perderá os bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio".
A condenação ao ressarcimento de danos causados ao erário exige a prova direta do efetivo prejuízo, que não é presumido, e sim certo e líquido. [12]
Entendemos ser essa a mais plausível solução jurídica, a mais correta e justa, pois não é vedado, pela lei, que o servidor público, regido pela Lei n º 8.112/90, possa ser acionista, cotista ou comanditário de empresa privada, consoante determinação expressa do art. 117, X, do citado estatuto, verbis: "Art. 117. Ao servidor é proibido: [...] X – participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros, e exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;". –[g.n.]-.
Onde estaria a prática do enriquecimento ilícito por parte do agente público, no exercício de seu cargo ou função, se a conduta do mesmo estivesse adaptada nas situações estipuladas no acima citado e transcrito art. 117, inc. X, da Lei nº 8.112/90?
A Lei de Improbidade Administrativa não proíbe a ascensão lícita financeira/patrimonial do agente público, no exercício de seu cargo ou função, justamente porque um de seus objetivos é combater a prática de atos ilegais que importarem enriquecimento ilícito, lesividade, através do exercício corrompido, abusivo ou imoral da função pública.
Outra situação, que, aliás, é frequente, dá-se quando o agente público possui conta corrente bancária conjunta com seu cônjuge ou filho(a) e eles não são funcionários públicos, mas exercem atividade profissional remunerada. Nesses casos, poderá ocorrer uma movimentação bancária superior ao recebimento mensal do servidor, sem que haja necessariamente subsunção da conduta do referido servidor no disposto pelo inciso VII, do art. 9º, da Lei de Improbidade Administrativa. Portanto, deverá ser provado de forma direta, pelo Poder Público, como já aduzido anteriormente, que o agente público se enriqueceu, ilicitamente, através da prática de um ato devasso ou imoral, no exercício de seu cargo ou função.
Nesse sentido, Marino Pazzaglini Filho [13] afirma: "A meu ver, data venia, incumbe, na ação civil de improbidade, a seu autor provar que o agente público adquiriu valores incompatíveis com a evolução de seu patrimônio e rendimentos em decorrência do exercício abusivo, corrompido, subvertido de seu mandato, cargo, emprego ou função pública.
Não há, na espécie, qualquer previsão legal, explicitamente, de inversão do ônus da prova. E sua adoção, por ser excepcional e afastar a regra processual geral actori encumbit probatio, tem que ser expressa e não tácita ou presumida.
Ademais, a norma do art. 9º, da qual o ‘enriquecimento sem causa’ é uma
sa lícita de acréscimo patrimonial desmedido, mas decorrente do uso indevido da atividade pública para se enriquecer, que configura tal ato de improbidade administrativa.
Do contrário, não sendo identificado o exercício irregular ou imoral do servidor público, não havia a subsunção de sua conduta no tipo infracional do art. 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92." –[Itálico e aspas no original]-.
das espécies em exame, trata de enriquecimento indevido, sem causa lícita, em razão do exercício da função pública. Assim, não é qualquer cau
Benedicto de Tolosa Filho [14] faz, com muita propriedade, a devida distinção entre a diferença do enquadramento legal do acréscimo patrimonial para o Direito Tributário e para a Lei de Improbidade Administrativa, sublinhando a necessidade de uma prova contundente do Poder Público contra o agente público, para que não haja a indevida inversão do ônus da prova: "O cerne da ação que tipifica ato de improbidade administrativa é o aumento pessoal de patrimônio ou a aquisição disfarçada para terceiros de bens de qualquer espécie, desde que por agente público, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, cujo valor não guarde proporção com renda auferida. Para que o Fisco inicie procedimento na área tributária, basta virem à luz os chamados ‘sinais exteriores de riqueza’, cabendo ao averiguado provar que os ditos ‘sinais’ são compatíveis com seus rendimentos. Essa premissa precisa ser tomada com o devido cuidado, quando transposta para a esfera dos atos de improbidade administrativa, sob pena de consagração da inversão do ônus da prova. Se na esfera tributária a presunção é suficiente para desencadeamento de procedimento averiguatório, para apuração de eventual ato de improbidade administrativa mister se faz que o autor da ação civil comprove que o patrimônio do agente público é incompatível, decorrente do exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública. A inversão do ônus da prova, embora possa parecer clara pela redação do inciso analisado, deve ser afastada em homenagem ao próprio fundamento do Estado Democrático de Direito. O nexo causal de ato de aumento patrimonial indevido pelo exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, deve ser demonstrado cabalmente pelo autor da ação civil pública." -[Aspas no original]-.
