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A Lei Maria da Penha como direito humano básico da mulher

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07/06/2011 às 09:31
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3. A inefetividade da Lei Maria da Penha em Passo Fundo enquanto implementação do direito humano básico da mulher

Do exposto, o que se pode constatar é que há muito a percorrer para que a Lei Maria da Penha alcance o status desejado, a sua efetividade no mundo dos fatos, no nosso caso, na cidade de Passo Fundo. De todas as instituições visitadas, das pessoas que foram entrevistas foi possível diagnosticar algumas questões que impossibilitam a sua efetividade.

Em que pese os problemas sempre serem os mesmos, como a drogadição, a violência contra crianças, contra mulheres, contra os idosos, por exemplo, as instituições não têm projetos permanentes para contemplar estas questões. De acordo com a chegada das pessoas nas instituições é que estas vão definir que projetos serão contemplados, que podem durar mais um ano, dois ou quatro, até que venham outras pessoas, outro governo e mude o foco de trabalho. E quem perde com esta transição é a população, que necessita tanto de projetos sólidos.

Da leitura da Lei Maria da Penha, pode-se constatar que muitas das ações elencadas no art. 8º são simples, que com um planejamento estratégico e a integração operacional entre os órgãos, são possíveis de serem aplicadas, e não são ações complexas, nem que demandam muitos gastos.

Em estudo realizado pela diretora do Serviço Social Forense, Marília Lobão Ribeiro, intitulado "a psicologia judiciária nos juízos que tratam do direito de família no tribunal de justiça do Distrito Federal", a autora relata a importância do auxílio de profissionais da área de serviço social e psicologia nas questões de direito de família (2005).

Na percepção da autora, quando os casais buscam a justiça para solucionar questões como guarda de filhos ou visitas, por exemplo, estes casais vivem um relacionamento tão insatisfatório, que os impede de resolver questões referentes ao seu casamento, delegando à justiça a decisão destas. Neste momento, ou seja, quando se pede ao judiciário que decida por eles, é que a psicologia e o serviço social podem intervir, com o objetivo de devolver a esta família o poder de decidir, já que eles são as pessoas que mais tem condições de encontrar a melhor solução. Em busca da melhor solução, são realizados encontros em que pais e filhos participam, outros apenas com subgrupos familiares e encontros, inclusive com os advogados das partes, com o objetivo de mostrar a estes que são fundamentais para a reorganização daquela família, além de visitas domiciliares e atendimentos psicossociais aos integrantes da família (RIBEIRO, 2005).

Este depoimento corrobora a necessidade de buscarmos cada vez mais este atendimento multidisciplinar às vítimas de violência doméstica, já que não será apenas a decisão do judiciário de tirar ou não o marido de casa que trará efetividade a Lei Maria da Penha, se a mulher não puder buscar este atendimento porque o poder público e a sociedade não dispõem de programas de atendimento à mulher e de reabilitação ao ofensor?

Segundo Morgado, assistente social e doutora em sociologia, "o sentimento de propriedade, a impunidade e a ausência de políticas públicas atuam, dentre outros, como alicerces de manutenção desta violência" e a autora questiona " no que se refere às condições concretas de apoio às mulheres/mães brasileiras que buscam auxílio para romperem com o ciclo da violência, uma pergunta pode ser feita: a quem recorrer?"( 2005, p. 07)

Discutir políticas públicas nos remete diretamente a questionar a posição do Estado.

Na concepção de Prá:

[...] a posição do Estado em relação às mulheres se manifesta historicamente pelo reconhecimento da dimensão social de sua exclusão e discriminação. A vulnerabilidade que lhes é imputada contribui para torná-las objeto de medidas assistencialistas, definidas como "gasto nas mulheres", estratégias redistributivas de poder ou de oportunidades sequer são pensadas para contemplar este segmento da população (2003, p. 09)

Esta posição vem sendo modificada nas duas últimas décadas do século, em virtude do movimento das mulheres, tanto que a OIT coloca o tema da equidade de gênero como tema para ser incorporado nas agendas dos governos. E nesse sentido que os autores compreendem que as políticas públicas são o resultado de um conjunto de processos mediante os quais as demandas sociais se transformam em opções políticas e em tema de decisão de autoridades públicas (BAQUERO PRÁ, 2003).

Assim, discutir o tema da equidade de gênero e executar políticas públicas para combater a violência doméstica contra a mulher, além exigir vontade política dos governantes que estão no poder e da pressão dos organismos internacionais, requer uma mudança da cultura política. No relatório apresentado [07], Prá traz as reflexões de Gabriela Llanos, que discute a importância de "estudos que incorporem processos de sensibilização; que retratem a mulher como sujeito e protagonista; que integrem enfoques anteriores aos novos; que aprofundem mais determinadas temáticas e métodos, resgatando o que for pertinente" e continua " a ação política e a produção de conhecimentos se têm alimentado e se alimentarão mutuamente". E finalizando, a autora enfatiza que o "processo cultural de construir condições que tornem possíveis as transformações buscadas não será fácil, porém permitirá completar uma das revoluções mais profundas e significativas da história da humanidade (2003, p. 12).