Para a configuração do tipo legal em questão, é necessária a comprovação por intermédio de provas diretas do enriquecimento ilícito ocorrido em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividades nas entidades públicas. Esse é o nexo causal, sem o qual ficará prejudicada a subsunção da conduta do agente público no presente dispositivo legal: "O inc. VII é extensão e exemplificação do caput, denunciado pelo uso do advérbio notadamente. Este, ao conceituar o enriquecimento ilícito, refere-se a ‘qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades’, o que leva à inexorável conclusão de que deve ser evidenciado o nexo etiológico entre o enriquecimento e o exercício público, ou seja, que a causa do enriquecimento é ilícita porque decorre do tráfico da função pública. Portanto, para a caracterização dessa modalidade de enriquecimento ilícito é imprescindível que a aquisição de valores incompatíveis com a receita do agente público tenha ocorrido em decorrência do subvertido exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade na Administração Pública direta, indireta, fundacional ou nas entidades a que se refere o art. 1º da Lei Federal nº 8.429/92." [15] –[Itálico e aspas no original]-.
E mais à frente aduzem os ilustres publicistas: [16] "Tendo em vista as rigorosas sanções estipuladas no diploma em questão e sua repercussão na esfera privada e, levando-se em conta que sua aplicação conduz ao desapossamento de bens, à privação de direitos políticos e à interdição para o exercício de função pública, quer dizer, na privação de direitos fundamentais garantidos pela CF, não se pode aceitar a tese da presunção da ilicitude do enriquecimento calcada em também presumida, genérica e vaga improbidade administrativa. No Estado Democrático de Direito é inconcebível exigir do cidadão que prove que é inocente."
A figura do enriquecimento ilícito presumido, justamente por não haver um tipo legal que a preveja, é injurídica, pois muitas injustiças poderão surgir se manejada ação de forma abusiva, precipitada e sem prova direta para tal, tendo em vista que a interpretação levada a efeito pela Administração Pública é como se tratasse de um tipo aberto, em absoluto conflito com o tipo descrito na LIA que é "fechado".
Em crítica aberta a essa elasticidade do inc. VII, do art. 9º, da LIA, o Procurador da República de MG, Dr. José Adércio Leite Sampaio, [17] deixou registrado: "Assim, por exemplo, o art. 9º, inc. VII, cria a figura do ‘enriquecimento ilícito presumido’, ao qualificar como improbidade a aquisição, para si ou para outrem no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, de bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público. Haverá necessária vinculação entre a aquisição de um imóvel que tenha valor desproporcional à renda ou evolução patrimonial do agente público e as funções públicas desse agente? Se atentarmos para todo o art. 9º, veremos presente, para além de uma vantagem patrimonial indevida, o nexo entre a vantagem e a condição ou situação de agente público. O inc. VII silencia a esse respeito: será absoluta a presunção que estatui, ou haverá necessidade desse vínculo, transformando-se a presunção em relativa com ou sem a inversão do ônus da prova?"
Em seguida, o eminente Procurador da República conclui: [18] "Se em vez de custos marginais pensarmos que as normas jurídicas são recortes lingüísticos, orientados por pressupostos comunicativos, para formação de consensos informados, chegaremos à mesma conclusão de falta de clareza e precisão do dispositivo."
Portanto, ilegal é a inversão do ônus da prova, pois o titular da persecução disciplinar deverá provar de forma direta que houve enriquecimento ilícito do agente público em decorrência do exercício do seu mandato, cargo, função ou emprego. Sem essa prova direta, a investigação disciplinar é natimorta, por faltar-lhe requisito essencial para a validade da própria execução, sendo a mesma inepta. [19]
Aliás, é de se ressaltar, por oportuno, que a inversão do ônus da prova só ocorre em nosso direito positivo em situações especialíssimas de relevante interesse público ou de proteção a hipossuficientes, como verba gratia: Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), em prol do consumidor de produtos ou serviços lesados e Lei de Proteção ao Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) onde o agressor é que tem de provar a falta de nexo causal entre a sua atividade e o desastre ambiental ocorrido.
Para que ocorra a subsunção da conduta do agente público no presente tipo legal, necessário se faz que haja a comprovação explícita de que o agente público, no exercício da função, se corrompeu ou aceitou rendimentos ou vantagens, para atuar em favor de terceiros. Esse liame – função pública e recebimento de vantagens econômicas – é de suma importância para a tipificação da conduta do agente público no dispositivo sub oculis.
Existe a hipótese de um agente público que invista na Bolsa de Valores, recebendo dividendos, ou ganhe um bilhete premiado da loteria, fatos esses que certamente fariam com que o referido servidor público tivesse movimentação bancária desproporcional à renda recebida por exercer a função pública.
Por igual, se o agente público recebesse uma herança, uma doação ou vendesse um imóvel, também estaria configurada movimentação bancária superior à remuneração recebida como integrante de determinado ente de direito público.
Por outro lado, não se pode presumir que elevada movimentação financeira em determinado CPF/MF seja de plano, movimentação ilícita incompatível com a renda do agente público/contribuinte, pois:
a) caso existam aplicações financeiras vinculadas à conta corrente bancária do contribuinte, a cada saída para a conta investimento considera-se uma movimentação, mesmo que essa movimentação se trate do mesmo dinheiro. O mesmo ocorre no caso de utilização de cheque especial.
Exemplo: Determinado servidor público possuía em conta R$ 100.000,00 (cem mil reais). Emprestou para amigo José R$ 90.000,00 (noventa mil reais), José na semana seguinte pagou R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e na outra semana pediu de volta R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) emprestados, o que aconteceria em termos de movimentação na conta do Investigado? Uma tabela ilustra a situação:
EXEMPLO HIPOTÉTICO |
||
01.01.11 |
Saldo na conta |
100.000,00 |
02.01.11 |
Servidor Investigado transfere para José |
90.000,00 (-) |
09.01.11 |
José paga parte |
80.000,00 |
16.01.11 |
Servidor Investigado re-empresta para José |
50.000,00 (-) |
20.01.11 |
Servidor Investigado emprestou |
30.000,00 (-) |
Analisando esses fatos hipotéticos, tem-se que o servidor investigado, com apenas R$ 100.000,00 (cem mil reais) movimentou R$ 170.000,00 (cento e setenta mil reais) durante vinte dias e se essa situação perdurar durante um ano, ele movimentará milhões de reais com o mesmo valor inicial, sem que a sua conduta seja subsumida em um fato típico.
Nessas situações, sobreleva salientar que o agente público não estaria transgredindo o disposto no inciso VII, do art. 9º, da Lei de Improbidade Administrativa, justamente porque inexiste o tipo legal de enriquecimento ilícito presumido.
Esse esclarecimento faz-se necessário, pois o dispositivo legal em questão determina que somente no exercício irregular da função pública é que haverá o nexo de causalidade prova, em tese, de que a aquisição de bens incompatíveis com a renda declarada, aí se inclui, em sentido lato, depósito em dinheiro ou em títulos em bancos, recebidos pelo agente público, e nessa qualidade é que será responsabilizado, por um possível enriquecimento ilícito. Sem esse liame, função pública e acréscimo patrimonial, não há que se falar em improbidade administrativa, pois a lei não pune quem alcança uma situação financeira de destaque licitamente, em decorrência de que a infração disciplinar reside na utilização da função pública para a obtenção de vantagem ilícita ligada ao oferecimento de uma contraprestação que impulsiona a evolução ilícita do patrimônio ou a renda a maior do agente público. Observando-se que em hipótese alguma não poderá haver o elemento subjetivo do tipo legal, qual seja, o dolo, de forma presumida.
Demonstrada e comprovada através de prova direta a licitude da evolução patrimonial ou da renda do servidor público inexiste justa causa para a investigação, podendo-se falar inclusive em direito à obtenção de ressarcimento por danos morais e materiais em prol do servidor público – probo, é claro – investigado por mera emulação ou erro evidente.