Na compreensão de Morgado, tanto a violência doméstica, tendo como sujeito passivo à mulher ou contra crianças e adolescentes não atingiu um status, uma importância, a fim de desencadear a criação de políticas públicas com objetivo de enfrentar este problema (2005, p. 333 ).

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Outro dado que entendemos obstaculizar a efetividade da Lei Maria da Penha é que cada instituição entende que "faz a sua parte". Isto é um problema, primeiro porque na visão destas instituições, está sendo feito o que é preciso. O que não corresponde ao que a lei exige. Segundo, e que é o mais grave, porque fica evidente que não há integração operacional entre elas.

Por outro lado, a receptividade das pessoas na pesquisa e a vontade de ver que algo mais pode ser feito, e a sua disponibilidade em discutir ações, projetos, é um dado significativo, que nos mostra que um novo caminho pode ser traçado, e que nós podemos contribuir com o município, na execução de projetos que tenham como objetivo, o enfrentamento da violência doméstica.

Do exposto, o desafio do município de Passo Fundo está na efetivação de políticas públicas que garantam o atendimento multidisciplinar às vítimas de violência doméstica e da integração operacional entre os poderes, responsáveis pela aplicação da Lei Maria da Penha.


Referências

ANUÁRIO, 2008-2009. Passo Fundo Gigante do Norte. O Nacional grupo Editorial.

BATISTA, Flávia. Violência doméstica: um problema de saúde pública entre quatro paredes. In: Rigonatti, Sérgio Paulo. Temas em psiquiatria forense e psicologia jurídica. São Paulo: Vetor, 2003.

MENEGHEL, Stela Nazareth. Rotas críticas: a trajetória das mulheres na superação das violências. Projeto contemplado no Edital Universal/CNPq/2008.

MORGADO, Rosana. Mulheres em situação de violência doméstica: limites e possibilidades de enfrentamento. In: GONÇALVES, Hebe S.; BRANDÃO, Eduardo P. (Org.). Psicologia jurídica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: NAU, 2005.

PASINATO, Wânia. Estudo de caso sobre os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e a Rede de Serviços para Atendimento de Mulheres em Situação de Violência em Cuiabá, Mato Grosso. São Paulo, 2008.

PRÁ, Jussara Reis. Políticas públicas de gênero, governabilidade e monitoramento. Relatório do Seminário "Monitorando as Políticas Públicas: um Desafio Feminista/Articulação de Mulheres Brasileiras". Fórum Municipal da Mulher de Porto Alegre, 2003.

____. ; BAQUERO, Marcello. A democracia brasileira e a cultura política no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: ed. da UFRGS, 2007.

RIBEIRO, Marília Lobão. A psicologia jurídica nos juízos que tratam do direito de família no tribunal de justiça do distrito federal. In: BRITO, Leila Maria Torraca (Org.). Temas de psicologia jurídica. 4. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005.

SAFFIOTTI, Heleieth I. B., Gênero e patriarcado. São Paulo: Ed. PUC-SP, 1999.

SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.


Notas

  1. Rotas críticas: a trajetória das mulheres na superação das violências. Projeto contemplado no Edital Universal/CNPq/2008.
  2. Anuário 2008-2009. Passo Fundo Gigante do Norte. O Nacional grupo Editorial.
  3. Dados coletados junto à Delegacia de Polícia da Mulher, em 24.04.2009.
  4. O juiz titular da 2ª Vara Criminal, encaminhou sugestão à Corregedoria, tendo em vista a existência de duas varas de família nesta comarca, para que uma se especializasse nas questões pertinentes a esta lei, sendo que desafogaria o JECrim, e poderia resolver basicamente toda a problemática da situação familiar, mesmo em litígio, tendo em vista que a atuação da Vara Criminal se restringe aos acordos.
  5. Centro Municipal de Atendimento a Educando
  6. Serviço de Atendimento Mental
  7. Evento intitulado "Monitorando as Políticas públicas: um desafio feminista".
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Sobre a autora
Dhieimy Quelem Waltrich

Advogada, mestranda em direito na Universidade de Santa Cruz do Sul- UNISC, na linha de pesquisa Politicas Publicas de Inclusao Social e bolsista de Producao em Pesquisa pelo CNPQ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WALTRICH, Dhieimy Quelem. A Lei Maria da Penha como direito humano básico da mulher. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19277. Acesso em: 26 abr. 2024.

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